Editora: Leitura Fina
ISBN: 978-85-92597-07-8
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 424
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Sinopse: É bastante normal
que em seu processo de amadurecimento as crianças dialoguem com animais, com alguns
de seus brinquedos e outros elementos que circundam sua vida. Mas é muito raro
que uma criança faça o relato escrito deste período. Histórias e toadas da minha infância dá conta justamente desse
fértil momento em que a autora, ainda sendo uma criança apenas
semialfabetizada, tomava notas do jeito que conseguia — ora por meio de
escritos soltos, ora por meio de poesias — sobre o mundo novo que se
descortinava ante seus olhos. Muitos anos depois, Maria Lucília pôde transcrever
esses papéis perdidos no tempo e revelar a nós, através de olhos infantis e puros,
as agruras, peripécias e desventuras de seu crescimento ocorrido em um tempo
histórico há muito ido. Além disso, o livro também nos mostra a história do surgimento
do distrito de Nicolândia, em Minas Gerais, prestando a este lugar uma grande
homenagem e um lindo reconhecimento.
“O fato é que o galo gosta mesmo é de brigar
com os outros galos, e não de defender as galinhas.”
“Um dia, me deu vontade de conversar com os
porcos no chiqueiro. Todos chamam eles de porcos, mas acho esta palavra muito
feia. Por que chamam eles assim, se todos comem a sua carne? Então somos porcos
também.”
“Tudo neste lugar tinha seus mistérios
interessantes. Quase não havia costureiras. Minha mãe é que costurava para os
moradores da região. Às vezes vinham pessoas de longe trazer costura, até
vestido de noiva e paletó. Às vezes ela ficava até as madrugadas na máquina
costurando para dar conta de tudo pronto. Em épocas de festa, ela se via doida,
de tantas costuras que tinha que fazer. Nosso terreiro ficava rasteado de
ferraduras de animal, de tanta gente que ia lá buscar costuras.
Eu era companheira dela. Só ia dormir na hora
que ela fosse. Ela gostava muito de cantar enquanto costurava. Porém, sem
maldades, um belo dia em que tinha costurado o dia todo, ela se levantou de
repente e me disse:
- Estou indo ao cagadouro, tenho que ir
depressa porque já estou soltando ventos.
Logo que ela saiu, o sr. Pedro chegou
trazendo costuras e bateu palmas na porta. Eu fui receber ele e pedi que
entrasse. Ele me perguntou:
- Menina, quedê sua mãe?
- Ela foi cagar lá no cagadouro, mas não vai
demorar. Ela saiu daqui peidando forte. Eu acho que vai ser rápido.
Notei que o sr. Pedro ficou vermelho de
vergonha, mas para mim era normal falar aquilo.
Nisso, minha mãe estava chegando e ouviu
parte da conversa. Eles se olharam cheios de vergonha, mas eu nem podia
imaginar o que estava me esperando. Quando o sr. Pedro saiu, ela me disse:
- Agora vou cortar sua língua com a tesoura!
Me fez passar vergonha!
- Mãe, foi isso que a senhora falou quando
saiu para o cagadouro.
- Que cagadouro, que nada! Vai levar uma
surra de vara de goiaba. Isso é para nunca mais falar asneiras.
E me deu várias guaspadas com a vara.
Depois que tudo isso se passou, saí andando
pelo pasto e fiquei imaginando o que tinha feito com minha mãe. E fiz esses
versinhos para ela:
Oh, que vida dolorosa!
Viver sem maldades,
Apanhei pra aprender,
Conhecer toda a verdade,
Só agora compreendo,
Quantas vergonhas passou
Por causa da minha inocência,
Sei que você perdoou!
Com toda a tristeza de ter apanhado, tinha
horas que eram de sorrir. E meus irmãos ficavam vigiando quem ia ao cagadouro,
só para rir quando alguém estava com caganeira. Todos ficavam sabendo. E eles
diziam:
- Você hoje está de caganeira!
Ninguém conhecia privada e nem sabia que
existia papel para se limpar. Usavam sabugos de milho ou folhas de mato.
Assim era a vida na roça. Por motivo dessa
falta de higiene, todas as pessoas eram portadoras de verminoses,
principalmente as crianças, que eram todas barrigudas. Ninguém tinha noção do
que era higiene para evitar os germes.
Mas meu pai sempre teve o capricho de todo
ano comprar uma fôrma de remédio para todos nós de casa, que era chamado de lumbrigueiro
pelo povo, mas seu nome era Tiro Seguro. Esse remédio realmente matava
todos os vermes.
O que ficou gravado em minha mente mesmo foi
a paciência que minha mãe tinha com a gente no dia de tomar o remédio. Ela não
permitia que a gente desperdiçasse nem um pouquinho, pois meu pai buscava esses
medicamentos na cidade de Resplendor, em Minas Gerais. Ela, por capricho, tinha
seus macetes que davam certo. Nos preparava na véspera e dizia:
- Amanhã vocês vão tomar o lumbrigueiro.
Entre nós já ficávamos tristes, pois o danado
do remédio tinha um cheiro terrível que nos deixava tontos depois de engolir.
Minha mãe sempre dava um jeitinho: nos levava para dentro do quarto e trancava
a porta com medo da gente fugir. Dizia:
- Quem vai tomar primeiro?
Todos ficavam calados. Ela dizia:
- Podem tomar, vou fazer uma canja de galinha
para vocês!
No meio de tantos filhos, ela tinha que optar
por alguma coisa. Então, começava a abrir os vidros. Eu disse:
- Mãe, eu quero ser a primeira!
Ela me deu uma chave para eu segurar na hora
que estava tomando o remédio. Depois de engolir, ela me deu um ovo de galinha
para eu segurar nas minhas mãos e assim evitar vômitos. Isto era usado em todas
as casas da região. Era como uma simpatia. Mamãe também não deixava a gente ver
mato verde antes de o remédio fazer efeito. Ela ficava vigiando o tempo todo,
para ver quem dava vontade de ir ao cagadouro primeiro, para ver se o efeito
era satisfatório. Aquele em quem demorava a fazer efeito, ela dava uma caneca
de água morna doce para tomar e logo resolvia, era aquela correria para o
cagadouro.
Um ria do outro quando ficava com lombriga
agarrada sem sair e, no fim, a gente esquecia do que tinha passado e ia comer a
tão esperada canja da galinha. Às vezes ficávamos sem poder comer porque o
efeito não tinha sido bom. Quem estava comendo fazia figa para o que estava
esperando. Era uma farra o dia de tomarmos esse remédio. Cinco dias depois,
começávamos a tomar Biotônico Fontoura, como fortificante. E papai
dizia:
- Vocês vão ficar todos corados. Vai acabar a
amareleza.
Porém, nem sempre tudo era alegria. Para
muitos, era dor. Muitas crianças morriam vomitando lombrigas e ainda saía pelo nariz
quando estavam mortas dentro do caixão. Eu vi esta cena várias vezes e me
tocava no coração. Pensei: “Bem fiz eu que tomei o remédio. Acho que estou
livre destas coisas tristes”.
Isso nunca pude esquecer. Parecem coisas não
verdadeiras, mas foram reais. Vendo a menina Maria das Graças morta, dentro do
caixão, todos em volta dela, sua mãe retirando as lombrigas que saíam de seu
corpinho, me deu um desespero tão grande que saí para o terreiro e comecei a
pensar: “Por que será que a menina morreu e as lombrigas ainda ficaram vivas
saindo pela boca e pelo nariz?”
Nisso, eu estava lá fora. Só vi quando uma
senhora chamada Idalina saiu com um pano enrolado, cheio de lombrigas, que
tinha retirado do caixão da menina, e disse:
- Vão ficando por aqui, deixem a Maria das
Graças em paz.
Falou várias coisas que eu não entendi, mas
dava para notar que era uma simpatia o que ela estava fazendo, para aliviar a
família da menina. Aí que eu fiquei atormentada, tentando saber o que ela
estava falando, e perguntei:
- Dona Idalina, o que a senhora está fazendo
com este pano cheio de lombrigas e resmungando o tempo todo? A senhora está
rezando?
- Isso é coisa séria. Se eu não fazer algo
para conter estes bichos inquietos, vão começar a andar pela casa afora, pois
já estão saindo aos punhados. Vou jogar elas dentro de um buraco e vou dizer
três vezes: “Vão para a escuridão, fiquem dentro da terra, não voltem a sair de
novo, tranque as que estão dentro da barriga dela”.
Depois que a vi falar aquelas coisas, fiquei
interessada em escutar o que ela iria falar com os pais da menina. Só queria
entender qual seria a reação deles. Ela disse:
- Podem ficar tranquilos. Já fechei a
passagem deles com a simpatia. Só falta vocês terem fé.
Vendo aquilo tudo, fiquei desanimada e fui
falar com minha mãe tudo o que tinha visto. Ela me falou:
- Viu como é triste ser portadora desse
verme? Essa não é a primeira que morre deste jeito.
Eu fiquei assustada por vários tempos e não
conseguia comer macarrão. Fiquei com nojo por muito tempo.
Logo que tudo se passou, fui para casa e fiz
esses versinhos no capricho para as danadas das lombrigas:
Lombrigas, bicho danado
Que parece com cipó
Incha a barriga da gente
Remexe e faz um nó
Sobe e desce enrolando
Fazendo um caracó.
Mas com toda a malvadeza
Que você faz com a gente
Tem remédio que te mata
e salva a vida da gente.
Quem tem você na barriga
Vive sempre inseguro
Anda tonto e com fraqueza
Sem sangue e barrigudo
Mas você não esperava
O tiro do Tiro
Seguro.
Bendito seja louvado
Nesta hora tão sagrada
Vendo a menina morta
E seus pais desesperados
Vendo lombrigas saindo
Rolando para todo lado
Com a barriga cheia
De ovinhos pelotados
Pra semear a terra
Eu juro que é pecado.
Quem toma Tiro
Seguro
Não tem medo de lombrigas
Dorme sempre sossegado
Não sente dor de barriga
Com Biotônico
Fontoura
Prolonga mais a vida.
“Papai gostava de contar o que tinha visto
quando novo, para nos colocar a par do que ele também participou sem saber.
Contou que quando chegou um circo num vilarejo, ninguém sabia o que era. Os
donos fizeram amizades com os moradores da região, convidando a todos para que
fossem participar da festa de abertura. No dia seguinte, o povo se reuniu e
foi. Os donos do circo passaram um filme de faroeste. Quando o povo viu os
artistas do filme atirando, saíram todos correndo de medo. Alguém que estava lá
pediu para que olhassem, para ver se os tiros não o tinham acertado, porque
todos imaginavam que eram tiros de verdade. Chegaram a rasgar o pano do circo
com canivete para sair correndo. Quem estava armado, deu até tiros na tela do
cinema. O dono do circo saiu e disse:
- Calma, gente, isto é filme, não é nada do
que vocês estão pensando. Olhem o prejuízo que me deram!
E explicou tudo como era e eles acabaram
pedindo desculpas, mas muitos já tinham ido embora de tanto medo.
Eu fiz estes versinhos para o dono do circo:
Gente, não faça isso
Não é tiro de verdade
Vejam só o que fizeram
Isto foi uma maldade
Rasgaram o pano do circo
Vejam só que crueldade.”
“Havia coisas que me faziam matutar por
várias horas. Além de prestar atenção nas histórias que ouvia, prestava atenção
também nos rapazes quando estavam interessados em namorar. Quando eles gostavam
de uma moça, sempre iam a sua casa montados em um cavalo. Chegando no terreiro,
faziam o cavalo repicar sua marcha para a moça ver que ele era um bom
cavaleiro. Ela ficava olhando da janela. Um dia, eu ouvi quando um rapaz pediu
a mão de minha irmã Jacira em casamento. Prestei bem atenção no que meu pai
respondeu a ele. Chamou ela e perguntou:
- Você gosta dele, minha filha?
- Gosto sim, papai. — E o pretendente
respondeu:
- Também gosto dela. Quero me casar em breve.
Já tenho casa para morar e vários capados gordos. O paiol está cheio de
mantimentos. O senhor pode ficar tranquilo que meus pais têm boa aceitação pelo
nosso casamento.
Trocaram várias ideias, só que namoravam de
longe. Mas o namoro não deu certo e eles não casaram. No dia em que ela
resolveu terminar o noivado, mandou um recado a ele fazendo um convite para que
fosse em nossa casa à noite. Ele, pensando que era uma festa, foi bem trajado.
Chegando lá, meu pai veio até a sala e disse:
- Minha filha não quer mais se casar com
você.
Ela só veio até a sala para devolver uma
caixa de pó de arroz de nome Cashmere Bouquet que havia ganhado dele de
presente. Ele saiu tristonho e foi para casa. Chegando lá, seus pais
perguntaram se a festa tinha sido boa e ele respondeu:
- Levei um baita fora!
Jacira já estava com novo amor no coração.
Era uma nova família que havia comprado um terreno perto donde a gente morava e
tinha muitos rapazes bonitos de olhos verdes, que eram de família italiana. Ela
se apaixonou por um deles.
O rapaz que foi deixado por ela mandou seu
irmão se vingar dando uma facada no peito deste rapaz que ela gostava. Isto
aconteceu no momento em que os dois estavam vindo da igreja num dia de domingo.
Mas a facada não foi fatal. Eu presenciei e passei a entender o quanto valia um
fora quando uma moça era amada pelo noivo.
Papai chamou a família do rapaz que tinha
levado a facada, foi aquele corre-corre para acudir ele. No outro dia ele já
estava melhor. As três famílias foram conversar sobre o acontecimento e
disseram:
- Estamos muito tristes com o que aconteceu,
pois somos moradores novos aqui e nunca passamos por uma decepção dessas, só
por causa de um noivado que não deu certo. Ora, veja!
Mas seu Neca, pai do rapaz que deu a facada,
disse:
- Nós vamos continuar amigos. A moça é
bonita. Não sou culpado de meu filho não ser privilegiado. Quero arcar com
todas as despesas que vocês gastaram no tratamento dele.
Essas coisas eram novidades no lugar. Virou
notícia ruim. Minha irmã ficou muito tempo sem sair de casa, pois minha mãe era
muito severa com estas coisas e nem mesmo sabia que ela havia deixado o noivo
por causa de outro rapaz. Disse:
- Está vendo só a vergonha que nos fez
passar? Agora vai ficar igual a Santa Rita, namorando pelo buraco.
Eu nem sabia que Santa Rita tinha namorado
pelo buraco.
Mas Jacira se pôs a chorar. Eu disse a ela:
- Conte comigo, não chore, sua boba! Pode
fazer seus recados que eu passo a ele quando passar por aqui. Faço que vou
abrir a porteira e falo com ele.
Minha mãe desconfiou e passou a me vigiar
também. A coisa foi ficando difícil. Esse namoro não deu certo, durou pouco e
Jacira quase morreu de paixão.
Quando uma moça era deixada pelo rapaz,
falava-se que tinha levado um fora e a conversa se espalhava pela região. Era
muito difícil isto acontecer.
Havia muitas moças bonitas no lugar e vários
rapazes disputavam elas. Mas seus pais prendiam as meninas no quarto, pois não
queriam que elas namorassem. Eram tão bonitas que nem há como explicar.”
“Sempre mamãe mandava eu buscar jiló para
gente comer, e uma de minhas amigas ia comigo à horta buscar. Uma delas, a
Helena, uma moça de uma beleza divina, tentou desabafar comigo. Pegou uma flor
de malmequer e pediu que eu segurasse outra, foi retirando as pétalas e dizia:
- Bem-me-quer, malmequer.
Só para testar quem gostava mais dela.
Reclamou comigo que não tinha prazeres na
vida. Que, com tantos rapazes que gostavam dela, não podia nem olhar. Eu ainda
era criança, mas entendia tudo e ela falou:
- Quando você crescer, vai sentir tudo isto
também.
- Por que está me dizendo tudo isso?
- Sou uma moça triste. Não fale nada pra
ninguém.
Suas lágrimas caíam no chão e disse:
- Tenho vontade de ser igual às outras moças
e não posso.
Pediu para eu ajudar ela a cantar uma modinha
que fez quando estava presa no quarto. Mas eu disse:
- Como, se não sei?
- Me acompanhe que vai aprender.
Eu perguntei o nome da modinha e ela disse
que era para eu nunca esquecer. Parecia uma despedida.
Pássaro que não pode voar
Quem me dera se eu pudesse
Ser aquele passarinho
Voava de galho em galho
E não vivia sozinha
Tenho pena daqueles
Que vivem dentro da gaiolinha
À noite, vivo sonhando
Com minha liberdade
Só assim seria feliz
Para matar minha saudade.
Oh, papai, eu te respeito
Mas você não compreende
Que é de meu direito
Namorar não é pecado
Não me prenda desse jeito.
Depois de ter cantado com ela, tive uma forte
emoção. Fui para casa com a sacola de jiló, mas não consegui comer dele, só
ficava pensando nela. O pior era não poder contar nada, pois eu sabia guardar
segredos.
Infelizmente, já não aguentando mais o
sofrimento, ela tomou veneno de formiga e morreu. Todos ficaram tristes. Teve
rapaz que até vestiu luto.
Tantas coisas que vi na minha infância
deixaram uma marca de muitos sofrimentos. No dia do enterro dela, fiquei
olhando de longe, cantei o que ela me ensinou e pensei: “Será que, se eu
tivesse contado para alguém, teria evitado essa morte? Mas Deus sabe o que ela
me pediu”.
Durante muito tempo, eu não podia ver a flor
de malmequer que me lembrava dela. Cheguei a ouvir várias vezes a voz dela
trazida pelo vento durante a noite, mas nunca tive coragem de falar com
ninguém.
Às vezes, estes fatos aconteciam com os
rapazes também, pois, quando eram proibidos de namorar quem eles gostavam,
acabavam se matando.”
“Não se ouvia falar em roubos. Às vezes
apareciam alguns ladrões de cavalos que vinham de longe e roubavam eles do
pasto. No outro dia, só se ouviam os comentários. A polícia era chamada. Quando
descobriam os ladrões, era chamada a “captura”. Como não havia transporte, eles
saíam em grupos de até dez soldados e iam até o local do crime armados de
carabinas, traziam o preso amarrado numa corda, com as mãos atadas. Eram
amarrados na garupa dos animais e saíam trotando, os presos tinham que
acompanhar de acordo com o galope dos animais. Chegavam até a arrancar o couro
da sola do pé, porque não tinham como escolher onde pisar. Quando passavam
perto de nossa casa, eu ficava olhando e tinha muita pena. Papai nos chamou e
avisou:
- Olhem, meus filhos, vocês viram como é
triste entrar nas mãos da justiça? Se é culpa sua, assuma! Mesmo se a cangalha
for pesada. Não jogue nas costas de ninguém. Mesmo que ela te faça pisadura nas
costas. Nunca assumam a culpa dos outros. Mantenham suas mãos inocentes. A última coisa que devem perder é a vergonha.”
“Papai dizia que o Diabo dava cem e pedia
duzentos de troco. Nunca se quitava a dívida com ele. Ele voltava e pegava tudo
que deu em dobro. Já o que era dado por Deus, era eterno.”
Poema da roda d’água
Um dia passei perto da velha máquina
Senti um aperto no coração
Ela parecia querer falar comigo
Algo que estava passando
A máquina amava a roda, a roda amava a
máquina
Eram iguais a noivos apaixonados no dia que
estavam se casando
Me parecia entender o que ela estava falando
Ouvi um forte gemido de dor,
De um tumor que estava sangrando
Só me faltava acariciá-la
Para não deixá-la chorando.
Sentei perto dela e disse: Adeus, roda d’água
Que tanto rodou, bailou, com a água que
passou.
Só você sabe os gemidos que escutou,
Os cantos dos peixes, que nos cubos ficou.
Suas orelhas de pau, tantos segredos guardou!
Não é cega, viu tudo que passou
A inocência das crianças que por aqui
brincaram
Tantas voltas você dava, mas ninguém se
machucou!
Quando seu dono chegava, você estava suada
Com força rodava e não reclamava
Nunca pedia nada, só trabalhava.
Ouvia tudo calada
Mas era você, que ao entardecer
Que as luzes da vila fazia acender.
O sino da igreja tocava, o povo rezava, você
ajudava.
A natureza viva e o milagre operava.
Você foi feita pelas mãos do homem curioso,
Que cuidava de você
Mas um dia fiquei te olhando e ouvi você
chorar
Cheguei bem pertinho e me pus a perguntar:
Conte tudo para mim, deixe a sua mensagem
É tão forte, faz tanta gente sorrir
Todos te consagram na hora de dormir
Não fique triste! É a rainha da noite!
Com esta brisa do céu que vem te cobrir
É feita da natureza, igual não pode existir!
Mas ela me respondeu: Tenho que me prevenir
Está chegando outra força de luz, não vou
mais existir!
Mesmo cansada, daqui não quero sair.
Obrigada, menina doce, é um anjo idolatrado
Sei que você me ama, eu também amo você!
Quem ler esta história, sei que vai entender
Eu sou a testemunha de tudo que você escrever
Mesmo sendo criança, Deus te deu o saber
Vou viver ao relento até o cupim comer
Pertenço ao pó da terra de onde brotei.
Antes de vir para cá, minhas sementes deixei
Se todas brotaram, posso jurar que não sei
O fogo queimou tudo, pouco de mim resta
Nem o meu nome eu sei
Só respondo pelo apelido que ganhei:
Roda d’água
Mas juro que honrei.
Muitos se sentiram honrados com o lucro que
dei
Tanto café e arroz, rodando, pilei
Mesmo com eixo quebrado, não desanimei
A terra guardará meus segredos,
De tudo que ouvi e passei
Se precisarem de mim
Não rejeitarei.
Um comentário:
Olá! Que blog legal sobre leituras e livros eu acabo de conhecer quando procurava justamente sobre uma coleção de livros!
Já pretendo voltar aqui outras vezes para conhecer melhor o espaço e ver os livros que estão indicados por aqui.
Até mais!
~Cartas da Gleize. 💌
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