Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-5972-120-1
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 272
Sinopse: Temas
como aborto, clonagem, eutanásia e fertilização in vitro têm causado muita
divergência na sociedade e inspirado opiniões, ações e comportamentos
controversos. Como se posicionar eticamente em relação a essas questões? Como
aplicar a ética na realidade em que vivemos? Para que você possa refletir
criticamente sobre tantos assuntos polêmicos da atualidade e desenvolver
posicionamentos éticos a respeito dessas questões, apresentamos nesta obra o
desenvolvimento histórico da ética e as ideias de seus principais pensadores.
“Imagine ainda que você esteja vivendo em um
país que está passando por diversas transformações políticas. Elas causam uma
série de conflitos entre policiais e civis. Em um momento de choque entre eles,
um dos manifestantes foge para dentro de sua casa para se esconder de policiais
furiosos. Tudo acontece muito rápido e você não tem oportunidade de processar
direito o que está acontecendo. O fato é que o manifestante está ali, escondido
em sua residência, quando então chega um policial e pergunta se você viu
determinado manifestante, considerado pelo policial como um fora da lei que merece
a morte. Você sabe que, se falar a verdade para o policial, ele matará o
manifestante ali mesmo, no exato momento em que o vir. O que você faria em uma
situação dessas: falaria a verdade e permitiria que o policial matasse o
manifestante ou mentiria para preservar a vida do rapaz que está escondido?
Qual valor deve prevalecer: falar a verdade ou preservar uma vida humana?
Também podemos perceber conflitos dessa
natureza, quando um pai ou uma mãe, desesperados por salvar o filho da fome,
decidem roubar; quando um soldado, cumprindo ordens, acaba tendo de puxar o
gatilho de sua arma para ferir ou matar civis; quando pessoas que passam uma
imagem de caridosas quando estão em uma igreja, mas em suas residências
demonstram ações altamente contraditórias com essa imagem e fazem com que
pessoas as julguem de maneira desonrosa; quando um ente querido está em estado
vegetativo no hospital e os médicos aconselham os familiares a desligar os
aparelhos por não haver mais esperança de recuperação da saúde do paciente por
conta de uma grave doença; quando jovens, que têm uma vida inteira pela frente;
ao terem relações sexuais, acabam engravidando e pensam na hipótese de um
aborto; quando a ciência pode curar, por meio de células-tronco embrionárias,
um indivíduo que poderia ficar tetraplégico em decorrência de um acidente, mas
seus princípios religiosos o levam crença de que tais embriões são considerados
vidas humanas e por isso não deveriam ser sacrificados; entre outros casos.
Em situações como essas, nem sempre temos uma
visão clara e precisa do que é certo ou errado ou do que realmente devemos
fazer, qual caminho devemos tomar, o que é justo ou injusto fazer. Em todas
essas circunstâncias, deparamo-nos com algum problema prático próprio da vida
humana, o qual não diz respeito apenas aos indivíduos citados, podendo envolver
inúmeras outras pessoas e a sociedade como um todo.
Diante disso, presenciamos diariamente
atitudes e comportamentos de diferentes pessoas para tentar solucionar esses
conflitos; ao mesmo tempo, há observadores que julgam esses atos e
comportamentos como bons ou maus, justos ou injustos, certos ou errados. Esse
julgamento, que é a emissão de um juízo de valor sobre situações consideradas
morais na sociedade, é uma forma de valoração que todos nós praticamos, tomando
sempre como base aquilo que entendemos e incorporamos como valor: um valor
moral.
Neste ponto, caro leitor, apresentamos uma
definição essencial que envolve a temática e servirá de base para todo o
desenvolvimento deste livro: moral é
um conjunto de normas, regras, valores e costumes que rege uma sociedade ou um
grupo de indivíduos. Essas normas, regras, valores e costumes são considerados
os parâmetros do nosso juízo sobre os fatos, os acontecimentos e os
comportamentos dos homens diante de situações como as descritas anteriormente.
O objetivo da moral é normalizar as ações dos indivíduos de um agrupamento
humano.
A moral, por se referir ao conjunto de
valores de um grupo de tem de ser pensada com base em seu caráter histórico. Em
outras palavras, assim como os diversos agrupamentos humanos variam ao longo da
história, os valores morais também se alteram. Portanto, temos uma primeira
característica da moral: ela é relativa a um grupo de indivíduos. Se o grupo
muda, a moral pode mudar também. Por isso, Adolfo Sánchez Vázquez (2014, p,
37), em seu livro Ética, afirma:
“pode-se falar da moral da Antiguidade, da moral feudal própria da Idade Média,
da moral burguesa na sociedade moderna etc. Portanto, a moral é um fato
histórico. Essa característica histórica e relativa da moral se define pelo
fato de que os seres que a produzem são históricos também, conforme ressalta o
autor:
Mas a moral é histórica precisamente porque é um modo de comportar-se de
um ser — o homem — que por natureza é histórico, isto é, um ser cuja
característica é a de estar-se fazendo ou se autoproduzindo constantemente
tanto no plano de sua existência material, prática, como no de sua vida
espiritual, incluída nesta a moral. (Vásquez, 2014,
p. 37)
Diante dessa primeira caracterização da
moral, como histórica e relativa, podemos analisar como os filósofos e
pensadores, ao longo da história, refletiram sobre o conjunto de normas,
regras, valores e costumes de cada povo, em cada contexto histórico. Ao
ponderarmos sobre essa questão, temos a definição de mais um conceito
fundamental para nossos estudos na área: ética
é uma reflexão que fazemos sobre os vários padrões morais instituídos pelas
diversas culturas e sociedades dos mais variados períodos e contextos
históricos. Ser ético, portanto, é refletir sobre os valores que permeiam as
sociedades, sejam do nosso tempo, sejam dos tempos antigos. Assim, quando
buscamos identificar os princípios e os fundamentos que estão na base dos
valores morais, quando nos questionamos sobre o porquê da existência desses
valores, estamos sendo éticos.”
“Na esfera
moral, temos conjuntos de valores e costumes cristalizados por um
agrupamento humano que são considerados válidos ou inválidos, bons ou maus,
justos ou injustos e benéficos ou maléficos para a sociedade como um todo,
tendo em vista ainda que, se os atos dos indivíduos convergem para o que é
considerado válido, são atos morais; se convergem para o que é considerado
inválido, são considerados imorais.
Na esfera
civil, os valores, os costumes e as regras morais consideradas como
fundamentais para o grupo se tornam leis.
Essas leis são fruto de uma convenção entre os indivíduos que compõem a
sociedade e são de caráter obrigatório,
válidas para todos aqueles que pertencem ao grupo, para garantir o que este
compreende como justiça, assegurando direitos considerados por ele como
fundamentais.
Com efeito, podemos afirmar que a esfera da
moralidade e a esfera civil apresentam algumas características semelhantes,
tais como: tanto uma quanto a outra se transformam em instrumentos para
alcançar o que se compreende ser justo, bom, válido, correto; ambas são fruto
de uma necessidade humana que visa a erradicar (ou ao menos diminuir) a
violência na sociedade; essas esferas, embora diferentes entre si,
caracterizam-se por serem convencionais, históricas, sociais, questionáveis e
dependem de instituições para sua preservação. Um bom exemplo disso é que os
valores da esfera moral podem ser transmitidos por meio de instituições como a família,
igrejas e escolas. Já as leis civis são asseguradas pelo Estado.
Todavia, algumas diferenças entre essas duas
esferas se sobressaem. Em primeiro lugar, podemos entender que, enquanto a moral é um instrumento informal que as sociedades utilizam para alcançar
ajustiça, a lei é um instrumento formal por excelência
criado e promulgado pelo Estado para assegurar a justiça.
Em segundo lugar, podemos falar de uma
infinidade de códigos e valores morais de uma única sociedade, como os valores
morais religiosos tão diversos que permeiam nossa nação — cristãos,
afrodescendentes, indígenas, espíritas etc. ao contrário das leis, que
apresentam um sistema jurídico único, válido para todos que pertencem a um
grupo ou uma nação. Independentemente dos valores morais religiosos que
permeiam nossa existência, temos de seguir as leis que o Estado brasileiro
impõe como obrigatórias.
Outro aspecto de distinção importante acerca
dessas duas áreas é que a moral, quando não cumprida, causa a rejeição e o afastamento do indivíduo
em relação ao grupo; já a lei, quando violada, gera mais do que uma rejeição,
gera uma punição.
Por fim, podemos afirmar também que a moral é
sempre compreendida como algo bom a ser seguido, como um direcionamento e uma
orientação para que os indivíduos do grupo cheguem à felicidade e à justiça. Já
a lei é imposta como obrigatória, e cada pessoa deve segui-la independentemente
de sua noção de felicidade.”
“Diante disso, podemos tomar as palavras de
Chaui (Convite à filosofia, 2000, p, 434) para resumir os fatores
essenciais que constituem o campo da ética e da moral:
O sujeito ético, isto é, a pessoa,
só pode existir se preencher as seguintes condições:
·
ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de
reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele;
·
ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orientar
desejos, impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em conformidade
com a consciência) e de capacidade para deliberar e decidir entre várias
alternativas possíveis;
·
ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os
efeitos e consequências dela sobre si e sobre os outros, assumi-la bem como às
suas consequências, respondendo por elas;
·
ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus
sentimentos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o
forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa. A liberdade
não é tanto o poder para escolher entre vários possíveis, mas o poder para
autodeterminar-se, dando a si mesmo as regras de conduta. [grifo do original]
“Em Sócrates, devemos entender que o termo
alma (psyché) é a própria consciência humana; trata-se de nossa faculdade intelectual e moral. Nesse
sentido, a alma diz respeito a nossa habilidade de compreender. Sócrates
procurou, durante muito tempo, compreender qual era a essência do homem, até
que chegou à conclusão de que o homem é sua alma. Ela é que permite a virtude
(em grego, areté), isto é, a
realização do melhor que pode ser alcançável pelo ser humano. Isso é assim pois
a alma, como nossa “atividade
cognoscitiva”, possibilita a nós a promoção ou a ação em favor de conhecer as
coisas como são em si mesmas. Portanto, um conceito que está intrinsecamente conectado
com o conceito de alma em Sócrates é o de virtude.
Por meio dele buscamos o conhecimento
certo e seguro (entendido como
ciência, como episteme).
Ao investigarmos a ética socrática, temos de
entender um elemento central: há uma só virtude, que, por seu turno, serve de
princípio ao conjunto de ações virtuosas. Essa virtude é o conhecimento, um
saber seguro e certo sobre si mesmo. Decorre daí o jargão “Conhece a ti mesmo”,
que se refere propriamente à virtude. Quando o ser humano comete um erro ao agir,
devemos entender esse erro, ou a ação não virtuosa, como fruto da ignorância (desconhecimento de algo).
Assim, compreendemos que é a falta de conhecimento que nos leva a agir errado.
Como forma de evitar o erro, devemos entender
que o conhecimento das essências seria, então, aquilo que nos possibilita
conhecer as coisas como realmente são, e não somente como parecem ser. O
conhecimento seguro e certo (epistemé
— ciência) é aquele tipo de saber que a alma racional alcança e por meio do
qual podemos saber o que é bem e, assim, escolher sem cair no erro.
Com base nesse conceito de alma, podemos
determinar outro conceito central para Sócrates, a saber, o de liberdade. Esse termo é entendido como
“disposição interna” (como autocontrole — enkráteia).
É aquilo que nossa alma racional nos possibilita escolher racionalmente,
prescindindo dos impulsos e das paixões. Por meio dessa disposição de
autodomínio, podemos nos lançar ao saber seguro e certo das essências. Por meio
da natureza racional que define o ser do homem, podemos, ou melhor, devemos —
já que estamos nos referindo ao tema da ética prescindir das paixões e dos
instintos na realização de nossas ações. Com o conhecimento de si mesmo, o homem usufrui de sua liberdade diante
das coisas do mundo, pois pode julgar a contingência das coisas mundanas em
relação àquilo que é necessário (na qualidade de essência) mediante o
autoconhecimento de sua própria essência (sua alma).
Como consequência ou resultado das ações para
o bem, mediante a virtude, que é o conhecimento alcançado pela alma racional,
temos então a felicidade. Ela é,
para Sócrates, o estado de ordem em que a alma se encontra: “0 homem age
retamente quando conhece o bem e, conhecendo-o, não pode deixar de praticá-lo;
por outro lado, aspirando ao bem, sente-se dono de si mesmo e, por conseguinte,
é feliz.” (Vázquez, 2014, p. 271-272).
Isso nos permite entender que a virtude é um
bem em si mesma. Não é a busca pela felicidade que nos leva à ação virtuosa,
mas é a própria ação realizada com base na virtude que possibilita que sejamos
felizes, ou seja, que percebamos que nossa alma está em ordem, pois ela está
buscando aquilo que é próprio dela.”
“De acordo com a concepção socrática, somente
podemos conhecer o bem mediante o alcance de nossa alma racional. É esse o
limite, é essa a condição que Sócrates coloca para fundamentar sua ética. Isso
porque somos essencialmente alma. Assim, devemos compreender que a alma se
serve do corpo (como instrumento) para praticar o bem que ela alcançou como
resultado de um conhecimento certo e seguro. Quando o corpo passa a ditar as
regras, invertemos a ordem, e as paixões e os instintos corpóreos nos fazem
(irracionalmente) admitir como bem aquilo que, na realidade, se fosse lançado
ao crivo da razão, se mostraria como equivocado.
Conforme a filosofia moral de Platão, o homem
deve compreender que sua alma racional é o meio pelo qual ele pode atingir a
redenção de sua existência, via conhecimento do mundo. A virtude é esse
conhecimento, pois diz respeito diretamente ao elemento intelectual, que é
próprio da alma do homem. Na essência humana, encontram-se dispostos elementos
de três tipos, que são desenvolvidos ou suprimidos pelo indivíduo e refletem o
seu agir, permitindo a alguns conhecer e ensinar o bem; a outros proteger e fazer
respeitar o bem; a outros, ainda, vivenciar de forma limitada o bem, sob a
influência dos tipos anteriores.
Já a filosofia moral aristotélica é tida como
uma ética eudaimônica. Foca na racionalidade, a exemplo de todas as éticas do
período, procurando estabelecer que a virtude do homem está no agir justo, ou
seja, na ação moral capaz da justa medida entre o excesso e a falta. Isso
somente é possível de ser alcançado mediante o emprego da deliberação, da
escolha e da vontade humana em cada situação particular que se apresente ao
homem.
A ética epicurista é mais um exemplo de ética
pautada na capacidade racional da alma humana. Como o epicurismo é uma
filosofia materialista, sua ética segue essa concepção e atribui a virtude ao
plano da disposição ordenada dos átomos presentes em uma forma, a saber, a
humana. A vivência dos prazeres é a virtude para o homem, que busca a ataraxia
por meio da autarquia. Nesse sentido, o indivíduo precisa saber que há uma
hierarquia dos prazeres e que necessita trilhar um caminho seguro, por meio dos
“quatro remédios”, que podem auxiliá-lo na obtenção de uma vida prazerosa.
Por fim, vimos que reconhecer-se como parte
de um plano cósmico engendrado pela razão universal (logos) é a tarefa do sábio estoico, que busca a virtude na vida de
acordo com a sua natureza, ou seja, de acordo com a racionalidade que nele
opera. A imperturbabilidade da alma (ataraxia) é o cume a ser atingindo pelo
homem virtuoso, que busca alcançá-lo por meio da eliminação das paixões
(apatia), centrado em conhecer as ações que são boas e que pode promover,
outras que são más e que não deve promover e, ainda, aquelas às quais ele deve
ser indiferente, pois estão fora do poderio humano no que diz respeito à capacidade
tanto de promovê-las quanto de evitá-las.”
“Marcada essencialmente pela conduta embasada
na religiosidade cristã, a ética medieval inaugura novos
modos de pensar e propor a moralidade. Podemos entender a inovação sob dois
aspectos, a saber, pelo abandono da cosmovisão mundana e pelo surgimento
acentuado da subjetividade (a ideia de indivíduo é fundamental na moral
medieval). No que diz respeito ao abandono da cosmovisão mundana, devemos
compreender que a ética medieval concebe a ideia de que o fim último da vida
humana (a felicidade) não está neste mundo, mas em outro plano a ser alcançado
após a vida terrena. Nesse sentido, a recompensa (ser feliz) fica vinculada à
condição de uma conduta pautada na busca pela perfeição moral (santidade), a
qual, por sua vez, estava centrada no amor a Deus.
Naquilo que se refere ao surgimento da
subjetividade, a noção de indivíduo assume uma importância jamais vista na
história do pensamento ocidental. Isso porque, na ética antiga, que também pode
ser chamada de ética pagã, prevalecia
na moral o sentido de comunidade, marcando a centralidade de pensarmos a
conduta dos sujeitos em relação intrínseca com a comunidade. Ao contrário, na
ética medieval (intitulada também de ética
cristã), há o trato da moral do ponto de vista estritamente pessoal, ou
seja, da relação entre cada indivíduo e Deus. Desse modo, a subjetividade
assume uma importância desconhecida se comparada ao período antigo.
Contudo, precisamos notar que a ética
medieval herda da filosofia moral do período grego alguns aspectos e conceitos
que são recombinados na formação da doutrina cristã. Um dos conceitos que são
centrais para ambas é a noção de virtude como melhor ação possível para o
homem. No período medieval (todo ele), a virtude
é a santidade. Trata-se de como nós,
seres humanos, buscamos agir de acordo com a vontade divina, correspondendo ao
fundamento que deve sustentar as ações do homem de bem, que, naquele momento
histórico, era entendido como sendo o cristão temente a Deus.”
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