terça-feira, 10 de maio de 2011

O clube dos anjos: gula, de Luis Fernando Veríssimo

Editora: Objetiva

ISBN: 978-85-7302-988-8

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 144

Sinopse: Não é todo dia que se quer ouvir uma crocante fuga de Bach mas todos os dias se quer comer. A fome é o único desejo reincidente, pois a visão acaba, a audição acaba, o sexo acaba, o poder acaba – mas a fome continua. Sentar-se à mesa com os amigos, saborear o seu prato preferido e se entregar ao prazer de comer, louca e apaixonadamente. Depois? Depois a morte. Mas isso só parecia acentuar a delícia de sabores irrecusáveis, o paladar em estado de exaltação, a bênção de um destino escolhido.

O Clube dos Anjos, de Luis Fernando Verissimo, é uma insólita e bem-humorada celebração da gula. O livro conta a história de dez homens que se entregaram a esta afinidade animal, a fome em bando – sem temer a morte. Na verdade, a perspectiva de morrer só aumentaria, para eles, o prazer na comida, e o desafio filosófico da gastronomia: a apreciação que exige a destruição do apreciado.

 

“As histórias de mistério são sempre tediosas buscas de um culpado, quando está claro que o culpado é sempre o mesmo. Não é preciso olhar a última página, leitor, o nome está na capa: é o autor.”

 

 

“Ele move-se com discrição e faz poucos gestos. Senta com as costas retas e quase não mexe a cabeça. Eu nunca chego, simplesmente, numa cadeira ou mesa, eu atraco. Um processo difícil, na falta de rebocadores. Naquele dia, derrubei um açucareiro e quase derrubei a mesa e deixei cair o vinho antes de encontrar minha posição na cadeira e chamar a garçonete. Minha namorada, a coitada da Lívia, sempre diz que eu nunca sei de quanto espaço preciso, e que isso vem de uma infância de gordo mimado. Algo a ver com ser um filho único que nunca conheceu limites. A coitada da Lívia é psicóloga e nutricionista, há anos que tenta me salvar. Eu não sou o seu amante, sou a sua causa. Já tive três mulheres e as três queriam o meu dinheiro. A Lívia não quer o meu dinheiro. Quer ser a mulher que me recuperará, o que eu acho muito mais interesseiro e assustador. Talvez por isso eu resista tanto a casar com ela, quando não resisti nada a casar com as outras, mesmo sabendo que não me amavam pela minha barriga.”

 

 

“Éramos tão vorazes, no começo, que qualquer coisa menos que o mundo equivaleria a um coito interrompido.”

 

 

“– O que está escrito no plástico?

– É um ideograma japonês, com várias traduções possíveis. Pode ser “Todo desejo é um desejo de morte” ou “A fome é um cocheiro sem ouvidos” ou “O sábio e o louco usam os mesmos dentes”.

– Tudo isso num ideograma?

– Sabe como são os orientais.”

 

 

“Adoro histórias estranhas. Quanto mais improváveis, mais eu acredito.”

 

 

“Depois telefonei para o João, que também relutou. Talvez fosse, talvez não fosse. Estava pensando em deixar o Clube. A reunião do Natal tinha lhe mostrado que estava na hora de parar. “Senão vou acabar dando um soco no Paulo”. Em vinte e um anos, João só faltara às reuniões do Clube durante o tempo em que desaparecera para fugir de pessoas cujo dinheiro tinha perdido e que queriam matá-lo, no que só mostravam, segundo Samuel, uma chocante incompreensão do espírito capitalista. Samuel instruía os credores a quebrar vários ossos do João, menos os que lhe permitiriam recuperar seu dinheiro, em vez de matá-lo. E chegava a oferecer uma lista dos ossos que João não precisaria para ganhar dinheiro e pagar a todos. Mas fora ele quem mais ajudara o João, inclusive escondendo-o dos credores furiosos em sua casa. De onde nos trazia notícias periódicas do asilado. “Está de ótimo humor. Não consigo convencê-lo a se suicidar”. E completava com uma das suas citações obscuras: “Um dos maiores enganos da humanidade a seu próprio respeito é que existe o remorso”.”

 

 

“Voltei para o grupo no velório. Contei que o André estava bem e perguntei se havia alguma novidade, só para não ficar quieto. Não sei ficar quieto. O João respondeu que o morto pulara do caixão, dera alguns passos de tango em volta da capela e se deitara de novo, mas fora isso nada.”

 

 

“Pedro também aparecia pouco. Vivia enclausurado. Não ia à escola, tinha professores particulares, estava sendo preparado para assumir a direção da empresa da família. Além disso, sua mãe, a dona Nina, tinha a psicose do contágio. Sofria com a ideia do seu Pedrinho tendo contato com as impurezas do mundo, entre as quais nos incluía. Principalmente eu, que não trouxera da infância o apelido de Cascão Falante sem merecimento.”

 

 

“O homem é o único animal que sempre quer mais do que precisa. O homem é o homem porque quer mais.”

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Abilolado mundo novo – Carlos Maltz

Editora: Via Lettera
ISBN: 978-85-7636-095-7
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 240
Sinopse: Sem papas na língua – até por que “o pop não poupa ninguém” – o psicólogo, astrólogo, primeiro baterista e fundador dos Engenheiros do Hawaii, Carlos Maltz, canta a pedra fundamental da Filosofia Pop – o diálogo igual pra igual entre diferentes.
Neste livro manifesto, o filósofo-pop-star encarna o auto-profetizado “mensageiro das almas” que, agindo como um juiz de Vale Tudo, se posiciona entre os lutadores, olha nos olhos, sinaliza o momento do embate e fala em tom ao mesmo tempo grave e tranquilo.



“Porque se não soubermos sentir a dor, também não saberemos sentir prazer. (...) Não tem jeito de estarmos vivos e não sentirmos dor. A dor faz parte da vida. A dor é uma de nossas maiores amigas, e o único jeito de não sentirmos dor, é nos anestesiarmos a ponto de não sentirmos nada... Quem se anestesiar não sente dor, mas, em compensação, também não sente mais nada... Fica confortavelmente anestesiado para tudo... Joga fora o bebê junto com a água do banho ou, se você preferir, joga fora a possibilidade de amar, junto com o medo de sofrer... Não existe vida sem a possibilidade do sofrimento... É aquela história do cara que “vive como se nunca fosse morrer, e morre como se nunca tivesse vivido”.”


“Sem dúvida, como eu vinha dizendo, concordo inteiramente com a frase do Gessinger: “Você que tem ideias tão modernas é o mesmo homem que vivia nas cavernas”. O mundo mudou muito, na superfície, na aparência, mas, no fundo, não somos tão diferentes assim dos nossos antepassados... Em termos emocionais a coisa anda muito devagar... O mundo das emoções num tá nem aí pro nosso avanço tecnológico e talz... Veja a internet: milhões de pessoas procurando alguém... Milhões de pessoas diariamente se conectando para encontrar um pouco de algo que elas sentem muita falta, mas não sabem o que é... Mudamos muito pouco mesmo nas coisas que realmente importam... Vejam esses sites de realidade virtual... Forte-apaches dos meninos e das meninas grandes... Multidões de Barbies e Kens em busca de emoções que não vão encontrar e que vão gerar mais ansiedade, e mais horas navegando no mar da ilusão... A indústria da pornografia on-line é uma das que mais crescem nesse mundo rico de coisa e pobre de alma... Um grande neg-ócio...”.


Fuga
(Carlos Maltz)
Você que está parado aí nessa porta
Tentando esquecer que é você que se importa
Com o que eu vivo 
Ou deixo de viver

Você que já fugiu de sua própria vida
Você me fez sentir a dor de sua ferida
Agora, não pode nem me ver

Quanto mais você foge
Mais perto você fica
Do fogo
Que arde em você

Você que já fez tudo que já tinha feito
Você buscou em mim todos os seus defeitos
Ninguém vive a vida por ninguém

Você já teve a chama acesa em sua mão
Você gelou o sopro da sua paixão
Tenho um pedaço
Do resto do teu coração

Quanto mais você foge
Mais perto você fica
Do fogo
Que arde em você


“Tem um amigo meu, compositor lá do Tocantins, o Juraílde da Cruz que escreveu: “Eu tentei correr de mim, mas pra onde eu ia, eu tava”.”


“A máquina voraz gera produtos e consumo. Quer consumidores. Todos temos que ser consumidores. Essa é nossa identidade nesse admirável mundo novo em que vivemos. Só existimos enquanto consumidores e, se para sermos reais nesse mundo temos que ser consumidores, as pessoas farão qualquer coisa para se enquadrar nisso. Qualquer coisa! A máquina voraz tem uma lógica própria: pessoas que roubam milhões e dão golpes gigantescos são personagens de luxo desse sistema, a menos que deixem rastros escandalosos. Já as pessoas vindas das classes sociais menos favorecidas, que na ânsia e na incompetência de se tornarem consumidores, causarem algum ruído que possa atrapalhar a paz de Muzak dos shopping centers, serão exilados em penitenciárias cada vez mais modernas, superlotadas... Ainda chegaremos a cumprir a profecia de Huxley, criando um outro país, onde os marginalizados e os excluídos vivam em um estado de isolamento que não possam causar ruído, nem contaminar nosso mundo esterelizado. Nossa sociedade está dividida em consumidores e não consumidores, que são eliminados.”


“Bode expiatório é o nome de uma prática judaica antiga. Os Judeus têm o seu tradicional Dia do Perdão, que é um dia em que a pessoa faz uma espécie de avaliação dos erros que cometeu no ano que passou, se limpa desses erros e se compromete a não cometê-los novamente... Antigamente, existia a prática do “bode expiatório”, que era um animal, um bode mesmo, no qual se jogavam todos os pecados... Depois, esse animal era levado ao templo, onde era sacrificado, juntamente com os pecados da galera, que se sentia mais leve para iniciar o ano novo que estava começando.”


Dia novo (pra você)
(Carlos Maltz & Marcos Mesquita)
Pelas ruas da cidade
Procurando encontrar alguém 
Que ainda esteja vivo 
E que se importe se eu estou também 
Pelas ruas da cidade onde eu cresci 
Procurando encontrar alguém que possa me dizer pelo menos: 
“Meu amigo, como vai você?, como tens andado?” 
Vou cruzando com olhares de fachada
Esbarrando em multidões de autistas
Todos eles têm os olhos na estrada
Mas só podem ver a sua própria pista

Pelos prédios da cidade futurista
Eu procuro por alguém que ainda insista
Em manter acesa a chama do seu coração 
Procurando água no deserto da solidão 
Pelas pedras da cidade velha
Onde eu caminhei 
Eu procuro as pegadas
De alguém que eu tanto amei

Eu não quero te perder (me perder)
Nunca mais

Agora, abre os olhos
E vem ver o Sol que já vem nascer 
Amanhecerá um dia novo pra você (amanhã será)
É o que te deseja alguém que te quer bem.


“Henry D. Thoreau escreve em 1854:
Por fecharem os olhos e dormirem, por consentirem em ser enganados pelas aparências, os homens em toda parte estabelecem e confirmam suas vidas diárias de rotina e hábito em cima de fundações puramente ilusórias. Crianças, que brincam de viver, discernem com mais clareza que os adultos a verdadeira lei da vida e suas relações, enquanto estas fracassam sem conseguir vivê-la condignamente, embora pensem que a experiência, isto é, o fracasso, os tornou mais sábios.


“Pra que Satanás ia perder tempo com mensagens subliminares, se ela está escancarada em todas as páginas de jornais, estações de televisão, emissoras de rádio? (...) A maioria esmagadora de todos os programas de todas as estações de televisão do mundo, com honrosas exceções... transmitindo mensagens de medo, morte, banalização do sexo, do amor, do corpo humano... Banalização da violência, machismo, sexismo... depravação sexual, como se fosse a coisa mais natural... Drogas, apologia do uso das drogas... O que é isso, meu irmão??? A besta, bestificação do sexo, das amizades, do amor... Tá dominado, véio... Tá tudo dominado... Quero dizer, tudo não. Ainda tem gente que não se rendeu pra besta-coisa... Mas é muuuuito raro, muuuuito raro mesmo! O satanás tá deitando e rolando... É o imperador deste mundo... Dono de quase toda a extensão territorial dos corações humanos, inclusive de muitos que se colocam ingenuamente no lugar de combatê-lo, sem saber com quem estão se metendo... (...) Quer ver a marca da besta? Olhe no espelho. Ela está nos seus olhos, nos meus olhos. Nos nossos olhos esbugalhados e famintos de alma.”


Giselle Beckham diz:
O que é um mito? É tipo uma parada que é mentira.
C. Maltz diz:
Não, não... Isso já é uma utilização deturpada da palavra. As pessoas dizem mito quando querem dizer que algo é inventado, que é falso... Na origem a palavra quer dizer uma coisa totalmente diferente. (...) O mito é uma história original. Ninguém sabe quem escreveu, quando escreveu. O mito sempre existiu e não existe no tempo. (...) O mito está além dos limites da razão, explica sem explicar... Se tentarmos entender racionalmente, não vamos entender nada... Temos que nos deixar levar pelo mito... Temos que tentar ser vividos pela narrativa...”


“O James Hillman, aquele junguiano sobre o qual falei pra vocês, esse cara tem umas sacações interessantes, vejam o que ele diz sobre esse assunto (HILLMANJames. Entre-vistas. S. Paulo: Summus, 1989, p. 171):
Sem dúvida, uma cultura tão maníaca e materialista como a nossa gera comportamentos materialistas, principalmente naqueles que só estiveram sujeitos à destruição da imaginação através do que a cultura chama de educação, à destruição da autonomia através do que ela chama de trabalho e à destruição da atividade através do que ela considera diversão. “Educação”, “trabalho” e “diversão” (enfocando unicamente a matéria) criam um comportamento que servirá para justificar as noções dessa cultura. É um eficiente círculo vicioso. Não me admira que tanta gente tolhida por esse comportamento desde o nascimento esteja, em todos os níveis da sociedade, voltando-se para as drogas. Por que usam drogas? Para quebrar o rigor do ambiente corporativamente programado de “educação”, “trabalho” e “diversão”, em outras palavras, para satisfazer a ânsia que elas têm de uma experiência não material. Usam Ácido Lisérgico para ter visões, Heroína e Maconha para ter a sensação de outros mundos, a Cocaína e o Crack para uma injeção de energia que é sugada pelo sifão do meio ambiente...


“Veja a situação desesperadora em que nos encontramos, e me responda você mesmo... A técnica e a ciência vão até certo ponto... Mas é muito raso. Somos basicamente emoções e água. Não temos objetividade nenhuma... Jung dizia que nós somos todos “míopes” e que o máximo que podemos fazer é nos conhecer a ponto de sabermos qual é o “grau de nossa miopia”, ou seja, para que lado a gente distorce a realidade e o quanto a gente distorce... Só o fato de o cara saber que isso existe, segundo o próprio Jung, já não é pouca coisa... O projeto modernista é bem intencionado, mas é ingênuo demais... Simplório, reducionista... O que mais me impressiona é que, mesmo depois da loucura coletiva do povo alemão, sob a batuta de Adolf Hitler, ainda existam pessoas com esse tipo de ilusão... O povo tem memória curta mesmo... Gosta de ser enganado... Como o velho Freud já bem sabia e dizia: “o povo não aguenta viver sem a ilusão... Exige ser iludido”... Veja no que é que as eleições, por exemplo, se transformaram... “Quem mente mais diz a verdade”, como bem já dizia o Gessinger... E não é só aqui no Brasil, não... Veja o sucesso impressionante que fazem esses livros de autoajuda, prometendo milagres... Sabem qual é o item que mais consome dinheiro no mundo hoje? Em primeiro lugar, guerra. E em segundo, pornografia.”


“Veja a situação do superaquecimento global, por exemplo. Somos uma civilização mimada, mal-acostumada, que consome uma quantidade burral de energia e matéria-prima para manter os seus mimos e maus costumes. Pegue uma pessoa qualquer, um empregado qualquer dos Estados Unidos de hoje... Esse cara não suportaria dois dias vivendo nas condições materiais de um nobre da corte de Luís XIV... Ele não aguentaria... Eu não aguentaria, você não aguentaria. Nós nos rebelaríamos.”


C. Maltz diz:
Saí do rock, mas o rock não saiu de mim. O rock é o grito de agonia de uma civilização que está morrendo. É o grito de morte da civilização-coisa. É raiva, lágrima, suicídio, demolição. Era a única coisa que fazia sentido para mim até encontrar o Jung e a porta que a leitura de seus livros me abriu. Foi como encontrar uma tábua num naufrágio. Saber que tinha outro mundo começando, além daquele agonizante que eu estava podendo enxergar.
el escama diz:
AHHH... Não... Você também acha que o rock está morrendo... Não concordo, cara. Sempre estarão nascendo novos “reis” que irão salvar o rock... Como diz aquela música do Neil Young.
C. Maltz diz:
Acho que o Kurt Cobain foi o último e sua morte é bem sintomática... Ele era um esteta da destruição... Foi fiel à sua arte até o fim... Fez a única coisa que poderia ter feito... Se não quisesse ser apenas mais um picareta que se vendeu pelos confortos e mimos da civilização-coisa. Mais um que começa a sua caminhada jogando pedras no Titanic, e que depois é seduzido pelo canto da sereia materialista. Cobain não se deixou seduzir, não virou dono de grife chique. Era um cara de verdade, era aquilo que ele cantava. Por isso, tantos garotos até hoje usam camiseta com a sua imagem estampada. Mas Cobain é destruição pura, morte. Não há saída para ele e seu canto, a não ser a morte e a autodestruição. Cobain era o que os caras do Heavy Metal fazem de conta que são, mas não têm coragem existencial para ser.
el escama diz:
Hehehe, como assim?
C. Maltz diz:
Todos esses garotinhos com cara de mau e voz de ogro... Roupas pretas, papo satânico. Pobres criancinhas. O sistemão nem se coça. Mal botam a cabecinha pra fora e são devorados pelo moedor de carne. Dopados até a morte, confortavelmente anestesiados até a morte. Esse sim é Heavy Metal, esse sim é metal pesado, Death, Trash, Suicide e o que mais você quiser. E ele se chama: Sistema capitalista pós-industrial. A sociedade do espetáculo, como dizia o Debord, a máquina de moer gente, a civilização-coisa... Coisifica tudo... Liquidaram o “rei” de tanta coisa... Elvis morreu de overdose de coisa... Entupido de coisa... Cara, quer apagar a chama de um roqueiro rebelde? Transforme-o num roqueiro rico... Cheio de coisa... Logo, logo o cara tá cheio de coisa pra cuidar... Escravo da coisa e eleitor de gente como o Bush.
Agente Smith diz:
E você, Maltz? Se ficar rico com esse livro, votaria num político como o Bush também? Hehehehe...
C. Maltz diz:
Eu sou um típico eleitor de Obama... Mas... Se eu ficar rico com esse livro, prepare-se... O FIM está próximo, mesmo...
el escama diz:
Hehehehe...
C. Maltz diz:
E aí... Não vai ter muita coisa pra fazer com a grana... Quando o navio está afundando, tanto faz a marca do salva-vidas que você está usando...
el escama diz:
E o Lennon? Se vendeu também?
C. Maltz diz:
Não! John Lennon era um artista de verdade. Sua vida é arte... Podia ter a mulher que ele quisesse. Casou-se com uma japonesa feia e chata... Quero ver qualé desses garotinhos com cara de mau que encara uma dessas... Querem todos comer a mulher-coisa que estiver na moda. Lennon tentou abrir mão de ser um mito. Ficou 8 anos trancado dentro de casa cuidando do seu filho. Aprendendo a ser gente... Mas quando saiu para a rua, o mito veio cobrar a sua taxa: ele já tinha ido longe demais. Não tinha mais para onde voltar. Era um mito e teve de morrer como um mito. Os heróis não morrem de velhice...”


“Consegui juntar o inútil ao desagradável: ser pobre e narcisista.”


“Apesar dos cristãos, Cristo continua vivo em nossos corações.”


Cavaleiro da triste figura diz:
Ah, pra mim aqueles árabes na guerra estão só a fim de grana.
el escama diz:
Você não se venderia?
Cavaleiro da triste figura diz:
Bom... Eu...
Agente Smith diz:
Por um carro? Tu acha que eu sou o que? Se ainda fosse a Daniela Ciccareli... Hehehe..
Mutante diz:
Todo mundo tem um preço?
Cavaleiro da triste figura diz:
Não tenho a menor dúvida...
C. Maltz diz:
E o homem-bomba? Qual é o preço dele?”


C. Maltz diz:
Estou tentando fazer o que o pensamento coletivo de nossa civilização desistiu de fazer: procurar uma saída...
Mutante diz:
Por que você acha que ele desistiu?
C. Maltz diz:
Porque ele está cansado... desiludido... Existem pessoas pensando em saídas? Sim... Mas... poucas... Se levarmos em conta a proporção de gente que não vê mais saídas... E a maioria das que ainda não desistiu de procurar... procura saídas onde talvez não existam mais saídas. Estão no porão do navio... Lutando para continuar respirando. Sem saber que a água já invadiu os camarotes de luxo do convés... Estão tentando tapar o rombo do casco, com chiclete... Mas não percebem que o furo é mais embaixo... O buraco é muito maior do que eles imaginam... O crack da bolsa e a eleição de Barack Obama são apenas a pontinha do iceberg que nos acertou...
Mutante diz:
E de que tamanho ele é?
C. Maltz diz:
Do tamanho da nossa falta de amor...”


Mutante diz:
Você acha que é possível encontrar uma saída pacífica para o conflito Árabe-Judeu?
C. Maltz diz:
A ÚNICA saída possível para qualquer conflito é a pacífica... Você nunca conseguirá interromper o ódio com ódio... A política do olho-por olhodente-por dente gera uma matança que nunca terá fim. Aqueles caras lá do Oriente Médio estão nessa há milênios... É a mesma guerra estúpida... Jesus já veio ao mundo... (Lá mesmo) trazendo a solução... Mas não foi ouvido ainda... Mesmo os caras que colocam aqueles adesivos escrito 100% Jesus... tão lá com aquele adesivo no vidro de trás.... e uma arma no coração (quando não é no porta luvas)...”
(...)
euzinha diz:
Acho que a Palestina é aqui mesmo...
C. Maltz diz:
É isso... Quando estoura uma guerra sangrenta o Oriente Médio, na África, um atentado violento que destrói milhares de vidas em alguma cidade europeia, ficamos chocados (Ficamos mesmo? Ainda ficamos?). Mas não percebemos que temos uma Palestina aqui dentro do nosso país, das nossas casas... Não percebemos que temos uma palestina ocupada e confinada em um campo de concentração dentro de nós... Todas essas crianças pobres jogadas nas ruas como se fossem lixo... Todas essas crianças ricas jogadas nas creches de luxo enquanto seus papais e mamães não têm tempo para cuidar delas, pois estão muito ocupados acumulando coisas... Crianças de dois anos de idade que passam o dia inteirinho na creche... Nos braços de pessoas que são pagas para amá-las...”


Farinha do Mesmo Saco
(Carlos Maltz)

Até mesmo quem você odeia pode ser muito importante
Alguém que você usa de espelho pra se ver de trás pra diante

Até mesmo quem você não conhece pode ser pessoa de fé
Alguém que não espera que você não seja o que é

Até mesmo quem te sacaneia também tem o seu papel
Te mostrando o quanto ainda falta pra você bater nas portas do céu

Até mesmo a nossa humanidade pode ter alguma salvação
No dia em que todo mundo reconhecer que todo mundo é irmão

Há cento e cinquenta mil anos atrás
No colo da Mãe África
Éramos todos negros
Sem dinheiro e sem pátria
Uns foram pro norte, outros foram pro sul
Esqueceram do vovô macaco
Mas somos todos farinha do mesmo saco
Nós somos todos farinha do mesmo saco

Até mesmo quem você despreza pode ter o seu valor
Pessoa que não se entrega e não foge da vida por medo da dor

Até mesmo um bêbado e drogado pode ser o porta-voz
Daquele ser iluminado que um dia andou aqui entre nós

Até mesmo a santa ignorância também tem sua importância
Fazendo com que a gente cresça pela doença a dor e a inconsciência

Brancospretosjaponesesárabeshindúsmulatasjudeus
Todos feitos à mesma imagem pelo amor do mesmo Deus.
Há cento e cinquenta mil anos atrás...
E nem entre numas de pensar que você está sozinho
Bem do seu lado pode ter alguém precisando do seu carinho...

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O homem duplicado – José Saramago

Editora: Companhia de Bolso
ISBN: 978-85-359-1288-3
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 288
Sinopse: O professor de história Tertuliano Máximo Afonso descobre, certo dia, que é um homem duplicado. Ao assistir a um vídeo, ele se reconhece em outro corpo, idêntico ao dele próprio – um dos atores do filme é seu sósia. Os desdobramentos dessa história são imprevisíveis. Mas o romance de José Saramago, esclareça-se logo, não tem nada a ver com clonagem ou outras experiências de laboratório. O que está em jogo é a perda da identidade numa sociedade que cultiva a individualidade e, paradoxalmente, estabelece padrões estreitos de conduta e de aparência.
Em O homem duplicado, José Saramago constrói uma ficção apoiada numa questão extremamente inquietante – a perda do eu no mundo globalizado.



“Tanto é o que precisamos de lançar culpas a algo distante quando o que nos faltou foi a coragem de encarar o que estava na nossa frente.”


“É a carreira e o trabalho que me têm a mim, não eu a eles.”


“Por muito esforço que tenhamos de fazer, sabemos que só abrindo os olhos se pode sair de um pesadelo, mas o remédio, neste caso, foi fechá-los, não os próprios, mas os do reflexo no espelho.”


“Não é porque o burro deu o coice que lhe vai partir a perna.”


“Não se deixe enganar, o senso comum é demasiado comum para ser realmente senso, no fundo não passa de um capítulo da estatística, e o mais vulgarizado de todos.”


“O saber é realmente uma coisa muito bonita, Depende do que se saiba, Também deverá depender de quem sabe, acho eu.”


“Provavelmente, ler também é uma forma de estar lá.”


“Expliquei pela centésima vez o meu ponto de vista e creio que consegui convencê-lo finalmente de que o disparate era um pouco menos tolo do que lhe tinha parecido até agora, Uma vitória, Que não servirá para nada, De facto, nunca se sabe muito bem para que servem as vitórias, suspirou o professor de Matemática, Mas as derrotas sabe-se muito bem para que servem, sabem-no sobretudo os que lançaram na batalha tudo o que eram e tudo quanto tinham, mas desta permanente lição da História ninguém faz caso.”


“É de todos conhecido, porém, que a enorme carga de tradição, hábitos e costumes que ocupa a maior parte do nosso cérebro lastra sem piedade as ideias mais brilhantes e inovadoras de que a parte restante ainda é capaz, e se é verdade que em alguns casos esta carga consegue equilibrar desgovernos e desmandos de imaginação que Deus sabe aonde nos levariam se fossem deixados à solta, também não é menos verdade que ela tem, com frequência, artes de submeter subtilmente a tropismos inconscientes o que críamos ser a nossa liberdade de actuar, como uma planta que não sabe porque terá sempre de inclinar-se para o lado de onde lhe vem a luz.”


“A vida, querido Máximo, tem-me ensinado que nenhuma coisa é simples, que só às vezes o parece, e que é justamente quando mais o parecer que mais nos convirá duvidar.”


“Diz a sabedoria popular que nunca se pode ter tudo, e não lhe falta razão, o balanço das vidas humanas joga constantemente sobre o ganho e o perdido, o problema está na impossibilidade, igualmente humana, de nos pormos de acordo sobre os méritos relativos do que se deveria perder e do que se deveria ganhar, por isso o mundo está no estado em que o vemos. Maria da Paz também pensa, mas, sendo mulher, portanto mais próxima das coisas elementares e essenciais, recorda a angústia que trazia na alma quando entrou nesta casa, a sua certeza de que se iria daqui vencida e humilhada, e afinal acontecera o que em nenhum momento lhe tinha passado pela fantasia, estar na cama com o homem a quem amava, o que mostra quanto tem ainda de aprender esta mulher se ignora que muitas dramáticas discussões dos casais é ali que acabam e se resolvem, não porque os exercícios do sexo sejam a panaceia de todos os males físicos e morais, embora não falte quem assim pense, mas porque, esgotadas as forças dos corpos, os espíritos aproveitam para levantar timidamente o dedo e pedir autorização para entrar, perguntam se se lhes permite fazer ouvir as suas razões, e se eles, corpos, estão preparados para lhes dar atenção. É então quando o homem diz à mulher, ou a mulher ao homem, Que loucos somos, que estúpidos temos sido, e um deles, misericordiosamente, cala a resposta justa que seria, Tu, talvez, eu só tenho estado à tua espera. Ainda que pareça impossível, é este silêncio cheio de palavras não ditas que salva o que se julgava perdido, como uma jangada que avança do nevoeiro a pedir os seus marinheiros, com os seus remos e a sua bússola, a sua vela e a sua arca do pão.”


“É tanto o que temos para dizer quando calamos.”


“Já pensava que não me telefonarias, disse Maria da Paz, Como vês, enganaste-te, aqui estou, O teu silêncio teria querido dizer que o dia de hoje não havia representado para ti o mesmo que para mim, O que tenha representado, representou-o para ambos, Mas talvez não da mesma maneira nem pelas mesmas razões, Faltam-nos os instrumentos para medir essas diferenças, se as houve, Contínuas a gostar de mim, Sim, continuo a gostar de ti, Não o expressas com muito entusiasmo, não fizeste mais que repetir as palavras que eu disse, Explica-me por que não deveriam elas servir-me a mim, se a ti te serviram, Porque ao serem repetidas perdem uma parte do poder de convencimento que teriam se tivessem sido ditas em primeiro lugar.”


“Todos os dicionários juntos não contêm nem metade dos termos de que precisaríamos para nos entendermos uns aos outros.”


“As formas da crueldade são muitíssimas, algumas até se disfarçam de indiferença ou de indolência.”


“De uma maneira ou outra neste mundo tudo acaba por se resolver.”


“Quanto mais te disfarçares, mais te parecerás a ti próprio.”


“Não se censurou porque aquelas ideias em realidade não lhe pertenciam, tinham sido o fruto equívoco de uma imaginação que, sacudida por uma emoção violenta e fora do comum, saltara dos carris, o que conta é que está lúcida e alerta neste momento, senhora dos seus pensamentos e do seu querer, as alucinações da noite, sejam as da carne, sejam as do espírito, sempre se dissiparam no ar com as primeiras claridades da manhã, essas que reordenam o mundo e o recolocam na sua órbita de sempre, reescrevendo de cada vez os livros da lei.”


“Talvez a ideia correcta seja a de que o futuro é somente um imenso vazio, a de que o futuro não é mais que o tempo de que o eterno presente se alimenta.”


“Só um senso comum com imaginação de poeta poderia ter sido o inventor da roda.”


“Também em tempos que já lá vão, houve na terra um rei considerado de grande sabedoria que, em um momento de inspiração filosófica fácil, afirmou, supõe-se que com a solenidade inerente ao trono, que debaixo do sol não havia nada de novo. A estas frases não convém tomá-las nunca demasiado a sério, não se dê o caso de as continuarmos a dizer quando tudo à nossa volta já mudou e o próprio sol já não é o que era. Em compensação, não variaram muito os movimentos e os gestos das pessoas, não só desde o terceiro rei de Israel como também desde aquele dia imemorial em que um rosto humano se apercebeu pela primeira vez de si mesmo na superfície lisa de um charco e pensou, Este sou eu.”


“E a Maria da Paz, disseste-lhe o que estava a suceder, perguntou dona Carolina, Não, não a iria sobrecarregar com preocupações que a mim já me custavam tanto a aguentar, Compreendo isso, mas também compreenderia se lho tivesses dito, Considerei que era melhor não lhe falar do caso, E agora que já passou tudo, não lho dirás, Não vale a pena, um dia em que ela me viu mais inquieto prometi-lhe que sim, que lhe diria o que se passava comigo, que naquele momento não podia, mas que um dia lhe contaria tudo, E pelos vistos esse dia não vai chegar, É preferível deixar as coisas como estão, Há situações em que o pior que se pode fazer é deixar as coisas como estão, só serve para lhes dar mais força, Também poderá servir para que se cansem e nos deixem tranquilos, Se gostasses da Maria da Paz, contar-lhe-ias, Eu gosto dela, Gostarás, mas não o bastante, se dormes na mesma cama com uma mulher que te ama e não te abres com ela, pergunto-te que estás a fazer ali, Defende-a como se a conhecesse, Nunca a vi, mas conheço-a, Só o que soube por mim, e não pode ter sido muito, As duas cartas em que me falaste dela, alguns comentários ao telefone, não precisei de mais, Para saber que ela era a mulher que me convinha, Também o poderia ter dito por essas palavras se igualmente pudesse dizer de ti que eras o homem que lhe convinha a ela, E não crê que o fosse, ou que o seja, Talvez não, A solução melhor, portanto, é a mais simples, acabar com a relação que temos mantido, És tu quem o diz, não eu, Há que ser lógicos, minha mãe, se ela me convém, mas eu a ela não, que sentido tem desejar tanto que nos casemos, Para que ela ainda lá estivesse quando tu despertasses, Não ando a dormir, não sou sonâmbulo, tenho a minha vida, o meu trabalho, Há uma parte de ti que dorme desde que nasceste, e o meu medo é que um dia destes sejas obrigado a acordar violentamente, O que a mãe tem é vocação para Cassandra, Que é isso, A pergunta não deve ser que é isso, mas quem é essa, Então ensina-me, sempre ouvi dizer que ensinar quem não sabe é uma obra de misericórdia, A tal Cassandra era filha do rei de Troia, um que se chamava Príamo, e quando os gregos foram pôr o cavalo de madeira às portas da cidade, ela começou a gritar que a cidade seria destruída se o cavalo fosse trazido para dentro, vem tudo explicado em pormenor na Ilíada do Homero, a Ilíada é um poema, Já ouvi falar, e que aconteceu depois, Os troianos acharam que ela estava louca e não fizeram caso dos vaticínios, E depois, Depois a cidade foi assaltada, saqueada, reduzida a cinzas, Portanto essa Cassandra que tu dizes tinha razão, A História ensinou-me que Cassandra tem sempre razão, E tu declaraste que eu tenho vocação para Cassandra, Disse-o e repito, com todo o amor de um filho que tem uma mãe bruxa, Logo, tu és um daqueles troianos que não acreditaram, e por isso Troia foi queimada, Neste caso não há nenhuma Troia para queimar, Quantas Troias com outros nomes e noutros lugares foram queimadas depois dessa, Inúmeras, Não queiras tu então ser mais uma, Não tenho nenhum cavalo de madeira à porta de casa, E se o tiveres, escuta a voz desta Cassandra velha, não o deixes entrar, Estarei atento aos relinchos.”


“Não imaginei que fosses capaz de tanto, é um plano absolutamente diabólico, Humano, meu caro, simplesmente humano, o diabo não faz planos, aliás, se os homens fossem bons, ele nem existiria.”