Editora: Instituto Ludwig von Mises Brasil
Tradução: Laymert Garcia dos Santos e Fernando Fiori Chiocca (introdução)
ISBN: Opúsculo distribuído
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 27
Sinopse: Poucos
anos antes de morrer, aos 32 anos, Étienne de La Boétie (1530-1563) deixou em
testamento seus escritos a Montaigne, o qual, mais tarde, destacou os méritos
nos Ensaios
e em várias cartas, apontando este autor como um importante homem daquele
século.
O prestígio de La Boétie vem desta obra – Discurso da
servidão voluntária –, em que afirma que é possível resistir à opressão sem
recorrer à violência – a tirania se destrói sozinha quando os indivíduos se
recusam a consentir com sua própria escravidão.
Como a autoridade constrói seu poder principalmente com a
obediência consentida dos oprimidos, uma estratégia de resistência sem
violência é possível, organizando coletivamente a recusa de obedecer ou
colaborar. Foi com essa ideia que se construíram inúmeras lutas de
desobediência civil no século XX, e a mesma ideia levou, entre outros motivos,
à queda pacífica de muitas ditaduras.
“Não há infelicidade maior do que estar
sujeito a um chefe; nunca se pode confiar na bondade dele e só dele depende o
ser mau quando assim lhe aprouver. Ter vários amos é ter outros tantos motivos
para se ser extremamente desgraçado.”
“Tal é a fraqueza humana: temos frequentemente
de nos curvar perante a força, somos obrigados a contemporizar, não podemos ser
sempre os mais fortes.”
“Está na nossa natureza o deixarmos que os
deveres da amizade ocupem boa parte da nossa vida. É justo amarmos a virtude,
estimarmos as boas ações, ficarmos gratos aos que fazem o bem, renunciarmos a
certas comodidades para melhor honrarmos e favorecermos aqueles a quem amamos e
que o merecem. Assim também, quando os habitantes de um país encontram uma
personagem notável que dê provas de ter sido previdente a governá-los, arrojado
a defendê-los e cuidadoso a guiá-los, passam a obedecer-lhe em tudo e a
conceder-lhe certas prerrogativas; é uma prática reprovável, porque vão acabar
por afastá-lo da prática do bem e empurrá-lo para o mal. Mas em tais casos
julga-se que poderá vir sempre bem e nunca mal de quem um dia nos fez bem.
Mas o que vem a ser isto, afinal?
Que nome se deve dar a esta desgraça? Que
vício, que triste vício é este: um número infinito de pessoas não a obedecer,
mas a servir, não governadas mas tiranizadas, sem bens, sem pais, sem vida a
que possam chamar sua? Suportar a pilhagem, as luxúrias, as crueldades, não de
um exército, não de uma horda de bárbaros, contra os quais dariam o sangue e a
vida, mas de um só? Não de um Hércules ou de um Sansão, mas de um só indivíduo,
que muitas vezes é o mais covarde e mulherengo de toda a nação, acostumado não
tanto à poeira das batalhas como à areia dos torneios, menos dotado para
comandar homens do que para ser escravo de mulheres?”
“O mais espantoso é sabermos que nem sequer é
preciso combater esse tirano, não é preciso defendermos-nos dele.
Ele será destruído no dia em que o país se
recuse a servi-lo.
Não é necessário tirar-lhe nada, basta que
ninguém lhe dê coisa alguma.
Não é preciso que o país faça coisa alguma em
favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio.
São, pois, os povos que se deixam oprimir,
que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em que
deixassem de servir.
É o povo que se escraviza, que se decapita,
que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de
liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos
os meios.
Se fosse difícil recuperar a liberdade
perdida, eu não insistiria mais; haverá coisa que o homem deva desejar com mais
ardor do que o retorno à sua condição natural, deixar, digamos, a condição de
alimária e voltar a ser homem?
Mas não é essa ousadia o que eu exijo dele;
limito-me a não lhe permitir que ele prefira não sei que segurança a uma vida
livre.
Que mais é preciso para possuir a liberdade
do que simplesmente desejá-la? Se basta um ato de vontade, se basta desejá-la,
que nação há que a considere assim tão difícil? (...)
Assim são os tiranos: quanto mais eles
roubam, saqueiam, exigem, quanto mais arruínam e destroem, quanto mais se lhes
der e mais serviços se lhes prestarem, mais eles se fortalecem e se robustecem
até aniquilarem e destruírem tudo. Se nada se lhes der, se não se lhe obedecer,
eles, sem ser preciso luta ou combate, acabarão por ficar nus, pobres e sem
nada; da mesma forma que a raiz, sem umidade e alimento, se torna ramo seco e
morto.
Os audazes, para que obtenham o que procuram,
não receiam perigo algum, os avisados não recusam passar por problemas e
privações. Os covardes e os preguiçosos não sabem suportar os males nem
recuperar o bem.”
“Mas parece que vos sentis felizes por serdes
senhores apenas de metade dos vossos haveres, das vossas famílias e das vossas
vidas; e todo esse estrago, essa desgraça, essa ruína provêm afinal não dos
seus inimigos, mas de um só inimigo, daquele mesmo cuja grandeza lhe é dada só
por vós, por amor de quem marchais corajosamente para a guerra, por cuja
grandeza não recusais entregar à morte as vossas próprias pessoas.
Esse que tanto vos humilha tem só dois olhos
e duas mãos, tem um só corpo e nada possui que o mais ínfimo entre os ínfimos
habitantes das vossas cidades não possua também; uma só coisa ele tem mais do
que vós e é o poder de vos destruir, poder que vós lhe concedestes.
Onde iria ele buscar os olhos com que vos
espia se vós não lhos désseis?
Onde teria ele mãos para vos bater se não
tivesse as vossas?
Os pés com que ele esmaga as vossas cidades
de quem são senão vossos?
Que poder tem ele sobre vós que de vós não
venha?
Como ousaria ele perseguir-vos sem a vossa
própria conivência?
Que poderia ele fazer se vós não fôsseis
encobridores daquele que vos rouba, cúmplices do assassino que vos mata e
traidores de vós mesmos?
Semeais os vossos frutos para ele pouco
depois calcar aos pés. Recheais e mobiliais as vossas casas para ele vir
saqueá-las, criais as vossas filhas para que ele tenho em quem cevar sua
luxúria.
Criais filhos a fim de que ele, quando lhe
apetecer, venha recrutá-los para a guerra e conduzi-los ao matadouro, fazer
deles acólitos da sua cupidez e executores das suas vinganças.
Matai-vos a trabalhar para que ele possa
regalar-se e refestelar-se em prazeres vis e imundos.
Enquanto vós definhais, ele vai ficando mais
forte, para mais facilmente poder refrearvos.
E de todas as ditas indignidades que os
próprios brutos, se as sentissem, não suportariam, de todas podeis
libertar-vos, se tentardes não digo libertar-vos, mas apenas querer fazê-lo.
Tomai a resolução de não mais servirdes e
sereis livres. Não vos peço que o empurreis ou o derrubeis, mas somente que o
não apoieis: não tardareis a ver como, qual Colosso descomunal, a que se tire a
base, cairá por terra e se quebrará.”
“Creio firmemente que, se nós vivêssemos de
acordo com a natureza e com os seus ensinamentos, seríamos naturalmente
obedientes ao país, submissos à razão e de ninguém escravos. (...)
Esta boa mãe deu-nos a todos a terra para nela
morarmos, albergou-nos a todos numa mesma casa, moldou-nos a todos numa mesma
massa, para assim todos podermos mirar-nos e reconhecer-nos uns nos outros; a
todos em comum outorgou o grande dom da voz e da palavra para sermos mais
amigos e mais irmãos e, pela comum e mútua declaração dos nossos pensamentos,
estabelecermos a comunhão de nossas vontades.
E pois ela buscou por todos os meios apertar
e estreitar mais fortemente os nós da nossa aliança e sociedade, e por todas as
formas mostrou mais desejar ver-nos unidos do que unos, não há dúvida de que
somos todos companheiros e ninguém poderá jamais admitir que a natureza,
integrando-nos a todos numa sociedade, tenha destinado uns para escravos.”
“Começamos a domesticar o cavalo, desde o
momento em que ele nasce, preparamo-lo para nos servir e não podemos
glorificar-nos de que, uma vez domado, ele não morde o freio e não se empina
quando o esporeamos, como se (assim parece) quisesse mostrar à natureza e
testemunhar por essa forma que serve não de boa vontade mas por ser obrigado a
servir.
Que dizer perante isto? Que
Até os bois sob o jugo andam gemendo”
“Sendo diversos os modos de alcançar o poder,
a forma de reinar é sempre idêntica.
Os eleitos procedem como quem doma touros; os
conquistadores como quem se assenhoreia de uma presa a que têm direito; os
sucessores como quem lida com escravos naturais.”
“Nunca se lastima o que não se conhece, só se
tem desgosto depois de ter gozado o prazer, depois de se ter conhecido o bem e
se recordar a alegria passada. É natural no homem o ser livre e o querer sê-lo;
mas está igualmente na sua natureza ficar com certos hábitos que a educação lhe
dá.”
“Diga-se, pois, que acaba por ser natural
tudo o que o homem obtém pela educação e pelo costume; mas da essência da sua
natureza é o que lhe vem da mesma natureza pura e não alterada; assim, a
primeira razão da servidão voluntária é o hábito: provam-no os cavalos sem rabo
que no princípio mordem o freio e acabam depois por brincar com ele; e os
mesmos que se rebelavam contra a sela acabam por aceitar a albarda e usam muito
ufanos e vaidosos os arreios que os apertam. (...)
A primeira razão que leva os homens a
servirem de boamente é o terem nascidos e sido criados na servidão. A esta
soma-se outra que é a de, sob a tirania, os homens se tornarem covardes e
efeminados.”
“Razão tinha Momo para zombar, quando
censurou o homem forjado por Vulcano, por não lhe ter feito no coração uma
janela através da qual pudessem ser vistos os seus pensamentos.”
2 comentários:
interessante, mas o número de páginas está certo, 27 ?
É só um opúsculo, mesmo.
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