Editora: Boitempo
Tradução, organização, notas e índice
onomástico: Yuri Martins Fontes
ISBN:
978-85-7559-181-9
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 232
“Antes de tudo, que espiritualização é a que
se deseja? Se a civilização capitalista, em sua decadência – semelhante em
tantos aspectos à civilização romana –, renuncia a seu próprio pensamento
filosófico e abdica de sua própria certeza científica para buscar em ocultismos
orientais e metafísicas asiáticas algo como um entorpecente, então o melhor
sinal de saúde e potência do socialismo, como princípio de uma nova
civilização, será sem dúvida a resistência a todos esses êxtases
espiritualistas. Diante do retorno da burguesia, decadente e ameaçada, a
mitologias que não a inquietaram em sua juventude, a afirmação mais sólida da
força criadora do proletariado será o completo repúdio e o risonho desprezo
pelas angústias e pesadelos de um espiritualismo de menopausa.”
“Conquistar a juventude não deixa de ser uma
das necessidades mais evidentes e atuais dos partidos revolucionários. Mas com
a condição de que os jovens saibam que amanhã caberá a eles cumprir sua missão,
sem os álibis da juventude, com responsabilidade e capacidade de homens.”
“O segredo de Lenin está precisamente em ter
prosseguido em seu trabalho de crítica e preparação sem deixar que seu empenho
se afrouxasse depois da derrota de 1905 – época de pessimismo e desalento. Marx
e Engels produziram a maior parte de sua obra – grande por seu valor espiritual
e científico – independentemente de sua eficácia revolucionária em tempos que
não eram de insurreições iminentes, como eram os primeiros a ponderar. Nem a
análise os fazia se inibir diante da ação, nem a ação os inibia diante da
análise.”
“Berl não quer que o intelectual seja um
homem de partido. Tem, assim como Julien Benda, a idolatria do clerc*. E nisso levam vantagem sobre ele
esses surrealistas contra os quais não economizam críticas e ironias. E não
apenas os jovens surrealistas, mas também o velho Bernard Shaw, que, embora
fabiano e heterodoxo, declarou na mais solene ocasião de sua vida: “Karl Marx
fez de mim um homem”.
Berl pensa que o primeiro valor da
inteligência, nesta época de transição e crise, deve ser a lucidez. Contudo, o
que na verdade é dissimulado por suas preocupações é a tendência intelectual de
se esquivar da luta de classes, a pretensão de se manter au-dessus de la mêlée**. Todos os intelectuais que reconhecem como
seu o estado de consciência de Emmanuel Berl aderem abstratamente à Revolução,
mas se detêm diante da Revolução concreta. Repudiam a burguesia, mas não se
decidem a marchar ao lado do proletariado. No fundo dessa atitude, agita-se um
desesperado egocentrismo. Os intelectuais desejariam substituir o marxismo –
por demais técnico para uns e por demais materialista para outros – por uma
teoria própria. Um literato mais ou menos ausente da história e mais ou menos
estranho à Revolução em ato imagina-se suficientemente inspirado para fornecer
às massas uma nova concepção de sociedade e política. Como as massas não lhe
dão de imediato grande crédito – preferindo continuar com o método
marxista-leninista, sem esperar pelo milagroso descobrimento –, o literato
acaba por se desgostar do socialismo e do proletariado, uma doutrina e uma
classe que ele mal conhece e das quais só se aproxima com todos os seus
preconceitos de universidade de restaurante ou de cafés. Como escreve Berl:
O drama do intelectual contemporâneo é que gostaria de ser
revolucionário, mas não consegue. Sente a necessidade de chacoalhar o mundo
moderno, emaranhado nas redes dos nacionalismos e das classes, sente a
impossibilidade moral de aceitar o destino dos trabalhadores da Europa...
(um destino mais inaceitável talvez que o de
qualquer outro grupo humano em qualquer período da história)
...porque, se a civilização capitalista não os condena necessariamente à
miséria integral em que Marx os via lançados, por outro lado não lhes pode
oferecer nenhuma justificativa para sua existência, no tocante a um princípio
ou a uma finalidade qualquer.
Os preconceitos de universidade, de
restaurante e de cafés exigem que se flerte com os evangelhos do
espiritualismo; impõe o gosto pelos mágicos e pelo obscuro; restituem um
sentimento misterioso e sobrenatural ao espírito. E é lógico que esses
sentimentos venham a estorvar a aceitação do marxismo. Mas é um absurdo
enxergar neles outra coisa além de um humor reacionário, do qual não se deve
esperar nenhuma cooperação ao esclarecimento dos problemas da Inteligência e da
Revolução.”
*: Do francês: douto, intelectual.
** Expressão francesa: “acima da confusão”.
(N. E. P.)
“A heresia individual é infecunda. Em geral,
a sorte da heresia depende de seus elementos ou de suas possibilidades de se
tornar dogma, de se incorporar num dogma. O dogma é entendido aqui como a
doutrina de uma transformação histórica e, assim, enquanto a transformação se
opera, isto é, enquanto ele não se torna um arquivo ou um código de uma
ideologia do passado, nada garante como o dogma a liberdade criadora, a função
germinal do pensamento. Em sua especulação, o intelectual precisa se apoiar em
uma crença, em um princípio que faça dele um fator da história e do progresso.
É nesse instante que sua potência de criação pode trabalhar com a máxima
liberdade permitida por seu tempo. Shaw tem essa intuição quando diz: “Karl
Marx fez de mim um homem, o socialismo fez de mim um homem”. O dogma não
impediu que Dante, em sua época, fosse um dos maiores poetas de todos os
tempos; o dogma, se assim prefere chamá-lo, ampliando a acepção do termo, não impediu
que Lenin fosse um dos maiores revolucionários e um dos maiores estadistas. Um
dogmático como Marx ou como Engels influi nos acontecimentos e nas ideias mais
do que qualquer grande herético ou qualquer grande niilista. Somente esse fato
deveria anular toda a apreensão e todo o temor em relação à limitação do
dogmático. A posição marxista, para o intelectual contemporâneo, não é
utopismo, mas sim a única posição que oferece uma via de liberdade e avanço. O
dogma tem a utilidade de um roteiro, de uma carta geográfica: é a única
garantia de não se repetir duas vezes o mesmo percurso com a ilusão de estar
avançando e de não ficar preso por falta de informação em nenhum caminho sem
saída. O livre-pensador, em geral, resolutamente se condena à mais estreita das
servidões: sua especulação rodopia a uma velocidade louca, mas inútil, em torno
de um ponto fixo. O dogma não é um itinerário, mas uma bússola na viagem. Para
pensar com liberdade, a primeira condição é abandonar a preocupação com a
liberdade absoluta. O pensamento tem uma necessidade estrita de rumo e de
objeto. Pensar corretamente é, em grande medida, uma questão de rumo e de
órbita.”
“Mas as razões substanciais das atuais
impotência e ineficácia da Liga das Nações não são sua juventude nem sua insipiência.
Elas procedem da causa geral da decadência e do desgaste do regime
individualista. A posição histórica da Liga das Nações é, precisa e exatamente,
a mesma posição histórica da democracia e do liberalismo. Os políticos da
democracia trabalham por um acordo, por um compromisso entre a ideia
conservadora e a ideia revolucionária. E a Liga, congruentemente com essa
orientação, tende a conciliar o nacionalismo do Estado burguês com o
internacionalismo da nova humanidade. O conflito entre nacionalismo e internacionalismo
é a raiz da decadência do regime individualista. A política da burguesia é
nacionalista; sua economia é internacionalista. A tragédia da Europa consiste
justamente em estarem renascendo paixões e estados de ânimo nacionalistas e
guerreiros, nos quais encalham todos os projetos de assistência e cooperação
internacional encaminhados para a reconstrução europeia.”*
*: Texto de 1925, que prognosticava
lugubremente a 2ª Guerra.
“Na prática, os liberais e os conservadores
não se diferenciam em nada. A palavra liberal, em sua acepção e uso burgueses,
é uma palavra vazia. A função da burguesia já não é liberal, mas conservadora.”
“O obscurecimento do bom-senso ocidental não
é uma causa da crise, mas um de seus sintomas, de seus efeitos, de suas
expressões.”
“Os Estados Unidos, mantendo uma atitude
imperialista, cumprem seu destino histórico. O imperialismo – como disse Lenin
em um panfleto revolucionário – é a última etapa do capitalismo. E, como disse
Spengler em uma obra filosófica e científica, é a última estação política de
uma cultura. Os Estados Unidos são, mais do que uma grande democracia, um
grande império. A forma republicana nada significa. O crescimento capitalista
dos Estados Unidos tinha de desembocar em um final imperialista. O capitalismo
estadunidense não pode mais se desenvolver dentro dos limites dos Estados
Unidos e de suas colônias. Manifesta, por isso, uma grande força de expansão e
de domínio. Wilson, de maneira nobre, quis combater por uma nova liberdade;
mas, na verdade, combateu por um novo império. Uma força histórica, superior a
seus desígnios, empurrou-o à guerra. A participação dos Estados Unidos na
guerra mundial foi ditada por um interesse imperialista. Exaltando eloquente e
solenemente seu caráter decisivo, o verbo de Wilson serviu à afirmação do
Império. Os Estados Unidos, ao decidirem o êxito da guerra, converteram-se
repentinamente em árbitros da sorte da Europa. Seus bancos e fábricas
resgataram as ações e os títulos estadunidenses que a Europa possui. E, em seguida,
começaram a acumular ações e títulos europeus. A Europa passou da condição de
credora à de devedora dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos foi acumulada mais
da metade do ouro do mundo. Tendo alcançado esses resultados, os ianques
sentiram instintivamente a necessidade de defendê-los e melhorá-los. Para
tanto, precisaram licenciar Wilson. O verbo de Wilson os embaraçava e
incomodava. O programa wilsoniano, útil em tempos de guerra, resultava
inoportuno em tempos de paz. A nova liberdade proposta por Wilson
convinha a todo mundo, menos aos Estados Unidos. Assim, os republicanos
voltaram ao poder. (...)
Porém, é certo que, se os Estados Unidos são
um império, são também uma democracia. Bem. Mas, atualmente, o que prevalece
nos Estados Unidos é o império. Os democratas representam mais a democracia; os
republicanos representam mais o império. Portanto, é natural e lógico que as
eleições tenham sido ganhas pelos republicanos, e não pelos democratas.
O império ianque é uma realidade mais
evidente – com mais contraste – do que a democracia ianque. Esse império ainda
não tem muito perfil de que vá dominar o mundo com seus soldados; mas sim de
que vai dominá-lo com seu dinheiro. E um império, hoje em dia, não precisa de
mais do que isso. A organização ou a desorganização do mundo, nesta época, é
mais econômica que política. O poder econômico confere poder político. Ali onde
os impérios antigos desembarcavam seus exércitos, aos impérios modernos basta
desembarcar seus banqueiros. Os Estados Unidos possuem atualmente a maior parte
do ouro do mundo. São uma nação com abundância de ouro convivendo com nações
desmonetarizadas, exaustas e quase mendicantes. Assim, podem ditar-lhes sua
vontade em troca de um pouco de ouro.”
“Trotski
Trotski não é apenas um protagonista, mas
também um filósofo, um historiador e um crítico da Revolução. Naturalmente,
nenhum líder da Revolução pode carecer de uma visão panorâmica e certeira de
suas raízes e sua gênese. Lenin, por exemplo, distinguiu-se por uma singular
faculdade de perceber e entender a direção da história contemporânea e o
sentido de seus acontecimentos. Contudo, os penetrantes estudos de Lenin não
abarcaram senão as questões políticas e econômicas. Trotski, ao contrário,
interessou-se também pelas consequências da Revolução na filosofia e na arte.
Trotski polemiza com os escritores e artistas
que anunciam a chegada de una nova arte – o surgimento de uma arte proletária.
A Revolução possui uma arte própria? Trotski balança a cabeça. “A cultura –
escreve – não é a primeira fase de um bem-estar: é um resultado final.” O
proletariado gasta atualmente suas energias na luta por abater a burguesia e no
trabalho de resolver seus problemas econômicos, políticos e educacionais. A
nova ordem é ainda por demais embrionária e incipiente. Encontra-se em um
período de formação. Uma arte do proletariado não pode surgir ainda. Trotski
define o desenvolvimento da arte como o mais alto testemunho de vitalidade e
valor de uma época. A arte do proletariado não será aquela que descrever os
episódios da luta revolucionária; antes, será aquela que descrever a vida
emanada da revolução de suas criações e seus frutos Não é pois, o caso de se
falar em uma nova arte. A arte. assim como a nova ordem social, atravessa um
período de ponderações e ensaios. “A revolução encontrará na arte sua imagem
quando cessar de ser para o artista um cataclismo estranho a ele.” A arte nova
será produzida por homens de uma nova espécie. O conflito entre a realidade
moribunda e a nascente durará longos anos. Estes serão de combate e mal-estar.
Somente depois de transcorridos esses anos, quando a nova organização estiver
cimentada e assegurada, poderão existir as condições necessárias para o
desenvolvimento de uma arte do proletariado. Quais serão os traços essenciais
da arte futura? Trotski formula algumas previsões. A arte futura será, em sua
opinião, “inconciliável com o pessimismo, com o ceticismo e com todas as outras
formas de prostração intelectual. Estará cheia de fé criadora, cheia de uma fé
sem limites no porvir”. Certamente, essa não é uma tese arbitrária. A
desesperança, o niilismo e a morbidez, que em diversas doses a literatura
contemporânea contém, são sinais característicos de uma sociedade fatigada,
esgotada e decadente. A juventude é otimista, afirmativa e alegre; a velhice é
cética, negativa e rabugenta. A filosofia e a arte de uma sociedade jovem
terão, por conseguinte, um acento diferente da filosofia e da arte de uma
sociedade senil.
O pensamento de Trotski, por esses caminhos, envereda
por outras conjunturas e interpretações. Os esforços da cultura e da
inteligência burguesas estão dirigidos principalmente para o progresso da
técnica e do mecanismo de produção. A ciência é aplicada, sobretudo, à criação
de um maquinismo cada dia mais perfeito. Os interesses da classe dominante são
adversos à racionalização da produção; e são adversos, por fim, à
racionalização dos costumes. As preocupações da humanidade são, portanto, antes
de tudo, utilitárias.
Os ideais de nossa época são o lucro e a
poupança. A acumulação de riquezas aparece como a maior finalidade da vida
humana. E então. A nova ordem, a ordem revolucionária, racionalizar e humanizar
os costumes. Resolverá os problemas que, devido à sua estrutura e função, a
ordem burguesa é impotente para solucionar. Consentirá a libertação da mulher
da servidão doméstica; assegurará a educação social para as crianças; libertará
o matrimônio das preocupações econômicas. O socialismo, em suma, tão satirizado
e acusado de materialista, vem a ser, desse ponto de vista, uma reivindicação,
um renascimento de valores espirituais e morais – oprimidos pela organização e
pelos métodos capitalistas. Se na época capitalista prevaleceram ambições e
interesses materiais, na época proletária suas modalidades e instituições se
inspirarão em interesses e ideais éticos.
A dialética de Trotski nos conduz a uma
previsão otimista do porvir do Ocidente e da humanidade. Spengler anuncia a
decadência total do Ocidente. O socialismo, segundo sua teoria, não é mais que uma
etapa da trajetória da civilização. Trotski constata unicamente a crise da
cultura burguesa, a transposição da sociedade capitalista. Essa cultura e
sociedade envelhecidas, enfastiadas, desaparecem; e uma nova cultura e
sociedade emergem de suas entranhas. A ascensão de uma nova classe dominante –
muito mais extensa em suas raízes e mais vital em seu conteúdo do que a
anterior – renovará aumentará as energias mentais e morais da humanidade. O
progresso da humanidade aparecerá então dividido nas seguintes etapas
principais: Antiguidade (regime escravista); Idade Média (regime de servidão);
Capitalismo (regime de salários): Socialismo (regime de igualdade social). Os
vinte, trinta ou cinquenta anos que durará a revolução proletária, diz Trotski,
marcarão uma época de transição.
Mas esse homem que tão sutil e profundamente
teoriza é o mesmo que discursava e passava em revista o Exército Vermelho?
Algumas pessoas não conhecem senão o Trotski de perfil marcial de tantos
retratos e caricaturas. O Trotski do trem blindado, o Trotski ministro da
Guerra e generalíssimo, o Trotski que ameaça a Europa com uma invasão
napoleônica. E esse Trotski, na verdade, não existe. É quase unicamente uma
invenção da imprensa. O Trotski real, o Trotski verdadeiro, é aquele que nos
revelam seus escritos. Um livro fornece sobre um homem uma imagem sempre mais
exata e verídica do que um uniforme. Um generalíssimo não pode filosofar tão
humana e humanitariamente. Vós podei imaginar Foch, Ludendorff ou Douglas Haig
com a atitude mental de Trotski?
A ficção do Trotski marcial, do Trotski
napoleônico, procede de um só aspecto do rol desse célebre revolucionário da
Rússia dos sovietes: o comando do Exército Vermelho. Como é notório, Trotski
ocupou primeiramente o Comissariado de Negócios Estrangeiros. Porém, o final
enviesado das negociações do Tratado de Brest-Litovski* obrigou-o a abandonar
esse ministério. Trotski quis que a Rússia se opusesse ao militarismo alemão
com uma atitude tolstoiana**: que rechaçasse a paz que lhe era imposta e cruzasse
os braços, indefesa diante do adversário. Lenin, com maior sensibilidade
política, preferiu a capitulação. Transladado ao Comissariado de Guerra,
Trotski recebeu o encargo de organizar o Exército Vermelho. Nessa função,
Trotski mostrou sua capacidade de organizador e realizador. O exército russo
estava dissolvido. A queda do czarismo, o processo da revolução e a liquidação
da guerra produziram seu aniquilamento. Os sovietes careciam de elementos para
reconstruí-lo. Apenas sobraram dispersos alguns materiais bélicos. Os chefes e
oficiais monarquistas, por causa de sua evidente disposição reacionária, não
podiam ser utilizados. Momentaneamente, Trotski tratou de se servir do auxilio
técnico das missões militares aliadas, explorando o interesse da Entente em
recuperar a ajuda da Rússia contra a Alemanha. Mas essas missões desejavam,
antes de tudo, a queda dos bolcheviques. E, se fingem fazer um pacto com eles,
era para melhor miná-los. Nas missões aliadas, Trotski encontrou somente um
colaborador leal: o capitão Jacques Sadoul, membro da embaixada francesa que
acabou por aderir à Revolução, fascinado por seus ideais e por seus homens. Os
sovietes, por fim, tiveram de expulsar da Rússia os diplomatas e militares da
Entente. E, dominando todas as dificuldades, Trotski chegou a criar um poderoso
exército, que defendeu vitoriosamente a Revolução dos ataques de seus inimigos
externos e internos. O núcleo inicial desse exército foram 200 mil voluntários
da vanguarda e juventude comunistas. Contudo, no período de maior risco para os
sovietes, Trotski comandou um exército de mais de 5 milhões de soldados.
E, assim como o seu ex-generalíssimo, o
Exército Vermelho é um caso novo na história militar do mundo. É um exército
que sente seu papel de exército revolucionário e não se esquece que seu fim é a
defesa da Revolução. Dentre suas motivações, finalmente, está excluído todo
sentimento específico e marcialmente imperialista. Sua disciplina, organização
e estrutura são revolucionárias. E talvez, enquanto o generalíssimo escrevia um
artigo sobre Romain Rolland, os soldados evocassem Tolstói ou lessem
Kropotkin.”
* Tratado de paz assinado entre o governo
bolchevique e as potências centrais (a Bulgária e os impérios alemão,
austro-húngaro c otomano) na cidade de mesmo nome, hoje simplesmente Brest (na
Bielorrússia). (N. T.)
** Na velhice, o escritor Leon Tolstoi
tornou-se pacifista, pregando uma vida simples e próxima da natureza. (N.T)
“A uma revolução não se pode exigir tribunais
nem códigos-modelo. A revolução formula os princípios de um novo direito; mas
não codifica a técnica de sua aplicação.”
“Ortega y Gasset diz que a juventude “poucas
vezes tem razão no que nega, mas sempre tem razão no que afirma”. A isso se
poderia acrescentar que a força propulsora da história são as afirmações, e não
as negações.”
“Não se pode predizer uma revolução segundo
prazos fixos – e, sobretudo, uma revolução não acontece de um só golpe. É uma
obra de multidões. É uma obra da história. Os comunistas sabem bem disso. Sua
teoria e sua práxis se formaram na escola e na experiência do materialismo
histórico. Portanto, não é provável que se alimentam de ilusões.”
“Em sua vaidosa juventude, a civilização
ocidental tratou os povos orientais altaneira e desdenhosamente. O homem branco
considerou necessário, natural e lícito seu domínio sobre o homem de cor. Usou
as palavras oriental e bárbaro como equivalentes. Pensou que
apenas o que era ocidental era civilizado. A exploração e a colonização do
Oriente nunca foram ofício de intelectuais, mas de comerciantes e guerreiros.
Os ocidentais desembarcavam no Oriente suas mercadorias e metralhadoras, mas
não suas organizações nem suas aptidões espirituais para pesquisa,
interpretação e entendimento. O Ocidente se preocupou em consumar a conquista
material do mundo oriental; mas não em buscar sua conquista moral. E assim o
mundo oriental conservou intactas sua mentalidade e sua psicologia. Até hoje
seguem frescas e vitais as raízes milenares do islamismo e do budismo. O hindu*
ainda veste seu velho khaddar. O japonês – que é o mais saturado de
ocidentalismo dentre os orientais – guarda algo de sua essência samurai.”
*: Note-se que Mariátegui, por vezes,
refere-se ao indiano como hindu, no sentido mais amplo dessa
denominação, a qual também, mais estritamente, pode ser usada para designar os
hinduístas (seguidores do hinduísmo) – ainda que na Índia haja diversas outras
religiões minoritárias, como o islamismo. (N. T.)
“O utopista não é um verdadeiro
revolucionário, por mais subversivas que sejam suas ações contra a ordem.” (Henri
Barbusse)
“O problema de hoje é mundial. Nenhum povo
pode encontrar sua saúde separando-se dos outros. Ou salvam-se todos juntos ou
desaparecem juntos.” (Romain Rolland)
“Mas, se a democracia burguesa não efetivou o
feminismo, criou involuntariamente as condições e premissas morais e materiais
para sua realização. Valo rizou a mulher como elemento produtor – como fator
econômico – ao fazer seu trabalho ter a cada dia um uso mais amplo e intenso. O
trabalho muda radicalmente a mentalidade e o espírito femininos. Em virtude do
trabalho, a mulher adquire uma nova noção de si mesma. Antigamente, a sociedade
destinava a mulher ao matrimônio ou ao concubinato. Atualmente, destina-a antes
de tudo ao trabalho. Esse fato modificou e elevou a posição da mulher na vida.
Os que contestam o feminismo e seus progressos com argumentos sentimentais ou
tradicionalistas têm a pretensão de que a mulher seja educada apenas para o
lar. Na prática, porém, isso significa que ela deveria ser educada somente para
as funções de fêmea e mãe. A defesa da poesia do lar, na realidade, é uma
defesa da servidão da mulher. Em vez de enobrecer e dignificar o papel da
mulher, isso o diminui e rebaixa. A mulher é algo mais do que uma mãe ou uma
fêmea, assim como o homem é algo mais do que um macho.
O tipo de mulher que vier a produzir uma
civilização nova tem de ser substancialmente diferente daquele que formou a
civilização que ora declina. Em um artigo sobre a mulher e a política, examinei
assim alguns aspectos desse tema:
Aos trovadores e apaixonados pela frivolidade feminina, não faltam
razões para se inquietar. O tipo de mulher criado por um século de refinamento
capitalista está condenado à decadência e à superação. Um literato italiano –
Pitigrilli – classifica esse tipo de mulher contemporânea como um mamífero de
luxo.
Mas, bem, esse mamífero de luxo tende a se esgotar pouco a pouco. À
medida que o sistema coletivista substituir o sistema individualista, decairão
o luxo e a elegância femininos. A humanidade perderá alguns mamíferos de luxo;
mas ganhará muitas mulheres. Os trajes da mulher do futuro serão menos caros e
suntuosos; mas a condição dessa mulher será mais digna. E o eixo da vida
feminina será deslocado do individual ao social. A moda, então, já não
consistirá na imitação de uma moderna Madame de Pompadour*, adornada por
[Madame] Paquin. Mas talvez consiste na imitação de uma Madame Kollontai**. Em
suma, uma mulher custará menos, mas valerá mais.”
* Jeanne-Antoinette Poisson: cortesã francesa
do século XVIII, tida como mulher refinada, bela e fria. (N. T.)
** Alexandra Mikhailovna Kollontai:
revolucionária bolchevique e líder do movimento feminista. (N. T.)
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