Editora: Record
ISBN: 978-85-0106-734-0
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 178
Sinopse: Vidas
Secas, lançado originalmente em 1938, é o romance em que Graciliano alcança
o máximo da expressão que vinha buscando em sua prosa. O que impulsiona os
personagens é a seca, áspera e cruel, e paradoxalmente a ligação telúrica,
afetiva, que expõe naqueles seres em retirada, à procura de meios de
sobrevivência e um futuro.
“[Fabiano] Vivia longe dos homens, só se dava
bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura
da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma
linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé,
não se aguentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e
feio. Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se
dirigia aos brutos - exclamações, onomatopéias. Na verdade falava pouco.
Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava
reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.”
“Seu Tomás da bolandeira falava bem,
estragava os olhos em cima de jornais e livros, mas não sabia mandar: pedia.
Esquisitice um homem remediado ser cortês. Até o povo censurava aquelas
maneiras. Mas todos obedeciam a ele. Ah! Quem disse que não obedeciam?
Os outros brancos eram diferentes. O patrão
atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só
botava os pés nela para achar tudo ruim. O gado aumentava, o serviço ia bem,
mas o proprietário descompunha o vaqueiro. Natural. Descompunha porque podia
descompor, o Fabiano ouvia as descomposturas com o chapéu de couro debaixo do
braço, desculpava-se e prometia emendar-se. Mentalmente jurava não emendar
nada, porque estava tudo em ordem, e o amo só queria mostrar autoridade, gritar
que era dono. Quem tinha dúvida?”
“[A cachorra] Baleia detestava expansões
violentas: estirou as pernas, fechou os olhos e bocejou. Para ela os pontapés
eram fatos desagradáveis e desnecessários. Só tinha um meio de evitá-los, a
fuga. Mas às vezes apanhavam-na de surpresa, uma extremidade de alpercata
batia-lhe no traseiro – saía latindo, ia esconder-se no mato, com desejo de
morder canelas. Incapaz de realizar o desejo, aquietava-se.”
“Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano
reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele.
Fazia-se carrancudo e evitava conversas. Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe
qualquer coisa. Os negociantes furtavam na medida, no preço e na conta. O
patrão realizava com pena e tinta cálculos incompreensíveis. Da última vez que
se tinham encontrado houvera uma confusão de números, e Fabiano, com os miolos
ardendo, deixara indignado o escritório do branco, certo de que fora enganado.
Todos lhe davam prejuízo. Os caixeiros, os comerciantes e o proprietário
tiravam-lhe o couro, e os que não tinham negócio com ele riam vendo-o passar
nas ruas, tropeçando. Por isso Fabiano se desviava daqueles viventes. Sabia que
a roupa nova cortada e cosida por Sinhá Terta, o colarinho, a gravata, as botinas
e o chapéu de baeta o tornavam ridículo, mas não queria pensar nisto.
– Preguiçosos, ladrões, faladores,
mofinos.
Estava convencido de que todos os habitantes
da cidade eram ruins. Mordeu os beiços. Não poderia dizer semelhante coisa. Por
falta menor aguentara facão e dormira na cadeia.”
2 comentários:
Mesmo criança esta foi uma das primeiras obras que eu tive o privilégio de ler.
Adorei o seu blog.
Parabéns
Alessandra
¡Valeu, Alessandra!
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