Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-8057-646-7
Tradução: Cássio
de Arantes Leite
Ilustrações: Ron Miller
Revisão técnica: Amâncio frança
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 256
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Sinopse: Ver Parte I
“Os
buracos negros são apenas um caso, de uma quantidade razoavelmente pequena na
história da ciência, em que uma teoria foi desenvolvida em grande detalhe como
modelo matemático antes de haver quaisquer evidências observacionais que a
comprovassem. Na verdade, esse era o principal argumento dos detratores dos
buracos negros: como alguém poderia acreditar em objetos para os quais a única
evidência eram cálculos baseados na duvidosa teoria da relatividade geral? No
entanto, em 1963, o astrônomo Maarten Schmidt, do Observatório Palomar, na
Califórnia, mediu o desvio para o vermelho de um objeto fraco aparentemente
estelar na direção da fonte de ondas de rádio chamada 3C273 (ou seja, fonte
número 273 do terceiro catálogo de Cambridge das fontes de rádio). Ele descobriu
que o desvio era grande demais para ser causado por um campo gravitacional: se
fosse um desvio gravitacional, o objeto teria de ser tão massivo e estar tão
próximo de nós que perturbaria as órbitas dos planetas no Sistema Solar. Isso
sugeria que, na verdade, o desvio para o vermelho havia sido causado pela
expansão do universo, o que, por sua vez, significava que o objeto estava a uma
distância muito grande. E, para ser visível de tão longe, o objeto devia ser
muito brilhante; em outras palavras, devia estar emitindo uma quantidade imensa
de energia. O único mecanismo no qual as pessoas conseguiram pensar que seria
capaz de produzir quantidades tão grandes de energia parecia ser o colapso
gravitacional não só de uma estrela, mas de toda a região central de uma
galáxia. Foram descobertos inúmeros outros “objetos quase estelares”
semelhantes, ou quasares, todos com grandes desvios para o vermelho. Mas todos
estão longe demais e, assim, são difíceis de observar a fim de fornecer
evidências conclusivas dos buracos negros.”
“Hoje
também temos evidências de diversos outros buracos negros em sistemas como o
Cygnus X-1 em nossa galáxia e em duas galáxias vizinhas chamadas Nuvens de
Magalhães. Contudo, é quase certo que o número de buracos negros seja muito maior.
Na longa história do universo, muitas estrelas devem ter queimado todo o seu
combustível nuclear e entrado em colapso. A quantidade de buracos negros pode
até ser bem maior do que a de estrelas visíveis, que totaliza cerca de cem
bilhões só em nossa galáxia. A gravidade adicional de um número tão grande de
buracos negros poderia explicar a velocidade com que a nossa galáxia gira — a
massa das estrelas visíveis não é suficiente para explicá-la. Também temos
indícios da existência de um buraco negro muito maior, com massa de cerca de
cem mil vezes a do Sol, no centro de nossa galáxia. As estrelas que se
aproximam demais desse buraco negro são dilaceradas pela diferença das forças
gravitacionais entre seu lado mais próximo e o mais distante. Seus fragmentos,
e o gás expelido de outras estrelas, caem na direção do buraco negro. O gás
desce em espiral e se aquece, mas não tanto quanto no caso de Cygnus X-1. Ele
não fica quente o bastante para emitir raios X, mas talvez explique a fonte
muito compacta de ondas de rádio e raios infravermelhos observada no centro da
galáxia.
Acredita-se
que no centro dos quasares haja buracos negros semelhantes, porém ainda maiores,
com massas de cerca de cem milhões de vezes a do Sol. Por exemplo, observações
da galáxia conhecida como M87 feitas com o telescópio Hubble revelam que ela
contém um disco de gás de 130 anos-luz de diâmetro girando em torno de um
objeto central com dois bilhões de vezes a massa do Sol. Só pode ser um buraco
negro. A matéria caindo dentro de um buraco negro supermassivo constituiria a
única fonte de força grande o bastante para explicar as quantidades enormes de
energia emitidas por esses objetos. À medida que a matéria cai para o buraco
negro, ele gira na mesma direção, desenvolvendo um campo magnético mais ou
menos como acontece com a Terra. Partículas de altíssima energia são geradas
próximo ao buraco negro pela matéria que cai ali dentro. O campo magnético é
tão forte que concentra essas partículas em jatos expelidos ao longo do eixo de
rotação do buraco negro, ou seja, na direção de seus polos norte e sul. Esses
jatos já foram observados em diversas galáxias e quasares.”
“A
TEORIA DA relatividade geral de Einstein previu que o espaço-tempo começou na
singularidade do Big Bang e chegaria ao fim na singularidade do Big Crunch (se
todo o universo voltasse a entrar em colapso) ou em uma singularidade dentro de
um buraco negro (se uma região local, como uma estrela, entrasse em colapso).
Qualquer matéria que caísse no buraco negro seria destruída na singularidade, e
apenas o efeito gravitacional de sua massa ainda seria sentido do lado de fora.
Em contrapartida, quando os efeitos quânticos passaram a ser levados em
consideração, parecia que a massa ou energia da matéria acabaria sendo
devolvida ao resto do universo e que o buraco negro, junto com qualquer
singularidade dentro dele, evaporaria até desaparecer. Será que a mecânica
quântica pode ter um efeito igualmente dramático nas singularidades do Big Bang
e do Big Crunch? O que ocorre de fato durante os primeiros e últimos estágios
do universo, quando os campos gravitacionais são tão fortes que os efeitos
quânticos não podem ser ignorados? O universo tem mesmo um início ou um fim? Se
sim, como eles são? (...)
Acredita-se
que no Big Bang o universo tivesse tamanho zero e, assim, seria infinitamente
quente. Contudo, à medida que o universo se expandiu, a temperatura da radiação
decresceu. Um segundo após o Big Bang, ela teria caído para cerca de dez
bilhões de graus Kelvin.* Isso é cerca de mil vezes a temperatura no núcleo do
Sol, mas temperaturas tão elevadas como essa são atingidas em explosões de
bombas de hidrogênio. Nessa época, o universo teria contido sobretudo fótons,
elétrons e neutrinos (partículas extremamente leves que são afetadas apenas
pela força fraca e pela gravidade) e suas antipartículas, além de alguns
prótons e nêutrons. À medida que o universo continuasse a se expandir e as
temperaturas a diminuir, a taxa em que os pares de elétrons/antielétrons eram
produzidos em colisões teria caído abaixo da taxa em que estavam sendo
destruídos por aniquilação. Assim, a maioria dos elétrons e antielétrons teria
se aniquilado mutuamente, produzindo mais fótons e deixando apenas alguns
elétrons. No entanto, os neutrinos e antineutrinos não teriam se aniquilado,
pois a interação dessas partículas entre si e com outras partículas é muito
fraca. Portanto, ainda devem estar por aí. Se pudéssemos observá-los, teríamos
uma boa ideia de como era esse estágio primitivo muito quente do universo.
Infelizmente, a energia dessas partículas seria hoje baixa demais para que elas
pudessem ser observadas de forma direta. No entanto, se neutrinos não forem
destituídos de massa, mas tiverem uma pequena massa própria, como sugerido por
alguns experimentos recentes, talvez sejamos capazes de detectá-los por vias
indiretas: eles poderiam ser uma forma de matéria escura, como a que mencionei
antes, com atração gravitacional suficiente para deter a expansão do universo e
levá-lo a entrar em colapso outra vez.
Cerca
de cem segundos após o Big Bang, a temperatura teria caído para um bilhão de
graus, o equivalente ao interior das estrelas mais quentes. A essa temperatura,
prótons e nêutrons já não possuiriam energia suficiente para escapar da atração
da força nuclear forte e teriam começado a se combinar para produzir os núcleos
dos átomos de deutério (hidrogênio pesado), que contêm um próton e um nêutron.
Então os núcleos do deutério teriam se combinado com mais prótons e nêutrons
para compor núcleos de hélio, que contêm dois prótons e dois nêutrons, e também
pequenas quantidades de outros dois elementos mais pesados: lítio e berílio.
Podemos calcular que, no modelo do Big Bang quente, cerca de um quarto dos
prótons e nêutrons teria sido convertido em núcleos de hélio, juntamente com
uma pequena quantidade de hidrogênio pesado e outros elementos. Os nêutrons
remanescentes teriam decaído em prótons, que são os núcleos dos átomos de hidrogênio
comum.
Esse
cenário de um estágio primitivo quente do universo foi proposto pela primeira
vez pelo cientista George Gamow, em um famoso artigo escrito em 1948 com um
aluno dele, Ralph Alpher. Gamow tinha um senso de humor e tanto — ele convenceu
o cientista nuclear Hans Bethe a acrescentar seu nome ao artigo para que a
lista de autores fosse “Alpher, Bethe, Gamow”, como as primeiras três letras do
alfabeto grego (alfa, beta, gama): particularmente apropriado para um artigo
sobre o início do universo! Nesse trabalho, eles fizeram a notável previsão de
que a radiação (na forma de fótons) dos estágios primitivos muito quentes do
universo deveria existir até hoje, mas com sua temperatura reduzida para apenas
alguns graus acima do zero absoluto (– 273°C). Foi essa radiação que Penzias e
Wilson descobriram em 1965. Na época em que Alpher, Bethe e Gamow escreveram o
artigo, não se sabia muito sobre as reações nucleares de prótons e nêutrons.
Desse modo, as previsões para as proporções dos vários elementos no universo
primitivo eram um tanto imprecisas, mas esses cálculos foram repetidos à luz de
um conhecimento mais aprofundado e hoje estão bastante de acordo com o que
observamos. Além do mais, é muito difícil explicar de outra maneira por que há
tanto hélio no universo. Assim, estamos razoavelmente confiantes de que
dispomos do cenário correto, pelo menos até cerca de um segundo depois do Big
Bang.
Em
apenas poucas horas após o Big Bang, a produção de hélio e outros elementos
teria cessado. E, depois disso, durante o milhão de anos seguinte, o universo
teria simplesmente continuado a se expandir, sem que acontecesse muito mais
além disso. Enfim, assim que a temperatura tivesse caído para alguns milhares
de graus e elétrons e núcleos já não tivessem energia suficiente para suplantar
a atração eletromagnética entre si, eles teriam começado a se combinar para
formar átomos. O universo teria continuado a se expandir e a resfriar, mas, em
regiões um pouco mais densas do que a média, a expansão teria sido desacelerada
pela atração gravitacional maior. Isso teria detido a expansão em algumas
regiões e feito com que voltassem a entrar em colapso. À medida que o colapso
ocorresse, a atração gravitacional da matéria fora dessas regiões as teria
levado a girar levemente. Conforme a região em colapso diminuísse, girava mais
rápido — assim como esquiadores rodopiando no gelo quando encolhem os braços.
Depois, quando a região ficasse pequena o suficiente, giraria rápido o bastante
para contrabalançar a atração da gravidade, e desse modo teriam nascido
galáxias em forma de disco. Outras regiões, que por acaso não tivessem entrado
em movimento de rotação, teriam se tornado objetos ovalados chamados galáxias
elípticas. Nelas, a região pararia de entrar em colapso porque partes individuais
da galáxia estariam em órbitas estáveis em torno de seu centro, mas a galáxia
como um todo não teria rotação.
Com
o passar do tempo, os gases hidrogênio e hélio nas galáxias se fragmentariam em
nuvens menores que entrariam em colapso sob a própria gravidade. Conforme estas
se contraíssem, e os átomos dentro delas colidissem entre si, a temperatura do
gás aumentaria, até enfim ficar quente o bastante para dar início a reações de
fusão nuclear. Essas reações converteriam o hidrogênio em mais hélio, e o calor
emitido aumentaria a pressão, impedindo as nuvens de se contrair ainda mais.
Elas permaneceriam estáveis por um longo período como estrelas parecidas com o
nosso Sol, queimando hidrogênio em hélio e irradiando a energia resultante na
forma de calor e luz. Estrelas mais massivas precisariam ser mais quentes para
equilibrar sua atração gravitacional mais forte, fazendo com que as reações de
fusão nuclear ocorressem tão depressa que elas consumiriam seu hidrogênio em
apenas cem milhões de anos. Em seguida, elas se contrairiam de leve e, à medida
que esquentassem mais, começariam a converter o hélio em elementos mais
pesados, como carbono ou oxigênio. Isso, porém, não liberaria muito mais
energia, de modo que haveria uma crise, como a descrita no capítulo sobre
buracos negros. O que ocorreria em seguida não está completamente claro, mas
parece provável que as regiões centrais da estrela colapsariam até um estado
muito denso, como uma estrela de nêutrons ou um buraco negro. As regiões
externas da estrela às vezes podem ser expelidas em uma enorme explosão chamada
supernova, que ofuscaria o brilho de todas as demais estrelas em sua galáxia.
Parte dos elementos mais pesados produzidos próximo ao fim da vida da estrela
seria arremessada de volta para o gás da galáxia e forneceria parte da
matéria-prima para a geração seguinte de estrelas. Nosso próprio Sol contém
cerca de 2% desses elementos mais pesados, pois é uma estrela de segunda ou
terceira geração, formada há cerca de cinco bilhões de anos a partir de uma
nuvem de gás em rotação contendo os restos de supernovas anteriores. A maior
parte do gás nessa nuvem entrou na formação do Sol ou foi expelida, mas uma
pequena quantidade dos elementos mais pesados se agrupou para formar os corpos
que hoje orbitam o Sol na condição de planetas, como a Terra.
No
início, a Terra era muito quente e não tinha atmosfera. Com o passar do tempo,
resfriou e adquiriu uma atmosfera pela emissão de gases das rochas. Teria sido
impossível sobrevivermos nessa atmosfera primitiva. Ela não continha oxigênio
algum, apenas uma grande quantidade de outros gases venenosos para o ser
humano, como sulfeto de hidrogênio (o gás que dá cheiro a ovos podres).
Entretanto, existem outras formas de vida primitiva capazes de prosperar sob
tais condições. Acredita-se que elas tenham se desenvolvido nos oceanos, talvez
como resultado de combinações aleatórias de átomos em estruturas maiores,
chamadas macromoléculas, que são capazes de agregar outros átomos no oceano
para formar estruturas semelhantes. Assim, elas teriam se reproduzido e
multiplicado. Em alguns casos, haveria erros na reprodução. A maior parte
desses erros teria feito com que a nova macromolécula não fosse capaz de se
reproduzir e acabasse por ser destruída. No entanto, alguns erros teriam
produzido novas macromoléculas ainda mais eficientes em se reproduzir. Elas
teriam uma vantagem e tenderiam a substituir as macromoléculas originais. Dessa
forma, iniciou-se um processo evolutivo que levou ao desenvolvimento de
organismos cada vez mais complexos, capazes de autorreplicação. As primeiras
formas de vida primitivas consumiram vários materiais, incluindo o sulfeto de
hidrogênio, e liberaram oxigênio. Aos poucos, isso mudou a atmosfera para a
composição que ela tem hoje e permitiu o desenvolvimento de formas superiores
de vida, como peixes, répteis, mamíferos e, enfim, a raça humana.”
* A
temperatura em graus Kelvin é a temperatura em graus Celsius mais 273. A escala
de temperatura Kelvin é a escala de temperatura termodinâmica, cujo zero (0 Kelvin
ou −273°C) é a menor temperatura possível, ou zero absoluto. No caso, dez
bilhões de graus Kelvin é praticamente o mesmo que dez bilhões de graus
Celsius. (N. do R.T.)
“Se
o universo é de fato espacialmente infinito, ou se existe uma quantidade infinita
de universos, é provável que existam amplas regiões em algum lugar que
começaram de maneira regular e uniforme. É um pouco como o célebre exército de
macacos datilografando — a maior parte do que escrevem não faz sentido, mas
muito de vez em quando, por puro acaso, eles irão datilografar um dos sonetos
de Shakespeare. Do mesmo modo, no caso do universo, poderia acontecer de
estarmos vivendo em uma região que calhou de ser, por acaso, lisa e uniforme? À
primeira vista, isso deve parecer muito improvável, pois a quantidade de
regiões tão lisas teria sido bastante inferior à de regiões caóticas e
irregulares. Entretanto, suponha que apenas nas regiões lisas tenha ocorrido a
formação de galáxias e estrelas e, logo, de condições apropriadas para o
desenvolvimento de organismos complexos autorreplicadores como nós, capazes de
fazer a pergunta “Por que o universo é tão liso?”. Isso é um exemplo da
aplicação do que se conhece como princípio antrópico, que pode ser parafraseado
assim: “Vemos o universo da maneira como ele é porque existimos.”
Existem
duas versões do princípio antrópico: a fraca e a forte. O princípio antrópico
fraco afirma que, em um universo grande ou infinito no espaço e/ou no tempo, só
haverá condições necessárias para o desenvolvimento de vida inteligente em
determinadas regiões limitadas no espaço e no tempo. Desse modo, os seres
inteligentes nessas regiões não devem ficar surpresos se observarem que sua
localização no universo satisfaz as condições necessárias para sua existência.
É um pouco como uma pessoa rica que mora em um bairro nobre e não vê pobreza
alguma.
Um
exemplo do uso do princípio antrópico fraco é “explicar” por que o Big Bang
ocorreu cerca de dez bilhões de anos atrás: leva mais ou menos todo esse tempo
para seres inteligentes se desenvolverem. Como explicado há pouco, uma geração
anterior de estrelas teve de se formar primeiro. Essas estrelas converteram
parte do hidrogênio e do hélio originais em elementos como carbono e oxigênio,
a partir dos quais somos feitos. As estrelas, então, explodiram como
supernovas, e seus fragmentos formaram outras estrelas e planetas, entre os
quais os existentes em nosso Sistema Solar, que tem cerca de cinco bilhões de
anos. Os primeiros um ou dois bilhões de anos de existência da Terra foram
quentes demais para o desenvolvimento de qualquer organismo complexo. Os outros
cerca de três bilhões de anos foram ocupados pelo vagaroso processo da evolução
biológica, que foi desde os organismos mais simples a seres capazes de medir o
tempo a partir do Big Bang.
Poucas
pessoas questionariam a validade ou utilidade do princípio antrópico fraco.
Alguns, no entanto, vão muito além e propõem uma versão forte. Segundo essa
teoria, existem muitos universos diferentes ou muitas regiões diferentes de um
único universo, cada um com sua própria configuração inicial e, talvez, seu
próprio conjunto de leis científicas. Na maioria desses universos, as condições
não seriam apropriadas para o desenvolvimento de organismos complexos; apenas
nos universos que são como o nosso seres inteligentes poderiam se desenvolver e
fazer a pergunta “Por que o universo é da maneira como o vemos?”. A resposta,
nesse caso, é simples: se ele tivesse sido diferente, não estaríamos aqui!
As
leis da ciência, como as conhecemos hoje, compreendem muitas grandezas
fundamentais, como a magnitude da carga elétrica do elétron e a razão entre as
massas do próton e do elétron. Não somos capazes, pelo menos no momento, de
prever os valores dessas quantidades a partir da teoria — temos de descobri-los
por observação. Pode ocorrer de um dia descobrirmos uma teoria unificada
completa que preveja todas essas grandezas, mas também é possível que algumas
ou todas elas variem de um universo para o outro ou dentro de um único
universo. O fato notável é que os valores dessas quantidades parecem ter sido
muito bem ajustados para possibilitar o desenvolvimento da vida. Por exemplo,
se a carga do elétron fosse apenas ligeiramente diferente, as estrelas teriam
sido incapazes de queimar hidrogênio e hélio e explodir. Claro, podem existir
outras formas de vida inteligente, inconcebíveis até pelos escritores de ficção
científica, que não necessitem da luz de uma estrela como o Sol ou dos
elementos químicos mais pesados formados nas estrelas e ejetados de volta para
o espaço quando estas explodem. Não obstante, sem dúvida parece haver
relativamente poucos valores possíveis para os números que permitem o
desenvolvimento de alguma forma de vida inteligente. A maioria dos conjuntos de
valores daria origem a universos que, embora possam parecer muito belos, não
conteriam ninguém capaz de admirar tal beleza. Podemos tomar isso como
evidência de um propósito divino na Criação e na escolha das leis da ciência ou
como um argumento do princípio antrópico forte.”
“Hoje
novas previsões da condição sem-contorno estão sendo elaboradas. Um problema
particularmente interessante é em qual grau ocorreram os pequenos afastamentos
da densidade uniforme no universo primitivo, que ocasionaram a formação
primeiro das galáxias, depois das estrelas e, por fim, de seres humanos. O
princípio da incerteza sugere que o universo primitivo não pode ter sido
completamente uniforme porque deve ter havido algumas incertezas ou flutuações nas
posições e velocidades das partículas. Usando a condição sem-contorno,
descobrimos que o universo deve, de fato, ter começado com apenas a mínima não
uniformidade possível permitida pelo princípio da incerteza. O universo teria,
então, passado por um período de rápida expansão, como nos modelos
inflacionários. Durante esse período, as não uniformidades iniciais teriam se
amplificado até que fossem grandes o bastante para explicar a origem das
estruturas que observamos à nossa volta. Em 1992, o satélite
Cobe detectou pela primeira vez variações muito sutis na intensidade da
radiação cósmica de fundo de acordo com a direção. O modo como essas não
uniformidades dependem de direção parece estar de acordo com as previsões do
modelo inflacionário e da proposição sem-contorno. Assim, a proposição
sem-contorno é uma boa teoria científica tal como definiu Karl Popper: ela
poderia ter sido falseada pelas observações, mas, em vez disso, suas previsões
têm se confirmado. Em um universo em expansão no qual a densidade da matéria
variasse ligeiramente de um lugar para outro, a gravidade teria feito com que
as regiões mais densas desacelerassem a expansão e começassem a se contrair.
Isso teria levado à formação de galáxias, estrelas e, no fim, até de criaturas
insignificantes como nós. Desse modo, todas as estruturas complexas que vemos
no universo podem ser explicadas pela condição sem-contorno para o universo em
conjunto com o princípio da incerteza da mecânica quântica.
A
ideia de que o espaço e o tempo talvez componham uma superfície fechada e sem
contorno acarreta também profundas implicações para o papel divino nos assuntos
do universo. Com o êxito das teorias científicas em descrever os eventos, a
maioria das pessoas passou a acreditar que Deus permite ao universo evoluir de
acordo com uma série de leis e que ele não intervém para violá-las. Contudo, as
leis não nos dizem como devia ser o aspecto do universo no início — ainda teria
cabido a Ele dar corda no relógio e decidir como pô-lo em funcionamento.
Contanto que o universo tenha tido um início, podemos supor que houve um
criador. Mas, se o universo fosse de fato absolutamente contido em si mesmo,
sem contorno nem borda, ele não teria início nem fim: ele simplesmente seria.
Nesse caso, qual é o papel de um criador?”
“NOSSO
MUNDO É um lugar desconcertante. Queremos extrair um sentido do que vemos à
nossa volta e perguntar: qual é a natureza do universo? Qual é nosso lugar nele
e de onde ele e nós viemos? Por que ele é do jeito que é? (...)
As
primeiras tentativas teóricas de descrever e explicar o universo envolviam a
ideia de que os eventos e fenômenos naturais eram controlados por espíritos com
emoções humanas que agiam de modo muito humano e imprevisível. Esses espíritos
habitavam os objetos naturais, como rios e montanhas, incluindo os corpos
celestes, como o Sol e a Lua. Eles tinham de ser aplacados, e era necessário
obter sua mercê para assegurar a fertilidade do solo e o ciclo das estações.
Pouco a pouco, porém, as pessoas devem ter notado a existência de determinadas
regularidades: o Sol sempre nascia a leste e se punha a oeste, tivesse ou não
sido feito algum sacrifício ao deus-sol. Além disso, o Sol, a Lua e os planetas
seguiam trajetórias precisas no céu, que podiam ser previstas com exatidão
considerável. O Sol e a Lua ainda podiam ser deuses, mas obedeciam a leis
rígidas, aparentemente sem exceções, se desconsiderarmos histórias como a do
Sol parando para Josué.
No
início, essas regularidades e leis eram óbvias apenas na astronomia e em
algumas outras situações. Entretanto, à medida que a civilização se desenvolveu
— e em especial nos últimos trezentos anos —, cada vez mais leis e
regularidades foram descobertas. O sucesso dessas leis levou Laplace, no início
do século XIX, a postular o determinismo científico; ou seja, ele sugeriu que
haveria uma série de leis que determinariam com precisão a evolução do
universo, levando em conta sua configuração em certo momento.
O
determinismo de Laplace era incompleto de duas maneiras. Ele não dizia como
escolher as leis e não descrevia a configuração inicial do universo. Isso
caberia a Deus. Deus escolheria como o universo começara e quais leis seriam
obedecidas, mas ele não interviria no universo uma vez que este tivesse
começado. Na verdade, Deus estava confinado às áreas que a ciência do século
XIX não compreendia.
Hoje
sabemos que as aspirações deterministas de Laplace não podem ser concretizadas,
pelo menos não nos termos que ele tinha em mente. O princípio da incerteza da
mecânica quântica implica que não se pode prever determinados pares de
grandezas, como a posição e a velocidade de uma partícula, com precisão
absoluta. A mecânica quântica lida com essa situação mediante uma classe de
teorias quânticas em que as partículas não têm posições e velocidades bem definidas,
mas estão representadas por uma onda. Essas teorias quânticas são deterministas
no sentido de que fornecem leis para a evolução da onda com o tempo. Assim, se
conhecemos a onda em dado momento, podemos calculá-la em qualquer outro. O
elemento imprevisível, aleatório, entra em cena apenas quando tentamos
interpretar a onda em termos de posições e velocidades das partículas. Mas
talvez este seja nosso erro: talvez não existam posições e velocidades da
partícula, apenas ondas. Só que tentamos ajustar as ondas a nossas ideias
preconcebidas de posições e velocidades. A defasagem resultante é a causa da
aparente imprevisibilidade.
Na
verdade, redefinimos a tarefa da ciência como a descoberta de leis que nos
tornarão capazes de prever eventos dentro dos limites impostos pelo princípio
da incerteza. No entanto, a questão permanece: como ou por que as leis e o
estado inicial do universo foram escolhidos?
Neste
livro, dei destaque especial às leis que governam a gravidade, pois é a
gravidade que molda a estrutura em grande escala do universo, ainda que ela
seja a mais fraca das quatro categorias de forças. As leis da gravitação eram
incompatíveis com a visão mantida até bem recentemente de que o universo é
imutável no tempo: o fato de a gravidade sempre exercer atração implica que o
universo deve estar se expandindo ou se contraindo. Segundo a teoria da
relatividade geral, deve ter havido um estado de densidade infinita no passado,
o Big Bang, que teria sido um início do tempo de fato. Do mesmo modo, se o
universo inteiro entrar em colapso, deverá haver outro estado de densidade
infinita no futuro, o Big Crunch, que seria o fim do tempo. Mesmo que o
universo todo não voltasse a entrar em colapso, haveria singularidades em
regiões específicas que entrariam em colapso para formar buracos negros. Essas
singularidades seriam um fim do tempo para quem caísse no buraco negro. No Big
Bang e em outras singularidades, todas as leis seriam suspensas, de modo que
Deus ainda teria tido total liberdade para escolher o que aconteceu e como o
universo teve início.
Quando
combinamos a mecânica quântica com a relatividade geral, parece surgir uma nova
possibilidade: a de que, juntos, o espaço e o tempo talvez formem um espaço
finito, quadridimensional, sem singularidades ou contornos, como a superfície
da Terra, mas com mais dimensões. Parece que essa ideia poderia explicar muitas
das características que observamos no universo, como sua uniformidade em grande
escala e as inomogeneidades em menor escala, como as galáxias, as estrelas e
até os seres humanos. Poderia explicar até a seta do tempo que observamos.
Contudo, se o universo for completamente contido em si mesmo, sem
singularidades ou contornos, e completamente descrito por uma teoria unificada,
isso guarda profundas implicações para o papel de Deus como Criador.
Certa
vez, Einstein formulou a pergunta: “Que capacidade de escolha teve Deus na
construção do universo?” Se a proposição sem-contorno está correta, ele não
teve liberdade alguma em escolher as condições iniciais. No entanto, ele ainda
teria tido a liberdade de escolher as leis a que o universo obedeceria, é
claro. Todavia, talvez isso não tenha sido bem uma escolha; pode muito bem
haver apenas uma teoria unificada completa, ou algumas, como a teoria das
cordas heterótica, que é coerente e permite a existência de estruturas
complexas como os seres humanos, seres capazes de investigar as leis do
universo e fazer perguntas sobre a natureza de Deus.
Mesmo
que haja uma única teoria unificada possível, ela não passa de um conjunto de
regras e equações. Que coisa é essa que insufla vida às equações e cria um
universo para que elas o descrevam? A abordagem científica habitual de
construir um modelo matemático não dá conta de responder por que deve haver um
universo para ser descrito. Por que o universo tem todo esse trabalho de
existir? A teoria unificada é tão inescapável que suscita sua própria
existência? Ou ela precisa de um criador? Se for o caso, ele exerce algum outro
efeito no universo? E quem o criou?
Até
o momento, a maioria dos cientistas tem andado ocupada demais elaborando novas
teorias para descrever o que o universo é para poder perguntar por
quê. Em contrapartida, aqueles cujo ofício seria perguntar por quê,
os filósofos, não foram capazes de acompanhar o avanço das teorias científicas.
No século XVIII, eles consideravam a totalidade do conhecimento humano,
incluindo a ciência, como seu campo de atuação e debatiam questões como se o
universo teve um início. Entretanto, nos séculos XIX e XX, a ciência se tornou
técnica e matemática demais para os filósofos, ou para qualquer um, com exceção
de uns poucos especialistas. Os filósofos reduziram o escopo de seus
questionamentos de tal maneira que Wittgenstein, o filósofo mais famoso do
século XX, disse: “A única tarefa que resta à filosofia é a análise da
linguagem.” Que vergonha para a grande tradição filosófica de Aristóteles a Kant!
No
entanto, se de fato descobrirmos uma teoria completa, todos acabarão
compreendendo seus princípios amplos, não apenas alguns cientistas. Então,
deveremos todos — filósofos, cientistas e pessoas comuns — ser capazes de tomar
parte na discussão para saber o porquê de nós e o universo existirmos. Se
descobrirmos a resposta para isso, será o triunfo supremo da razão humana —
pois, então, conheceremos a mente de Deus.”
“Quando
se publicou um livro intitulado 100 autores contra Einstein, ele
replicou: “Se eu estivesse errado, bastaria um!””
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