quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

A morte de Arthur: Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda (Volume 1), de Thomas Malory

Editora: Nova Fronteira

ISBN: 978-65-564-0015-0

Tradução: Maria Helena Rouanet

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 458

Análise em vídeo: Clique aqui

Link para compra: Clique aqui

Sinopse: “Aquele que retirar esta espada desta pedra e desta bigorna será o legítimo rei de toda a Inglaterra.” Em uma narrativa poeticamente construída, que atravessa o nascimento, a ascensão e a morte do lendário Rei Arthur, Sir Thomas Malory tece uma das histórias mais conhecidas da língua inglesa. Publicada pela primeira vez em 1485, esta lenda tem sido contada e recontada ao longo dos séculos, sendo o principal pilar da literatura arturiana e despertando muita curiosidade. Nesta edição belamente ilustrada pelo famoso artista inglês Aubrey Beardsley, ganham vida as batalhas épicas, os romances proibidos e a trama completa dos nobres cavaleiros da Távola Redonda. Composto por dois volumes e com prefácio de William Caxton, primeiro editor da obra, ainda no século XV, o box conta com a brilhante tradução de Maria Helena Rouanet.



“Pouco depois, chegaram doze cavaleiros já bem idosos que vinham, em nome do imperador de Roma, cobrar tributos por o reino de Arthur sob pena de serem destruídos, tanto o rei quanto as suas terras. Sois mensageiros, disse Arthur, e, por isso, tendes liberdade para dizer o que quiserdes. Se não fosse este o caso, morreríeis por tais palavras. Esta porém é minha resposta: não devo nem quero dever nenhum tributo ao imperador, a não ser que este seja pago em campo aberto, e será com uma lança afiada ou com uma espada. E juro, pela alma de meu pai, Uther Pendragon, que não tardarei a fazê-lo.”

 

 

“Arthur e Pellinore ficaram lutando assim por muito tempo, fazendo algumas pausas para descansar e retomando o combate. Um e outro investiam contra o adversário como dois carneiros e, assim, caíam no chão. Por fim, atacaram-se com tanta força que suas armas se chocaram, mas a espada do cavaleiro fez a do Rei Arthur em pedaços, o que o deixou consternado. Então, o cavaleiro lhe disse: Estais à minha mercê. Posso decidir se quero vos perdoar ou vos matar. E, a menos que vos rendais e vos deis por vencido, morrereis. Quanto à morte, replicou Arthur, ela será bem-vinda quando chegar, mas quanto a dar-me por vencido, prefiro morrer a admitir semelhante afronta.”

 

 

Os dois partiram e foram ao encontro de um eremita que era um homem santo e um excelente médico. O eremita curou o rei de todas as suas feridas e lhe deu bons bálsamos. Arthur permaneceu ali por três dias e, quando todos seus ferimentos estavam curados e ele já podia andar e cavalgar, retomaram viagem. Enquanto cavalgavam, o rei disse: Não tenho mais espada. Pouco importa, retrucou Merlin. Perto daqui há uma espada que, se tudo der certo, será vossa. Prosseguiram cavalgando até chegaram às margens de um lago extenso e de águas límpidas. No meio desse lago, Arthur avistou um braço vestido de brocado branco que segurava uma bela espada na mão. Veja, disse Merlin, ali está a espada a que me referi. Nesse momento, viram uma donzela que andava sobre as águas. Quem é essa donzela?, perguntou Arthur. É a Dama do Lago, respondeu Merlin. Dentro dele, há um grande rochedo e, sobre ele, um palácio formoso e ricamente adornado como não existe nenhum outro na Terra. Esta donzela logo estará aqui à vossa frente. Deveis lhe falar gentilmente para que ela queira vos dar essa espada. Pouco depois, a moça se aproximou, saudou Arthur, que respondeu ao seu cumprimento. Donzela, indagou o rei, que espada é aquela empunhada pelo braço saindo da água? Quisera que fosse minha, pois não tenho espada. Senhor Rei Arthur, replicou a donzela, aquela espada é minha e, se vos dignais me conceder um dom quando eu vos pedir, ela será vossa. Por minha fé, disse Arthur, eu vos concederei o que me pedirdes. Pois bem, prosseguiu a Dama do Lago, entrai naquela barca, remai até onde está o braço e tomai a espada juntamente com sua bainha. Eu vos pedirei o que desejo quando chegar a hora.”

 

 

Devias conceder o perdão àqueles que te pedem, pois um cavaleiro sem misericórdia é desprovido de honra.”

 

 

“O rei Arthur convocou todos os seus cavaleiros, dando terras aos que não as possuíam em quantidade e recomendando-lhes que jamais cometessem qualquer crime ou ultraje; que evitassem sempre a traição; que não fossem cruéis em hipótese alguma; que concedessem sua misericórdia a quem a pedisse, sob pena de perder a honra e o senhorio do Rei Arthur para todo o sempre. Recomendou-lhes também que sempre socorressem damas, donzelas e senhoras; que nenhum homem travasse combate algum envolvendo querelas injustas, por nenhuma lei, nem por bens mundanos. Todos os cavaleiros da Távola Redonda, tanto os mais velhos quanto os mais jovens, prestaram tal juramento e, a cada ano, voltaram a renová-lo na grande festa de Pentecostes.”

 

 

Sir Accolon começou então a proferir palavras traiçoeiras, dizendo: Estais vencido, cavaleiro, e não podeis resistir por muito tempo. Também estais desarmado e haveis perdido muito sangue. Como não me agrada a perspectiva de matá-lo, rendei-vos a mim como fazem os covardes. Não, retrucou Sir Arthur, jamais farei isso, porque prometi levar tal batalha ao extremo, e, por minha fé, é o que farei enquanto viver. Prefiro morrer com honra a viver com vergonha e, se me fosse dado morrer cem vezes, preferiria que assim fosse a ter que me render a vós, pois, embora não tenha mais arma, ainda tenho honra, e se me matardes desarmado vossa será a vergonha. Pouco me importo com a vergonha, retrucou Accolon, e, por isso, preparai-vos, pois já sois um homem morto. Tendo dito isso, desfechou tamanho golpe que Arthur quase caiu, e seu adversário insistiu para que ele lhe pedisse clemência. Sir Arthur, porém, lançou-se sobre Accolon com seu escudo e lhe deu um golpe tão forte na mão com o pomo da espada que o cavaleiro acabou recuando três passos.

Quando a Donzela do Lago viu Arthur, como seu corpo prosseguia cheio de bravura e sabendo da traição que havia sido tramada para matá-lo, lastimou profundamente que um cavaleiro de tanto mérito e um homem de tanta coragem fosse ser destruído. O golpe que Sir Accolon desfechou em seguida foi tão forte que, por um feitiço lançado pela donzela, a espada Excalibur lhe caiu das mãos. De um salto, Arthur apoderou-se da arma e, assim que a segurou, soube que era sua espada, Excalibur. Disse, então: Estiveste separada de mim por muito tempo e muito dano me causaste. Nesse instante, viu a bainha pendendo da cinta de seu adversário e pulou subitamente sobre ele, arrancou-a dali e a atirou o mais longe que pôde. Ah, cavaleiro, exclamou Arthur, hoje me fizestes muito mal com esta espada. Agora, chegou a hora de vossa morte, pois vos prometo que, antes de nos separarmos, recebereis, por esta arma, a mesma paga que me destes porque me infligistes muita dor e me fizestes perder muito sangue. Nesse momento, lançou-se sobre seu adversário com toda a força, atirando-o no chão. Arrancou-lhe o elmo e lhe aplicou tamanho golpe na cabeça que ele começou a sangrar pelos ouvidos, pelo nariz e pela boca. Agora vou vos matar, disse Arthur. Podeis perfeitamente fazê-lo, retrucou Accolon, se assim o desejardes, já que sois o melhor cavaleiro que jamais enfrentei e vejo que Deus está convosco. Mas prometi travar esta batalha a qualquer preço e não me acovardar enquanto vivesse; portanto, de minha boca nunca sairão palavras de rendição, e que Deus use minha vida segundo seus desígnios. De repente, Arthur teve a impressão de já ter visto aquele cavaleiro. Antes que vos mate, perguntou, dizei-me de que país sois e de que corte? Senhor cavaleiro, respondeu Sir Accolon, sou da corte do Rei Arthur e me chamo Accolon de Gaula. Arthur sentiu-se então mais desalentado do que antes, pois se lembrou de sua irmã, a Fada Morgana, e do encantamento da embarcação. Ah, senhor cavaleiro, disse ele, rogo-vos que me digais quem vos deu esta espada e por meio de quem a conseguistes.

Então Sir Accolon se deu conta do ocorrido e disse: Maldita seja essa espada, pois por ela encontrei a morte. É bem possível, replicou o Rei Arthur. Bem, senhor, principiou o vencido, vou confessar tudo: esta espada esteve sob minha guarda a maior parte dos últimos doze meses, e a Fada Morgana, esposa do Rei Uriens, a fez chegar ontem às minhas mãos através de um anão, com o intuito de que eu matasse o Rei Arthur, seu irmão, o homem que ela mais odeia no mundo porque tem mais honra e bravura do que qualquer outro do mesmo sangue. Ela também me ama muito, como amante, e este amor é recíproco. Assim, se pudesse provocar a morte de Arthur com suas artes, logo trataria de matar seu esposo, o Rei Uriens, e faria de mim o rei desta terra e ela seria minha rainha. Isto agora não vai ser possível, acrescentou Accolon, pois bem sei que vou morrer. Pois eu sentiria muito por vós se vos tivesses tornado rei desta terra, disse Sir Arthur. Teria sido uma grande lástima se houvesses destruído vosso senhor. Tendes razão, replicou o cavaleiro, mas, agora que vos disse a verdade, rogo-vos que me digais de onde sois e de que corte. Ah, Accolon, exclamou o Rei Arthur, pois ficai sabendo que sou o Rei Arthur e que me causastes grande mal. Ao ouvir isso, Accolon disse em voz alta: Gentil e doce senhor, tende compaixão de mim, pois não vos havia reconhecido. Ah, Sir Accolon, disse o monarca, tereis minha clemência, porque bem vejo, por vossas palavras, que não me haveis reconhecido. Mas percebo, por essas mesmas palavras, que estavas de acordo com minha morte e, por isto, sois um traidor. Sei, porém, que sois menos culpado do que minha irmã, a Fada Morgana, já que ela, com suas falsas artes, fez com que concordásseis com ela e consentisses em seus falsos prazeres. No entanto, se eu viver, hei de me vingar dela, de tal forma que toda a Cristandade falará a esse respeito. Deus sabe que eu a honrei e venerei mais que a todos de minha linhagem; que confiei mais nela do que em minha própria esposa e em todos os meus outros parentes.

O Rei Arthur chamou então os cavaleiros que guardavam a liça e lhes disse: Vinde, senhores, pois aqui estão dois cavaleiros que lutaram com grandes padecimentos para ambos. Cada um de nós poderia ter matado o outro, mas, se um de nós houvesse reconhecido o outro, não teria havido batalha alguma, nem se teria desferido golpe algum. Por seu turno, Accolon falou em altos brados, dirigindo-se a todos os cavaleiros e outros homens ali reunidos. Ah, senhores, disse, este nobre cavaleiro contra quem lutei, coisa que muito lamento, é o homem dotado de mais bravura, empenho e mérito que existe no mundo, pois trata-se do próprio Rei Arthur, senhor natural de todos nós. E por desventura e infortúnio, enfrentei em combate o rei e senhor a quem devo fidelidade.”

 

 

“Uma vez que se caiu em desgraça, não há recuperação possível.”

 

 

Então, o rei cavalgou até o local onde o Imperador Lucius jazia morto. Junto dele, encontrou também os corpos do Sultão da Síria, do Rei do Egito e da Etiópia, que eram dois nobres monarcas, e ainda dezessete outros reis de diversas regiões, além de sessenta senadores de Roma, todos nobres. Aqueles cadáveres receberam bálsamos e resinas aromáticas e foram cobertos com sessenta camadas de véus e encerrados em baús de chumbo para evitar a decomposição e o mau cheiro. Sobre esses corpos, depositaram-se ainda seus escudos, suas armas e seus pavilhões para que todos soubessem de que país cada um deles se originava. Mais adiante, encontraram três senadores que ainda estavam vivos, e o rei lhes disse: Para salvar suas vidas, desejo que leveis os corpos desses mortos até Roma e os apresenteis aos Potentados de minha parte, mostrando-lhes minhas credenciais e dizendo-lhes ainda que em breve estarei pessoalmente em Roma. Suponho que os romanos tenham entendido que não devem me cobrar qualquer tributo. E ordeno que, ao chegar à sede do império, digais aos Potentados, a todo o Conselho e ao Senado que lhes envio esses corpos como o tributo que eles pretenderam cobrar de mim. Caso isso não os satisfaça, posso pagar um pouco mais quando for até lá, pois não lhes devo nem vou pagar qualquer outro tributo.”

 

 

“Voltemos agora a Sir Lancelote, que cavalgava com a donzela por uma linda estrada. Senhor, disse a jovem, perto deste caminho costuma ficar um cavaleiro que causa sofrimento às damas e senhoras. Ele as rouba ou se deita com elas, para não dizer coisa pior. Como?, exclamou Lancelote. Um cavaleiro ladrão e violador de mulheres? Pois ele comete grande afronta à ordem da cavalaria e quebra o juramento que fez. É lamentável que continue vivo. Eu vos peço, gentil donzela, que seguis cavalgando à minha frente, sozinha, e eu a seguirei às ocultas. Se ele vier vos causar algum transtorno, correrei em vosso auxílio e ensinarei esse homem a se portar como um cavaleiro.

Assim, pois, a donzela seguiu seu caminho a passo lento. Poucos minutos depois, saiu do bosque o referido cavaleiro, acompanhado de seu pajem. Arrebatou a donzela de sua montaria, e ela começou a gritar. Surgiu então Lancelote, cavalgando o mais depressa possível, até chegar perto do cavaleiro, dizendo: Ah! Falso cavaleiro e traidor da cavalaria? Quem vos ensinou a importunar damas e senhoras? Diante da atitude daquele homem que o censurava, o tal cavaleiro nem respondeu. Limitou-se a sacar da espada e arremeter contra o recém-chegado. Este atirou no chão sua lança e, empunhando a espada, desferiu tamanho golpe no alto do elmo de seu adversário que lhe abriu a cabeça e o pescoço até a altura dos ombros. Agora tendes a recompensa que há tanto merecíeis! É bem verdade, replicou a donzela, pois, assim como Sir Turquine ficava à espreita para destruir cavaleiros, este aí fazia a mesma coisa para destruir e afligir senhoras, damas e donzelas. Chamava-se Sir Peris de Forest Savage. E agora, donzela, perguntou Sir Lancelote, há algum outro serviço que eu possa vos prestar? Não, senhor, respondeu a moça. Por ora, não. Desejo apenas que Jesus Todo-Poderoso vos proteja por onde quer que cavalgueis, pois sois o cavaleiro mais cortês e mais gentil com todas as damas e donzelas que jamais vi no mundo. Há, porém, uma coisa que parece vos faltar, senhor. Sois um cavaleiro sem esposa e não quereis amar nenhuma dama ou donzela, pois nunca ouvi dizer que tivésseis amado ninguém, mais ou menos intensamente, o que é uma grande lástima. Mas dizem também que amais a Rainha Guinevere, que ordenou, por encantamento, que nunca amásseis nenhuma outra mulher a não ser ela, além disso determinou que dama ou donzela alguma desfrutará de vós e que, por este motivo, muitas delas, nestas terras, de alto ou baixo estado, muito se lamentam.

Gentil donzela, disse Sir Lancelote, não posso impedir que as pessoas digam de mim o que quiserem, mas creio que eu não tenha a intenção de me tornar um homem casado, pois, nesse caso, teria que me deitar com minha esposa e deixar as armas e os torneios, as batalhas e as aventuras. Quanto a ter prazer com amantes, é algo que recuso antes de mais nada por temor a Deus, pois os cavaleiros aventureiros que são adúlteros ou que se deixam levar pela luxúria não são felizes nem afortunados nas guerras: ou são vencidos por um cavaleiro mais modesto que eles, ou, para sua infelicidade e maldição, matam cavaleiros que são melhores do que eles. Assim, aquele que tem amantes é desditoso e tudo a sua volta é desdita.”

 

 

“Amar quem não nos ama é uma grande tolice.”

 

 

“Vede, disse ele, aqui se pode comprovar que não existe cavaleiro tão bom que não possa levar uma queda, nem tão alerta que não possa ser apanhado de surpresa uma vez que seja, nem que cavalgue tão bem que não possa ser derrubado.”

 

 

“Como diz o livro francês, chegaram ao castelo de Sir Darras quarenta cavaleiros de sua própria linhagem decididos a matar Sir Tristão e seus dois companheiros. O velho cavaleiro, porém, não lhes deu seu consentimento e manteve os três encarcerados, dando-lhes de comer e de beber. Nesse local, Sir Tristão suportou grandes padecimentos, já que a enfermidade se havia apoderado dele e este é o maior sofrimento que um prisioneiro pode enfrentar, pois, enquanto estiver são de corpo, consegue suportar a prisão com a graça de Deus e a esperança de ser libertado. Mas, quando a enfermidade se apossa do corpo de um prisioneiro, ele pode dizer que foi despojado de todas as riquezas do mundo e tem portanto motivos para gemer e chorar. Foi exatamente o que aconteceu com Sir Tristão, tomado de tamanha angústia que esteve a ponto de tirar a própria vida.”

Nenhum comentário: