Editora: Cosac Naify
ISBN: 978-85-7503-670-9
Tradução: Irene
Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza.
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 656
Sinopse: Versão
definitiva da obra-prima Moby Dick, ou A Baleia, considerado um
dos maiores romances norte-americanos. O livro traz o relato de um marinheiro
letrado, Ishmael, sobre a última viagem de um navio baleeiro de Nantucket, o
Pequod, que parte da costa leste dos Estados Unidos – com sua tripulação
multiétnica – rumo ao Pacífico Sul, onde encontra o imenso cachalote branco
que, no passado, arrancara a perna do vingativo capitão Ahab. Ao longo de 135
capítulos, Herman Melville (1819-1891) explora com brilhantismo e ironia os
mais variados gêneros literários: da narrativa de viagens ao teatro shakespeariano,
do sermão à poesia popular, passando pela descrição científica e a meditação
filosófica.
A nova tradução se vale da longa experiência acadêmica da
tradutora Irene Hirsch com a obra de Melville e de um minucioso trabalho de
pesquisa de vocabulário náutico por parte do tradutor Alexandre Barbosa de
Souza.
O volume inclui ainda fortuna crítica com três textos
fundamentais para a compreensão da obra: uma resenha de Evert Duyckinck,
publicada em 1851; o clássico ensaio de D. H. Lawrence, incluído em Studies in
Classic American Literature, de 1923, e um trecho do célebre estudo de F. O.
Mathiessen, American Renaissance, de 1941. Além disso, a edição traz apêndice
com Glossário Náutico Ilustrado e bibliografia.
“Melhor dormir com um canibal sóbrio do que
com um cristão bêbado”.
“Em que recenseamento de seres vivos estão
incluídos os mortos da humanidade; por que há um provérbio que afirma que os
mortos não falam, embora saibam mais segredos que Goodwin Sands; como se
explica que, ao nome daquele que partiu ontem para outro mundo, nós associemos
uma palavra tão significativa e inverídica, e no entanto não a associemos a
ele, que parte para as Índias mais remotas; por que as companhias de seguro
pagam pela morte de imortais; em que paralisação eterna e imóvel, e transe
mortífero e desesperado, jaz o antigo Adão, morto há sessenta séculos; como é
possível que ainda não encontremos consolo pela perda daqueles que afirmamos
estar na mais completa bem-aventurança; por que todos os vivos se esforçam
tanto para não mencionar os mortos; por que motivo um simples ruído num túmulo
assusta uma cidade inteira? Todas essas coisas têm seu significado.
Mas a Fé, como um chacal, se alimenta por
entre os túmulos, e mesmo dessas dúvidas mortais recolhe sua esperança mais
vital.”
“Pois é, existe a morte neste negócio
baleeiro – um modo caótico, rápido e sem palavrório de empacotar o homem para a
Eternidade. Mas e daí? Parece-me que estamos profundamente equivocados a
respeito dessa história de Vida e Morte. Parece-me que, olhando para as coisas
espirituais, somos como ostras observando o sol através da água e achando que a
água espessa é o ar mais sutil.”
“De resto, todas as coisas que Deus ordena
são difíceis de cumprir – lembrem-se disso – e por isso é mais frequente
ouvi-Lo comandar do que tentar nos persuadir. E para obedecermos a Deus temos
que desobedecer a nós mesmos; é nesta desobediência de nós mesmos que consiste
a dificuldade de obedecer a Deus.”
“Como o Ramadã, (a Quaresma) ou Jejum e
Penitência de Queequeg iria continuar durante o dia, resolvi não incomodá-lo
até o cair da noite; porque sinto muito respeito pelas obrigações religiosas
das pessoas, por mais ridículas que sejam, e não subestimaria nem mesmo uma
congregação de formigas adorando um cogumelo.”
“As memórias mais profundas não concedem
epitáfios.”
““Não quero no meu bote”, dizia Starbuck,
“homem que não tenha medo de baleia.” Com isso parecia querer dizer não apenas
que a coragem mais útil e confiável é a que surge de uma avaliação justa do
perigo iminente, mas também que um homem totalmente destemido é um sujeito
muito mais perigoso do que um homem covarde.”
“É mesmo duvidoso que Stubb pensasse na
morte; mas, se lhe ocorresse tal ideia depois de um agradável jantar,
consideraria, como um bom marinheiro, que se tratava de um chamado do vigia
para subir ao topo do mastro e ocupar-se com algo cuja natureza descobriria ao
cumprir a ordem, e não antes.”
“– Raios me partam, valeria a pena nascer
neste mundo nem que fosse apenas para dormir. A propósito, essa é praticamente
a primeira coisa que os bebês fazem, e isso também é um pouco esquisito. Raios
me partam, mas tudo é esquisito, quando se pensa a respeito. Mais isso é contra
os meus princípios. Não pensar, meu décimo primeiro mandamento, e dormir quando
puder, o décimo segundo.”
“Quem ofereceu um jantar aos amigos uma só
vez já provou o que é ser César. É um feitiço do czarismo social que não
encontra resistência.”
“São poucos os homens cuja coragem resiste à
reflexão prolongada sem o alívio da ação.”
“O primeiro barco de que lemos notícia
flutuou num oceano que, em vingança digna de um Português, inundou um mundo
inteiro sem nem deixar sequer uma viúva. Aquele mesmo oceano se agita agora;
aquele mesmo oceano destruiu os navios naufragados do ano passado. Sim, mortais
insensatos, o dilúvio de Noé ainda não cessou; dois terços do belo mundo ele
ainda cobre.”
“Quando os botes a circundaram mais de perto,
toda a sua porção superior, grande parte da qual em geral fica submersa, estava
bem visível. Seus olhos, ou melhor, os lugares onde antes estavam, podiam ser
vistos. Do mesmo modo que substâncias estranhas crescem nos olhos dos nós dos
carvalhos mais nobres, quando derrubados, assim também nos lugares onde os
olhos da baleia haviam estado saíam bulbos cegos, uma comiseração horrível de
ser vista. Mas não havia clemência. Apesar de toda a sua idade, apesar da sua
única barbatana e dos seus olhos cegos, ela devia morrer aquela morte horrível,
assassinada para iluminar as núpcias alegres e outras festividades dos homens,
e também para iluminar as igrejas solenes que pregam que todos devem ser
incondicionalmente inofensivos uns para os outros.”
“De camisetas e de ceroulas, lançamo-nos ao
freixo dos nossos remos, e depois de fazer força por várias horas estávamos
quase desistindo da caça, quando as baleias, numa hesitação generalizada, deram
sinais de que estavam, por fim, sob a influência daquela estranha perplexidade
da indecisão inerte, que os pescadores, quando a percebem nas baleias, dizem
que estão sarapantadas. As compactas fileiras marciais em que haviam nadado,
depressa e com determinação, até ali, agora se desfaziam numa balbúrdia
desmedida; e, como os elefantes do rei Poro na batalha da Índia contra
Alexandre, pareciam ensandecidos de consternação. Espalhavam-se em todas as
direções, formando vastos círculos irregulares, nadando sem rumo de um lado
para o outro, e os seus sopros espessos e curtos demonstravam claramente
estarem confusas de pânico. Isso ficava ainda mais estranhamente demonstrado
por algumas dentre elas que, estando completamente paralisadas, flutuavam
indefesas como navios despedaçados quase a pique. Se esses Leviatãs fossem um
simples rebanho de ovelhas perseguidas no pasto por três lobos ferozes, não
teriam demonstrado mais horror. Mas essa timidez eventual é uma característica
de quase todas as criaturas que vivem em rebanhos. Embora formem manadas de
dezenas de milhares, os búfalos do oeste, com as suas jubas de leão, fogem
quando veem um cavaleiro solitário. Seres humanos também são testemunhas de
que, quando aglomerados no aprisco da plateia de um teatro, ao menor sinal de
alarme de fogo, logo começa o corre-corre em busca das saídas, empurrando,
pisoteando, apertando e atirando uns aos outros à morte. Melhor, portanto, é
refrear todo espanto diante de baleias estranhamente sarapantadas, pois não
existe insensatez de animal algum da terra que não seja infinitamente superada
pela loucura dos homens.”
“Muito esforço e poucos ganhos para aos que
pedem ao mundo que lhes dê uma explicação; o mundo não pode explicar-se.”
“Nem, àquelas alturas, deixou de passar por
sua mente monomaníaca que toda a angústia de seu sofrimento fosse consequência
direta de um infortúnio anterior; e ele parecia ver com clareza que, como o
réptil mais venenoso do pântano perpetua sua espécie tão inevitavelmente quanto
o cantor mais doce do bosque; assim também toda a desgraça, como a felicidade,
gera naturalmente acontecimentos similares a si. Não exatamente como, pensou
Ahab; já que a linhagem e a posteridade da Dor superam as da Alegria. Pois,
para que não se subentenda isso: que se pode inferir certos ensinamentos
canônicos que alguns deleites naturais deste mundo não gerarão filhos no outro
mundo, mas, ao contrário, devido à esterilidade da alegria, serão seguidos de
todo o desespero infernal; ao passo que os fatais sofrimentos criminosos
gerarão com fertilidade para o além-túmulo uma prole eterna de tristezas
sucessivas; para que não se subentenda isso, parece haver uma desigualdade,
quando se analisa o assunto com profundidade. Pois, pensou Ahab, se mesmo na
felicidade terrena mais elevada sempre existe oculta uma certa mesquinhez
insignificante, enquanto, no fundo, todas as dores do coração escondem um
significado místico e, em certos homens, uma grandeza angelical; assim, sua
análise diligente não desmente a dedução óbvia. Percorrer a genealogia dessas altas
misérias mortais nos conduz afinal às primogenituras sem origens dos deuses; de
modo que, diante de todos os alegres sóis fecundos e das rotundas luas
outonais, iluminando o suave farfalhar da colheita, é necessário dar-se conta
disso: de que os próprios deuses nem sempre são felizes. O sinal de nascença,
triste e indefectível na fronte do homem, é apenas a marca da tristeza dos que
a imprimiram.”
“– É extraordinário como são amigáveis os
idiotas!”
Um comentário:
Congratulo a editora Cosac Naify pela caprichada edição do livro, que apresenta figuras, mapa, glossário náutico (bastante necessário, já que o léxico marítimo é incomum), textos (a título de pós-fáscio) de Evert Duyckinck, D.H Lawrence e F. O. Matthiessen. Além disso, seu apêndice contém uma bela bibliografia sobre a obra e sobre o autor, as edições do livro no Brasil e de outras obras de Melville.
A editora foi feliz no trabalho que realizou, aqui dedico meus sinceros parabéns.
“- Lá ela sopra!”
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