sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Caminhos da filosofia, de Roseane Almeida da Silva

 Editora: InterSaberes

ISBN: 978-85-5972-454-7

Opinião: ★★☆☆☆

Páginas: 270

Sinopse: O que é a filosofia? Qual é a natureza do pensamento filosófico? Quais são as principais áreas que compõem essa ciência? Quais são os filósofos de maior destaque e quais argumentos estes desenvolveram? Essas são apenas algumas das muitas perguntas que costumam surgir quando damos nossos primeiros passos no estudo dessa rica área do saber. Na obra que você tem mãos, os conceitos e as ideias mais fundamentais da filosofia foram organizados de forma a lhe ajudar a desenvolver criticidade em relação à realidade humana. Siga conosco nestas páginas e descubra o vasto universo do pensar!

 


“Para ajudar a compreender um conceito de ciência, recorreremos a Lakatos e Marconi (2003, p. 80)*, que afirmam que ciência é “uma sistematização de conhecimentos, um conjunto de proposições logicamente correlacionadas sobre o comportamento de certos fenômenos que se deseja estudar”.”

*: A autora citou, mas não referenciou a obra.

 

 

“Sócrates constata que todo conhecimento possível parte do indivíduo, ou seja, é parte do ser. Desse modo, cada pessoa pode apenas conhecer aquilo que em si já sabe. Assim, fazendo uma reflexão sobre o “conhece-te a ti mesmo”, é possível concluir que a atitude de conhecer é a prática de voltar o olhar sobre si mesmo, atividade que se dá única e exclusivamente através do uso da razão.

É aí que entra o trabalho da parteira, pois, segundo Sócrates, o ato de conhecer ou de pensar é semelhante a um parto. Não físico, mas racional.

Sócrates desenvolveu uma forma de ajudar os jovens em sua formação, auxiliando-os na descoberta dos próprios conhecimentos e conduzindo-os ao “conhece-te a ti mesmo”. Essa forma, que o próprio pensador chamava de maiêutica, que significa “parto” em grego, consistia em uma espécie de interrogatório em que, com muita habilidade, o filósofo induzia as pessoas a exporem seus pensamentos sobre os mais diversos assuntos. Em seguida, com um trabalho de reflexão e inquisição intelectual, Sócrates questionava ou contrapunha as opiniões oferecidas de forma implacável, sempre possibilitando ao interlocutor a autorreflexão. Por esse motivo, pode-se afirmar que o método socrático é dialético, ou seja, fundamenta-se em um conhecimento que, embora seja inerente ao próprio sujeito que conhece, se desenvolve pela possibilidade de ser reflexivo (Reale; Antiseri, História da filosofia: Antiguidade e Idade Média, 1990). Por meio da maiêutica, Sócrates chegou a outro elemento peculiar do ato de filosofar: a ironia.

Vimos que pela maiêutica Sócrates estimulava as pessoas não só a refletir mas também a falar, a expor as suas ideias. (...)

No entanto, como Sócrates queria extrair sempre mais conhecimento, acreditando que cada pessoa teria mais dentro de si, Sócrates lançava um novo questionamento, justamente no momento em que o interlocutor acreditava que sabia tudo, que havia chegado a uma conclusão. A pessoa partia do zero, novamente não sabia de nada, de novo teria que supor, indagar-se até uma nova conclusão, que possivelmente seria também derrubada com um novo argumento socrático.”

 

 

“Na história da humanidade e, mais precisamente, na história da filosofia, é possível observar que os filósofos sempre foram contestadores e ao mesmo tempo instigadores. Sempre contestaram o senso comum, o óbvio, as maiorias. Por meio dessa contestação, sempre instigaram a reflexão, a crítica e o questionamento de verdades, muitas vezes impostas, consideradas incontestáveis.

Imbuídos dessa postura contestadora, o filósofo acaba por se tornar indesejado para a sociedade, pois chama a atenção para as ideologias, para a estrutura social que envolve a política, a economia, a cultura, a educação, dentre outros elementos sociais.

O debate proposto pelos filósofos tende a “desmascarar” essas estruturas que são construídas, na maioria das vezes, por discursos que pressupõem uma dominação social e ideológica. Nesse sentido, o filósofo propõe uma nova visão sobre aquilo que está sendo debatido ou, ao menos, observado por ele.

Ainda que muitos não reconheçam, ser filósofo é criar novas concepções e diretrizes de pensamento, como um guia que direciona o olhar do outro para a reflexão e contém ideias pioneiras que despertam o indivíduo, um grupo ou a sociedade para um outro olhar – um olhar mais crítico, profundo, tenaz e contumaz sobre as coisas materiais, espirituais, sociais e científicas que se inter-relacionam na composição e atuação do ser humano como sujeito em si e cidadão.

Não há exagero em considerar que é dever do filósofo estar atento a todo movimento do sujeito, da sociedade (com todos os seus elementos) e da ciência, bem como ensinar as pessoas a serem críticas, a refletirem sobre esses movimentos. O filósofo tem o dever de conduzir os seres humanos do senso comum a uma consciência crítica que perpassa as questões práticas do dia a dia, como o consumo, o trabalho, as relações, até temas como política e ideologias.

Em uma sociedade como a nossa, que apresenta inúmeras injustiças sociais, com uma política consumida pela corrupção, com uma mídia que favorece a alienação e transforma a população em massa de manobra a serviço daqueles que estão no poder, com um dinamismo econômico e social que reduz o trabalhador à sua função e a um consumo voraz, é fundamental que o filósofo se faça cada vez mais presente.

Ressaltamos que a ausência do pensamento crítico dos indivíduos colabora para a deterioração da sociedade, uma vez que ideologias dominantes exercem seu poder sobre o povo. O filósofo não pode ser ignorado. Precisa ser visto como profissional capaz de construir a crítica do homem na sociedade, de conduzir o homem a seu próprio pensamento crítico.

Uma vez mais reafirmamos: o filósofo não renuncia ao pensamento crítico e, ao não fazê-lo hoje em nossa sociedade, possibilita àqueles que o observam, que o escutam e, principalmente, que aprendem com ele a traçar seu próprio horizonte reflexivo.”

 

 

“Os métodos científicos e as perguntas em torno deles passaram a ser objetos de estudo da filosofia da ciência. Embora haja várias ciências e vários métodos, a estrutura lógica do método científico apresenta algumas etapas comuns, conforme apontam Lakatos e Marconi (1991)*: a colocação do problema (questão levantada que o conhecimento disponível ainda não responde); a formulação de hipótese (solução ou um conjunto de soluções que possam servir como respostas a serem testadas para solucionar o problema); testes (conjunto de testes que avaliarão as hipóteses); conclusão (resultados sobre os testes aplicados que comprovarão a resolução do problema, ou até mesmo a criação de alguma teoria).”

*: A autora citou, mas também não referenciou a obra.

 

 

“Outro filósofo contemporâneo que traz novos elementos para a discussão da ética é Gilles Lipovetski (A sociedade pós-moralista, 2005). Analisando a nossa sociedade atual, o filósofo francês afirma que os valores de hoje mudaram, o que fez mudar a moral. Na contemporaneidade, que Lipovetski chama de pós-modernidade, o bem passou a ter a ideia de bem-estar, quando não um bem-estar social. O homem ético não tem mais o dever moral diante da sociedade como tinha na Modernidade, muito menos o dever religioso que tinha no período medieval. Na pós-modernidade, seu dever é para com o seu bem-estar. O individualismo, o consumo, o apelo da mídia, o narcisismo são elementos que Lipovetski (2005, p. 127) traz para sua discussão:

No momento em que impera o culto do ego é que os valores da tolerância triunfam; no momento em que perece a escola do dever, o ideal do respeito aos outros atinge sua consagração suprema. A consciência individualista é uma mescla de indiferença e repugnância pela violência, de relativismo e universalismo, de incerteza e imposição absoluta dos direitos do homem, de abertura às diferenças “dignas de consideração” e recusa às diferenças “inadmissíveis”.

O sujeito ético da pós-modernidade é individualista no sentido de que é guiado por suas próprias escolhas. Não mais se guia pelo dever, mas por um querer, por isso a busca pelos seus direitos, por isso a indiferença e indignação ou não a essa ou aquela situação.

Esse novo cenário é estimulado pela mídia que, segundo Lipovetski (2005, p. 110), também exerce um papel ético:

Agora, os “empresários da moral” não são apenas as associações caritativas e humanitárias, mas também as redes de TV e os astros da mídia. Quanto mais se depaupera a religião do dever, mais consumimos generosidade; quanto mais os valores individuais ganham terreno, mais proliferam e alcançam recordes de audiência as encenações midiáticas das boas causas.”

 

 

“Na tradição do conhecimento filosófico, chamamos de estética o campo que estuda a natureza do belo e suas manifestações na arte. O fundamental em uma reflexão estética é o entendimento sobre a valoração humana no que diz respeito às suas experiências sensoriais e à produção de sentimentos gerados pela percepção de fenômenos estéticos naturais ou criados pelo ser humano como a arte e, consequentemente, o próprio conceito de arte. (...)

O que é o belo? A beleza e a feiura estão nos objetos do mundo ou são apenas julgamentos feitos por sujeitos exteriores a eles? É possível uma apreciação estética do feio? Por que as pessoas gostam da representação de coisas desagradáveis, como peças trágicas ou filmes de violência e terror? Esse tipo de discussão acaba sendo central na estética e na filosofia da arte, desde a filosofia clássica até a contemporânea.

 

4.2.1 Estética e filosofia clássica

A preocupação com uma noção verdadeira da beleza remonta aos pensadores clássicos da Grécia Antiga, inicialmente com Sócrates, que entendia o belo como intimamente relacionado à utilidade do objeto em questão. Para o filósofo grego, o objeto em questão deve ser útil e ter uma boa funcionalidade para aquilo que foi construído: o que é útil é belo, e o que é belo é útil. Essa noção socrática do belo é perceptível em diálogos como Hípias maior (1980), na obra A República, de Platão, em que o discípulo de Sócrates afirma que seria feio um olho que não pudesse enxergar ou um corpo humano incapaz de desempenhar atividades físicas (Platão, 1980). A mesma discussão pode ser observada no texto Ditos e feitos memoráveis de Sócrates, escrito por Xenofonte, em que Sócrates afirma que um cesto de lixo pode ser belo, enquanto um escudo de ouro pode ser feio. Se o cesto de lixo é adequado para cumprir sua função, é belo, e se o escudo de ouro se apresenta pesado demais para cumprir a sua função, seria feio (Sócrates, 1987).

Enquanto para Sócrates um objeto belo é aquele que desempenha adequadamente sua função, para seu discípulo Platão, a noção de belo se torna um tanto diferente. Para Platão, o belo passa a ser uma característica não acessível pelos sentidos, mas passível de ser apreendida de forma sensível, entretanto, apenas possível de ser compreendida pela intelecção (Nougué, O belo e a arte segundo Platão, 2013). O belo só pode ser em si no mundo das ideias, como o justo, o verdadeiro e o bem.

Em sua obra A República, Platão critica os artistas (pintores, escultures, poetas e atores) por acreditar que esses indivíduos, sendo miméticos (mimesis em grego, ou “imitação”), faziam cópias imperfeitas das coisas, inferiores em sua verdade. Se o nosso mundo sensível já é imperfeito e os objetos menos verdadeiros que no mundo das ideias, as obras de arte seriam então menos verdadeiras ainda.

O belo não pode ser criado, pois existe por si mesmo no mundo das ideias, e a obra de arte é apenas imitação. Para Platão, os artistas, além de serem reprodutores de cópias imperfeitas, eram criadores de obras que mexem com as sensações e as emoções do homem, confundindo então sua capacidade intelectiva e racional (Nougué, 2013).

Aristóteles concorda que a obra de arte é uma cópia, que é mimética que produz efeitos. Porém, o estagirita discorda do papel da arte para a polis (cidade) conferido por Platão, acredita no efeito positivo da poesia, do teatro, das artes plásticas e de outras formas de representação (Nougué, 2013).

Aristóteles distingue dois tipos de arte: as que imitam a natureza (mas que podem abordar o que é impossível) e as que têm utilidade prática. Aristóteles trouxe uma noção importante para a estética: de que não apenas o belo e o alegre podem ter um valor artístico, mas também o feio e o triste. Por isso, o filósofo afirma que, ao assistir peças trágicas, como Édipo Rei*, as pessoas gostam e se entretêm com obras dessa natureza porque causam uma sensação de terror ligada a uma sensação de piedade e, ao fim da peça, uma limpeza, um alívio de tensões. Isso é o que ele chama de catarse (em grego katharsis, que significa “purificação”) (Aristóteles, Poética, 2008).”

* Peça clássica de Sófocles que retrata a história de um homem que acaba por matar seu pai, se casar com uma mulher sem saber que ela é a sua mãe. Ao descobrir, esses eventos, arranca os próprios olhos.

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