Editora: Leya
ISBN: 978-85-62936-29-6
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 248
Sinopse: A
biografia de um dos escritores mais importantes do século XX! Esta é a primeira
biografia de um dos escritores mais importantes da história da literatura. Nela
podemos acompanhar a vida de José Saramago, desde o seu nascimento na aldeia
portuguesa da Azinhaga, Golegã, até a sua mudança para a ilha de Lanzarote,
Espanha. E descobrimos toda a sua obra, desde as crônicas de “A Capital” e do “Jornal
do Fundão”, até seu livro “Caim”.
Saramago passou a se dedicar definitivamente à escrita
ficcional aos 53 anos e, em 1980, lança “Levantado do Chão”. Com esse romance,
surge o que viria a ser conhecido como o “estilo saramaguiano”: o narrador “oraliza”
a escrita como se estivesse de viva voz, como numa roda de amigos, e
desrespeita ostensivamente as regras sintáticas e a pontuação.
Mas é o romance “Memorial
do Convento”, de 1982, que o consagra definitivamente. Em outubro de 1998,
Saramago ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, tornando-se o primeiro e único
escritor de língua portuguesa a obter tal distinção. Mais de uma década depois,
Saramago continuou a escrever e a gerar polêmica até sua morte, em 2010.
“Contudo [a mudança para Lisboa] seria rapidamente
manchada por uma tragédia irremediável. No quarto volume dos Cadernos de Lanzarote,
de 1996, José Saramago se referiria várias vezes ao infausto evento: no fim do ano,
mais especificamente em 22 de dezembro de 1924, seu irmão e primogênito da família
morreria de broncopneumonia. Contava apenas quatro anos. O escritor veria nessa
tragédia a causa de certa secura que a mãe lhe dispensaria durante a infância, chegando
mesmo a ponto de renegar os beijos que lhe pedia e de compará-lo desfavoravelmente
com o irmão falecido em tenra idade.”
“‘Levantado do chão fala de trabalhadores.
Aprendamos um pouco, isso e o resto, o próprio orgulho também, com aqueles que do
chão se levantaram e a ele não tornam, porque do chão só devemos querer o alimento
e aceitar a sepultura, nunca a resignação’.”
“No plano das ideias, a nova situação foi traduzida
por um obscuro funcionário da administração Bush (pai) como “fim da história”, e
da mídia estadunidense transitaria para o globo como a perpetuação conjunta da democracia
burguesa e da economia liberal ante o enterro definitivo da alternativa comunista.
Na verdade, e de maneira sofisticada, alguma filosofia já vinha cunhando desde o
fim dos anos 1970 a inviabilidade de uma contracivilização oposta ao capitalismo
sob a forma da teoria da “pós-modernidade”. Jean-François Lyotard e outros argumentavam:
a dinâmica racionalista globalizante e emancipadora das Luzes e da Revolução Francesa
de 1789 estava morta; as narrativas universais da educação em Humboldt, do espírito
absoluto em Hegel ou do proletariado em Marx rumo a uma racionalização paradigmática
e progressista não tinham mais sentido; a razão global especializara-se e perdera
de vista o todo em uma sociedade de consumo, legítima e democrática, razão por que
vivia agora de fragmentos, de multiplicidades e instabilidades bem distantes da
verdade global, única e emancipadora, provinda em essência das Luzes setecentistas.
Como conjunto, a ciência, a ética e a estética já não eram governadas necessariamente
por essa Razão que a própria burguesia invocara para cavar a cova do feudalismo
e que os marxistas subverteram a serviço do proletariado como único sujeito histórico
que levava a sério a necessidade de difundir os valores formais da Igualdade, da
Justiça e da Fraternidade para a realidade concreta das relações sociais.
Para centenas de milhões de homens e mulheres
de várias gerações, esse entendimento da Razão, fosse na versão setecentista das
Luzes, fosse nas versões idealistas do século XIX ou na marxista, fora válido. Mesmo
no liberalismo havia quem o reclamasse. O keynesianismo dera-lhe um mínimo de cobertura.
O “socialismo” havia sido o nome da utopia em atualização. Saramago e as gerações
portuguesas atuantes até a primeira metade dos anos 1980 acreditam diversificadamente
em tal racionalidade. Agora era dada como falida, indefinida, partida em cacos e
incapaz de se afinar com a própria realidade, até mesmo nas ciências exatas. Parecia
mais um contrassenso do que qualquer outra coisa.
Ora, será provavelmente na conjunção de todos
esses fatores que se encontram as causas determinantes das alegorias distópicas
saramaguianas que vão de Ensaio sobre a cegueira a Ensaio sobre a lucidez.”
“A ideia de Ensaio sobre a cegueira ocorrera
subitamente a Saramago quando almoçava no restaurante lisboeta Varina de Madragoa
e não teria sido nenhum efeito direto do problema com o deslocamento da retina,
mas sim uma das iluminações que lhe aparecem sob a forma de título e vão amadurecendo
pouco a pouco em resultado da sua maneira de entender o mundo, em algum lugar entre
o racionalismo crítico das Luzes e o materialismo histórico. Estava-se então em
setembro de 1991 e seria necessário esperar por agosto de 1995 para que o livro
fosse dado como terminado. Os quatro anos de espera parecem ter decorrido não tanto
de alguns outros trabalhos em que esteve envolvido (In Nomine Dei e vários
dos volumes dos Cadernos de Lanzarote), da mudança de casa para as Ilhas
Canárias, das andanças pelo exterior ou de uma nova cirurgia nos olhos, mas mais
da própria dureza da matéria ficcional. Ao Expresso, por exemplo, referiria
que: ‘O tempo da escrita, sobretudo nos últimos tempos, foi de sofrimento, de momentos
em que me sentia incapaz de aguentar aquilo que estava a escrever. [...] A certa
altura, cheguei a dizer: não sei se consigo sobreviver a este livro. Foi como se
tivesse dentro de mim uma coisa feia, horrível, e tivesse que sacá-la. Mas não saiu,
está no livro e está dentro de mim’.”
“Por que este fim de ciclo e esta abertura para
a esperança (em seus livros)? A bem da verdade, não haverá respostas definitivas.
Pelas entrevistas e artigos de José Saramago, e por especulação própria, talvez
se possa afirmar o seguinte: o materialismo dialético e histórico é uma grelha de
interpretação e intervenção na realidade que transporta consigo a negação da estabilidade,
a transformação do mesmo no outro e a sedimentação de pequenas quantidades erosivas
em agregados aparentemente sólidos rumo a uma mudança qualitativa; o triunfo planetário
do neoliberalismo à custa da falência do “socialismo real” e do keynesianismo pode
assim ser lido como movimento transitório e contraditório aberto a uma outra ordem
– não é nenhum “fim da história”; em 2004, a ofensiva neoliberal já tinha perdido
muito do seu fulgor do início da década de 1990, pois o movimento antiglobalização
havia ganho parte significativa da opinião pública internacional nos próprios centros
imperialistas, e o neoliberalismo tinha devastado de tal modo países latino-americano
como a Argentina, a Bolívia ou a Venezuela que acabou por ficar desacreditado por
completo em meio a revoltas populares conducentes à derrocada de governos democraticamente
eleitos ou de mudanças eleitorais rumo à centro-esquerda ou a populismos esquerdistas;
na sua voracidade beligerante, a administração Bush (filho) enfrentou pela primeira
vez uma campanha pacifista que ganhou a cidadania mundial contra a sua retórica
belicista, e na Espanha o escritor foi parte ativa desse movimento que congraçou
por duas vezes vários milhões de pessoas nas ruas e chegou a alcançar uma porcentagem
de mais de 80% das pessoas em oposição ao apoio de Aznar à segunda guerra no Iraque.
Enfim, a geopolítica internacional não estava mudada, mas a nuvem cinzenta asfixiante
dos anos 1990 comportava agora pequenas luzes de esperança. Provavelmente, elas
estariam mais ou menos (in)conscientemente relacionadas ao uivo coletivo de Ensaio
sobre a lucidez.”
“A Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo
de crueldade e do pior da natureza humana.”
“De um artigo de Eduardo Galeano: ‘Nunca foi menos
democrática a economia mundial, nunca o mundo foi mais escandalosamente injusto.
Em 1960, 20% da humanidade, a parte que mais bens possuía, era trinta vezes mais
rica que os 20% mais necessitados. Em 1990, a diferença entre a prosperidade e o
desamparo tinha subido para o dobro, e era de sessenta vezes. [...] E nos extremos
dos extremos [...] 100 multimilionários dispõem atualmente da mesma riqueza que
1.500 milhões de pessoas’. [Cadernos de Lanzarote, 11 de julho de 1996]
Alguns números para a história do nosso maravilhoso
século XX: 1.300 milhões de pessoas vivem abaixo do nível de pobreza absoluta; um
terço delas subsiste com menos de 150 escudos diários; 750 milhões de pessoas estão
desnutridas; mais de metade da população da Ásia vive na miséria; uma de cada duas
pessoas ao sul do Saara está condenada à penúria; 15 milhões de crianças com menos
de cinco anos morrem anualmente por doenças que poderiam evitar-se; dos 2.800 milhões
de pessoas que constituem a mão-de-obra no mundo, 700 milhões estão subempregados
e 120 milhões procuram trabalho em vão; há 1.000 milhões de analfabetos, dois terços
dos quais são mulheres adultas; nas zonas rurais há 550 milhões de mulheres pobres,
o que significa mais de 50% da população camponesa mundial... Hoje é o Dia Internacional
para a Erradicação da Pobreza. Que a todos faça bom proveito. [Cadernos de Lanzarote,
23 de outubro de 1996].”
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