Este blog destina-se a dividir com os companheiros de estrada as impressões e alguns belos trechos deste fantástico universo que é a literatura.
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Como vejo o mundo – Albert Einstein
O bom soldado – Ford Madox Ford
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Anna Kariênina, de Liev Tolstói
Editora: Cosac Naify
ISBN: 978-85-7503-473-6
Tradução: Rubens Figueiredo
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 816
Sinopse: Liev
Tolstói escreveu Anna Kariênina entre 1873 e 1877, prestes a completar
45 anos. Depois de escrever o romance Guerra e paz, entre 1863 e 1869, dedicara-se aos afazeres agrícolas, além de fundar
escolas, elaborar e difundir teorias e técnicas pedagógicas polêmicas e estudar
o grego com afinco. Ao mesmo tempo, foi acumulando uma impressionante
quantidade de informações sobre o tsar Pedro, o Grande. Seu intuito era
escrever um romance sobre a época em que Pedro I foi o imperador da Rússia.
Após tentativas obstinadas, Tolstói desistiu do projeto.
Por outro lado, nutria a ideia de fazer um relato sobre uma mulher adúltera, da
alta sociedade. Durante um tempo, estes dois temas levaram vidas independentes
em seu pensamento. Quando a imaginação os uniu, Anna Kariênina começou a
nascer. Em janeiro de 1875, a revista Mensageiro russo publicou os
primeiros catorze capítulos de Anna Kariênina.
Tolstói distribuiu ao longo do livro os temas que o inquietavam,
discutidos pelos personagens - a guerra da Sérvia, a administração agrícola, o
regime da propriedade da terra, a relação com os trabalhadores, a decadência da
nobreza, a educação das crianças, o casamento, a religião, o serviço militar
compulsório, as teorias de Spencer, Lasalle, Darwin e Schopenhauer. Estruturado
em paralelismos, o livro se articula por meio de contrates - a cidade e o
campo; as duas capitais da Rússia (Moscou e São Petersburgo); a alta sociedade
e a vida dos mujiques; o intelectual e o homem prático, etc.
O tema é descentralizado a cada novo episódio. Os dois
principais personagens, Liévin e Anna, só se encontram uma vez, em toda a longa
narrativa. Mas nem por isso estão menos ligados, pois a situação de um
permanece constantemente referida à situação do outro. Anna viaja a Moscou para
tentar salvar o casamento em crise de seu irmão. Consegue ajudá-lo, mas acaba
pondo a perder o seu próprio, apaixonando-se por um aristocrático militar por
quem larga o marido e o filho pequeno. Liévin, um rico e jovem proprietário de
terras rurais, vive às voltas com problemas de conflitos de classe de seus
lavradores e questionamentos existenciais profundos.
Nesta tradução, Rubens Figueiredo busca preservar ao
máximo os traços do original russo. Frases longas foram mantidas em sua
integridade, assim como a frequente repetição das palavras. Além das notas de
rodapé, elaboradas pelo tradutor, este volume conta com uma árvore genealógica
dos principais núcleos familiares e uma lista completa de personagens, que
facilitarão muito a leitura deste grande clássico.
“Todas as famílias felizes se parecem, cada
família infeliz é infeliz à sua maneira.”
“– O consolo, como naquela prece de que
sempre gostei, está em que posso ser perdoado não pelos meus méritos, mas por
misericórdia.”
“– Mas meu irmão, as mulheres são a hélice em
torno da qual tudo gira.”
“– Voltou cedo (pra casa), patrão – disse
Agáfia Mikhálovna.
– Cansei, Agáfia Mikhálovna. Na casa dos
outros, é bom; mas na nossa casa é melhor.”
“– Ninguém está satisfeito com os bens que
possui, mas todos estão satisfeitos com a inteligência que têm – disse o
diplomata, citando o provérbio francês.”
“De fato, Kitty escondia da mãe seus novos
pontos de vista e sentimentos. Escondia não porque não respeitasse ou não
amasse sua mãe, mas sim porque era sua mãe.”
“Konstantin Liévin encarava o irmão como um
homem de enorme inteligência e cultura, um homem nobre, no sentido mais elevado
da palavra, e dotado da capacidade de agir em prol do bem comum. No entanto, no
fundo de sua alma, quanto mais envelhecia e quanto mais intimamente conhecia o
irmão, vinha-lhe ao pensamento, de modo cada vez mais frequente, que essa
capacidade de agir em prol do bem comum, da qual se sentia completamente
privado, talvez não fosse uma virtude, mas sim, ao contrário, a falta de alguma
coisa – não uma falta de gostos e de desejos bons, honrados e nobres, mas uma
falta de força vital, daquilo que chamam de coração, daquela aspiração que
obriga a pessoa a escolher, entre todos os inumeráveis caminhos que se
apresentam na vida, somente um e desejar apenas esse. Quanto mais conhecia o
irmão, mais notava que Serguei Ivánovitch e muitos outros que agiam em prol do
bem comum não eram levados pelo coração a esse amor ao bem comum, mas sim
concluíam por força da razão que era bom incumbir-se disso e apenas por esse
motivo o faziam.”
“– De que adianta discutir? Afinal, nunca uma
pessoa consegue convencer a outra.”
“– Por que Marie está de lilás, num
casamento? É o mesmo que usar preto – disse Korsúnkaia.
– Com a cor de seu rosto, essa é a única
salvação... – respondeu Drubiétskaia. – Eu me admiro que tenham feito o
casamento à noite. É coisa de comerciantes.
– É mais bonito. Eu também me casei ao
anoitecer – retrucou Korsúnkaia, e suspirou, ao lembrar como estava graciosa
naquele dia, como seu marido estava ridiculamente apaixonado e como agora tudo
era diferente.
– Dizem que quem é padrinho de casamento mais
de dez vezes não se casa; eu quis ser padrinho, agora, pela décima vez, para me
pôr a salvo, mas a vaga já estava ocupada – disse o conde Siniávin à bela
princesa Tchárskaia, que tinha pretensões quanto a ele.
Tchárskaia respondeu apenas com um sorriso.
Olhava para Kitty e pensava em como e quando estaria, ao lado do conde
Siniávin, na mesma posição de Kitty, e como ela, nesse momento, lembraria a ele
o seu gracejo de agora.”
“Só então, pela primeira vez, Liévin
compreendeu com clareza aquilo que não havia compreendido quando, após o
casamento, a conduzia para fora da igreja. Compreendeu que ela não era apenas
íntima dele, mas que agora ele não sabia onde ela terminava e ele começava.
Compreendeu-o graças à torturante sensação de desdobramento que experimentava
nesse minuto. Ofendeu-se, no primeiro instante, mas no mesmo segundo sentiu que
não podia ofender-se por causa de Kitty, pois ela era ele mesmo. Experimentou
no primeiro instante uma sensação parecida com a de um homem que de repente
recebe uma pancada pelas costas, volta-se com raiva e com desejo de vingança,
para enfrentar o culpado, mas verifica que ele próprio se machucou por
descuido, que não há contra quem ter raiva e que é preciso suportar a dor e
amenizá-la.”
“Podemos ficar sentados durante várias horas,
com as pernas dobradas na mesma posição, quando sabemos que nada nos impede de
mudar de posição; mas se sabemos que somos obrigados a ficar sentados desse
jeito, com as pernas dobradas, logo virão as câimbras, as pernas irão repuxar e
pressionar na direção em que queremos estendê-las”.
“Porém, como dizia para Kitty, quanto mais
ficava sem fazer nada, menos tempo lhe restava”.
“Para que se tome alguma decisão na vida
conjugal, é necessário ou uma discordância completa entre os cônjuges, ou uma
harmonia amorosa. Quando as relações entre os conjugues são indeterminadas, e
não há nem uma coisa nem outra, é impossível decidir qualquer questão.
Muitas famílias permanecem durante anos nas
antigas condições, odiosas para ambos os cônjuges, só porque não há plena
discórdia nem plena harmonia.”
“O respeito foi inventado para encobrir o
lugar vazio onde devia estar o amor”.
“É horrível que não se possa arrancar o
passado pela raiz. É impossível arrancar, mas é possível silenciar a sua
memória. E vou silenciar.”
Cândido ou O Otimismo, de Voltaire
Editora: Martins Fontes
ISBN: 978-85-3361-727-8
Tradução: Maria Ermantina
Galvão
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 208
Sinopse: Cândido
foi publicado no início de 1759 sem indicação do nome do autor, obtendo imediatamente
um sucesso prodigioso. Ninguém duvidou de que o autor fosse Voltaire. Naquele mesmo
ano, mais de vinte edições saíram na França e várias traduções apareceram na Inglaterra
e na Itália. Os governos tentaram em vão bloquear, ou pelo menos frear, a difusão
do livro. Desde o título, as aventuras de Cândido são um testemunho contra o otimismo,
particularmente o leibniziano do “melhor dos mundos possíveis”, que tentava conciliar
a crença na existência do mal e a crença na justiça divina.
“Nada era tão belo, tão lento, tão brilhante,
tão bem ordenado como os dois exércitos. As trombetas, os pífaros, os oboés, os
tambores, os canhões formavam uma harmonia tal como nunca houve no inferno.”
“– O que é o otimismo?, indagou Cacambo.
– Bem, disse Cândido, é a ânsia de sustentar que
tudo vai bem quando se está mal.”
“– Nunca esteve na França, senhor Martinho? –
perguntou Cândido.
– Já, respondeu Martinho, percorri várias províncias.
Algumas há em que a metade dos habitantes é louca, algumas onde são matreiros demais,
outras onde são comumente bastante afáveis e tolos, outras onde se fazem de cultos;
e, em todas, a principal ocupação é o amor; a segunda, a maledicência; e a terceira,
dizer tolices.
– Mas, senhor Martinho, esteve em Paris?
– Sim, estive em Paris, onde existem todas essas
espécies; é um caos, é uma azáfama em que todos buscam o prazer e em que quase ninguém
o encontra.”
“– Mas com que finalidade este mundo foi então
formado? – perguntou Cândido.
– Para nos enfurecer, respondeu Martinho.”
“– Acredita, perguntou Cândido, que os homens
sempre se tenham massacrado mutuamente, como o fazem hoje? Que sempre tenham sido
mentirosos, velhacos, pérfidos, ingratos, malfeitores, fracos, volúveis, covardes,
invejosos, gulosos, bêbados, avarentos, ambiciosos, sanguinários, caluniadores,
devassos, fanáticos, hipócritas e tolos?
– O senhor acredita, indagou Martinho, que os
gaviões sempre comeram os pombos quando os encontravam?
– Claro, sem dúvida, anuiu Cândido.
– Pois bem! concluiu Martinho, se os gaviões tiveram
sempre o mesmo caráter, como quer que os homens tenham mudado o deles?”
“Recém-chegado ao seu albergue, Cândido foi acometido
por uma leve doença causada pela fadiga. Como trazia no dedo um enorme diamante,
e como haviam percebido em sua bagagem um pequeno cofre prodigiosamente pesado,
teve no mesmo instante a seu lado dois médicos que não mandara chamar, alguns amigos
íntimos que não o deixaram, e duas devotas que lhe esquentavam os caldos. Martinho
dizia: ‘Lembro-me de também ter adoecido em Paris na minha primeira viagem; eu era
muito pobre, por isso não tive amigos, nem devotas, nem médicos, e sarei.’
Entretanto, à força de medicamentos e sangrias,
a doença de Cândido se agravou. Um padre assistente do bairro veio com toda a brandura
pedir-lhe uma letra pagável ao portador no outro mundo; Cândido não quis saber.
As devotas garantiram-lhe que era uma moeda nova. Cândido respondeu que não era
um homem na moda. Martinho quis atirar o padre pela janela. O clérigo julgou que
não enterrariam Cândido (em solo sagrado). Martinho jurou que enterraria o clérigo
se ele continuasse a importuná-los. A discussão acalorou-se; Martinho agarrou-o
pelos ombros e escorraçou-o rudemente; isso causou grande escândalo, do qual foi
lavrado um auto.
Cândido sarou-se, e durante a convalescença teve
ótima companhia na ceia. Jogavam alto. Cândido ficava muito espantado de que nunca
lhe viessem ases; e Martinho não se espantava.”
“– É verdade que em Paris estão sempre rindo? indagou Cândido.
– É, respondeu o abade, mas é de raiva; pois queixam-se
de tudo às gargalhadas, praticam-se rindo as mais detestáveis ações.
– Quem é, perguntou Cândido, aquela besta que
falava tão mal da peça em que tanto chorei, e dos atores que tanto me agradaram?
– É um trapaceiro, respondeu o abade, que ganha
a vida falando mal de todas as peças e de todos os livros; odeia qualquer pessoa
que faça sucesso, como os eunucos odeiam os capacitados; é uma das serpentes da
literatura que se alimentam de lama e veneno; é um folicular*.
*: Palavra criada por Voltaire, e que desde então
designa um jornalista necessitado e malévolo. Folículo não é uma folhinha, mas uma
pequena bolsa. Voltaire preferiu a vulgaridade expressiva à exatidão.
“A ceia foi como a maior parte das ceias em Paris:
primeiro o silêncio, em seguida um rumor de palavras indistintas, depois gracejos
em sua maioria insípidos, boatos, maus argumentos, um pouco de política e muita
maledicência; falaram até de livros novos.”
“– Desejo, disse Martinho, que ela faça a sua
felicidade um dia, mas é essa a minha maior dúvida.
– O senhor é muito duro, disse Cândido.
– É que vivi, disse Martinho.”