Editora: Ediouro
ISBN: 978-85-0002-553-2
Tradução: Fernando Py
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 389
Sinopse: Ver primeiro
livro
“Quis lhe explicar o que havia fantasiado;
trêmulo de emoção, tinha o maior escrúpulo em que todas as minhas palavras
fossem o mais sincero equivalente possível do que havia sentido e jamais
tentara formular; o que significa que minhas palavras não tinham qualquer
clareza.”
“‘Entre dois adversários, a vitória será
daquele que sabe sofrer um quarto de hora a mais do que o outro’, como dizem os
japoneses.”
“Claro que poucas pessoas compreendem o
caráter puramente subjetivo do fenômeno que é o amor, e a espécie de criação,
que ele faz, de uma pessoa suplementar, distinta da que usa o mesmo nome na
sociedade e a maioria de cujos elementos são tirados de nós próprios. Há também
poucas pessoas que possam considerar naturais as enormes proporções que acaba
por adquirir para nós uma criatura que não é a mesma que elas veem.”
“Odette conhecia a fundo aqueles traços de
caráter que o resto da sociedade ignora ou ridiculariza e dos quais, somente
uma amante ou uma irmã possuem a imagem semelhante e amada; e nos afeiçoamos de
tal modo à essas características, mesmo àquelas que desejaríamos corrigir, que,
se as velhas ligações possuem algo da doçura e da força das afeições de
família, é porque uma mulher acaba por se acostumar a elas de forma indulgente
e amigavelmente trocista, semelhante ao hábito que temos delas, bem como nossos
pais. Os laços que nos unem a um ser se acham santificados quando ela se põe no
mesmo ponto de vista de nós para julgar um de nossos defeitos.”
“A maneira indagadora, ansiosa, exigente com
que encaramos a pessoa amada, nossa expectativa da palavra que nos dará ou
matará a esperança de um encontro no dia seguinte, e, até que tal palavra seja
dita, nossa imaginação alternativa, senão simultânea, de alegria e do
desespero; tudo isso torna a nossa atenção, em face do ser amado trêmula demais
para que possa obter dele uma imagem bem nítida. Talvez, também, essa atividade
de todos os sentidos ao mesmo tempo, e que tenta conhecer somente com os
olhares aquilo que se encontra além deles, seja por demais indulgente para com
as mil formas, sabores e movimentos da pessoa viva, que de costume tornamos
inerte quando não estamos enamorados.”
“A benevolência dos grandes espíritos tem por
corolário a incompreensão e a hostilidade dos medíocres; ora, somos muito menos
felizes com a amabilidade de um grande escritor, que a rigor se pode encontrar
em seus livros, do que sofremos com a hostilidade de uma mulher que não
elegemos por sua inteligência, mas que não podemos evitar amar.”
“É sempre devido a um estado de espírito que
não está destinado a durar muito, que tomamos resoluções definitivas.”
“O soldado está persuadido de que existe à
sua frente um espaço de tempo infinitamente inadiável antes de ser morto; o
ladrão, antes de ser preso; os homens em geral, antes que a morte os leve. É
este o amuleto que preserva os indivíduos – e às vezes os povos – não do
perigo, e sim do medo do perigo, na verdade da crença no perigo, o que em
certos casos permite que o desafiem, sem que sejam obrigatoriamente corajosos.”
“Fosse qual fosse o objeto de meu amor,
sempre a encontraria ao cabo de uma penosa busca, durante a qual preciso sacrificar
o meu prazer a esse bem supremo, em vez de nele achar o meu prazer.”
“De fato, a avareza não diminuía em nada o
prestígio de uma pessoa, pois trata-se de um vício e, portanto, pode
encontrar-se em todas as classes sociais.”
“Se não fosse o hábito, a vida deveria
parecer deliciosa às pessoas que estivessem ameaçadas de morrer a todo instante
– ou seja, a toda a humanidade.”
“Pois a beleza é uma sequência de hipóteses,
e a feiura a reduz, barrando o caminho que já víamos abrir-se para o desconhecido.”
“Mas a característica da idade ridícula que
eu atravessava – idade nada ingrata, aliás muito fecunda – é que não se
consulta a inteligência e que os menores atributos das criaturas parecem fazer
parte indivisível de sua personalidade. Sempre cercados de monstros e deuses, a
gente quase não conhece o sossego. E quase todos os gestos que fazemos por essa
época, desejaríamos suprimi-los mais tarde. Mas, ao contrário, o que se deveria
de fato lastimar seria não mais possuirmos aquela espontaneidade que nos
inspirava. Depois, veem-se as coisas de maneira mais prática, em plena
concordância com o resto da sociedade, mas a adolescência é a única época da
vida em que aprendemos algo.”
“Na humanidade, a frequência de virtudes
idênticas para todos não é mais maravilhosa que a multiplicidade dos defeitos
particulares de cada um.”
“O importante, na vida, não é o que se ama e
sim sentir o amor.”
“‘Afinal’, dizia para mim mesmo, ‘talvez o
prazer que se tenha de escrever uma bela página não seja o critério infalível
do seu valor; talvez não passe de um estado acessório que muitas vezes vem se
acrescentar a ela, mas cuja falta não faz diferença. Talvez certas obras-primas
tenham sido feitas entre bocejos’.”
“Mas a essa primeira incerteza, se as veria
ou não no mesmo dia, vinha acrescentar-se outra, mais grave, a de que jamais
voltasse a vê-las, pois afinal ignorava se deveriam partir para a América ou
voltar a Paris. Isto era suficiente para me fazer começar a amá-las. Podemos
ter inclinação por uma pessoa. Mas, para desencadear essa tristeza, esse
sentimento do irreparável, essas angústias que preparam o amor, é necessário –
e é talvez isto, e não uma pessoa, o próprio objeto que a paixão deseja
ansiosamente estreitar – o risco de uma impossibilidade.”
“Antigamente eu havia entrevisto nos
Champs-Élysées, e melhor o verificaria desde então, que, ao nos apaixonarmos
por uma mulher, simplesmente projetamos nela um estado de nossa alma; que, por
conseguinte, o importante não é o valor da mulher mas a profundeza desse
estado; e que as emoções que uma moça medíocre nos proporciona podem fazer com
que subam à consciência as partes mais íntimas de nós mesmos, as mais pessoais,
mais longínquas, mais essenciais, o que não faria o prazer que nos dá a
conversação de um homem superior ou até a contemplação admirativa de suas
obras.”
“Não existe homem, por mais sábio que seja –
disse-me –, que não tenha, em certa época de sua juventude, pronunciado
palavras, ou até levado uma vida, cuja recordação lhe seja desagradável e que
ele desejasse ver abolidas. Mas não deve lamentá-la de todo, pois não pode
estar seguro de se ter tornado um sábio, na medida em que isso é possível, sem
passar por todas as encarnações ridículas ou odiosas que devem precedê-la. Sei
que há jovens, filhos e netos de pessoas célebres, a quem os preceptores
ensinaram a nobreza de espírito e a elegância moral desde o colégio. Talvez
nada se tenha a dizer de suas vidas, poderiam assinar e publicar tudo o que
disseram, mas são pobres espíritos, descendentes sem força dos doutrinadores, e
cuja sabedoria é negativa e estéril. A gente não herda a sabedoria; é preciso
descobri-la por nós mesmos depois de uma trajetória que ninguém pode fazer por
nós, e que ninguém nos pode evitar, pois ela é uma forma de ver as coisas. As
vidas que o senhor admira, as atitudes que julga nobres, não foram obtidas pelo
pai de família ou pelo preceptor; foram precedidas por inícios bem diversos,
tendo sido influenciadas pelo que lhes havia em torno, fosse bom ou banal.
Representam um combate e uma vitória. Compreendo que já não reconheçamos a
imagem do que fomos num primeiro período da vida, a qual, em todo o caso, nos é
desagradável. Entretanto, não deve ser renegada, pois trata-se de um testemunho
de que temos vivido segundo as leis da vida e do espírito e que dos elementos
comuns da vida, extraímos algo que os supera.”
“E, em suma, é uma forma como outra qualquer
de resolver o problema da existência, o de aproximar bastante as coisas e as
pessoas que de longe nos pareceram belas e misteriosas, para nos darmos conta
de que não têm mistério nem beleza; é uma das higienes entre as quais se pode
optar, uma higiene que talvez não seja muito recomendável, mas que nos
proporciona uma certa calma para passar a vida e também para nos resignarmos à
morte, uma vez que nos permite não lamentar coisa alguma, convencendo-nos que
alcançamos o melhor e que o melhor não é grande coisa.”
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