Editora: Paz e Terra
ISBN: 78-0731
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 206
Sinopse: Neste
livro, Ernesto Laclau desenvolve conceitos inteiramente originais a respeito de
importantes problemas do capitalismo, do fascismo e do populismo. Seu trabalho
constitui uma fusão intelectual entre a teoria europeia e a experiência
latino-americana.
“A perspectiva teórica de André Gunder Frank
pode ser resumida nas seguintes teses:
1. É falso supor que o desenvolvimento
econômico se verifique através da mesma sucessão de etapas em todo país, ou que
as nações desenvolvidas de hoje estejam atravessando uma etapa há muito ultrapassada
pelos países desenvolvidos. Ao contrário, os países hoje desenvolvidos jamais
foram subdesenvolvidos nesses mesmos moldes, embora tenham sido, em dado
momento, não-desenvolvidos.
2. É errado considerar o subdesenvolvimento
contemporâneo como simples reflexo das estruturas econômicas, políticas,
culturais e sociais dos próprios países subdesenvolvidos. Ao contrário, o
subdesenvolvimento é, em grande parte, o produto histórico das relações entre o
satélite subdesenvolvido e os atuais países desenvolvidos. Frank afirma: “Para
extrair os frutos de seu trabalho através do comércio monopolista – já nos
tempos de Cortez e Pizarro, no México e no Peru; de Clive, na Índia; de Rhodes,
na África; da “Porta Aberta” na China – as metrópoles destruíram e/ou transformaram
totalmente os sistemas anteriores, econômica e socialmente viáveis, destas
sociedades, incorporando-as ao sistema capitalista mundial dominado desde a
metrópole, e convertendo-as em fontes da própria acumulação e desenvolvimento
das metrópoles. O destino destas sociedades conquistadas, transformadas, ou
recém-estabelecidas, era e continua sendo sua descapitalização, sua falta de
produtividade estruturalmente gerada, a crescente miséria das massas – em suma,
seu subdesenvolvimento”. (...)
Desde a conquista colonial, o capitalismo tem
sido a base da sociedade latino-americana e a origem de seu desenvolvimento;
portanto, é absurdo propor como alternativa um desenvolvimento capitalista
dinâmico. A burguesia nacional, nos casos em que existe, está tão intimamente
vinculada ao sistema imperialista e à relação de exploração metrópole-satélite
que as políticas baseadas em aliança com ela podem apenas prolongar e
aprofundar o subdesenvolvimento. A fase nacional-burguesa dos países
desenvolvidos deve, em consequência, ser eliminada ou pelo menos, abreviada, e
não prolongada, em nome da existência de uma sociedade dual.”
“Porque, para Marx – como é óbvio para
todos os que tenham um conhecimento ainda que superficial de seu trabalho – o
capitalismo era um modo de produção. A relação econômica fundamental do
capitalismo é constituída pela venda, pelo trabalhador livre, de sua força de
trabalho, cuja precondição necessária é a perda da propriedade dos meios de
produção pelo produtor direto. Nas sociedades primitivas, as classes dominantes
exploravam os produtores diretos – isto é, expropriavam o excedente econômico
por eles criado – e até comercializavam parte deste excedente a ponto de
permitir a acumulação de grandes capitais pela classe
comercial. Contudo, não se trata de capitalismo no sentido marxista do termo,
pois não havia um mercado de trabalho livre.”
“Entendemos por “modo de produção” um
complexo integrado de forças sociais produtivas e relações vinculadas a um
determinado tipo de propriedade dos meios de produção. Dentre o conjunto de
relações de produção, consideramos as que se vinculam à propriedade dos meios
de produção como sendo as relações essenciais, uma vez que determinam as formas
de canalização do excedente econômico e o grau efetivo da divisão de trabalho,
que, por sua vez, é a base da capacidade específica das forças produtivas para
se desenvolverem. Seu próprio nível e ritmo de crescimento dependem por sua vez
do destino dado ao excedente econômico. Portanto, designamos por modo de
produção a articulação lógica e mutuamente coordenada de:
1. Um determinado tipo de propriedade dos
meios de produção.
2. Uma determinada forma de apropriação do
excedente econômico.
3. Um determinado grau de desenvolvimento da
divisão do trabalho.
4. Um determinado nível de desenvolvimento
das forças produtivas.
Não se trata de uma numeração meramente
descritiva de “fatores isolados”, e sim, de uma totalidade definida por suas
conexões recíprocas. Nesta totalidade, a propriedade dos meios de produção
constitui o elemento decisivo.
Por sua vez, “sistema econômico” designa as
relações mútuas entre os diferentes setores da economia, ou entre diferentes
unidades produtivas, quer em escala regional, nacional ou mundial. Ao analisar
no volume I de O Capital, o processo de produção de mais-valia e de
acumulação do capital, Marx descreve omodo capitalista de produção. Por
outro lado, quando analisa o intercâmbio entre o Departamento 1 e o
Departamento 2 e introduz problemas como o da renda ou a origem do lucro
comercial, descreve um “sistema econômico”. Um sistema econômico pode abranger
como elementos constitutivos diferentes modos de produção – desde que o
definamos sempre como um todo, ou seja, partindo do elemento ou da lei do
movimento que estabelece a unidade de suas várias manifestações.
O modo de produção feudal é aquele em que o
processo produtivo atua segundo o seguinte padrão:
1. O excedente econômico é produzido por uma
força de trabalho sujeita à coerção econômica.
3. A propriedade dos meios de produção
permanece nas mãos do produtor direto.
No modo de produção capitalista, o excedente
também está sujeito à apropriação privada, mas diversamente do que ocorre no
feudalismo, a propriedade dos meios de produção é separada da propriedade da
força de trabalho; é isto que irá permitir a transformação da força de trabalho
em mercadoria e, com isto, o surgimento da relação salarial.”
“No final da década de 20, Ortega Y Gasset
escrevia: “O fascismo tem uma feição enigmática porque nele aparecem conteúdos
dos mais opostos. Afirma o autoritarismo e organiza a rebelião. Combate a
democracia contemporânea e, por outro lado, não crê na restauração de qualquer
regime antigo. Parece propor-se a si mesmo como a forja de um Estado forte e,
no entanto, emprega os meios que mais contribuem para provocar a sua
dissolução, como se se tratasse de uma facção destrutiva, ou de uma sociedade
secreta. Seja qual for o modo pelo qual abordemos o fascismo, descobrimos que é
ao mesmo tempo, algo e seu contrário, é A e não -A2”.”
“Por democracia não entendemos nada que tenha
uma relação necessária com as instituições parlamentares liberais. (As
ideologias popular-democráticas nos países do Terceiro Mundo frequentemente
têm-se expressado sob formas nacionalistas e anti-imperialistas que conduziram,
uma vez concluído o processo de descolonização, a regimes militares.) Desse
modo, entendemos por democracia algo mais do que medidas que
simplesmente estabeleçam a liberdade civil, a igualdade e o autogoverno para as
massas populares. Esta concepção puramente negativa da democracia surge
diretamente da filosofia liberal que, ao reduzir os agentes sociais à vacuidade
jurídica do “cidadão”, não conseguiu legislar além de certas formas abstratas
de participação que o sistema jurídico assegura a todo o indivíduo. Esta
concepção tem sido frequentemente acompanhada – embora nem sempre – no
marxismo, pelo “cinismo revolucionário”: isto é, pela ideia de que a classe
operária deve simplesmente “utilizar” o marco democrático existente para suas
atividades políticas, propagandas, etc., até que chegue o momento em que seja
suficientemente forte para impor a ditadura do proletariado. No sentido que lhe
atribuímos neste texto, por democracia entendemos um conjunto de símbolos,
valores, etc. – em suma, de interpelações – através dos quais “o povo” toma
consciência de sua identidade através de seu confronto com o bloco de poder.
Essas interpelações aparecem necessariamente unidas às instituições nas quais a
democracia se materializa, mas os dois aspectos são indissolúveis. Não se pode
conceber uma extensão dos direitos democráticos sem a produção paralela dos
sujeitos capazes de exercê-los. Neste sentido, nossa concepção de democracia
tem de ser distinguida tanto do Liberalismo quanto do “cinismo revolucionário”.
A primeira faz a hipóstase de uma condição abstrata – a cidadania – e a
transforma em sujeito de uma democracia concebida como um simples sistema de
direitos formais de participar do processo decisório. Daí a confluência,
frequentemente assinalada, entre igualdade jurídica formal e exploração real.
Por outro lado, o “cinismo revolucionário” considera o sujeito “classe
operária” como constituído anteriormente à sua participação nas instituições
democráticas e em uma simples relação pragmática de utilização das mesmas. Pelo
contrário, em nossa concepção, a extensão real do exercício da democracia e a
produção de sujeitos populares cada vez mais hegemônicos, são dois aspectos do
mesmo processo. O avanço no sentido de uma verdadeira democracia é uma grande
marcha, que só se completará com a eliminação da exploração de classe. Mas essa
eliminação deve ser paralelamente acompanhada pela rejeição da referida exploração
por parte da imensa maioria da população, isto é, pela criação de um sujeito
histórico em que se condensem o socialismo e a democracia.”
“O povo ou os “setores populares” não são,
como supõem certas concepções, abstrações retóricas, ou a introdução – por meio
de contrabando – de uma concepção liberal ou idealista no discurso político
marxista. Povo é uma determinação objetiva do sistema, que difere da
determinação de classe: o povo é um dos polos da contradição dominante em uma
formação social, isto é, uma contradição cuja inteligibilidade depende do
conjunto das relações políticas e ideológicas de dominação e não apenas das
relações de produção. Se a contradição de classe é a contradição dominante ao
nível abstrato do modo de produção, a contradição povo/bloco de poder é a
contradição dominante ao nível da formação social.”
“Agora, como a luta
democrática é, como vimos, sempre dominada pela luta de classes, a ideologia
popular-democrática dos setores médios será insuficiente para organizar um
discurso próprio e só poderá existir integrada ao discurso ideológico da
burguesia e do proletariado. A luta pela articulação da ideologia
popular-democrática aos discursos ideológicos de classe é a luta ideológica
fundamental das formações sociais capitalistas. Nesse sentido, a imprecisão
classista da fórmula usada pelo Partido Comunista Francês – “camadas
assalariadas intermediárias” – embora certamente insuficiente, não parece tão
errada quanto supõe Poulantzas. Reflete a intuição de que uma contradição, que
não é uma contradição de classe, domina a prática política e ideológica desses
setores – de tal forma que, se a classe operária tem que condensar, em sua
própria ideologia, sua identidade como classe e sua identidade como povo, esses
setores “intermediários” têm, quase que exclusivamente, uma identidade como
povo. Isto faz com que as classes médias constituam o campo natural da luta
democrática e, ao mesmo tempo, como vimos, o campo por excelência da luta de
classes. Porque este é o ponto em que se decide a identificação entre o povo e
as classes, identificação que, longe de ser dada de antemão, é o resultado de
uma luta: eu diria, mesmo, que é a luta fundamental de que depende a solução de
toda crise política no capitalismo.”
“O fascismo surgiu de uma dupla crise:
1. Uma crise do bloco de poder, incapaz de
absorver e neutralizar suas contradições com os setores populares através dos
canais tradicionais.
2. Uma crise da classe operária, incapaz de
hegemonizar as lutas populares e de fundir em uma prática política e ideológica
coerente a ideologia popular-democrática e seus objetivos revolucionários de
classe.”
“Do ponto de vista socialista, os períodos de
maior confronto revolucionário (contra a burguesia) não são aqueles em que a
ideologia classista se apresenta em sua máxima pureza, e sim, aqueles em que a
ideologia socialista se funde completamente com a ideologia popular e
democrática, quando a ideologia proletária consegue absorver todas as tradições
nacionais e apresentar a luta anticapitalista como a culminação das lutas
democráticas, e o socialismo como o denominador comum dessa ofensiva total
contra o bloco dominante.”
(Da formação histórica do fascismo na Itália
e Alemanha)
“O capital monopolista, na medida mesma em
que ocupava uma posição cada vez mais importante na esfera econômica,
defrontava-se com a impossibilidade de impor sua hegemonia no interior do bloco
de poder – condição indispensável para efetuar a reestruturação política e
econômica que a acumulação capitalista requeria. O sistema político vigente,
imobilizado por suas contradições, não oferecia nenhum ponto de apoio adequado
para operar, a partir do interior do próprio bloco, a referida transformação.
Isto levou o capital monopolista a tentar implantar sua hegemonia através de
uma fórmula que implicava uma alteração radical no tipo de Estado. Quanto a
isto, é importante dar ênfase ao fato de esta alteração não poder se realizar,
tanto na Alemanha, quanto na Itália, através de uma ditadura militar. Na
Alemanha, o Exército era um reduto dominado pela influência feudal dos Junkers (nobres
grandes proprietários de terra), e na Itália o Exército constituía um sólido
suporte da monarquia. Por conseguinte, longe de constituir uma possível base de
apoio à política do capital monopolista, o Exército era uma das forças a serem
neutralizadas por este último.
Se consequentemente, o capital monopolista se
via compelido a um enfrentamento radical com o sistema político vigente e, por
esse motivo, não tinha condições de se apoiar solidamente, em nenhum aparelho
interno ao próprio bloco de poder, somente poderia alcançar seus objetivos
apoiando-se em um movimento de massas. Contudo, nem todo movimento de massas se
adaptava às necessidades do capital monopolista. Para que essa adaptação fosse
efetiva, era indispensável satisfazer a duas espécies de condições:
1. O movimento deveria ser radical, ou seja,
deveria apresentar-se como uma alternativa ao sistema, e não como fórmula
alternativa dentro do próprio sistema; do contrário teria sido absorvido pelo sistema
político vigente e as mudanças estruturais requeridas pelo capital monopolista
teriam sido impossíveis.
2. A mobilização deveria se realizar por meio
de interpelações capazes de impedir a identificação entre objetivos populares
radicais e objetivos socialistas, uma vez que este último tipo de identificação
representava uma ameaça para as classes capitalistas em seu conjunto –
inclusive para o capital monopolista.”
“Naturalmente, a persistência (no movimento
fascista) de interpelações jacobinas constituía um jogo perigoso, uma vez que
poderiam facilmente deslizar para um anticapitalismo efetivo. Na etapa anterior
à tomada do poder, a luta de classes já havia penetrado nos próprios movimentos
fascistas e só através de um rigoroso processo de expurgos internos afastou-se
o perigo de uma orientação anticapitalista. Basta observar que ainda no outono
de 1930, os deputados nazistas Strasser, Feder e Frick apresentaram ao
Reichstag um projeto de lei estabelecendo o teto de 4 por cento sobre todas as
taxas de juros, a expropriação sem indenização das “holdings” dos “magnatas dos
bancos e das finanças”, além da nacionalização dos grandes bancos. Hitler
obrigou seus deputados a retirarem o projeto. O mesmo projeto, palavra por
palavra, foi então apresentado pelos deputados comunistas, e os deputados
nazistas foram forçados por Hitler a votar contra. A fim de evitar este tipo de
derivação do “jacobinismo oficial”, tornou-se necessário, após a ascensão ao
poder, proceder a uma serie de expurgos sangrentos, a uma vigilância ideológica
constante e a uma repressão generalizada.”
“Se o fascismo foi possível, isto se deve ao
fato de a classe operária, tanto através de seus setores reformistas quanto de
seus setores revolucionários, ter abandonado o campo da luta popular-democrática.”
“O reducionismo classista estava, portanto,
intimamente vinculado às práticas de classe do movimento operário anterior à
Primeira Guerra Mundial. No período imediatamente posterior à guerra, essa
etapa ainda não fora superada: o movimento operário continuava dominado por uma
estreita perspectiva classista e se ressentia da ausência de uma vontade
hegemônica com relação ao conjunto das classes exploradas. Para a fração
reformista, cumpria reconstruir – o mais breve possível – o aparelho do Estado
burguês, de forma a restabelecer as condições de negociação que haviam
permitido à classe operária a conquista de benefícios cada vez maiores. Para a
fração revolucionária, cumpria realizar a revolução proletária e a instalação
de um regime soviético. Porém, em ambos os casos, tratava-se de políticas
exclusivamente de classe, que ignoravam totalmente o problema das lutas popular-democráticas. Assim, a radicalização das classes
médias e a crise do transformismo colocavam os partidos operários diante de uma
situação totalmente nova, para a qual, na verdade, não tinham resposta. Em
consequência, sequer tentaram vincular o jacobinismo radical das classes médias
ao discurso socialista: mantiveram-se limitados a uma pura perspectiva
classista, que terminou por conduzir ao seu suicídio político. O fascismo,
nesse sentido, foi o resultado de uma crise da classe operária – porém, essa
crise não reside na incapacidade da classe operária de levar a cabo uma
revolução na Itália ou na Alemanha, e sim, na sua incapacidade de se apresentar
como alternativa popular hegemônica ao conjunto das classes dominadas, no
decorrer da mais grave crise já enfrentada pelo sistema de dominação
capitalista da Europa. O resultado foi que as interpelações populares das
classes médias foram absorvidas e neutralizadas, da forma já descrita, pelo
discurso político fascista, que as colocou a serviço da nova fração
capitalista. Contudo, o processo também teve repercussões ao nível da classe
operária. Como dissemos, a classe operária tem uma dupla identidade: como
classe e como povo. O fracasso das diferentes tentativas classistas –
revolucionárias ou reformistas – em superar a crise, levou à desmoralização e à
desmobilização da classe operária; a falta de articulação das interpelações populares
com o discurso socialista deixou este flanco cada vez mais exposto à influência
ideológica do fascismo. Daí decorre um fato, mencionado por Poulantzas: a
implantação do fascismo em parte da classe operária e a neutralização política
da totalidade dessa classe.
Se havia um “destino manifesto” claro para
alguma classe operária e europeia ao fim da Primeira Guerra Mundial, era o da
classe operária alemã. A crise da ideologia dominante se revelou, como toda
crise, na desarticulação de suas interpelações constitutivas. Por um lado, o
prestígio e a autoridade do bloco de poder dominante encontravam-se seriamente
abalados; por outro lado, a agitação nacionalista entre as classes médias
assumia conotações crescentemente plebeias e anticapitalistas. Foi através dessa
fissura que o hitlerismo penetrou, e sua penetração foi uma consequência da
incapacidade da classe operária em comparecer a seu encontro com a história. A
classe operária deveria ter-se apresentado como a força capaz de conduzir as
lutas históricas do povo alemão à sua conclusão, e ao socialismo como a sua
consumação; deveria ter trazido à tona as limitações do prussianismo, cujas
ambiguidades e compromissos com as velhas classes dominantes haviam conduzido à
catástrofe nacional, e deveria ter feito um apelo a todos os setores populares
para que condensassem em símbolos ideológicos comuns o nacionalismo, o
socialismo e a democracia. (A crise provocara a desarticulação das
interpelações nacionalistas e autoritárias do velho prussianismo, isto é, essas
últimas haviam perdido seus direitos históricos de serem consideradas como
representativas dos interesses nacionais; por outro lado, o fato de um agitador
plebeu como Hitler – a quem Hindemburg qualificava desdenhosamente de “cabo
austríaco” – dar a seu movimento o nome de Nacional-Socialismo, é uma prova
eloquente de que essas duas palavras, na consciência das massas, tendiam a se
condensar espontaneamente.) Essa vontade hegemônica por parte da classe
operária teria produzido profundo impacto sobre a pequena burguesia
jacobinizada e lhe teria permitido orientar seu protesto em uma direção
socialista. Mesmo depois do surgimento de Hitler ele não teria condições de
exercer o monopólio da linguagem popular e nacionalista de maneira como o fez;
os setores de esquerda de seu movimento, desapontados diante de suas concessões
às classes capitalistas, teriam encontrado um polo alternativo de
reagrupamento, e o capital monopolista, por sua vez, teria se mostrado bem
menos disposto a arriscar uma cartada em uma alternativa ideológica cujo
sistema de interpelações constituía uma zona de disputa com o movimento
comunista. Contudo, nada disto aconteceu e o abandono por parte da classe
operária do campo da luta popular-democrática,
abriu caminho para o fascismo.”
“Compreende-se que toda grande revolução seja
uma revolução nacional, ou do povo, no sentido de que une em torno da classe
revolucionária todas as forças viris e criativas da nação e a reconstrói ao
redor de um novo núcleo.” (Trotsky)
“O fascista Strasser diz que 95% do povo
estão interessados na revolução, consequentemente, não se trata de uma
revolução de classe, mas de uma revolução popular, Thälmann faz coro. Na
realidade, o operário comunista deveria dizer para o operário fascista: claro,
95% por cento da população, senão 98%, são explorados pelo capital financeiro.
Mas esta exploração é organizada hierarquicamente: há exploradores, há
subexploradores, há sub-subexploradores, etc. Somente graças a esta hierarquia
os superexploradores conseguem manter submetida a maioria da nação.” (Trotsky)
“Portanto, repensar e reanalisar a
experiência fascista parece-me essencial pela seguinte razão: o fascismo tem
sido a forma extrema pela qual as interpelações populares, em sua forma mais
radicalizada – o jacobinismo – logram transformar-se no discurso político da
fração dominante da burguesia. É, assim, uma perfeita demonstração do caráter
não classista das interpelações populares. O socialismo não constitui,
consequentemente, o polo oposto ao fascismo, como muitas vezes foi apresentado
– como se o fascismo fosse a ideologia dos setores mais conservadores e
retrógrados, seguido pelo continuumdo liberalismo – desde suas
versões de direita até suas versões de esquerda – culminando no socialismo. O
socialismo é, certamente, o oposto do fascismo, porém, no sentido de que,
enquanto o fascismo constitui o discurso popular radical neutralizado pela
burguesia e por ela transformado em seu próprio discurso político específico em
um período de crise, o socialismo é o discurso popular ao qual foi permitido
desenvolver todo o seu potencial revolucionário, a partir de sua vinculação ao
anticapitalismo radical da classe operária.”
“Na América Latina, onde a mobilização das
massas urbanas assumiu com frequência conotações populistas, o populismo tem
sido considerado como expressão política e ideológica ou da pequena burguesia,
ou de setores marginais, ou da burguesia nacional que precisa mobilizar as
massas, tendo em vista um confronto parcial com as oligarquias locais e com o
imperialismo.”
“Torcuato di Tella define o populismo como
“um movimento político que desfruta do apoio das massas da classe operária
urbana e/ou do campesinato, mas que não deriva do poder organizacional autônomo
de nenhum dos dois setores. É também apoiado por outros setores que não a
classe operária que alimentem uma ideologia anti-status quo. Em outras
palavras, as classes sociais estão presentes no populismo, mas não enquanto
classes; na realidade, ocorre uma distorção peculiar entre a natureza de classe
desses setores e suas formas de expressão política.”
“O caráter de classe de uma ideologia é dado
por sua forma, e não por seu conteúdo. Em que consiste a forma de uma
ideologia? Já vimos anteriormente que a resposta está no princípio articulatório
de suas interpelações constitutivas. O caráter de classe de um discurso
ideológico se revela no que poderíamos chamar de seu princípio
articulatório específico. Tomemos um caso: o nacionalismo. Trata-se de
uma ideologia feudal, burguesa ou proletária? Considerado em si, não tem
nenhuma conotação c1assista. Esta última só deriva de sua articulação
específica com outros elementos ideológicos. Uma classe feudal, por exemplo,
pode vincular o nacionalismo à manutenção de um sistema hierárquico-autoritário
de tipo tradicional – basta lembrar a Alemanha de Bismark. Uma classe burguesa
pode ligar o nacionalismo ao desenvolvimento de um Estado-Nação centralizado em
luta contra o particularismo feudal e, simultaneamente, apelar para a unidade
nacional como meio de neutralizar os conflitos de classe – recordemos o caso da
França. Finalmente, um movimento comunista pode denunciar a traição da causa
nacionalista pelas classes capitalistas, e articular o socialismo ao
nacionalismo, em um discurso ideológico unitário – pensemos, por exemplo, em
Mao.”
“A ideologia da classe dominante, justamente
por ser dominante, interpela não só os membros desta classe, mas também os
membros das classes dominadas. A forma concreta que assume a interpelação
dessas últimas consiste na absorção parcial e neutralização dos conteúdos
ideológicos através dos quais se expressa a resistência à dominação. O método
através do qual se realiza esse processo é o de eliminar o antagonismo e
transformá-lo em uma simples diferença. Uma classe é hegemônica não tanto na
medida em que é capaz de impor uma concepção uniforme do mundo ao resto da
sociedade, mas na medida em que consiga articular diferentes visões de mundo de
forma tal que seu antagonismo potencial seja neutralizado. A burguesia inglesa
do século XIX transformou-se em uma classe hegemônica não através da imposição
de uma ideologia uniforme às demais classes, e sim na medida em que conseguiu
articular diferentes ideologias a seu projeto hegemônico, graças à eliminação
de seu caráter antagônico: a aristocracia não foi abolida, ao estilo jacobino,
mas reduzida a um papel cada vez mais subordinado e decorativo, enquanto as
reivindicações da classe operária eram parcialmente absorvidas – o que resultou
no reformismo e no sindicalismo. O particularismo e a natureza ad hoc das
instituições e da ideologia dominante na Grã-Bretanha não refletem, portanto,
um desenvolvimento burguês insuficiente: mas justamente o contrário: o supremo
poder articulador da burguesia.”
“Da análise precedente, Badiou e Balmès
derivam as seguintes conclusões teóricas: “Todas as grandes revoltas de massas
das sucessivas classes exploradas (escravos, camponeses, proletários) encontram
sua expressão ideológica nas formulações igualitárias, antiproprietária e
antiestatal que constituem as linhas mestras de um programa comunista... São os
elementos dessa tomada geral de posição pelos produtores rebelados que
denominamos de invariantes comunistas: invariantes ideológicas de
tipo comunista, continuamente regeneradas pelo processo de unificação das
grandes revoltas populares de todos os tempos. As invariantes comunistas não
têm um caráter de classe, definido: sintetizam a aspiração universal dos
explorados no sentido de derrubar todo princípio da exploração e da
opressão. Elas nascem no campo da confrontação entre as massas e o
Estado. Naturalmente, esta contradição é, ela própria, estruturada em
termos de classe, pois o Estado é sempre o Estado de uma classe dominante
específica. Entretanto, existe uma forma geral do Estado, organicamente
vinculada à própria existência das classes e da exploração, contra a qual as
massas invariavelmente se insurgem, portadoras que são de sua dissolução e do
movimento histórico que “relegará todo o aparelho do Estado ao lugar que, daí
por diante será o seu: ao museu de antiguidades, ao lado da roca e do machado
de bronze”.”
“C. B. Macpherson, por exemplo, estudou a
forma como a ideologia popular-democrática foi progressivamente desligada de
seus elementos antagonísticos que, no início do século XIX, identificavam-na
com o governo “dos que estão embaixo” e com o jacobinismo odiado, de modo a
permitir sua absorção e neutralização pela ideologia liberal dominante. Afirma:
“Na época em que surgiu a democracia, nos atuais países democrático-liberais,
ela não mais se opunha à sociedade liberal e ao Estado liberal. Já era, então,
não uma tentativa das classes mais baixas de derrubar o estado liberal, ou a
economia competitiva de mercado; era uma tentativa das classes mais baixas de
assumir, plena e justamente, seu lugar competitivo dentro daquelas instituições
e daquele sistema de sociedade. A democracia havia sido transformada. De uma
ameaça ao Estado liberal, tornara-se uma realização plena do Estado liberal...
O Estado liberal realizara sua própria lógica. E ao fazê-lo, nem se destruiu
nem se enfraqueceu: fortaleceu tanto a si mesmo como à sociedade de mercado.
Liberalizou a democracia ao democratizar o liberalismo”.”
“Como salientei anteriormente, foi este o
caso do nazismo. O capital monopolista não podia impor sua hegemonia dentro do
sistema institucional vigente – como o fizera na Inglaterra ou na França – nem
tampouco podia apoiar-se no Exército, que constituía um “enclave” sob a
influência feudal dos “junkers”. A única solução era um movimento de
massas que desenvolvesse o antagonismo potencial das interpelações populares,
mas articuladas de modo a impedir sua canalização em uma direção
revolucionária. O nazismo constituiu, em consequência, uma experiência
populista e, como todo populismo das classes dominantes, teve que apelar para
um conjunto de distorções ideológicas – como o racismo – para evitar que o
potencial revolucionário das interpelações populares se orientasse no sentido
de seus verdadeiros objetivos. O populismo das classes dominantes é sempre
altamente repressivo porque tenta uma experiência mais perigosa do que um
regime parlamentar: enquanto o segundo simplesmente neutraliza o
potencial revolucionário das interpelações populares, o primeiro procura desenvolver este
antagonismo, embora mantendo-o dentro de certos limites.”
“O Getulismo nunca foi genuinamente
populista. Pelo contrário, oscilou em um movimento pendular: nos momentos de
estabilidade, sua linguagem tende a ser paternalista e conservadora; nos
momentos de crise, quando os elementos conservadores da coalizão desertam,
lança-se resolutamente, na via do populismo – isto é, do desenvolvimento do
antagonismo latente nas interpelações democráticas. Porém, nestes momentos, uma
lógica política elementar se impunha: as bases sociais a que se dirige o
discurso populista foram, até agora, no Brasil, insuficientes para assegurar o
poder político. Isto ficaria demonstrado pelo destino de Vargas, em 1945, em
1954 e finalmente pela queda de Goulart, em 1964.”
“Examinemos em maior detalhe esta dialética
característica existente entre o povo e as classes. Classes só existem como
forças hegemônicas na medida em que conseguem articular as interpelações
populares a seu próprio discurso. Para as classes dominantes, essa articulação
consiste, como vimos, na neutralização do povo. Para as classes dominadas, no
desenvolvimento do antagonismo inerente a ele. Para conquistarem a hegemonia,
as classes dominadas devem precipitar a crise do discurso ideológico dominante
e reduzir seus princípios articulatórios a enteléquias vazias, destituídas de
qualquer força conotativa face às interpelações populares. Para tanto, devem
desenvolver o antagonismo implícito nessas últimas até o ponto em que o povo se
torne totalmente inassimilável por qualquer fração do bloco de poder. Contudo,
apresentar as interpelações populares sob a forma de antagonismo é, como
sabemos, característico do populismo. Se, por conseguinte, uma classe dominada
deve impor sua hegemonia através de um confronto com o bloco de poder, e se
para este enfrentamento necessita desenvolver o antagonismo implícito nas
interpelações populares, deduz-se que quanto mais radical for seu enfrentamento
com o sistema, tanto menos possível será para essa classe afirmar sua hegemonia
sem “populismo”. O populismo não é, em consequência, expressão do atraso
ideológico de uma classe dominada mas, ao contrário, uma expressão do momento
em que o poder articulatório desta classe se impõe hegemonicamente sobre o
resto da sociedade. Este é o primeiro movimento da dialética entre povo e
classes: As classes não podem afirmar sua hegemonia sem articular o
povo a seu discurso: e a forma especifica desta articulação, no caso de uma
classe que, para afirmar sua hegemonia, tem que entrar em confronto com o bloco
de poder em seu conjunto será o populismo.”