Editora: Guanabara Koogan
Tradução e
apresentação: Mauro Gama
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 162
Sinopse: Este
livro é um dos mais importantes volumes da obra de Albert Camus (1913-1960).
Publicado originalmente em 1942, trata-se de um ensaio clássico do autor de “A
peste”, “A queda” e “O
estrangeiro”, sobre o absurdo e o suicídio, publicado durante a Segunda Guerra
Mundial, quando o mundo realmente parecia um absurdo. A guerra, a ocupação da
França, o triunfo aparente da violência e da injustiça, tudo opunha brutal
desmentido à ideia de um universo racional. Os deuses que condenaram Sísifo a
empurrar incessantemente uma pedra até o alto da montanha, de onde ela tornava
a cair, caracterizaram um trabalho inútil e sem esperança que podia exprimir a
situação contemporânea. “O mito de Sísifo” analisa a fundo a questão do
suicídio, assim como “O homem revoltado”, o outro polo do pensamento de Camus,
aborda a questão do assassínio. Trata-se de um ensaio de grande densidade de
linguagem, que exerceu profunda influência sobre toda uma geração.
“Só existe um problema filosófico realmente
sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é
responder à questão fundamental da filosofia.”
“Galileu, que detinha uma verdade científica
importante, abjurou-a com a maior facilidade desse mundo quando ela lhe pôs a
vida em perigo. Em certo sentido, ele fez bem. Essa verdade não valia a
fogueira. Se é a Terra ou o Sol que gira em torno um do outro é algo
profundamente irrelevante. Resumindo as coisas, é um problema fútil. Em compensação,
vejo que muitas pessoas morrem por achar que a vida não vale a pena ser vivida.
Vejo outras que paradoxalmente se fazem matar pelas ideias ou as ilusões que
lhes proporcionam uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é, ao
mesmo tempo, uma excelente razão para morrer).”
“Matar-se é de certo modo, como no melodrama,
confessar. Confessar que se foi ultrapassado pela vida ou que não se tem como
compreendê-la. Mas não nos deixemos levar tanto por essas analogias e voltemos
à linguagem corrente. É somente confessar que isso “não vale a pena”.
Naturalmente, nunca é fácil viver. Continua-se a fazer gestos que a existência
determina por uma série de razões entre as quais a primeira é o hábito. Morrer
voluntariamente pressupõe que se reconheceu, ainda que instintivamente, o
caráter irrisório desse hábito, a ausência de qualquer razão profunda de viver,
o caráter insensato dessa agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento.”
“No apego de um homem à vida há alguma coisa
de mais forte que todas as misérias do mundo.”
“Adquirimos o hábito de viver antes de
adquirir o de pensar.”
“É quase impossível ser lógico até o fim.”
“Como as grandes obras, os sentimentos
profundos sempre significam mais do que têm consciência de dizer.”
“Excetuando-se os racionalistas por
profissão, hoje já não se tem esperança do verdadeiro conhecimento. Se fosse
necessário escrever a única história significativa do pensamento humano, seria
preciso fazer a dos arrependimentos e das impossibilidades.”
“Eu dizia que o mundo é absurdo: estava
andando muito depressa. Esse mundo em si mesmo não é razoável: é tudo o que se
pode dizer a respeito.”
“O mais certo dos mutismos não é o de calar
mas o de falar”. (Kierkegaard)
“No plano da inteligência, posso pois afirmar
que o absurdo não está no homem (se semelhante metáfora pudesse ter um
sentido), nem no mundo, mas em sua presença comum. É, nesse instante, o único
laço que os une. Se pretendo me limitar às evidências disso, sei o que o homem
quer, sei o que o mundo lhe oferece e agora posso dizer que sei ainda o que os
une. Não tenho necessidade de cavar mais adiante. Uma única certeza é
suficiente àquele que procura. Trata-se apenas de lhe extrair as consequências
todas.”
“Um homem é sempre a presa de suas verdades.
Uma vez reconhecidas, ele não saberia se desligar delas. E é preciso pagar um
tanto por isso.”
“A única saída verdadeira está precisamente
ali onde não há saída conforme o julgamento humano. Do contrário, para que
teríamos nós necessidade de Deus? As pessoas só recorrem a Deus para ter o
impossível. Para o possível, os homens se bastam.” (Chestov)
“Os deuses mudam junto com os homens.”
“A história não tem falta de religiões, nem
de profetas, ainda que sem deuses.”
“É aqui que se vê a que ponto a experiência
absurda se afasta do suicídio. Pode-se acreditar que o suicídio se segue à
revolta. Mas é engano. Porque ele não representa o resultado lógico. É
precisamente o seu contrário, pelo consentimento que envolve. O suicídio, como
salto, é a aceitação em seu limite. Tudo está consumado: o homem volta à sua
história essencial. Seu futuro, seu único e terrível futuro, ele o distingue e
se precipita. À sua maneira, o suicida resolve o absurdo. Ele o arrasta na
mesma morte. Mas eu sei que, para se manter, o absurdo não pode se revolver.
Ele escapa ao suicídio à medida que é, ao mesmo tempo, consciência e recusa da
morte. É, no ponto extremo do último pensamento do condenado à morte, esse
cordão de sapato que apesar de tudo ele percebe a alguns metros, em cima da
própria margem de sua queda vertiginosa. O contrário do suicida é,
precisamente, o condenado à morte.”
“Compreendo então por que as doutrinas que me
explicam tudo me enfraquecem ao mesmo tempo. Elas me descarregam do peso da
minha própria vida e o que é mais necessário, no entanto, é que eu o suporte
sozinho.”
“Consciência e revolta: essas recusas são o
contrário da renúncia.”
“Pensar no dia de amanhã, firmar um objetivo,
ter preferências, tudo isso pressupõe a crença na liberdade, mesmo se às vezes
nos convencemos de não a sentir efetivamente. Nesse instante, porém, essa
liberdade superior, essa liberdade de ser que é a única a
poder fundamentar uma verdade, sei muito bem, agora, que ela não existe. A
morte está ali como única realidade. Depois dela, a sorte está lançada. Não sou
mais livre para me perpetuar, mas escravo, e escravo, sobretudo, sem esperança
de revolução eterna, sem refúgio no desprezo. E quem, sem revolução e sem
desprezo, pode permanecer escravo? Que liberdade, no sentido pleno pode existir
sem garantia de eternidade?”
“Sob um de seus aspectos, o nada é feito
exatamente da soma das vidas que ainda vêm e não serão as nossas.”
“Se bastasse amar, as coisas seriam muito
simples. Quanto mais se ama, mais o absurdo se consolida. Não é de modo algum
por falta de amor que Don Juan vai de mulher em mulher. É ridículo
representá-lo como um iluminado em busca do amor total. Mas é até porque ele as
ama com igual arrebatamento e a cada vez com toda inteireza, que lhe é preciso
repetir esse dom e esse aprofundamento. Por isso cada uma espera trazer-lhe o
que ninguém nunca lhe deu. A cada vez elas se enganam profundamente e só são
bem-sucedidas em lhe fazer sentir a necessidade dessa repetição. “Enfim,”
exclama uma delas, ““eu lhe dei o amor”. Vamos nos espantar com Don Juan rindo
disso: “Enfim? Não,” diz ele, “apenas uma vez mais”. Por que seria preciso amar
raramente para amar muito?”
“Só nos romances há alguém que muda de estado
ou se torna melhor.”
“Don Juan não pensa em “colecionar” as
mulheres. Ele esgota a quantidade delas e, com isso, as possibilidades de sua
vida. Colecionar é ser capaz de ficar vivendo do passado. Mas ele rejeita a
saudade, essa outra forma da esperança. Não sabe olhar os retratos.”
“Todos os especialistas da paixão nos ensinam
isso: só existe amor eterno contrariado. Quase não existe paixão sem luta. Um
amor semelhante só tem fim na última contradição que é a morte. É preciso ser
Werther ou nada.”
“Nós só chamamos amor o que nos liga a certos
seres por alusão a um modo de ver coletivo e pelo qual os livros e as lendas
são responsáveis. Mas conheço apenas, do amor, essa mescla de desejo, de
ternura e inteligência que me liga a um ser. Esse composto não é o mesmo para
um outro. Não tenho o direito de estender a todas essas experiências o mesmo
nome. O que dispensa de as levar adiante com os mesmos gestos. (...) Não há
amor generoso além daquele que se sabe ao mesmo tempo singular e passageiro.
São todas essas mortes e todos esses renascimentos que fazem para Don Juan o
feixe de sua vida. É a maneira que ele tem de dar e de fazer viver. Deixo para
ser julgado se se pode falar de egoísmo.”
“O homem cotidiano não gosta nada de perder
tempo. Tudo o impulsiona no sentido oposto. Mas, ao mesmo tempo, nada lhe
interessa mais do que ele próprio, sobretudo quanto ao que ele poderia ser.”
“A metade de uma vida humana se passa em
subentender, desviar a cabeça e se calar.”
“Não tenho muitas opiniões. No final de uma
vida, o homem percebe que passou anos se convencendo de uma única verdade. Mas
uma só, se é evidente, é bastante para a direção de uma existência.”
“Um homem é um homem mais pelas coisas que
cala do que pelas que diz.”
“Vi espíritos sensatos se maravilharem com
obras-primas de pintores holandeses nascidos no coração das sangrentas guerras
de Flandres e se comoverem com as preces dos místicos silesianos elevadas em
meio à pavorosa Guerra dos Trinta Anos. Os valores eternos, ante seus olhos
assombrados, sobrenadam acima dos tumultos seculares. Mas o tempo continuou
andando. Os pintores de hoje estão privados dessa serenidade. Mesmo se têm no
fundo o coração necessário ao criador, um coração seco, quero dizer, ele não é
de nenhuma utilidade, pois todo o mundo e o próprio santo estão mobilizados.
Eis aí, talvez, o que senti mais profundamente. A cada forma abortada nas
trincheiras, a cada traço, metáfora ou oração triturada sob as ferragens, o
eterno perde uma partida. Consciente de que não posso me separar do meu tempo,
resolvi ser unha e carne com ele. É porque não ligo muito para o indivíduo a
não ser que me pareça ridículo e humilhado. Ciente de que não há causas
vitoriosas, tomo gosto pelas causas perdidas: elas requerem uma alma inteira,
igual à sua derrota, como a suas vitórias passageiras. Para quem se sente
solidário com o destino desse mundo, o choque das civilizações tem alguma coisa
de angustiante. Fiz minha essa angústia, ao mesmo tempo que quis jogar aí minha
partida. Entre a história e o eterno escolhi a história porque gosto das
certezas. Pelo menos dela estou certo, e como negar esta força que me esmaga?
Acaba sempre chegando um tempo em que é
preciso escolher entre a contemplação e a ação. Chama-se isso tornar-se um
homem. Essas dilacerações são terríveis. Mas, para um coração orgulhoso, não
pode haver meio termo. Há Deus ou o tempo, essa cruz ou essa espada. Esse mundo
tem um sentido mais alto, que ultrapassa as suas agitações, ou não há nada
verdadeiro a não ser essas agitações. É necessário viver com o tempo e morrer
com ele ou se subtrair a ele para uma vida maior. Sei que se pode transigir e
que se pode viver no século acreditando no eterno. Isso se chama aceitar. Mas
essa palavra me repugna, e eu quero tudo ou nada. Se escolho a ação, não pense
que a contemplação me seja como uma terra desconhecida. Mas ela não pode me dar
tudo e, privado do eterno, quero me aliar ao tempo. Não quero fazer constar na
minha conta nem saudade nem amargura: só quero é ver com clareza. É como lhe
digo: amanhã você será mobilizado. Para você e para mim, isso é uma libertação.
O indivíduo não pode nada e, no entanto, pode tudo. Nessa maravilhosa
disponibilidade você compreende por que o exalto e o esmago ao mesmo tempo. É o
mundo que o tritura e sou eu que o liberto. Eu lhe forneço todos os seus
direitos.”
“Todas essas vidas conservadas no ar
rarefeito do absurdo não se saberiam sustentar sem algum pensamento profundo e
constante que as anima com sua força. Mesmo esta só pode ser um singular
sentimento de fidelidade. Viram-se homens conscientes desempenhar sua tarefa em
meio às mais estúpidas guerras sem se acreditarem numa contradição. É que se
tratava de não se esquivar a nada. Há, desse modo, uma felicidade metafísica a
sustentar a absurdidade do mundo. A conquista ou o jogo, o amor inumerável, a
revolta absurda são homenagens que o homem presta à sua dignidade numa campanha
em que ele está antecipadamente vencido.”
“A arte é nada além da arte, temos a arte
para não sermos mortos pela verdade”. (Nietzsche)
“Nunca seria demais insistir no arbitrário da
antiga oposição entre arte e filosofia. Caso se queira entendê-la em sentido
estrito, ela é inequivocamente falsa. Caso somente se queira dizer que essas
duas disciplinas têm, cada uma, seu clima particular, isso é sem dúvida
verdadeiro, mas muito vago. A única argumentação aceitável residia na
contradição suscitada entre o filósofo fechado no meio de seu
sistema e o artista colocado diante de sua obra. Mas isso valia
para uma certa forma de arte e de filosofia que nós, agora, consideramos
secundária. A ideia de uma arte separada de seu criador não se acha apenas fora
de moda. É falsa. Por oposição ao artista, observa-se que nunca nenhum filósofo
fez diversos sistemas. Mas isso é verdadeiro na mesma proporção em que nunca
nenhum artista exprimiu mais que uma só coisa sob diferentes faces.”
“A obra, portanto, encarna um drama
intelectual. A obra absurda ilustra a renúncia do pensamento a seus encantos e
sua resignação a não ser mais do que a inteligência que converte em trabalho as
aparências e cobre de imagens o que não é racional. Se o mundo fosse claro, a
arte não o seria.”
“Pensar é, antes de tudo, querer criar um
mundo (ou limitar o seu, o que vem a dar no mesmo). É partir do desacordo
fundamental que separa o homem de sua experiência para encontrar um terreno de
interpretação conforme sua nostalgia, um universo espartilhado de razões ou
aclarado de analogias que permite resolver o divórcio insuportável.”
“As pessoas se habituam muito depressa.
Querem ganhar dinheiro para viver felizes, e o máximo esforço, o melhor de uma
vida se concentram nesse ganho. A felicidade é esquecida, o meio tomado como
fim.”
“Todos os heróis de Dostoievski se interrogam
sobre o sentido da vida. É nisso que eles são modernos: não temem o ridículo. O
que distingue a sensibilidade moderna da sensibilidade clássica é que esta se
nutre de problemas morais e aquela de problemas metafísicos.”
“O único pensamento que liberta o espírito é
aquele que o deixa só, certo de seus limites e de seu fim próximo. Nenhuma
doutrina o solicita. Ele espera o amadurecimento da obra e da vida. Destacada
dele, a primeira fará ouvir uma vez mais a voz mal ensurdecida de uma alma para
sempre livre da esperança. Ou ela não fará ouvir nada, se o criador, cansado de
seu jogo, prefere se desviar. Dá no mesmo.”
“Se o mito de Sísifo é trágico, é que seu
herói é consciente. Onde estaria, de fato, a sua pena, se a cada passo em que
leva a pedra até o alto da montanha o sustentasse a esperança de ser
bem-sucedido? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas
tarefas e esse destino não é menos absurdo. Mas ele só é trágico nos raros
momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e
revoltado, conhece toda a extensão de sua condição miserável: é nela que ele
pensa enquanto desce da montanha. A lucidez que devia produzir o seu tormento
consome, com a mesma força, sua vitória. Não existe destino que não se supere
pelo desprezo.”
“Nada é mais difícil de entender do que uma
obra simbólica. Um símbolo ultrapassa sempre quem faz uso dele e o leva a dizer
mais, na realidade, do que tem intenção de dizer.”
“O coração humano tem uma penosa tendência a
chamar destino somente ao que o esmaga.”
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