quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O contrato-social ou Princípios de Direito Político (Parte I), de Jean-Jacques Rousseau

Editora: L&PM

ISBN: 978-85-2541-665-0

Tradução: Paulo Neves

Opinião: ★★★★☆

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Páginas: 152

Sinopse: Este livro influenciou diretamente a Revolução Francesa e os rumos da história.

Impactante ensaio, O contrato social ou Princípios de Direito político causou furor desde sua publicação, em 1762, e eternizou-se como um dos principais textos fundadores do Estado moderno. Nele, o filósofo iluminista, romancista, teórico e compositor suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) – em meio a uma Europa majoritariamente monarquista, defensora da legitimação sobrenatural dos governantes – lança e defende a novidade de que o poder político de uma sociedade está no povo e só dele emana. Estavam plantados os conceitos do povo soberano e da igualdade de direitos entre os homens.

Nesta que é a sua principal obra política, da qual virtualmente todas as sociedades modernas são de alguma forma tributárias, Rousseau não apenas dá ao povo o que lhe é de direito, mas chama-o à responsabilidade pelo seu destino. “Assim que alguém diz dos assuntos do Estado ‘que me importa?’, deve-se contar que o Estado está perdido.” Para o autor, a soberania está no exercício incessante do poder decisório, que não pode ser alienado, dividido ou delegado.

Hoje, dois séculos e meio após sua publicação, a obra de Rousseau – subversivo, polêmico, amado, odiado, reverenciado e seguido – permanece atual. E seus ensinamentos se fazem lições necessárias e urgentes em todo e qualquer lugar em que se fale de inépcia, injustiça, corrupção e incompetência política.



“O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que eles. Como é feita essa mudança? Ignoro-o. Que é que a torna legítima? Creio poder resolver esta questão. Se eu considerasse tão-somente a força e o efeito que dela deriva, diria: Enquanto um povo é constrangido a obedecer e obedece, faz bem; tão logo ele possa sacudir o jugo e o sacode, faz ainda melhor; porque, recobrando a liberdade graças ao mesmo direito com que ela lhe foi tomada, esse povo ou tem razão de retomá-la, ou não havia razão alguma de tirá-la.”

 

 

“A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família. Mesmo assim, os filhos só estão ligados ao pai enquanto precisam dele para sobreviver. Tão logo cessa tal necessidade, esse vínculo natural se dissolve. As crianças, eximidas da obediência devida ao pai, o pai isento dos cuidados devidos aos filhos, voltam a ser igualmente independentes. Se continuam a permanecer unidos, já não é naturalmente, mas voluntariamente, e a própria família só se mantém por convenção. Esta liberdade comum é uma consequência da natureza do homem. Sua primeira lei consiste em proteger a própria conservação, seus primeiros cuidados são os que deve a si mesmo; assim que alcança a idade da razão, sendo ele o único juiz dos meios apropriados para garantir a sua sobrevivência, torna-se com isso seu próprio senhor.”

 

 

“Se há escravos por natureza, é porque houve escravos contra a natureza. A força constituiu os primeiros escravos, a covardia os perpetuou.”

 

 

“O mais forte nunca é bastante forte para ser sempre o senhor, se não transforma essa força em direito e a obediência em dever. Daí o direito do mais forte, direito tomado aparentemente com ironia e, na realidade, estabelecido como princípio.”

 

 

“Quando é a força a que faz o direito, o efeito substitui a causa; toda força que sobrepuja a primeira sucede-a em seu direito. Quando se pode desobedecer impunemente, pode-se fazê-lo legitimamente, e, já que o mais forte sempre tem razão, trata-se apenas de buscar ser o mais forte. Ora, que direito é esse que perece quando cessa a força? Se é preciso obedecer pela força, não há necessidade de obedecer por dever; e, se não somos mais forçados a obedecer, não estamos mais obrigados a isso. Vê-se, portanto, que a palavra direito nada acrescenta à força; não significa aqui absolutamente nada. Obedeçam aos poderosos. Se isto quer dizer: cedam à força, o preceito é bom, mas supérfluo; afirmo que ele jamais será violado. Todo poder vem de Deus, admito-o; mas toda doença também. Isto significa que é proibido chamar o médico?”

 

 

“Já que nenhum homem tem uma autoridade natural sobre seu semelhante, e já que a força não produz nenhum direito, restam as convenções como base de toda autoridade legítima entre os homens.”

 

 

“Dirão que o déspota assegura aos seus súditos a tranquilidade civil. Que seja assim, mas o que eles ganham com isso, se as guerras que a ambição do déspota provoca, se sua insaciável avidez, se as humilhações impostas por seu ministério os arruínam mais do que fariam suas dissensões? O que eles ganham, se essa mesma tranquilidade constitui uma de suas misérias? A vida também é tranquila nos cárceres; será o bastante para que ali se viva bem? Os gregos presos no antro do ciclope ali viviam tranquilos, à espera de que chegasse a sua vez de serem devorados.”

 

 

“Renunciar à própria liberdade é o mesmo que renunciar à qualidade de homem, aos direitos da Humanidade, e, inclusive, aos seus deveres. Não há reparação possível para alguém que quer renunciar a tudo. Uma tal renúncia é incompatível com a natureza humana, e tirar toda liberdade de sua vontade é tirar toda moralidade de suas ações. Enfim, é uma convenção vã e contraditória estipular, de um lado, uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites. Acaso não é claro que não há compromisso algum com aquele de quem se tem o direito de exigir tudo, e essa simples condição, sem equivalência, sem troca, não ocasiona a nulidade do ato? Pois que direito meu escravo teria contra mim, se tudo o que é seu me pertence? E, sendo meu o direito dele, esse meu direito contra mim mesmo é uma palavra que tem algum sentido?”

 

 

“A guerra, portanto, não é uma relação de homem a homem, mas uma relação de Estado a Estado, na qual os indivíduos só são inimigos acidentalmente, não na qualidade de homens, nem mesmo como cidadãos, mas como soldados; não como membros da pátria, mas como seus defensores. Enfim, cada Estado só pode ter como inimigos outros Estados, nunca homens, visto que entre coisas de naturezas diversas é impossível fixar uma relação verdadeira. Este princípio está de acordo com as máximas estabelecidas no decorrer de todos os tempos e com a prática constante de todos os povos civilizados. As declarações de guerra são avisos dirigidos menos às autoridades do que a seus súditos. O estrangeiro, seja rei, indivíduo, ou povo, que rouba, mata ou detém os súditos sem declarar guerra ao Príncipe*, não é um inimigo, é um bandido. Mesmo em plena guerra, um Príncipe justo apropria-se em país inimigo de tudo que pertence ao público, mas respeita a pessoa e os bens dos indivíduos; respeita direitos sobre os quais estão alicerçados os seus. Como o objetivo da guerra consiste em destruir o Estado inimigo, tem-se o direito de matar os defensores enquanto estiverem com as armas na mão; mas tão logo as deponham e se rendam, cessam de ser inimigos ou instrumentos do inimigo, voltam a ser simplesmente homens, e não mais se dispõe de direito sobre suas vidas. Pode-se por vezes matar o Estado sem matar um único de seus membros. Ora, a guerra não dá nenhum direito desnecessário ao seu objetivo. Estes princípios não são os mesmos de Grotius, não estão alicerçados nas autoridades dos poetas, mas derivam da natureza das coisas e são baseados na razão.”

* Consideramos o Príncipe como uma pessoa moral e coletiva, unida pela força das leis, e depositária no Estado do poder executivo.

 

 

“As palavras escravatura e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente.”

 

 

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça somente a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente.”

 

 

“Quanto aos associados, eles tomam coletivamente o nome de povo e chamam-se em particular Cidadãos, quando participam da autoridade soberana, e Súditos quando estão submetidos às leis do Estado.”

 

 

“A passagem do estado natural ao estado civil produz no homem uma mudança muito significativa, substituindo em sua conduta o instinto pela justiça, e imprimindo às suas ações a moralidade que anteriormente lhes faltava. É somente então que a voz do dever, sucedendo ao impulso físico, e o direito ao apetite, fizeram com que o homem, que até esse momento só tinha olhado para si mesmo, se visse forçado a agir por outros princípios e consultar a razão antes de ouvir seus pendores. Embora se prive, nesse estado, de diversas vantagens oriundas da Natureza, obtêm outras igualmente grandes: suas faculdades se exercitam e se desenvolvem, suas ideias se ampliam, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto, que, se os abusos desta nova condição não o degradassem com frequência a uma condição inferior àquela de que saiu, deveria abençoar incessantemente o ditoso momento em que foi dali arrancado para sempre, o qual transformou um animal estúpido e limitado num ser inteligente, num homem.”

 

 

“O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta e pode alcançar; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para que não haja engano nessas compensações, é necessário distinguir a liberdade natural, limitada apenas pelas forças do indivíduo, da liberdade civil, que é limitada pela liberdade geral; e a posse, que não é senão o efeito da força ou do direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode ser baseada num título positivo. Poder-se-ia, em prosseguimento do precedente, acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral, a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si mesmo, posto que o impulso apenas do apetite constitui a escravidão, e a obediência à lei a si mesmo prescrita é a liberdade.”

 

 

“Em geral, para autorizar num pedaço de terra qualquer o direito de primeiro ocupante, são necessárias as seguintes condições: primeiramente, que esse terreno ainda não se encontre habitado por ninguém; em segundo lugar, que se ocupe apenas a quantidade necessária para a subsistência; em terceiro, que se tome posse dela, não em virtude de uma vã cerimônia, mas pelo trabalho e pelo cultivo, único sinal de propriedade que, à falta de títulos jurídicos, deve ser respeitado por outrem.”

 

 

“(...) Ao contrário de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, por uma igualdade moral e legítima o que a natureza pode ter criado de desigualdade física; podendo ser desiguais em força ou em gênio, eles se tornam todos iguais por convenção e por direito*.”

* Sob os maus governos, essa igualdade é apenas aparente e ilusória; não serve senão para manter o pobre em sua miséria e o rico em sua usurpação. Na prática, as leis são sempre úteis aos que possuem e prejudiciais aos que nada têm. Donde se segue que o estado social só é vantajoso aos homens à medida que todos tenham alguma coisa e ninguém possua em excesso.”

 

 

“(...) Somente a vontade geral tem possibilidade de dirigir as forças do Estado, segundo a finalidade de sua instituição, que é o bem comum: se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi a conciliação desses mesmos interesses que a tornou possível. O que há de comum nesses diferentes interesses é o que forma o vínculo social; se não houvesse algum ponto em torno do qual todos os interesses se harmonizam, nenhuma sociedade poderia existir. Ora, é unicamente à base desse interesse comum que a sociedade deve ser governada.”

 

 

“Com efeito, se não é impossível que uma vontade particular concorde em algum ponto com a vontade geral, em torno de algum ponto, é impossível ao menos que essa concordância seja durável e constante; porque a vontade particular, por sua natureza, tende às preferências, e a vontade geral à igualdade.”

 

 

“Ora, a verdade de nenhum modo conduz à fortuna, e o povo não concede embaixadas, nem cátedras, nem pensões.”

 

 

“Nunca se corrompe o povo, mas ele com frequência é enganado, e é somente então que ele parece desejar o que é mal.”

 

 

“Há muitas vezes grande diferença entre a vontade de todos e a vontade geral: esta considera somente o interesse comum, a outra o interesse privado, não sendo senão uma soma de vontades particulares: porém, se retirarmos dessas mesmas vontades as que em menor ou maior grau reciprocamente se destroem*, resta como soma das diferenças a vontade geral.”

Cada interesse, diz o Marquês d’Argenson, possui princípios diferentes. A concordância de dois interesses particulares forma-se por oposição ao de um terceiro.” Ele poderia ter acrescentado que a concordância de todos os interesses se forma por oposição ao interesse de cada um. Se não houvesse interesses diferentes, mal se perceberia o interesse comum, que jamais encontraria obstáculo: tudo caminharia por si mesmo, e a política deixaria de ser uma arte.

 

 

“No entanto, quando se criam facções, associações parciais em detrimento da grande, a vontade de cada uma dessas associações torna-se geral em relação a seus membros, e particular no concernente ao Estado; pode-se então dizer que o número de votantes não é mais o de homens, mas o de associações. As diferenças tornam-se mais numerosas e fornecem um resultado menos geral. Finalmente, quando uma dessas associações é tão grande a ponto de sobrepujar todas as outras, não mais tereis por resultado uma soma de pequenas diferenças, mas uma diferença única; não há mais vontade geral, e a opinião vencedora é tão-somente uma opinião particular. Portanto, para ter claramente o enunciado da vontade geral, é importante que não haja sociedade parcial no Estado e que cada cidadão opine somente por si mesmo.”

 

 

“O que é então, propriamente, um ato de soberania? Não é uma convenção entre o superior e o inferior, mas uma convenção do corpo com cada um de seus membros: convenção legítima, pois tem por base o contrato social; equitativa, pois é comum a todos; útil, pois não leva em conta outro intento que não o bem geral; e sólida, pois tem por garantia a força pública e o poder supremo. Enquanto os súditos estiverem submetidos apenas a tais convenções, eles não obedecem a ninguém, mas unicamente à própria vontade; e perguntar até aonde se estendem os respectivos direitos do soberano e dos cidadãos é perguntar até que ponto estes podem comprometer-se consigo mesmos, cada um em relação a todos, e todos em relação a cada um.”

 

 

“O tratado social tem por finalidade a conservação dos contratantes. Quem quer o fim quer também os meios, e esses meios são inseparáveis de alguns riscos, inclusive de algumas perdas. Quem quer preservar a vida às expensas dos outros deve dá-la também por eles quando se faz necessário. Ora, o cidadão não é mais juiz do perigo ao qual a lei o expõe; e quando o Príncipe lhe diz: “Ao Estado é útil que morras”, ele deve morrer, pois não foi senão sob essa condição que viveu em segurança até esse momento, e sua vida não é mais apenas um favor da Natureza, mas uma doação condicional do Estado. A pena de morte infligida aos criminosos pode ser de certa forma encarada sob esse ponto de vista: para não sermos a vítima de um assassino é que consentimos em morrer se nos tornarmos um. Nesse contrato, longe de se dispor da própria vida, pensa-se apenas em garanti-la, e não cabe presumir que algum dos contratantes premedite então fazer-se enforcar. De resto, todo malfeitor, ao atacar o direito social, torna-se por seus delitos, rebelde e traidor da pátria; cessa de ser um de seus membros ao violar suas leis, e chega mesmo a declarar-lhe guerra. Assim, a conservação do Estado passa a ser então incompatível com a sua; faz-se preciso que um dos dois pereça, e é menos como cidadão do que como inimigo que se faz morrer o culpado. Os processos, o julgamento, constituem as provas e a declaração de que o criminoso rompeu o tratado social e, por conseguinte, deixou de ser considerado membro do Estado. Ora, como o culpado se reconheceu como tal, ao menos por sua residência, ele deve ser punido pelo exílio como infrator do pacto, ou pela morte, como inimigo público, pois tal inimigo dessa espécie não é uma pessoa moral; é um homem, e manda o direito da guerra matar o vencido.”

 

 

“Ademais, a frequência dos suplícios constitui sempre um sinal de fraqueza ou indolência no governo: não existe malvado que não possa servir para alguma coisa. Não se tem o direito de matar, mesmo para exemplo, senão aquele que não se pode conservar sem perigo.”

 

 

“Em um Estado bem governado há poucas punições, não porque se concedam muitos indultos, mas pelo fato de haver poucos criminosos; o grande número de crimes assegura a impunidade quando o Estado se enfraquece”.

 

 

“Certamente há uma justiça universal emanada da razão apenas, mas essa justiça, para ser admitida por nós, deve ser recíproca. Considerando humanamente as coisas, as leis da justiça, na falta de sanção natural, são vãs entre os homens; fazem o bem do homem perverso e o mal do homem justo, quando este as observa em relação a todos, sem que ninguém as observe consigo. É necessário, pois, convenções e leis para unir os direitos aos deveres e reconduzir a justiça a seu objetivo. No estado natural, onde tudo é comum, nada devo àqueles a quem nada prometi; só reconheço como sendo de outrem o que me é inútil. Isso não ocorre no estado civil, onde todos os direitos são fixados pela lei.”

 

 

“Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, entendo que a lei considera os súditos como corpo e as ações como sendo abstratas, jamais um homem como indivíduo, nem uma ação particular. Destarte, pode a lei estatuir perfeitamente que haverá privilégios, mas não pode ofertá-los nominalmente a ninguém; pode a lei instituir diversas classes de cidadãos, assinalar inclusive as qualidades que darão direito a essas classes; mas não pode nomear este ou aquele para ser nelas admitido; pode estabelecer um governo de realeza e uma sucessão hereditária, mas não pode eleger um rei nem nomear uma família real: em suma, toda função que se relacione com um objetivo individual não compete de nenhum modo ao poder legislativo.”

 

 

“Portanto, chamo de república todo Estado regido por leis, independente da forma de administração que possa ter; porque então somente o interesse público governa, e a coisa pública é qualquer coisa. Todo governo legítimo é republicano*.”

* Por essa palavra não entendo apenas uma aristocracia ou uma democracia, mas em geral todo governo guiado pela vontade geral, que é a lei. Para ser legítimo, o governo não deve confundir-se com o Soberano, mas ser seu ministro: então, a própria monarquia é república.

 

 

“(...) Se cada cidadão é nada, nada pode ser sem a ajuda de todos os outros, e se a força adquirida pelo todo é igual ou superior à soma das forças naturais de todos os indivíduos, pode-se dizer que a legislação se encontra no ponto mais alto de perfeição que possa ser atingido.”

 

 

“(...) Se quem comanda os homens não deve dirigir as leis, quem dirige as leis não deve, pela mesma razão, comandar os homens; do contrário, suas leis, ministras de suas paixões, perpetuariam muitas vezes suas injustiças, e ele jamais poderia evitar que intuitos particulares corrompessem a santidade de sua obra. Quando Licurgo deu leis à sua pátria, começou por abdicar a realeza. Era costume da maioria das cidades gregas confiar a estrangeiros o estabelecimento de suas leis. As repúblicas modernas da Itália imitaram com frequência esse costume; a de Genebra fez o mesmo e achou-se bem. Roma, em seus mais belos tempos, viu renascer em seu seio todos os crimes da tirania e viu-se prestes a perecer, pelo fato de haver reunido sobre as mesmas cabeças a autoridade legislativa e o poder soberano.”

 

 

“(...) Nunca se pode afirmar que uma vontade individual está conforme a vontade geral, senão depois de submetê-la aos sufrágios livres do povo. Já tive oportunidade de dizer tal coisa, mas não me parece inútil repeti-la.”

 

 

“Os povos, assim como os homens, somente são dóceis na juventude; ao envelhecerem, tornam-se incorrigíveis; uma vez estabelecidos os costumes e enraizados os preconceitos, constitui empreendimento perigoso e inútil pretender reformá-los; o povo não admite sequer que toquem em seus males para destruí-los, à semelhança desses doentes estúpidos e covardes que tremem ao ver o médico. Não que algumas vezes, como algumas doenças que perturbam a cabeça dos homens, e lhes tiram a lembrança do passado, não haja épocas violentas na duração dos Estados, em que as revoluções façam com os povos o mesmo que determinadas crises fazem nos indivíduos, em que o horror do passado funcione como esquecimento, e o Estado, inflamado pelas guerras civis, renasce por assim dizer das cinzas e readquire o vigor da juventude, saindo dos braços da morte.”

 

 

“O povo pode ser livre enquanto é apenas bárbaro, mas não pode mais sê-lo quando o vigor civil se extenuou. As agitações, então, podem destruí-lo sem que as revoluções tenham possibilidades de o restabelecer; e tão logo seus grilhões se rompam, tomba o povo disperso e deixa de existir. Daí por diante, passa a necessitar de um senhor, não de um libertador. Povos livres, recordai-vos desta máxima: Pode-se adquirir a liberdade, mas recuperá-la, jamais.”

 

 

“São os homens que fazem o Estado, e é o território que alimenta os homens; essa relação consiste, pois, em que a terra baste para a manutenção de seus habitantes e haja tantos habitantes quantos a terra possa nutrir. É nessa proposição que se encontra o maximum de força de um dado número de habitantes; pois, se houver terreno em demasia, será oneroso protegê-lo, o cultivo se mostrará insuficiente, o produto supérfluo – e será a causa próxima de guerras defensivas. Se não houver terreno suficiente, o Estado se achará, para o suprir, à mercê de seus vizinhos – e será a causa próxima de guerras ofensivas. Todo povo que por sua posição tem somente a alternativa entre o comércio ou a guerra, é em si mesmo débil; depende de seus vizinhos, depende dos acontecimentos, tem uma existência sempre incerta e breve; subjuga e muda de situação, ou é subjugado e não será coisa alguma. Não poderá manter-se livre a não ser à força de sua pequenez ou de sua grandeza.”

 

 

“Nessas condições, para instituir um povo, convém acrescentar uma que não pode ser substituída por nenhuma outra, mas sem a qual todas se revelam inúteis: a de que se desfrute de paz e abundância; porque o tempo durante o qual se cria um Estado é igual àquele em que se forma um batalhão, o momento em que o corpo tem menos capacidade de resistência e, portanto, é mais fácil de ser destruído. Resistir-se-ia melhor em meio a uma desordem absoluta que num momento de fermentação, quando cada qual se ocupa de sua posição e não com o perigo. Se uma guerra, uma crise de fome, uma sedição sobrevém neste tempo de crise, o Estado é infalivelmente derrubado.”

 

 

“O que torna penoso o trabalho da legislação não é tanto o que é preciso estabelecer, mas sim o que é preciso destruir; e o que torna o êxito tão raro é a impossibilidade de se encontrar a simplicidade da Natureza junto às necessidades da sociedade. Todas essas condições, é verdade, dificilmente se encontram reunidas: eis por que se veem poucos Estados bem constituídos.”

 

 

“Se quiserem saber em que consiste precisamente o maior bem de todos, que deve ser a finalidade de todo cada sistema de legislação, veremos que ele se reduz a estes dois objetos principais: a liberdade e a igualdade. A liberdade, porque toda independência particular equivale a retirar força do corpo do Estado; a igualdade, porque a liberdade não pode subsistir sem ela. Já tive ocasião de dizer em que consiste a liberdade civil; a respeito da igualdade, não se deve entender por essa palavra que os graus de poder e riqueza sejam absolutamente os mesmos, mas que, quanto ao poder, esteja acima de toda violência e não se exerça jamais senão em virtude da classe e das leis; e, quanto à riqueza, que nenhum cidadão seja bastante opulento para poder comprar um outro, e nem tão pobre para ser constrangido a vender-se*: o que supõe, por parte dos grandes, moderação de bens e de crédito, e, do lado dos pequenos, moderação de avareza e ambição. Essa igualdade, dizem, é uma quimera especulativa, que não pode existir na prática; contudo, se o abuso é inevitável, não se deve ao menos regulá-lo? É precisamente porque a força das coisas tende sempre a destruir a igualdade que a força da legislação deve sempre tender a conservá-la.”

* Querem dar ao Estado consistência? Aproximem os graus extremos tanto quanto possível; não tolerem nem homens opulentos nem mendigos. Esses dois tipos de cidadãos, naturalmente inseparáveis, são igualmente funestos ao bem comum; de um se originam os promotores da tirania, e de outro os tiranos. É sempre entre eles que se faz o tráfico da liberdade pública; um a compra, e o outro a vende”.

 

 

“(...) Pois, se em cada Estado, não há senão uma maneira de o dirigir, o povo que a encontrou deve a ela ater-se; mas, no caso de ser má a ordem estabelecida, por que se tomariam por fundamentais leis que a impedem de ser boas? Seja como for, o povo é sempre senhor de mudar suas leis, mesmo as melhores: se lhe aprouver prejudicar a si mesmo, quem terá o direito de impedi-lo?”

sábado, 20 de dezembro de 2008

Os Bruzundangas, de Lima Barreto

Editora: L&PM

ISBN: 978-85-2540-812-9

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 142

Sinopse: Mulato, pobre, revoltado, Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) utilizou seu enorme talento para combater as oligarquias, o racismo e as desigualdades sociais. Sua literatura, embora contundente, é marcada pela sátira, e Os bruzundangas são o seu grande exemplo.

Bruzundangas é um país hipotético descrito por um brasileiro e que possui todos os problemas do Brasil. Lá ocorre o nepotismo desenfreado, há privilégios e favorecimentos aos políticos, a saúde e a educação são tratadas em segundo plano, num conjunto de mazelas que – o leitor verá –, publicadas após a morte do escritor, em 1923, mantém uma terrível atualidade. Tal qual sua obra-prima O triste fim de Policarpo Quaresma (1911), este livro enquadra-se naquilo que Lima Barreto qualificou de “literatura militante”, cuja missão era “fazer comunicar umas almas com as outras (...) reforçando deste modo a solidariedade humana, tornando os homens mais capazes para a conquista do planeta e se entenderem melhor, no único intuito de sua felicidade”. Tudo com o estilo e o humor que o colocam entre os gigantes da nossa literatura.


 

“Dentre as leis que estatuía a escola de poesia de Bruzundanga, eu me lembro de algumas. Ei-las:

1ª - Sendo a poesia o meio de transportar o nosso espírito do real para o ideal, deve ela ter como principal função provocar o sono, estado sempre profícuo ao sonho.

2ª - A monotonia deve ser sempre procurada nas obras poéticas; no mundo, tudo é monótono (Tuque-Tuque).

3ª - A beleza de um trabalho poético não deve ressaltar desse próprio trabalho, independente de qualquer explicação; ela deve ser encontrada com as explicações ou comentários fornecidos pelo autor ou por seus íntimos.

4ª - A composição de um poema deve sempre ser regulada pela harmonia imitativa em geral e seus derivados.”

 

 

“(...) aquela cena que a nobreza de sangue provocou, a Taine, no começo da sua grande obra Origens da França Contemporânea, descreve em poucas e eloquentes palavras. Eu as traduzo:

“Na noite de 14 para 15 de julho de 1789, o Duque de Larochefoucaud-Liancourt fez despertar Luís XVI para lhe anunciar a tomada da Bastilha.

– É uma revolta? – diz o rei.

– Sire – respondeu o duque –, é uma revolução.”

 

 

“O ideal de todo e qualquer natural da Bruzundanga é viver fora do país. Pode-se dizer que todos anseiam por isso; e, como Robinson, vivem nas praias e nos morros, à espera do navio que os venha buscar.”

 

 

“São assim como nós que temos grande admiração pelo Barão do Rio Branco por ter adjudicado ao Brasil não sei quantos milhares de quilômetros quadrados de terras, embora, em geral, nenhum de nós tenha de seu nem os sete palmos de terra para deitarmos o cadáver.”

 

 

“Reuniu-se, pois, a Constituinte com toda a solenidade. Vieram para ela, jovens poetas, ainda tresandando à grossa boêmia; vieram para ela, imponentes tenentes de artilharia, ainda cheirando aos “cadernos” da escola; vieram para ela, velhos possuidores de escravos, cheios de ódio ao antigo regime por haver libertado os que tinham; vieram para ela, bisonhos jornalistas da roça recheados de uma erudição à flor da pele, e também alguns dos seus colegas da capital, eivados do Lamartine, História dos girondinos, e entusiastas dos caudilhos das repúblicas espanholas da América. Era mais ou menos esse o pessoal de que se compunha a nova Constituinte.”

 

 

“Assim, por exemplo, a exigência principal para ser ministro era a de que o candidato não entendesse nada das coisas da pasta que ia gerir.

Por exemplo, um ministro da Agricultura não devia entender coisa alguma de agronomia. O que se exigia dele é que fosse um bom especulador, um agiota, um judeu, sabendo organizar trusts, monopólios, estancos, etc.”

 

 

“A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o Presidente.

Estabelecia que devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total.

Nessa parte a Constituição foi sempre obedecida”.

 

 

“O chefe do governo de Bruzundanga é um homem metódico, pontual nos pagamentos, não gasta dinheiro em coisas inúteis, como seja, em livros.”

 

 

“Uma das curiosidades da Armada daquele país é a indolência tropical dos seus navios que, às vezes, por mero capricho, teimam em não andar.

Enfim, a força armada da Bruzundanga é a coisa mais inocente deste mundo. Em face dela, todo o pacifismo ou humanitarismo é perfeitamente ridículo.”

 

 

“O regime de propriedade agrícola lá, regime de latifúndios com toques feudais, faz que o trabalhador agrícola seja um pária, quase sempre errante de fazenda em fazenda, donde é expulso por dá cá aquela palha, sem garantias de espécie alguma - situação mais agravada ainda pela sua ignorância, pela natureza das culturas, pela politicagem roceira e pela incapacidade e cupidez dos proprietários.

Estes, em geral, são completamente inábeis para dirigir qualquer coisa, indignos da função que a obscura marcha das coisas depositou em suas mãos. Pouco instruídos, apesar de formados, nisto ou naquilo, e sem iniciativa de qualquer natureza, despidos de qualquer sentimento de nobreza e generosidade para com os seus inferiores, mais ávidos de riqueza que o mais feroz taverneiro, pimpãos e arrogantes, as suas fazendas ou usinas são governadas por eles, quando o são, com a dureza e os processos violentos de uma antiga fazenda brasileira de escravos.

Todos eles são políticos, senão de destaque, ao menos com influência nos lugares em que têm as suas fazendas agrícolas; e, apoiados na política, fazem o que querem, são senhores de baraço e cutelo, eles ou os seus prepostos.”

 

 

“É deveras difícil dizer qualquer coisa sobre a sociedade da Bruzundanga.

É difícil porque lá não há verdadeiramente sociedade estável. Em geral, a gente da terra que forma a sociedade, só figura e aparece nos lugares do tom, durante muito pouco tempo. Os nomes mudam de trinta em trinta anos, no máximo. Não há, portanto, na sociedade do momento tradição, cultura acumulada e gosto cultivado em um ambiente propício. São todos arrivistas e viveram a melhor parte da vida tiranizados pela paixão de ganhar dinheiro, seja como for. Os melhores e os mais respeitáveis são aqueles que enriqueceram pelo comércio ou pela indústria, honestamente, se é possível admitir que se enriqueça honestamente.”

 

 

“O mal da província não está só nessas pequenas vaidades inofensivas; o seu pior mal provém de um exagerado culto ao dinheiro. Quem não tem dinheiro nada vale, nada pode fazer, nada pode aspirar com independência. Não há metabolia de classes. A inteligência pobre que se quer fazer, tem que se curvar aos ricos e cifrar a sua atividade mental em produções incolores, sem significação, sem sinceridade, para não ofender os seus protetores. A brutalidade do dinheiro asfixia e embrutece as inteligências.”

 

 

“Os médicos da Bruzundanga imaginam-se sábios e literatos.

Pode-se afirmar que não são nem uma coisa nem outra.”

 

 

“É sábio, na Bruzundanga, aquele que cita mais autores estrangeiros; e quanto mais de país desconhecido, mais sábio é. Não é, como se podia crer, aquele que assimilou o saber anterior e concorre para aumentá-lo com os seus trabalhos individuais. Não é esse o conceito de sábio que se tem em tal país.

Sábio, é aquele que escreve livros com as opiniões dos outros.

Houve um que, quando morreu, não se pôde vender-lhe a biblioteca, pois todos os livros estavam mutilados. Ele cortava-lhes as páginas para pregar no papel em que escrevia os trechos que citava e evitar a tarefa maçante de os copiar.”

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A Comédia dos Erros, de William Shakespeare

Editora: L&PM

ISBN: 978-85-2541-363-5

Tradução: Celso Márcio Teixeira

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 100

Sinopse: É considerada pelos pesquisadores como a primeira peça de Shakespeare, com sua estreia nos palcos tendo ocorrido provavelmente em 1594. Os erros a que se refere o título são enganos provocados pelas pessoas que conversam alternadamente com um gêmeo e o outro, sendo um residente de Éfeso, onde se passa a ação, e o outro, estrangeiro. Os gêmeos são idênticos e têm ambos o mesmo nome: Antífolo. As confusões multiplicam-se, assim como a comicidade da trama, porque há mais um par de gêmeos idênticos em cena, os irmãos que atende pelo nome de Drômio.



“Quem ao meu bem-estar me deixa entregue, faz entrega de todo em todo inútil, pois é do que careço. Sou no mundo como uma gota de água que à procura de outra gota no oceano se encontrasse, e que, ao cair ali, toda desejos de achar a companheira, desaparece na busca, sem ser vista.”

 

 

“Da liberdade os homens são senhores; o tempo é o mestre deles; vão e vêm, conforme o tempo o enseja.”

 

 

“Serei, acaso, redondo assim, para me dardes ambos pancada sem parar, como se eu fosse bola de futebol? Sem mais nem menos, me aplicais pontapés. A durar isso, tereis de me mandar forrar de couro.”

 

 

“Desta arte fiel ele ficara ao leito. Sei que as mais belas joias, sem defeito, com o uso o encanto perdem. O próprio ouro se desgasta.”

 

 

“Que aconteceu, querido esposo, para que estranho, assim, ficasses de ti mesmo? Sim, de ti mesmo, disse, pois te encontras afastado de mim, que inseparável sendo de ti, me considero ainda melhor que a melhor parte de ti mesmo. Pois sabe, meu amor: fora mais fácil no mar deitares uma gota de água para, intacta, depois a recolheres, sem adição nenhuma ou qualquer perda, do que sem mim de mim te retirares.”

 

 

“A mancha do adultério em mim se alastra; trago no sangue o crime da luxúria, pois se ambos somos um, e prevaricas, na carne trago todo o teu veneno, por teu contágio me tornando impura.”

 

 

(Drômio de Siracusa) “– [...] Posso-vos afiançar que a sua rodilha ensebada poderia arder durante um inverno da Polônia. Se ela viver até o dia do Juízo final, há de arder uma semana mais do que o mundo.

(Antífolo de Siracusa) – De que cor é ela?

– Negra como estes sapatos, mas de rosto não tão limpo, e isso por suar tanto, que poderíamos patinhar com lama acima dos sapatos.

– É defeito que se corrige com água.

– Impossível, senhor; isso faz parte dela; nem todo o dilúvio de Noé chegaria para limpá-la.

– Como se chama?

– Vera, senhor; mas seu nome e três quartas, isto é, uma vara e três quartas não a alcançariam de uma a outra anca.

– Então é larga de verdade!

– Não mede mais dos pés à cabeça do que de uma a outra cadeira; é esférica; parece um globo terrestre; eu seria capaz de encontrar nela todos os países do mundo.”

 

 

“Na construção, o amor só faz ruínas?”

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O Guardião de Memórias, de Kim Edwards

Editora: Sextante

ISBN: 978-85-9929-614-1

Tradução: Vera Ribeiro

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 368

Sinopse: Com mais de três milhões de exemplares vendidos nos Estados Unidos, O Guardião de Memórias é uma fascinante história sobre vidas paralelas, famílias separadas pelo destino, segredos do passado e o infinito poder do amor verdadeiro.

Inverno de 1964. Uma violenta tempestade de neve obriga o Dr. David Henry a fazer o parto de seus filhos gêmeos. O menino, primeiro a nascer, é perfeitamente saudável, mas o médico logo reconhece na menina sinais da síndrome de Down. Guiado por um impulso irrefreável e por dolorosas lembranças do passado, Dr. Henry toma uma decisão que mudará para sempre a vida de todos e o assombrará até a morte: ele pede que sua enfermeira, Caroline, entregue a criança para adoção e diz à esposa que a menina não sobreviveu. Tocada pela fragilidade do bebê, Caroline decide sair da cidade e criar Phoebe como sua própria filha. E Norah, a mãe, jamais consegue se recuperar do imenso vazio causado pela ausência da menina. A partir daí, uma intrincada trama de segredos, mentiras e traições se desenrola, abrindo feridas que nem o tempo será capaz de curar.

A força deste livro não está apenas em sua construção bem amarrada ou no realismo de seus personagens, mas, principalmente, na sua capacidade de envolver o leitor da primeira à última página. Com uma trama tensa e cheia de surpresas, O Guardião de Memórias vai emocionar e mostrar o profundo – e às vezes irreversível – poder de nossas escolhas.


“Parecia não haver fim para as mentiras que uma pessoa era capaz de dizer, depois de começar.”

 

 

“David tinha tentado proteger o filho das coisas que sofrera quando criança: pobreza, preocupações, tristezas. Mas seus próprios esforços haviam criado perdas que ele nunca tinha previsto. A mentira crescera entre eles como uma rocha, obrigando-os a também crescerem de forma estranha, como árvores retorcidas em volta de um pedregulho.”

 

 

“Nas montanhas, e talvez no mundo em geral, havia uma teoria da compensação que dizia que, para tudo que era dado, outra coisa se perdia, de maneira imediata e visível. Bom, você herdou a cabeça, mesmo que sua prima tenha herdado a beleza. Elogios sedutores como flores, mas espinhosos com seus opostos: É, você pode ser esperto, mas é feio como o diabo; você pode ser bonito, mas não tem cérebro. Compensação, equilíbrio do universo. David ouvia acusações em cada comentário sobre seus estudos – ele havia recebido demais, havia tirado tudo – e, nos carros e caminhões, o silêncio se avolumava até parecer impossível que algum dia uma voz humana pudesse rompê-lo.”

 

 

“A luz refletiu nas lâminas da tesoura. David lembrou-se do brilho do bisturi ao fazer a episiotomia, lembrou-se de como havia flutuado para fora de si, para assistir à cena do alto, de como os acontecimentos daquela noite haviam desencadeado o rumo de sua vida, uma coisa levando a outra, portas se abrindo onde não havia nenhuma, enquanto outras se fechavam, até ele chegar a esse momento específico, com uma estranha procurando o desenho intrincado que se escondia no papel e esperando a resposta dele, e não havia nada que ele pudesse fazer nem qualquer lugar para onde pudesse ir.”

 

 

“Paul não tinha tomado banho, estava com o cabelo grosso e engordurado, e o forte cheiro de suor, cigarro e roupa suja grudara-se à sua pele. Odores acres, marcantes, cheiros de homem.”

 

 

“Ele nunca havia compreendido a tristeza da mãe, embora mais tarde houvesse passado a carregá-la consigo, para onde quer que fosse.”