segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A Exceção – Christian Jungersen

Editora: Intrínseca
ISBN: 978-85-9807-822-9
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 560
Sinopse: Com um enredo que envolve competição, sabotagem, terror psicológico e crimes, A exceção traz à luz um problema que no Brasil, de acordo com estudo realizado pela PUC-SP, atinge 33% das pessoas em seu ambiente de trabalho: o assédio moral.
O livro retrata o apodrecimento das relações entre cinco profissionais que atuam no Centro Dinamarquês de Informações sobre Genocídios, organização europeia com finalidades acadêmicas e humanitárias. Lá, duas jovens trabalham com a análise e a divulgação de dados sobre movimentos genocidas que deixaram, no século XX, 60 milhões de mortos em todo o mundo. Elas dividem o escritório com o chefe, que luta por financiadores, prestígio e contra uma possível fusão, e duas mulheres mais velhas: uma secretária de passado nebuloso e uma bibliotecária recém-contratada, alvo de inexplicáveis maus-tratos das colegas.
A hostilidade e os desentendimentos aumentam quando as jovens começam a receber e-mails com ameaças de teor neonazista. As pistas indicam que o autor é um criminoso de guerra, alvo de artigos publicados pelo Centro, mas, em meio a hostilidades contínuas, as duas acabam manipulando as circunstâncias para que a bibliotecária se torne a principal suspeita. Tudo isto produz uma paranóia que ultrapassa os limites do Centro e contamina os relacionamentos íntimos. Os personagens constroem e desfazem alianças ao sabor das conveniências. Amigas disputam o mesmo homem. Acadêmicos e jornalistas são manipulados visando vantagens pessoais. Profissionais de alto nível envolvem-se com invasões a domicílios, usam falsa identidade e cometem crimes de informática para rastrear mensagens particulares. Todos, em algum grau, são enredados nesta espiral de tensão e insegurança em um processo que culmina em morte.
Com um paralelo bem construído entre os padrões de comportamento dos personagens e estudos clássicos sobre psicologia social e ódio coletivo, Christian Jungersen faz pensar até que ponto a pessoa comum, numa situação extrema, consegue não se deixar corromper pela maldade. Em A exceção, quem foge à regra não é aquele que compactua com o mal, mas quem resiste a isso.



“Para Malene, essa percepção é muito mais difícil devido à piora da situação entre ela e Rasmus. É como disseram no seriado Seinfeld: “Terminar é como derrubar uma máquina de Coca-Cola. Não se pode fazer isso com um empurrão, é preciso balançar algumas vezes”. Malene percebeu que Rasmus está claramente balançando.”


“Ele coloca a panga sob o queixo dela. É tão larga que ela pode ver sua ponta enquanto a lâmina afiada toca a garganta. Este é o momento em que eu devia pensar em meus entes queridos no meu país, diz uma voz dentro dela. Ninguém lhe vem à mente.
Ela tenta, obriga-se a isso. Todos que eu amo, todos que me amam.
Ninguém ainda. Só a ideia de que desperdicei minha vida, vou morrer e nenhum homem vai chorar por amor e por me perder. Não tenho filhos, nem pai. Minha mãe vai chorar, e também as duas mulheres que são minhas melhores amigas. Mas isso não é o bastante, nem chega perto.”


O mais famoso experimento do mundo em psicologia social
O paradigma experimental de Milgram tornou-se reconhecido internacionalmente com a divulgação em livros para escolas e universidades, jornais, revistas, cinema e programas de televisão. Recentemente, chegou a ser citado em um comercial de TV.
Dois sujeitos são informados de que estão participando de um experimento que pretende testar os efeitos do castigo no aprendizado. Eles sorteiam quem será respectivamente o “professor” e o “aluno”. O sorteio é determinado com antecedência. O verdadeiro sujeito da experiência não sabe que o companheiro é um auxiliar no experimento, que está predestinado a ser o aluno. Consequentemente, o sujeito da experiência será sempre o professor.
O aluno é amarrado a uma cadeira preparada para dar choques elétricos. O examinado-professor é então levado a outra sala, onde só tem contato com o aluno através de um microfone ou do texto em uma tela, que mostra as respostas do aluno. Se o aluno responder incorretamente, o professor é instruído a lhe dar um choque como castigo, apertando um botão.
No começo, os choques são leves. Outra tela mostra a voltagem e o grau de severidade – por exemplo, 15 volts: choque leve. A cada resposta errada, o professor deve aumentar aos poucos a voltagem, em etapas de 15 volts. A escala chega a 420 volts: Perigo – choque grave e então, finalmente, 450 volts: XXX.
Para facilitar as comparações internacionais, há regras precisas para o comportamento do líder do experimento e de seu assistente. O aluno nunca leva um choque realmente, mas, quando o sujeito do experimento acredita que está aplicando uma carga de 300 volts, o aluno protesta batendo a cabeça na parede que o separa do professor. Ele bate com um choque de 315 volts e em seguida não faz ou não diz nada. A implicação é a de que, a essa altura, o aluno pode estar inconsciente.
O professor é informado de que qualquer erro em uma resposta deve ser considerado uma resposta incorreta e por isso, apesar do silêncio do aluno, a voltagem deve aumentar na etapa seguinte.
Se o sujeito da experiência protestar, o líder do experimento tem quatro opções de comando. A primeira é que: “Por favor, continue”; e depois: “o experimento requer que você continue”; em seguida: “É absolutamente essencial que você continue”. A última opção é “Você não tem escolha. Deve continuar.” Se o sujeito da experiência ainda se recusar a prosseguir, o experimento é interrompido.
A reação mais comum até agora é de que o examinado-professor proteste repetidamente e, à medida que o experimento prossiga, comece a suar, tremer, gaguejar, gemer e morder o lábio.
Quando chegam ao laboratório, em geral os participantes estão relaxados e confiantes, mas no curso dos primeiros vinte minutos costumam ficar perto de um colapso. Remexendo-se nervosos, eles andam pela sala, como se tentassem decidir se saem ou não. Em geral, prosseguem, falando em voz alta que não podem mais suportar aquilo. Os participantes sabem que estão livres para sair a qualquer hora e que a decisão de encerrar o experimento não terá repercussões. Tudo que têm de dizer é que não querem continuar e, depois, realmente parar.
Apesar disso, dois terços dos examinados no experimento original continuaram obedecendo ao líder até o fim. Em outras palavras, eles aumentaram as voltagens dos choques até o nível mais alto, momento em que o líder pode parar o experimento.
A opinião do próprio Stanley Milgram sobre seus resultados era de que eles confirmavam a percepção de Hannah Arendt da “banalidade do mal”. O sujeito da experiência, que no papel de professor acreditava que tinha usado potências letais de choque, não é um monstro desequilibrado, mas parte de uma maioria de dois terços da população. O comportamento desse subgrupo não era definido por psicose, racismo nem ódio, mas pela obediência.
O experimento de Milgram foi amplamente testado por vários outros grupos nos Estados Unidos e em outros países, e mais tarde Milgram, bem como muitos outros, repetiu a ideia geral com várias modificações. Agora se sabe que a porcentagem de participantes totalmente obedientes é relativamente constante, independentemente de gênero, nacionalidade e ano do teste (início da década de 1960 – dias atuais).
A proporção de sujeitos testados obedientes diminui apenas em pouco pontos percentuais se os gritos e gemidos do aluno são transmitidos por um sistema de intercomunicação, mas cai cerca de 65% para 40% se o professor e o aluno estão na mesma sala. Psicólogos sociais também obtiveram resultados que demonstram que, se o examinado está em uma situação de trabalho e alguém de cargo superior lhe dá ordens destrutivas, a porcentagem de “obediência” aumenta consideravelmente.
Ao longo das décadas, esses experimentos foram elogiados e condenados. A crítica se concentra na possível diferença fundamental entre dar choques elétricos em alguém por um determinado período de tempo e matar pessoas no decorrer de meses ou anos.
Um ponto de vista interessante é o de que muitos criminosos de guerra, em julgamentos no pós-guerra, defenderam-se declarando que “tinham de obedecer a ordens”. Porém, ninguém da defesa conseguiu dar um único exemplo de um soldado alemão punido por se recusar a servir em campos de concentração ou em outros ambientes onde civis eram assassinados.
Os experimentos de Milgram mudaram a percepção dessa questão crucial, transferindo a atenção da obediência forçada para a aceitação espontânea da autoridade.


A Psicologia do Mal II
Em seu livro On Killing, o tenente-coronel Dave Grossman declara que, em uma situação de guerra, homens e mulheres que matam a uma distância suficientemente grande das vítimas não ficam, de acordo com seu conhecimento pessoal, traumatizados mais tarde. Quanto mais perto os soldados chegam da vítima, mais difícil é matar. E, no entanto, nenhum governo sequer cancelou planos para o genocídio por falta de gente disposta a cumprir suas ordens.
Como resolver essa contradição?
Na edição anterior do Jornal do Genocídio, o artigo “A psicologia do Mal I” referiu-se ao trabalho experimental de Stanley Milgram sobre os parâmetros da “obediência à autoridade”. Há dezenas de outras abordagens da psicologia social que também esclarecem a psicologia do exterminador. Este artigo apresenta uma pequena seleção delas.


Os atos talham a postura
Em geral, acreditamos que é a nossa postura que determina nosso comportamento. O contrário também é verdade: o que fazemos afeta nossa maneira de pensar, nossos sentimentos e opiniões.
É inquietante perceber que os atos de uma pessoa estão em conflito com suas crenças. Para se distanciar disso, uma pessoa inconscientemente tende a adaptar sua postura e seus sentimentos, em vez de mudar seu comportamento. Os psicólogos sociais realizaram centenas de experimentos tentando identificar exatamente como é realizada esta mudança na postura.
Festinger e Carlsmith elaboraram um teste em que os participantes recebiam tarefas tediosas cuja conclusão consumia muitas horas, como mudar a posição de estacas, para frente e para trás, e de um lado para outro. Quando o líder finalmente diz aos participantes que o experimento terminou, eles também são informados de que o assistente do líder, que ia instruir o participante seguinte na fila e ressaltar como a tarefa era empolgante, chegaria atrasado. Os participantes atuais eram então indagados se podiam assumir o papel do assistente, recebendo os novos participantes e falando-lhes dos procedimentos. Um grupo foi solicitado a mentir sobre a alegria de participar do experimento, o outro grupo não foi solicitado a demonstrar entusiasmo.
Os resultados mostraram que os que receberam um dólar e mentiram aos novos participantes sentiram que o experimento realmente foi uma boa experiência. Aqueles que receberam vinte dólares e os que não foram solicitados a mentir admitiram depois que acharam a experiência insípida. Uma quantia maior proporcionava um incentivo externo mais forte para mentir aos novos participantes, e daí eles não sentiam a necessidade subconsciente de mudar a opinião que originalmente tinham do experimento para explicar seus atos a si mesmos. Só os que receberam uma pequena recompensa precisaram mudar de opinião a fim de fazer uma ligação entre seus pensamentos e seus atos. Este instinto é impelido pela falta de convicção interna, estado desagradável que é um conceito fundamental da psicologia social e é descrito pela expressão “dissonância cognitiva”.
Há decisões na vida real que levam à dissonância cognitiva e, portanto, a uma mudança na postura. Consideremos uma diretora de pesquisa com moral e opiniões liberais que recebe a oferta de um cargo em uma agência de publicidade, e aceita. Isso significa que ela começará a experimentar uma discrepância entre seus ideais e seus atos e, a não ser que rejeite a oferta de emprego, deverá tentar readaptar suas convicções para justificar sua nova situação. Depois de alguns meses ela pode argumentar, com paixão autêntica, que a publicidade é um aspecto essencial das sociedades democráticas com economia livre de mercado. Além disso, ela provavelmente sustentará essa opinião pelo resto da vida, mesmo que passe apenas um período relativamente curto na publicidade.
Outro exemplo é a testemunha de Jeová que logo aprende que entregar panfletos na rua serve a um propósito duplo. Ajudará a recrutar novos adeptos à fé, mas também reforçará o vínculo entre os fiéis e a seita. Na primeira vez eles podem muito bem hesitar em fazer panfletagem, mas depois voltarão para casa com brilho da fé mais intenso nos olhos.
O processo pode levar a um comportamento caritativo crescente – ou pernicioso crescente. Pode também criar mudanças profundas na perspectiva, muito mais do que seria possível só por meio das palavras.
Os nazistas dependiam muito desse mecanismo para garantir a conformidade entre os cidadãos alemães. Os riscos incalculáveis da recusa a dar sinais simbólicos de apoio ao regime, por exemplo, a saudação “Heil Hitler”, devem ter levado as pessoas a se perguntarem: “Que mal há em levantar meu braço direito?”. Mas a cada vez que alguém se conforma, muda sua maneira de pensar.
A conclusão deve ser a de que atos simples, que em si parecem causar um dano apenas limitado, podem levar a mudanças psicológicas que por sua vez possibilitam ações ainda maiores e mais destrutivas.

Os papéis determinam as pessoas
Em 1971, o psicólogo social Phillip G. Zimbardo e alguns colegas da Universidade de Stanford decidiram investigar as consequências psicológicas da relação entre um prisioneiro e um carcereiro.
Procuraram participantes entre os alunos, declarando que precisavam de 21 homens que seriam pagos pelo experimento de duas semanas. Todos os candidatos foram entrevistados, mas só foram selecionados os que pareciam razoavelmente estáveis, maduros e responsáveis. Estes foram depois divididos aleatoriamente em dois grupos: de prisioneiros e de carcereiros.
No primeiro dia, policiais verdadeiros foram à casa de dez dos participantes e os “prenderam sob suspeita” de invasão e assalto à mão armada. Eles foram levados ao corredor do porão da universidade, que fora reformado para parecer uma prisão, e receberam a ordem de se despir, ser despiolhados e colocar o macacão da prisão. Os “carcereiros” designados estavam de uniforme, com óculos de sol espelhados e cassetete.
Os carcereiros foram chamados a uma reunião e informados para manter os prisioneiros sob vigilância, mas não machucá-los fisicamente. Os prisioneiros ficaram na prisão 24 horas por dia, enquanto os carcereiros foram para casa, para sua vida normal, depois de uma jornada de trabalho de oito horas.
No começo do que ficou conhecido como o Experimento de Prisão de Stanford, não houve nenhuma diferença de personalidade significativa entre carcereiros e prisioneiros selecionados aleatoriamente. Mais tarde, os dois grupos mudaram de uma forma extraordinariamente rápida.
O poder absoluto dado aos carcereiros tornou os prisioneiros impotentes e submissos, o que permitiu que os carcereiros ampliassem ainda mais seus poderes. Essa influência mútua foi o começo de um processo perigoso de auto-reforço.
Um terço dos carcereiros comportou-se com uma insensibilidade cada vez maior e, de forma arbitrária, iniciou punições sem nenhum motivo e elaborou meios inventivos de humilhar os prisioneiros. Em sua vida comum, eles não mostraram tendências a comportamento agressivo ou tirânico.
Dois dos carcereiros deixaram seu papel de lado para defender os prisioneiros, mas nunca chegaram a enfrentar publicamente os carcereiros hostis. Os demais carcereiros eram durões, mas não davam início a nenhum castigo extraoficial.
Os prisioneiros ficaram deprimidos, desesperados a passivos. Três deles tiveram que ser “libertados” depois de apenas quatro dias do experimento porque choravam histericamente, perderam a capacidade de pensar com coerência e ficaram profundamente deprimidos. Um quarto prisioneiro foi liberado depois de contrair uma urticária que cobriu todo o seu corpo.
Todos os prisioneiros, com exceção de três, estavam dispostos a dispensar o pagamento pelos dias que passaram no experimento se pudessem ser libertados. Quando souberam que seus pedidos de “livramento condicional” tinham sido negados, arrastaram-se de volta às celas passiva e obedientemente.
O Experimento de Prisão de Stanford demonstrou que prisioneiros e carcereiros agiam de acordo com os papéis que lhes foram dados por um agente externo, mudando aos poucos seus padrões de pensamento, valores e reações emocionais, a fim de se adaptarem. A maioria dos participantes parecia incapaz de fazer uma distinção entre sua identidade real e seu papel no experimento. A brutalidade da prisão aumentava a cada dia. Desapareceram os valores morais comuns, apesar do fato de cada grupo ter sido determinado indiscriminadamente.
Foi necessário interromper o experimento depois de seis dias, principalmente em razão de os prisioneiros restantes estarem inaceitavelmente próximos de um colapso mental.
É claro que há muitos outros contextos em que o papel e a identidade tornam-se contíguos. Como afirma James Waller em seu livro intitulado Becoming Evil (partes do relato se baseiam em sua análise de provas reais): “Os atos de maldade não só refletem o self*, eles configuram o self*.”
*: Self = caráter


Grupos formados sem praticamente nenhum motivo
O psicólogo social Henri Tajfel e alguns colegas começaram a estudar quantas características diferentes as pessoas devem ter em comum para que se vejam como parte de um grupo e, como passo seguinte, criem um sistema de preconceitos contra outros grupos.
Seu plano inicial era recrutar pessoas sem considerar nenhuma característica em comum, distribuí-las aleatoriamente em grupos e depois, aos poucos, introduzir entre eles semelhanças, preconceitos negativos e conflitos. Ele esperava que este processo lhe permitisse observar como e quando era formada a identidade de grupo.
Em seu experimento mais conhecido, de “grupo mínimo”, ele pediu aos participantes para expressar suas opiniões sobre algumas telas abstratas e os separou depois em dois grupos. Um grupo foi informado de que todos expressaram uma preferência por pinturas semelhantes às de Paul Klee, enquanto outros preferiam o estilo de Wassily Kandinsky. Nada disso era verdade, já que a distribuição dos grupos foi inteiramente aleatória.
Os participantes não se conheciam e não tiveram contato prévio. Dada a oportunidade de avaliar fotos de todos os participantes, eles classificaram aqueles de seu próprio grupo como melhores em seus trabalhos e de convivência mais agradável. Quando os indivíduos eram solicitados a distribuir dinheiro, os membros do grupo sempre eram favorecidos.
Em um experimento semelhante, alguns participantes tinham um viés tão forte contra o outro grupo que ficaram mais felizes por seu próprio pessoal receber dois dólares em vez de três, com a condição de que os outros recebessem um no lugar de quatro. Em outras palavras, eles estavam mais interessados em “derrotar os outros” do que em conseguir o pagamento mais alto possível para seus próprios membros.
Até esta série de experimentos, a maioria dos psicólogos sociais pressupunha que a identidade de grupo fosse criada gradualmente em reação a experiências compartilhadas. Ninguém esperava que o preconceito e a hostilidade surgissem em meio a pessoas que não conheciam o próprio grupo nem o dos outros.
Os relacionamentos dentro de um grupo, ou entre grupos, constituem um campo clássico de pesquisa na psicologia social. Muitos experimentos diferentes mostram que nosso raciocínio funciona de acordo com um modelo “Nós-e-Eles”. É fácil entender a base para isso. Todos são obrigados a pensar em como lidar com um mundo interminavelmente complexo. Para simplificar a existência e classificar informações irrelevantes rapidamente, nós as dividimos em categorias.
A categorização é uma forma humana de pensamento, tão essencial quanto inevitável. Os tipos de categoria variam entre indivíduos e culturas, mas o processo é comum a todos nós. Ela configura como entendemos nosso ambiente e nossa relação com ele.
A psicologia social tem demonstrado algumas distorções coerentes causadas pelo modelo Nós-e-Eles. Tendemos a exagerar as semelhanças daqueles que pertencem a nosso grupo, assim como exageramos a homogeneidade em outros grupos e as diferenças entre eles. E, normalmente, nos importamos mais com os membros de nosso grupo do que com os outros.
Nas crises e nos conflitos abertos, essas atitudes se radicalizam. Toda a humanidade tem potencial para acreditar na máquina de propaganda quando ela repete sem parar: “Mate, ou morra!”

A vítima pede por isso
Todos estamos cientes de que as boas pessoas não são imunes a experiências ruins, todavia uma grande maioria de nós tenta se prender à esperança de um mundo fundamentalmente justo, um bom lugar para criar os filhos.
Como demonstraram vários estudos, essa esperança, combinada com a necessidade humana pouco consciente de significado e coerência nas informações que recebe, nos faz distorcer a realidade para que combine com nossa visão de ordem.
Não são só aqueles que perpetram atos terríveis que são iludidos por seus padrões de pensamento distorcido, lembranças e input sensorial para acreditar que seu mundo ainda é justo e importante. Os que testemunham as tragédias e, de fato, as próprias vítimas também colaboram para essa ficção.
As vítimas de doenças graves, bem como aquelas pessoas próximas do paciente, em geral estão decididas a encontrar a causa. Sentem uma forte necessidade de determinar exatamente o que fizeram de errado para merecer tal sofrimento. Novamente, é comum que vítimas de violência perguntem-se sobre a causa fundamental. “Talvez eu tenha pedido por isto; talvez eu não devesse andar por aquela rua tão tarde da noite; talvez eu não devesse ter usado esse vestido.” Essas ansiedades tornam-se o foco de seus pensamentos, independentemente do fato de elas terem o direito de andar por qualquer rua e usar a roupa que quiserem.
Às vezes parece que as vítimas preferem carregar ativamente o fardo da culpa, em vez de reconhecer que o acaso pode interferir e estragar uma vida. Uma profusão de dados experimentais ampara isso nos menores detalhes.
Em um desses experimentos, Melvin Lerner e Carolym Simmons pediram a 72 estudantes que observassem os castigos, na forma de fortes choques elétricos, aplicados sempre que uma vítima dava uma resposta errada a uma pergunta. A vítima era uma atriz, fingindo dor.
Alguns observadores foram informados de que teriam permissão para interromper os choques mais adiante. Solicitados a descrever como se sentiram com relação à vítima, os que acreditavam que ela continuaria a sentir dor a viram de formas mais negativa do que os que pensaram ser capazes de controlar os choques.
Esse modo de interpretar a posição da vítima é acentuado quando nós mesmos infligimos o sofrimento. A dissonância cognitiva nos faz gostar daqueles a quem ajudamos e rejeitar os que machucamos.
No contexto de seu experimento sobre a obediência à autoridade, Stanley Milgram observou que muitos participantes mais tarde disseram coisas como as que se seguem: “Ele [o ‘aluno’] era tão idiota que realmente merecia levar choque.” Outro argumento semelhante era de que, uma vez que concordou em participar do experimento, o aluno estava pedindo para ter problemas. Isso apesar do fato de que os que expressaram tal opinião também se juntaram ao experimento e, aparentemente, tiveram sorte no sorteio que decidiu quem era “professor” e quem era “aluno”.
Parece que impulsos psicológicos poderosos levam os perpetradores a pensar e sentir que suas vítimas merecem o que acontece com elas. Quanto mais pavorosamente brutal o ato cometido pelo perpetrador, mais fortemente ele passa a creditar que só ele está correto e é justo.
Todos temos tendência a interpretar a realidade da mesma forma que os civis alemães que comentaram, quando obrigados pelos soldados britânicos a andar por um campo de concentração recém-libertado: “Que crimes horrendos essas pessoas devem ter cometido para ser condenadas a esse tipo de punição.”


“O comportamento de Rasmus com Malene fez Iben questionar se os sentimentos dos homens são tão fortes quanto os das mulheres. Não há como saber. Mas há uma diferença grande: os homens parecem conseguir protelar suas reações emocionais até que lhes seja adequado. Até homens que pensamos conhecer podem nos dar as costas em um instante, agindo de forma mais distante do que achávamos possível.”


“– Tenho muita esperança de que o mundo venha se tornar um lugar melhor. E se isso acontecer, nossos netos poderão olhar para nós do modo como os jovens de hoje consideram a geração que colaborou com os nazistas. Eles vão dizer: “Eu não entendo você.” Vamos explicar que a vida simplesmente era assim. “A fome vem e vai, e ninguém fez nada a respeito disso. Pessoas morreram de fome para nos abastecer com um café mais barato.” Vamos ter que confessar que sabíamos, mas preferimos não fazer nada.
Malene se sente inquieta, mas não consegue entender porquê. Quer puxar a mão de volta, mas não o faz. Tem o impulso de dizer “Seu velho socialista”, e zombar dele, mas sabe que não deve.”

Um comentário:

blogueiro disse...

E aí Doney! Esse livro parece ser bem complexo, e muito interessante. Essa coisa toda dos experimentos me deixou nervoso rs. Abraços!
http://cafeliterari-o.blogspot.com.br/