Editora: Globo
ISBN: 978-85-2600-689-8
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 325
Sinopse: Esta
antologia, em dois volumes, se parece com os primeiros passos dentro da
floresta das lendas, mitos, superstições, cantigas brasileiras. No volume 1
estão reunidos conceitos e tendências ainda presentes no cotidiano do
brasileiro, como as apresentações da Festa do Divino.
“No Brasil costumam dizer que para o escravo são
necessários três P.P.P., a saber, pão, pau e pano.”
(Antonil – 1650-1716)
“Vi logo que o mito indígena era sempre contado
sem esforço mental, sendo o seu fim simplesmente agradar, como uma balada, e não
comunicar informação; e que quando o índio, não estando perto da fogueira, cercado
de ouvintes noturnos, nem de posse de todas as circunstâncias que tornam a narração
convincente e agradável, é friamente convidado a relatar uma história mitológica,
mostra-se incapaz do esforço mental necessário para lembrar-se dela e, por isso,
pronta e obstinadamente alega ignorância. Assim, o colecionador de mitos nada conseguirá
se esperar tudo de uma simples pergunta. O único meio é procurar e criar ocasiões
em que a narração seja espontânea, e quando necessário, tomar a iniciativa, repetindo
algum episódio indígena com o qual estejam familiarizadas as pessoas presentes,
tendo o cuidado de não demonstrar demasiada curiosidade pelas histórias que forem
contadas.
Ce n’est
que le premier pás qui coûte. Depois de obtido o primeiro mito, e de ter aprendido
a repeti-lo com exatidão e espírito, o resto é fácil. Observarei aqui, de passagem,
que se deve evitar no Amazonas, como em qualquer outra parte, entre selvagens ou
povos de baixa cultura, de fazer sobre este assunto perguntas que insinuem as respostas,
porque um índio inconscientemente concordará sempre com o interrogador, que pode
deste modo ser enganado. Em uma ocasião, falando desta particularidade com o comandante
do meu pequeno vapor, repentinamente voltou-se ele para o piloto, que era indígena
e, apontando para uma palmeira à margem do rio, disse: - Aquela palmeira chama-se
Urubu, não é? – Sim, senhor! – respondeu o índio gravemente, sem mover um músculo.
A pergunta foi repetida com o mesmo resultado. O comandante perguntou em seguida:
- Qual é o nome daquela palmeira? – Ele então respondeu: – Jauari!...”
(Charles Frederik Hartt – 1840-1878)
“O que principalmente distingue um povo bárbaro,
é a crença de que a força física vale mais do que a força intelectual.
Napoleão I, por exemplo, nos refere que os árabes
no Egito muito custaram a acreditar que fosse ele o chefe do exército, por ser um
dos generais de mais mesquinha aparência física.
Ensinar a um povo bárbaro que não é a força física
que predomina, e sim a força intelectual, equivale a infundir-lhe o desejo de cultivar
e aumentar sua inteligência.”
(Couto de Magalhães – 1836-1898)
“As lendas entre todos os povos são a tradição
viva do pensamento primitivo e do desenvolvimento intelectual das épocas de sua
origem. Entre alguns constitui a base dos contos populares, com que se embala a
infância, inoculando assim a superstição, que tarde ou nunca se apaga do espírito.
(...) Quase sempre o mito origina a lenda, e em alguns povos esta caracteriza o
seu desenvolvimento moral.
A superstição, companheira quase sempre inseparável
da lenda, transforma esta, e em vez de deleitar o espírito, o acabrunha e o exalta.
As lendas, como as plantas transplantadas, também
medram, e, conforme a civilização do povo, perdem-se, ou vigoram enfeitando-se com
as cores locais.”
(Barbosa Rodrigues – 1842-1909)
“Entre nós o boto tem a propriedade de transformar-se.
É quase sempre um guapo mancebo. Ninguém maneja
melhor o arpão do que ele; a sararaca que ele solta vai ao fundo do rio buscar o
tracajá, e a flecha que prepara não precisa ser emplumada com as penas do urubutinga*
para ir ferir o pássaro no seu rápido esvoaçar. É tão lindo, seus olhos têm tal
poder, tão sedutores, e suas falas tão meigas, que as cunhantãs** lhe não
resistem.
Quantas não foram surpreendidas por ele nas suas
roças, e devem-lhe o primeiro filho?
Felizes aquelas que com ele não se encontram no
banho, ou em viagem pelos igarapés!
Sobre as águas o encanto é maior, e o resultado
é sempre serem levadas para o fundo das águas, onde o seu amor as chama. Então o
resultado é sempre funesto.
Quantos D. Juans não têm passado por botos? Quantas
grinaldas de virgem não têm sido desfolhadas nas areias das praias e quantos mamelucos
não descendem por isso dos botos?
A civilização plantada pelos nossos civilizadores
dos sertões, traz como germe a embriaguez e a desonra, e os frutos que dela
resultam mais tarde são sempre a vergonha.
As máximas pregadas por esses apóstolos do mal,
só visam dois fins: o gozo material, impuro e infame, e o do ouro, embora ganho
com o suor do índio e com a morte moral de sua família.
Embriagar, corromper, seduzir e gozar o índio,
não é crime... são filhos de uma raça condenada a ser escrava.
Vis, que não conhecem quanto é nobre, puro e inocente
o coração do índio. A sua nobreza, a pureza de suas intenções, o seu desinteresse,
tudo é especulado pelo engano, pela fraude e pelo vício.
O piráyauara*** às vezes é um regatão,
que sabe aproveitar-se da crença indígena inoculada pelos primeiros civilizadores.
“Os portugueses quando vão para o sertão, deixam
as almas penduradas para recebê-las quando voltam”. É um ditado antigo escrito pelo
padre José Morais, e que ainda hoje se repete, não tendo sido desmentido. O procedimento
deles para com os índios é mesmo de quem tem a alma pendurada.”
* Urubu branco, é o urubu-rei; é
crença que a flecha empenada com as suas penas nunca erra o alvo.
** Donzelas de 15 a 20 anos.
*** Pirá, peixe, y, água, ara,
senhor das águas, vulgarmente boto.
(Barbosa Rodrigues – 1842-1909)
“Há dias no ano em que o povo precisa fazer-se
criança. Contrariar esta lei, é torná-lo triste, desgraçado.
Essa bem-aventurança popular, esse esquecimento
momentâneo das lutas pela vida, só a religião largamente proporciona, visto como
exclusivamente ela algema as dores que as sociedades desencadeiam nas contingências
imediatas, nos acontecimentos decisivos.
A política, que, não sendo exercida por individualidades
culminantes, é ofício de vadios, não absorve esse gigante de cem faces, que vive
porque combate, que não morre porque é de uma complexidade que se regenera no tempo,
no clima e na ação.”
(Melo Morais Filho – 1844-1919)
“Em 1821 em Sergipe o governador da capitania
César Burlamaqui, recebendo uma intimação do governador da Bahia para aclamar ali
a constituição, mandou convocar uma reunião do clero, nobreza e povo.
“A nobreza, diz uma testemunha verídica, era representada
pela câmara e por todas as pessoas que haviam servido os cargos da governança das
vilas e cidades como fossem juízes, vereadores, oficiais das ordenanças e de segunda
linha, e o povo era representado pelos homens bons e abastados, que não pertenciam
àquela hierarquia*.
Não tínhamos, nem temos, como se vê uma aristocracia
histórica e de direitos adquiridos; mas ia ela sendo criada aos poucos e viciadamente.
O clero goza ainda de direitos privilegiados,
e o povo propriamente dito, espécie de felás do Egito, é tratado como um animal
de carga.”
* A. J. da Silva Travassos – Apontamentos,
p.24
(Sílvio Romero – 1851-1914)
“As superstições, os costumes, os contos de fadas
ou histórias da carochinha, as cantigas do berço, os jogos populares e ritmos infantis,
os bailes pastoris, as adivinhações, as orações, os esconjuros, os ditados, todas
essas tradições populares são o que constitui o folclore.”
(Vale Cabral – 1851-1894)
Nenhum comentário:
Postar um comentário