Editora:
Intrínseca
ISBN: 978-85-9807-822-9
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 560
Sinopse: Com um enredo que envolve competição,
sabotagem, terror psicológico e crimes, A exceção traz à luz
um problema que no Brasil, de acordo com estudo realizado pela PUC-SP, atinge
33% das pessoas em seu ambiente de trabalho: o assédio moral.
O livro retrata o apodrecimento das relações entre cinco profissionais
que atuam no Centro Dinamarquês de Informações sobre Genocídios, organização europeia
com finalidades acadêmicas e humanitárias. Lá, duas jovens trabalham com a
análise e a divulgação de dados sobre movimentos genocidas que deixaram, no
século XX, 60 milhões de mortos em todo o mundo. Elas dividem o escritório com
o chefe, que luta por financiadores, prestígio e contra uma possível fusão, e
duas mulheres mais velhas: uma secretária de passado nebuloso e uma
bibliotecária recém-contratada, alvo de inexplicáveis maus-tratos das colegas.
A hostilidade e os desentendimentos aumentam quando as jovens começam a
receber e-mails com ameaças de teor neonazista. As pistas indicam que o autor é
um criminoso de guerra, alvo de artigos publicados pelo Centro, mas, em meio a
hostilidades contínuas, as duas acabam manipulando as circunstâncias para que a
bibliotecária se torne a principal suspeita. Tudo isto produz uma paranóia que
ultrapassa os limites do Centro e contamina os relacionamentos íntimos. Os
personagens constroem e desfazem alianças ao sabor das conveniências. Amigas
disputam o mesmo homem. Acadêmicos e jornalistas são manipulados visando
vantagens pessoais. Profissionais de alto nível envolvem-se com invasões a
domicílios, usam falsa identidade e cometem crimes de informática para rastrear
mensagens particulares. Todos, em algum grau, são enredados nesta espiral de
tensão e insegurança em um processo que culmina em morte.
Com um paralelo bem construído entre os padrões de comportamento dos
personagens e estudos clássicos sobre psicologia social e ódio coletivo,
Christian Jungersen faz pensar até que ponto a pessoa comum, numa situação
extrema, consegue não se deixar corromper pela maldade. Em A exceção,
quem foge à regra não é aquele que compactua com o mal, mas quem resiste a
isso.
“Para Malene, essa percepção é muito mais
difícil devido à piora da situação entre ela e Rasmus. É como disseram no
seriado Seinfeld: “Terminar é como derrubar uma máquina de
Coca-Cola. Não se pode fazer isso com um empurrão, é preciso balançar algumas
vezes”. Malene percebeu que Rasmus está claramente balançando.”
“Ele coloca a panga sob o
queixo dela. É tão larga que ela pode ver sua ponta enquanto a lâmina afiada
toca a garganta. Este é o momento em que eu devia pensar em meus entes queridos
no meu país, diz uma voz dentro dela. Ninguém lhe vem à mente.
Ela tenta, obriga-se a isso. Todos que eu
amo, todos que me amam.
Ninguém ainda. Só a ideia de que desperdicei
minha vida, vou morrer e nenhum homem vai chorar por amor e por me perder. Não
tenho filhos, nem pai. Minha mãe vai chorar, e também as duas mulheres que são
minhas melhores amigas. Mas isso não é o bastante, nem chega perto.”
O mais famoso experimento do mundo em
psicologia social
O paradigma experimental de Milgram tornou-se
reconhecido internacionalmente com a divulgação em livros para escolas e
universidades, jornais, revistas, cinema e programas de televisão.
Recentemente, chegou a ser citado em um comercial de TV.
Dois sujeitos são informados de que estão
participando de um experimento que pretende testar os efeitos do castigo no
aprendizado. Eles sorteiam quem será respectivamente o “professor” e o “aluno”.
O sorteio é determinado com antecedência. O verdadeiro sujeito da experiência
não sabe que o companheiro é um auxiliar no experimento, que está predestinado
a ser o aluno. Consequentemente, o sujeito da experiência será sempre o
professor.
O aluno é amarrado a uma cadeira preparada
para dar choques elétricos. O examinado-professor é então levado a outra sala,
onde só tem contato com o aluno através de um microfone ou do texto em uma
tela, que mostra as respostas do aluno. Se o aluno responder incorretamente, o
professor é instruído a lhe dar um choque como castigo, apertando um botão.
No começo, os choques são leves. Outra tela
mostra a voltagem e o grau de severidade – por exemplo, 15 volts: choque leve.
A cada resposta errada, o professor deve aumentar aos poucos a voltagem, em
etapas de 15 volts. A escala chega a 420 volts: Perigo – choque grave e então,
finalmente, 450 volts: XXX.
Para facilitar as comparações internacionais,
há regras precisas para o comportamento do líder do experimento e de seu
assistente. O aluno nunca leva um choque realmente, mas, quando o sujeito do
experimento acredita que está aplicando uma carga de 300 volts, o aluno
protesta batendo a cabeça na parede que o separa do professor. Ele bate com um
choque de 315 volts e em seguida não faz ou não diz nada. A implicação é a de
que, a essa altura, o aluno pode estar inconsciente.
O professor é informado de que qualquer erro
em uma resposta deve ser considerado uma resposta incorreta e por isso, apesar
do silêncio do aluno, a voltagem deve aumentar na etapa seguinte.
Se o sujeito da experiência protestar, o
líder do experimento tem quatro opções de comando. A primeira é que: “Por
favor, continue”; e depois: “o experimento requer que você continue”; em
seguida: “É absolutamente essencial que você continue”. A última opção é “Você
não tem escolha. Deve continuar.” Se o sujeito da experiência ainda se recusar
a prosseguir, o experimento é interrompido.
A reação mais comum até agora é de que o
examinado-professor proteste repetidamente e, à medida que o experimento
prossiga, comece a suar, tremer, gaguejar, gemer e morder o lábio.
Quando chegam ao laboratório, em geral os
participantes estão relaxados e confiantes, mas no curso dos primeiros vinte
minutos costumam ficar perto de um colapso. Remexendo-se nervosos, eles andam
pela sala, como se tentassem decidir se saem ou não. Em geral, prosseguem,
falando em voz alta que não podem mais suportar aquilo. Os participantes sabem
que estão livres para sair a qualquer hora e que a decisão de encerrar o
experimento não terá repercussões. Tudo que têm de dizer é que não querem
continuar e, depois, realmente parar.
Apesar disso, dois terços dos examinados no
experimento original continuaram obedecendo ao líder até o fim. Em outras
palavras, eles aumentaram as voltagens dos choques até o nível mais alto,
momento em que o líder pode parar o experimento.
A opinião do próprio Stanley Milgram sobre
seus resultados era de que eles confirmavam a percepção de Hannah Arendt da
“banalidade do mal”. O sujeito da experiência, que no papel de professor
acreditava que tinha usado potências letais de choque, não é um monstro
desequilibrado, mas parte de uma maioria de dois terços da população. O
comportamento desse subgrupo não era definido por psicose, racismo nem ódio,
mas pela obediência.
O experimento de Milgram foi amplamente
testado por vários outros grupos nos Estados Unidos e em outros países, e mais
tarde Milgram, bem como muitos outros, repetiu a ideia geral com várias
modificações. Agora se sabe que a porcentagem de participantes totalmente
obedientes é relativamente constante, independentemente de gênero,
nacionalidade e ano do teste (início da década de 1960 – dias atuais).
A proporção de sujeitos testados obedientes
diminui apenas em pouco pontos percentuais se os gritos e gemidos do aluno são
transmitidos por um sistema de intercomunicação, mas cai cerca de 65% para 40%
se o professor e o aluno estão na mesma sala. Psicólogos sociais também
obtiveram resultados que demonstram que, se o examinado está em uma situação de
trabalho e alguém de cargo superior lhe dá ordens destrutivas, a porcentagem de
“obediência” aumenta consideravelmente.
Ao longo das décadas, esses experimentos
foram elogiados e condenados. A crítica se concentra na possível diferença
fundamental entre dar choques elétricos em alguém por um determinado período de
tempo e matar pessoas no decorrer de meses ou anos.
Um ponto de vista interessante é o de que
muitos criminosos de guerra, em julgamentos no pós-guerra, defenderam-se
declarando que “tinham de obedecer a ordens”. Porém, ninguém da defesa
conseguiu dar um único exemplo de um soldado alemão punido por se recusar a
servir em campos de concentração ou em outros ambientes onde civis eram
assassinados.
Os experimentos de Milgram mudaram a
percepção dessa questão crucial, transferindo a atenção da obediência forçada
para a aceitação espontânea da autoridade.
A Psicologia do Mal II
Em seu livro On Killing, o
tenente-coronel Dave Grossman declara que, em uma situação de guerra, homens e
mulheres que matam a uma distância suficientemente grande das vítimas não
ficam, de acordo com seu conhecimento pessoal, traumatizados mais tarde. Quanto
mais perto os soldados chegam da vítima, mais difícil é matar. E, no entanto,
nenhum governo sequer cancelou planos para o genocídio por falta de gente
disposta a cumprir suas ordens.
Como resolver essa contradição?
Na edição anterior do Jornal do
Genocídio, o artigo “A psicologia do Mal I” referiu-se ao trabalho
experimental de Stanley Milgram sobre os parâmetros da “obediência à
autoridade”. Há dezenas de outras abordagens da psicologia social que também
esclarecem a psicologia do exterminador. Este artigo apresenta uma pequena
seleção delas.
Os atos talham a postura
Em geral, acreditamos que é a nossa postura
que determina nosso comportamento. O contrário também é verdade: o que fazemos
afeta nossa maneira de pensar, nossos sentimentos e opiniões.
É inquietante perceber que os atos de uma
pessoa estão em conflito com suas crenças. Para se distanciar disso, uma pessoa
inconscientemente tende a adaptar sua postura e seus sentimentos, em vez de
mudar seu comportamento. Os psicólogos sociais realizaram centenas de experimentos
tentando identificar exatamente como é realizada esta mudança na postura.
Festinger e Carlsmith elaboraram um teste em
que os participantes recebiam tarefas tediosas cuja conclusão consumia muitas
horas, como mudar a posição de estacas, para frente e para trás, e de um lado
para outro. Quando o líder finalmente diz aos participantes que o experimento
terminou, eles também são informados de que o assistente do líder, que ia
instruir o participante seguinte na fila e ressaltar como a tarefa era empolgante,
chegaria atrasado. Os participantes atuais eram então indagados se podiam
assumir o papel do assistente, recebendo os novos participantes e falando-lhes
dos procedimentos. Um grupo foi solicitado a mentir sobre a alegria de
participar do experimento, o outro grupo não foi solicitado a demonstrar
entusiasmo.
Os resultados mostraram que os que receberam
um dólar e mentiram aos novos participantes sentiram que o experimento
realmente foi uma boa experiência. Aqueles que receberam vinte dólares e os que
não foram solicitados a mentir admitiram depois que acharam a experiência
insípida. Uma quantia maior proporcionava um incentivo externo mais forte para
mentir aos novos participantes, e daí eles não sentiam a necessidade
subconsciente de mudar a opinião que originalmente tinham do experimento para
explicar seus atos a si mesmos. Só os que receberam uma pequena recompensa
precisaram mudar de opinião a fim de fazer uma ligação entre seus pensamentos e
seus atos. Este instinto é impelido pela falta de convicção interna, estado
desagradável que é um conceito fundamental da psicologia social e é descrito
pela expressão “dissonância cognitiva”.
Há decisões na vida real que levam à
dissonância cognitiva e, portanto, a uma mudança na postura. Consideremos uma
diretora de pesquisa com moral e opiniões liberais que recebe a oferta de um
cargo em uma agência de publicidade, e aceita. Isso significa que ela começará
a experimentar uma discrepância entre seus ideais e seus atos e, a não ser que
rejeite a oferta de emprego, deverá tentar readaptar suas convicções para
justificar sua nova situação. Depois de alguns meses ela pode argumentar, com
paixão autêntica, que a publicidade é um aspecto essencial das sociedades
democráticas com economia livre de mercado. Além disso, ela provavelmente
sustentará essa opinião pelo resto da vida, mesmo que passe apenas um período
relativamente curto na publicidade.
Outro exemplo é a testemunha de Jeová que
logo aprende que entregar panfletos na rua serve a um propósito duplo. Ajudará
a recrutar novos adeptos à fé, mas também reforçará o vínculo entre os fiéis e
a seita. Na primeira vez eles podem muito bem hesitar em fazer panfletagem, mas
depois voltarão para casa com brilho da fé mais intenso nos olhos.
O processo pode levar a um comportamento
caritativo crescente – ou pernicioso crescente. Pode também criar mudanças
profundas na perspectiva, muito mais do que seria possível só por meio das
palavras.
Os nazistas dependiam muito desse mecanismo
para garantir a conformidade entre os cidadãos alemães. Os riscos incalculáveis
da recusa a dar sinais simbólicos de apoio ao regime, por exemplo, a saudação
“Heil Hitler”, devem ter levado as pessoas a se perguntarem: “Que mal há em
levantar meu braço direito?”. Mas a cada vez que alguém se conforma, muda sua
maneira de pensar.
A conclusão deve ser a de que atos simples,
que em si parecem causar um dano apenas limitado, podem levar a mudanças
psicológicas que por sua vez possibilitam ações ainda maiores e mais destrutivas.
Os papéis determinam as pessoas
Em 1971, o psicólogo social Phillip G.
Zimbardo e alguns colegas da Universidade de Stanford decidiram investigar as
consequências psicológicas da relação entre um prisioneiro e um carcereiro.
Procuraram participantes entre os alunos,
declarando que precisavam de 21 homens que seriam pagos pelo experimento de
duas semanas. Todos os candidatos foram entrevistados, mas só foram
selecionados os que pareciam razoavelmente estáveis, maduros e responsáveis. Estes
foram depois divididos aleatoriamente em dois grupos: de prisioneiros e de
carcereiros.
No primeiro dia, policiais verdadeiros foram
à casa de dez dos participantes e os “prenderam sob suspeita” de invasão e
assalto à mão armada. Eles foram levados ao corredor do porão da universidade,
que fora reformado para parecer uma prisão, e receberam a ordem de se despir,
ser despiolhados e colocar o macacão da prisão. Os “carcereiros” designados
estavam de uniforme, com óculos de sol espelhados e cassetete.
Os carcereiros foram chamados a uma reunião e
informados para manter os prisioneiros sob vigilância, mas não machucá-los
fisicamente. Os prisioneiros ficaram na prisão 24 horas por dia, enquanto os
carcereiros foram para casa, para sua vida normal, depois de uma jornada de
trabalho de oito horas.
No começo do que ficou conhecido como o
Experimento de Prisão de Stanford, não houve nenhuma diferença de personalidade
significativa entre carcereiros e prisioneiros selecionados aleatoriamente.
Mais tarde, os dois grupos mudaram de uma forma extraordinariamente rápida.
O poder absoluto dado aos carcereiros tornou
os prisioneiros impotentes e submissos, o que permitiu que os carcereiros
ampliassem ainda mais seus poderes. Essa influência mútua foi o começo de um
processo perigoso de auto-reforço.
Um terço dos carcereiros comportou-se com uma
insensibilidade cada vez maior e, de forma arbitrária, iniciou punições sem
nenhum motivo e elaborou meios inventivos de humilhar os prisioneiros. Em sua
vida comum, eles não mostraram tendências a comportamento agressivo ou
tirânico.
Dois dos carcereiros deixaram seu papel de
lado para defender os prisioneiros, mas nunca chegaram a enfrentar publicamente
os carcereiros hostis. Os demais carcereiros eram durões, mas não davam início
a nenhum castigo extraoficial.
Os prisioneiros ficaram deprimidos,
desesperados a passivos. Três deles tiveram que ser “libertados” depois de
apenas quatro dias do experimento porque choravam histericamente, perderam a
capacidade de pensar com coerência e ficaram profundamente deprimidos. Um
quarto prisioneiro foi liberado depois de contrair uma urticária que cobriu
todo o seu corpo.
Todos os prisioneiros, com exceção de três,
estavam dispostos a dispensar o pagamento pelos dias que passaram no
experimento se pudessem ser libertados. Quando souberam que seus pedidos de
“livramento condicional” tinham sido negados, arrastaram-se de volta às celas
passiva e obedientemente.
O Experimento de Prisão de Stanford demonstrou
que prisioneiros e carcereiros agiam de acordo com os papéis que lhes foram
dados por um agente externo, mudando aos poucos seus padrões de pensamento,
valores e reações emocionais, a fim de se adaptarem. A maioria dos
participantes parecia incapaz de fazer uma distinção entre sua identidade real
e seu papel no experimento. A brutalidade da prisão aumentava a cada dia.
Desapareceram os valores morais comuns, apesar do fato de cada grupo ter sido
determinado indiscriminadamente.
Foi necessário interromper o experimento
depois de seis dias, principalmente em razão de os prisioneiros restantes
estarem inaceitavelmente próximos de um colapso mental.
É claro que há muitos outros contextos em que
o papel e a identidade tornam-se contíguos. Como afirma James Waller em seu
livro intitulado Becoming Evil (partes do relato se baseiam em
sua análise de provas reais): “Os atos de maldade não só refletem o self*, eles
configuram o self*.”
*: Self = caráter
Grupos formados sem praticamente nenhum
motivo
O psicólogo social Henri Tajfel e alguns
colegas começaram a estudar quantas características diferentes as pessoas devem
ter em comum para que se vejam como parte de um grupo e, como passo seguinte,
criem um sistema de preconceitos contra outros grupos.
Seu plano inicial era recrutar pessoas sem
considerar nenhuma característica em comum, distribuí-las aleatoriamente em
grupos e depois, aos poucos, introduzir entre eles semelhanças, preconceitos
negativos e conflitos. Ele esperava que este processo lhe permitisse observar
como e quando era formada a identidade de grupo.
Em seu experimento mais conhecido, de “grupo
mínimo”, ele pediu aos participantes para expressar suas opiniões sobre algumas
telas abstratas e os separou depois em dois grupos. Um grupo foi informado de
que todos expressaram uma preferência por pinturas semelhantes às de Paul Klee,
enquanto outros preferiam o estilo de Wassily Kandinsky. Nada disso era
verdade, já que a distribuição dos grupos foi inteiramente aleatória.
Os participantes não se conheciam e não
tiveram contato prévio. Dada a oportunidade de avaliar fotos de todos os
participantes, eles classificaram aqueles de seu próprio grupo como melhores em
seus trabalhos e de convivência mais agradável. Quando os indivíduos eram
solicitados a distribuir dinheiro, os membros do grupo sempre eram favorecidos.
Em um experimento semelhante, alguns
participantes tinham um viés tão forte contra o outro grupo que ficaram mais
felizes por seu próprio pessoal receber dois dólares em vez de três, com a
condição de que os outros recebessem um no lugar de quatro. Em outras palavras,
eles estavam mais interessados em “derrotar os outros” do que em conseguir o
pagamento mais alto possível para seus próprios membros.
Até esta série de experimentos, a maioria dos
psicólogos sociais pressupunha que a identidade de grupo fosse criada
gradualmente em reação a experiências compartilhadas. Ninguém esperava que o
preconceito e a hostilidade surgissem em meio a pessoas que não conheciam o próprio
grupo nem o dos outros.
Os relacionamentos dentro de um grupo, ou
entre grupos, constituem um campo clássico de pesquisa na psicologia social.
Muitos experimentos diferentes mostram que nosso raciocínio funciona de acordo
com um modelo “Nós-e-Eles”. É fácil entender a base para isso. Todos são
obrigados a pensar em como lidar com um mundo interminavelmente complexo. Para
simplificar a existência e classificar informações irrelevantes rapidamente,
nós as dividimos em categorias.
A categorização é uma forma humana de
pensamento, tão essencial quanto inevitável. Os tipos de categoria variam entre
indivíduos e culturas, mas o processo é comum a todos nós. Ela configura como
entendemos nosso ambiente e nossa relação com ele.
A psicologia social tem demonstrado algumas
distorções coerentes causadas pelo modelo Nós-e-Eles. Tendemos a exagerar as
semelhanças daqueles que pertencem a nosso grupo, assim como exageramos a
homogeneidade em outros grupos e as diferenças entre eles. E, normalmente, nos
importamos mais com os membros de nosso grupo do que com os outros.
Nas crises e nos conflitos abertos, essas
atitudes se radicalizam. Toda a humanidade tem potencial para acreditar na
máquina de propaganda quando ela repete sem parar: “Mate, ou morra!”
A vítima pede por isso
Todos estamos cientes de que as boas pessoas
não são imunes a experiências ruins, todavia uma grande maioria de nós tenta se
prender à esperança de um mundo fundamentalmente justo, um bom lugar para criar
os filhos.
Como demonstraram vários estudos, essa
esperança, combinada com a necessidade humana pouco consciente de significado e
coerência nas informações que recebe, nos faz distorcer a realidade para que
combine com nossa visão de ordem.
Não são só aqueles que perpetram atos
terríveis que são iludidos por seus padrões de pensamento distorcido,
lembranças e input sensorial para acreditar que seu mundo ainda é justo e
importante. Os que testemunham as tragédias e, de fato, as próprias vítimas
também colaboram para essa ficção.
As vítimas de doenças graves, bem como
aquelas pessoas próximas do paciente, em geral estão decididas a encontrar a
causa. Sentem uma forte necessidade de determinar exatamente o que fizeram de
errado para merecer tal sofrimento. Novamente, é comum que vítimas de violência
perguntem-se sobre a causa fundamental. “Talvez eu tenha pedido por isto;
talvez eu não devesse andar por aquela rua tão tarde da noite; talvez eu não
devesse ter usado esse vestido.” Essas ansiedades tornam-se o foco de seus
pensamentos, independentemente do fato de elas terem o direito de andar por
qualquer rua e usar a roupa que quiserem.
Às vezes parece que as vítimas preferem
carregar ativamente o fardo da culpa, em vez de reconhecer que o acaso pode
interferir e estragar uma vida. Uma profusão de dados experimentais ampara isso
nos menores detalhes.
Em um desses experimentos, Melvin Lerner e
Carolym Simmons pediram a 72 estudantes que observassem os castigos, na forma
de fortes choques elétricos, aplicados sempre que uma vítima dava uma resposta
errada a uma pergunta. A vítima era uma atriz, fingindo dor.
Alguns observadores foram informados de que
teriam permissão para interromper os choques mais adiante. Solicitados a
descrever como se sentiram com relação à vítima, os que acreditavam que ela
continuaria a sentir dor a viram de formas mais negativa do que os que pensaram
ser capazes de controlar os choques.
Esse modo de interpretar a posição da vítima
é acentuado quando nós mesmos infligimos o sofrimento. A dissonância cognitiva
nos faz gostar daqueles a quem ajudamos e rejeitar os que machucamos.
No contexto de seu experimento sobre a
obediência à autoridade, Stanley Milgram observou que muitos participantes mais
tarde disseram coisas como as que se seguem: “Ele [o ‘aluno’] era tão idiota
que realmente merecia levar choque.” Outro argumento semelhante era de que, uma
vez que concordou em participar do experimento, o aluno estava pedindo para ter
problemas. Isso apesar do fato de que os que expressaram tal opinião também se
juntaram ao experimento e, aparentemente, tiveram sorte no sorteio que decidiu
quem era “professor” e quem era “aluno”.
Parece que impulsos psicológicos poderosos
levam os perpetradores a pensar e sentir que suas vítimas merecem o que
acontece com elas. Quanto mais pavorosamente brutal o ato cometido pelo
perpetrador, mais fortemente ele passa a creditar que só ele está correto e é
justo.
Todos temos tendência a interpretar a
realidade da mesma forma que os civis alemães que comentaram, quando obrigados
pelos soldados britânicos a andar por um campo de concentração recém-libertado:
“Que crimes horrendos essas pessoas devem ter cometido para ser condenadas a
esse tipo de punição.”
“O comportamento de Rasmus com Malene fez
Iben questionar se os sentimentos dos homens são tão fortes quanto os das
mulheres. Não há como saber. Mas há uma diferença grande: os homens parecem
conseguir protelar suas reações emocionais até que lhes seja adequado. Até
homens que pensamos conhecer podem nos dar as costas em um instante, agindo de
forma mais distante do que achávamos possível.”
“– Tenho muita esperança de que o mundo venha
se tornar um lugar melhor. E se isso acontecer, nossos netos poderão olhar para
nós do modo como os jovens de hoje consideram a geração que colaborou com os
nazistas. Eles vão dizer: “Eu não entendo você.” Vamos explicar que a vida
simplesmente era assim. “A fome vem e vai, e ninguém fez nada a respeito disso.
Pessoas morreram de fome para nos abastecer com um café mais barato.” Vamos ter
que confessar que sabíamos, mas preferimos não fazer nada.
Malene se sente inquieta, mas não consegue
entender porquê. Quer puxar a mão de volta, mas não o faz. Tem o impulso de
dizer “Seu velho socialista”, e zombar dele, mas sabe que não deve.”