Editora: Alfaguara
ISBN: 978-85-6028-126-8
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 240
Sinopse: Num
futuro não muito distante, o planeta encontra-se totalmente devastado. As
cidades foram transformadas em ruínas e pó, as florestas se transformaram em
cinzas, os céus ficaram turvos com a fuligem e os mares se tornaram estéreis.
Os poucos sobreviventes vagam em bandos.
Um homem e seu filho não possuem praticamente nada.
Apenas uns cobertores puídos, um carrinho de compras com poucos alimentos e um
revólver com algumas balas, para se defender de grupos de assassinos. Estão em
farrapos e com os rostos cobertos por panos para se proteger da fuligem que
preenche o ar e recobre a paisagem. Eles buscam a salvação e tentam fugir do
frio, sem saber, no entanto, o que encontrarão no final da viagem. Essa jornada
é a única coisa que pode mantê-los unidos, que pode lhes dar um pouco de força
para continuar a sobreviver.
A estrada representa
uma mudança surpreendente na ficção de Cormac McCarthy e talvez seja sua
obra-prima. Mais que um relato apocalíptico, é uma comovente história sobre
amadurecimento, esperança e sobre as profundas relações entre um pai e seu
filho.
“Nesta estrada não há homens inspirados por
Deus. Eles se foram e eu fiquei, eles levaram consigo o mundo.”
“Costumávamos falar da morte, ela disse. Não
falamos mais. Por que isso?
Não sei.
É porque ela está aqui. Não há mais nada para
falar.
Eu não te deixaria.
Não me importo. Não quer dizer nada. Pode
pensar que eu sou um puta infiel se você quiser. Tenho um novo amante. Ele me
dá o que você não consegue dar.
A morte não é um amante.
Ah é sim.
Por favor não faça isso.
Sinto muito.
Não consigo fazer isso sozinho.
Então não faça. Não posso te ajudar. Dizem
que as mulheres sonham com o perigo daqueles que estão sob seus cuidados e os
homens com seu próprio perigo. Mas eu não sonho com nada. Você diz que não
consegue fazer isso sozinho? Então não faça. É tudo. Porque eu estou exausta
deste meu coração libertino e isso já faz muito tempo. Você fala sobre tomar
uma posição firme mas não há posição a tomar. Meu coração foi arrancado de mim
na noite em que ele nasceu então não peça por um lamento agora. Não há nenhum.
Talvez você venha a ser bom nisso. Eu duvido, mas quem sabe. A única coisa que
eu posso te dizer é que você não vai sobreviver por conta própria. Eu sei
porque nunca teria chegado tão longe. A uma pessoa que não tivesse ninguém
seria aconselhável que se juntasse a algum fantasma passável. Trazê-lo à vida
com seu sopro e persuadi-lo a seguir em frente com palavras de amor.
Oferecer-lhe cada migalha fantasma e protegê-lo do perigo com seu corpo. Quanto
a mim minha única esperança é o nada eterno e espero por ele com todo meu
coração.
Ele não respondeu.
Você não tem nenhum argumento porque não
existe um.
Você vai dizer adeus a ele?
Não. Não vou.
Só espere até amanhã. Por favor.
Tenho que ir.
Ela já tinha se levantado.
Pelo amor de Deus, mulher. O que eu digo a
ele?
Não posso te ajudar.
Para onde você vai? Você não consegue nem
mesmo enxergar.
Não preciso.
Ele se levantou. Estou te implorando, ele
disse.
Não. Não vou. Não posso.
Ela se foi e a frieza do gesto foi seu último
presente. Usaria uma lasca de obsidiana. Ele mesmo lhe ensinara. Mais afiado do
que o aço. A ponta com a espessura de um átomo. E ela estava certa. Não havia
argumento. A centena de noites em que eles tinham ficado sentados debatendo os
prós e os contras da autodestruição com a honestidade de filósofos acorrentados
à parede de um hospício. Pela manha o menino não disse nada em absoluto, e
quando eles tinham guardado suas coisas e estavam prontos para pôr o pé na
estrada ele se virou para o local de seu acampamento lá atrás e disse: Ela foi
embora, não foi? E ele disse: Sim, foi.”
“Pela manhã eles saíram da ravina e seguiram
pela estrada novamente. Ele tinha entalhado para o menino uma flauta com um
pedaço de bambu de beira de estrada e tirou-a do casaco e deu-a a ele. O menino
a apanhou sem dizer nenhuma palavra. Depois de algum tempo ficou para trás e o
homem pôde ouvi-lo tocando. Uma música informe para a era que estava para vir.
Ou talvez a última música na Terra fosse evocada das cinzas de sua ruína. O
homem se virou e olhou para ele, lá atrás. Estava perdido em sua concentração.
O homem pensou que ele parecia alguma criança trocada, um changeling,
perdido e solitário, anunciando a chegada de um espetáculo itinerante em
vilarejos e aldeias, sem saber que atrás dela os atores foram todos levados
pelos lobos.”
“No outro lado da cidade encontraram uma casa
solitária num campo e atravessaram e entraram e caminharam pelos quartos.
Depararam-se consigo num espelho e ele quase sacou o revólver. Somos nós,
papai, o menino sussurrou. Somos nós.”
“Quando acordou novamente achou que a chuva
tinha parado. Mas não foi isso que o acordou. Ele tinha sido visitado num sonho
por criaturas de um tipo que nunca tinha visto antes. Não falavam. Ele achou
que tinham estado agachadas ao lado do seu catre enquanto dormia e que tinham
escapulido quando ele acordou. Virou-se e olhou para o menino. Talvez
compreendesse pela primeira vez que, para o menino, ele próprio era um
alienígena. Um ser de um planeta que já não existia. Cujas histórias eram
suspeitas. Ele não tinha como construir para o prazer da criança o mundo que
tinha perdido sem construir também a perda e achava que talvez o menino
soubesse disso melhor do que ele. Tentou se lembrar do sonho mas não conseguiu.
Tudo o que restava era a sensação. Pensou que talvez eles tivessem vindo
avisá-lo. De quê? De que ele não podia acender no coração da criança o que eram
cinzas no seu próprio. Mesmo agora alguma parte dele desejava que nunca
tivessem encontrado aquele refúgio. Alguma parte dele desejava que tudo tivesse
terminado.”
“Onde os homens não podem viver deuses também
não se sentem bem.”
“Você acha que seus pais estão observando?
Que eles te inscrevem em seu livro-razão? Contra o quê? Não há livro algum e
seus pais estão mortos no chão.”
“Em dois dias quando chegaram a uma estrada
ele colocou a bolsa no chão e se sentou curvado com os braços cruzados sobre o
peito e tossiu até não conseguir mais. (...) Ali acamparam e quando ele se
deitou soube que não poderia avançar mais e que aquele era o lugar onde
morreria. O menino ficou sentado a observá-lo, lágrimas jorrando dos olhos. Oh
Papai, ele disse.”
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