sexta-feira, 23 de abril de 2010

Antologia do Folclore Brasileiro (volume 2), de Luís da Câmara Cascudo

Editora: Globo

ISBN: 978-85-2600-760-4

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 336

Sinopse: Neste segundo volume estão reunidas lendas e superstições indígenas, cearenses e sertanejas; cantigas e poesias populares; adivinhas e adivinhações; culinária; bem como apresentações de reisado, bumba meu boi, pastoris e manifestações de dança, como o frevo e o maracatu, que ainda existem em muitas regiões brasileiras.


 

“Quem é que não conhece a alucinação de Pascal, que trazia sempre consigo um amuleto para livrá-lo de um precipício que a cada momento ameaçava submergi-lo?”

(João Alfredo de Freitas – 1862-1891)

 

 

“Senhora dona da casa,

Quando me vê pra que corre?

S’é bonita, me apareça

S’e feia, porque não morre?

Ai! Menina, pede a Deus,

Que eu peço a São Vicente;

Que Deus junte nós dois

Numa casinha sem gente.

(...)

Quem andar na terra alheia,

Saiba bem se conduzir,

Pise no chão devagar,

Que é pra terra não sentir.

 

Ó Vieira, eu lhe peço,

Me responda num momento;

Quero que você me diga

De que se gerou jumento.

 

Minha mãe sempre dizia

Que quem anda em terra estranha

É o derradeiro que come,

Sendo o primeiro que apanha.

 

Passe bem, seja feliz,

Cada um que fique em paz;

Quando eu quis, você não quis,

Agora, não quero mais.

 

Sou Inácio da Catingueira,

Aparador de catombos;

Dou três tapas, são três quedas

Dou três tiros, são três rombos

Negro velho cachaceiro,

Bebo, mas não dou um tombo.

(...)

Já sou velho e tive gosto,

Morro quando Deus quiser,

Duas coisas me acompanham,

Cavalo bom e mulher.

(...)

Eu fui aquele que disse

E como disse, eu não nego.

Levo faca, levo chumbo,

Morro solto e não me entrego.”

(Rodrigues de Carvalho – 1867-1935)

 

 

“Os programas demasiadamente ambiciosos não se realizam nunca. As melhores disposições deste mundo desencorajam-se diante de uma tarefa que excede as forças do comum dos mortais, ainda que somadas; e embora se manifeste certa atividade, no fogo da primeira hora, não tarda a surgir a influência dissolvente da mole dos objetivos, a desmembrar e dispersar as vontades, solicitando-as em diferentes direções.”

(Amadeu Amaral – 1875-1929)

 

 

“Esse Folclore é bem ciência, e do nosso tempo. Ciência, porque é conhecimento e não invenção, como a História, ainda a documentada, pois que se funda sobre o testemunho, desmoralizado psicologicamente, até em direito processual. É do nosso tempo, em que bruxoleia, na consciência humana, a penitência contra o crime milenar da guerra. Os povos, separados por antagonismos imperialistas, posse de domínio, cobiça de terras, ganância de haveres, arrogâncias, vaidades, que tudo supõe diferenças, até específicas. Os povos eleitos, as raças inferiores, os predestinados ao governo e à rapina, os escravos e submissos por predestinação, tudo isto está até nos nomes que eles se dão. Uns têm o privilégio de francos, de homens de guerra, germanos, e outros são chamados eslavos (escravos), búlgaros (bugres), húngaros(ogres)... Como os nossos pobres indígenas: os que falavam o nheêngatu, a língua boa, a deles, nobres tupis... esses chamavam aos inimigos, ao gês, tapuias ou bárbaros... Também tudo que não era heleno, ou romano, não era bárbaro para gregos e latinos? O judeu amaldiçoado hoje foio povo eleito... sem novidade a mesmice humana, ontem e hoje, culta ou inculta. A História, falsificada, de cada um, promovia as separações rancorosas entre todos.”

(Afrânio Peixoto – 1876-1947)

 

 

“Que saudades, não da Amélia, mas do Xano, aquele originalíssimo cantador praieiro que o meu faro descobriu na praia paraibana de Tambaú! O Xano (Feliciano Gonçalves Simões), o Xano era um caso sério. Embriagado, atirava-se para o alto-mar, sozinho numa jangada: “Aquele hoje não volta...” – receavam os conhecidos. Entretanto, quando as jangadas tornavam à praia, a do Xano era a que vinha mais carregada da pescaria. Pasmei ao ver esse sexagenário aguardentado descer de um coqueiro, de cabeça para baixo, escorregando pelo caule, proeza que repetia, tantas vezes lhe matassem o bicho. E, ao pisar a terra firme, eram desta felpa os versos que alardeava:

 

No tempo que Eva era moça.

Quando Adão era rapaz,

Ninguém andava na moda,

Com medo de Satanás:

Fundo de calça era na frente

E a barguia era pra trás...

 

Certas coisas neste mundo

Deixa a gente incomodada:

Andar em burro chotão,

Dormir em rede furada,

Tirar espinho com faca

Que tem a ponta quebrada,

Se embrulhar com lençol curto

Em casa mal-assombrada...

 

Devoto de dobrar o cotovelo, Xano alegava que hoje em dia, só quem não bebe é sino e ovo; assim mesmo, sino é porque tem a boca pra baixo e ovo é porque já nasceu cheio.”

(Leonardo Mota – 1891-1948)

 

 

“Em Missão Velha, um cantador cego expressava seus agradecimentos a magnânimo ouvinte, quando achou de bem fazer certa ressalva:

Quando meu patrão pender

Pras bandas do meu sertão,

Tem almoço de galinha

E, na falta, tem capão,

Tem mulher pra lhe servir

Numas coisas, noutras não...

(Leonardo Mota – 1891-1948)

 

 

Sapo não pula por boniteza e sim por precisão.

Ferida pequena é que dói.

Mulher, cachaça e bolacha em toda parte se acha.

Burro não amansa: acostuma.

Cada qual estira o pé até onde lhe alcança o lençol.

Antes excomunhão de Vigário que bênção de pé de burro.

Farinha pouca, meu pirão primeiro.

Pra quem está perdido todo mato é caminho.

Sogro e sogra, milho e feijão só dá resultado de baixo do chão.

Defunto de esteira é que faz visagem.

Boca calada é remédio.

Desgraça de dez tostões é se trocar.

Depois da onça morta, todos metem o dedo na bunda dela.

Saúde é jeito.

Raposa, cai o cabelo, mas não deixa de comer a galinha.

Mula estrela, mulher faceira e tubida de aroeira, o diabo que queira.

No rufo do pandeiro se conhece o companheiro.

Muitos “Diabos te levem” botam uma alma no inferno.

Vaqueiro novo faz o gado desconfiado.

Sombra de pau não mata cobra.

Ninguém se fie em cachorro que fica na cozinha, nem mulher que passeia sozinha.

A conta dos mortos quem faz são os vivos.

Na hora da comida o diabo traz um aos tombos.

Café sem bucha, meu boi não puxa.

O bom da viagem é quando se chega em casa.

Feijão é que escora casa.

Silêncio também é resposta.

Lagartixa sabe em que pau bate a cabeça.

Quem anda muito depressa passa por cima do que precisa.

Ovo gabado, ovo gorado.

Foi-se embora a caridade e ficou a carestia.

Na margem do atoleiro se conhece o cavaleiro.

Santo de carne, pau nele!

Muito luxo, pouco bucho.

Quem não tem dinheiro não beija santo.

Velho como o chão.

Valente que nem cobra de resguardo.

Apertado que só pinto num ovo.

Encarnado como uma fita.

Depressa como quem furta.

Fala atrapalhada como de periquito em roça de milho novo.

Demorar-se pouco como quem vai buscar fogo.

Andar devagar como quem procura com os pés penico no escuro.

Boi sonso é que arromba curral.

Mulher de igreja, Deus nos proteja!

Pé de galinha não mata pinto.

Quem gaba o toco é a coruja.

Macaco não briga com o pau onde sobe.

Um gambá cheira o outro.

Quando Deus dá a farinha, o diabo esconde o saco.

Telegrama e trilho de ferro foi quem trouxe a carestia.

Pra quem ama catinga de bode é cheiro.

Hóspede em casa é dia santo.

Não há mulher sem graça nem festa sem cachaça.

Quem não muda de caminho é trem.

Quem fala muito dá “Bom dia!” a cavalo.

Mulher e chita cada um acha a sua bonita.

Palavra demais só custa dinheiro em telegrama.

Tempo é remédio.

Mulher de janela nem costura nem panela.

Dinheiro não tem cheiro.

Em pau caído todo mundo faz graveto.

Agrado é que demora viagem.

Ninguém sabe onde é o cemitério dos ruins.

Cada um com a sua certeza.

Sossego de homem é mulher feia e cavalo capado.

(Leonardo Mota – 1891-1948)

 

 

“Como nas culturas negro-africanas transplantadas para o Brasil. Religião, magia e folclore... (...) Conteúdo dos estruturais que nos conduzem ao conhecimento da nossa psique coletiva. Uma psicologia social que não indague destas relações entre as formas aparentes de cultura e os seus conteúdos inconscientes, será uma psicologia social descritiva, superficial, ad usum delphini. Ela tem que ir além: tem que descer à análise das categorias pré-lógicas de um ciclo de civilização. Pela pesquisa do inconsciente folclórico. O homem é a resultante do seu complexo cultural. “Superioridades” e “Inferioridades” são padrões relativos. O homem mais civilizado não se liberta totalmente dessas estruturas primitivo-indiferenciadas. Há uma constante relação entre a “cultura total” e a “subcultura individual”, no conceito de Sapir. Relações psicossociais são categorias móveis que nos conduzirão possivelmente a uma unificação dos vários critérios metodológicos da sociologia.

Folclore não é simples estudo recreativo. É método demopsicológico de análise do inconsciente das massas.”

(Artur Ramos – 1903-1949)

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