sexta-feira, 2 de março de 2012

Em busca do tempo perdido: À Sombra das Moças em Flor, de Marcel Proust

Editora: Ediouro

ISBN: 978-85-0002-553-2

Tradução: Fernando Py

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 389

Sinopse: Ver primeiro livro

 

“Quis lhe explicar o que havia fantasiado; trêmulo de emoção, tinha o maior escrúpulo em que todas as minhas palavras fossem o mais sincero equivalente possível do que havia sentido e jamais tentara formular; o que significa que minhas palavras não tinham qualquer clareza.”

 

 

“‘Entre dois adversários, a vitória será daquele que sabe sofrer um quarto de hora a mais do que o outro’, como dizem os japoneses.”

 

 

“Claro que poucas pessoas compreendem o caráter puramente subjetivo do fenômeno que é o amor, e a espécie de criação, que ele faz, de uma pessoa suplementar, distinta da que usa o mesmo nome na sociedade e a maioria de cujos elementos são tirados de nós próprios. Há também poucas pessoas que possam considerar naturais as enormes proporções que acaba por adquirir para nós uma criatura que não é a mesma que elas veem.”

 

 

“Odette conhecia a fundo aqueles traços de caráter que o resto da sociedade ignora ou ridiculariza e dos quais, somente uma amante ou uma irmã possuem a imagem semelhante e amada; e nos afeiçoamos de tal modo à essas características, mesmo àquelas que desejaríamos corrigir, que, se as velhas ligações possuem algo da doçura e da força das afeições de família, é porque uma mulher acaba por se acostumar a elas de forma indulgente e amigavelmente trocista, semelhante ao hábito que temos delas, bem como nossos pais. Os laços que nos unem a um ser se acham santificados quando ela se põe no mesmo ponto de vista de nós para julgar um de nossos defeitos.”

 

 

“A maneira indagadora, ansiosa, exigente com que encaramos a pessoa amada, nossa expectativa da palavra que nos dará ou matará a esperança de um encontro no dia seguinte, e, até que tal palavra seja dita, nossa imaginação alternativa, senão simultânea, de alegria e do desespero; tudo isso torna a nossa atenção, em face do ser amado trêmula demais para que possa obter dele uma imagem bem nítida. Talvez, também, essa atividade de todos os sentidos ao mesmo tempo, e que tenta conhecer somente com os olhares aquilo que se encontra além deles, seja por demais indulgente para com as mil formas, sabores e movimentos da pessoa viva, que de costume tornamos inerte quando não estamos enamorados.”

 

 

“A benevolência dos grandes espíritos tem por corolário a incompreensão e a hostilidade dos medíocres; ora, somos muito menos felizes com a amabilidade de um grande escritor, que a rigor se pode encontrar em seus livros, do que sofremos com a hostilidade de uma mulher que não elegemos por sua inteligência, mas que não podemos evitar amar.”

 

 

“É sempre devido a um estado de espírito que não está destinado a durar muito, que tomamos resoluções definitivas.”

 

 

“O soldado está persuadido de que existe à sua frente um espaço de tempo infinitamente inadiável antes de ser morto; o ladrão, antes de ser preso; os homens em geral, antes que a morte os leve. É este o amuleto que preserva os indivíduos – e às vezes os povos – não do perigo, e sim do medo do perigo, na verdade da crença no perigo, o que em certos casos permite que o desafiem, sem que sejam obrigatoriamente corajosos.”

 

 

“Fosse qual fosse o objeto de meu amor, sempre a encontraria ao cabo de uma penosa busca, durante a qual preciso sacrificar o meu prazer a esse bem supremo, em vez de nele achar o meu prazer.”

 

 

“De fato, a avareza não diminuía em nada o prestígio de uma pessoa, pois trata-se de um vício e, portanto, pode encontrar-se em todas as classes sociais.”

 

 

“Se não fosse o hábito, a vida deveria parecer deliciosa às pessoas que estivessem ameaçadas de morrer a todo instante – ou seja, a toda a humanidade.”

 

 

“Pois a beleza é uma sequência de hipóteses, e a feiura a reduz, barrando o caminho que já víamos abrir-se para o desconhecido.”

 

 

“Mas a característica da idade ridícula que eu atravessava – idade nada ingrata, aliás muito fecunda – é que não se consulta a inteligência e que os menores atributos das criaturas parecem fazer parte indivisível de sua personalidade. Sempre cercados de monstros e deuses, a gente quase não conhece o sossego. E quase todos os gestos que fazemos por essa época, desejaríamos suprimi-los mais tarde. Mas, ao contrário, o que se deveria de fato lastimar seria não mais possuirmos aquela espontaneidade que nos inspirava. Depois, veem-se as coisas de maneira mais prática, em plena concordância com o resto da sociedade, mas a adolescência é a única época da vida em que aprendemos algo.”

 

 

“Na humanidade, a frequência de virtudes idênticas para todos não é mais maravilhosa que a multiplicidade dos defeitos particulares de cada um.”

 

 

“O importante, na vida, não é o que se ama e sim sentir o amor.”

 

 

“‘Afinal’, dizia para mim mesmo, ‘talvez o prazer que se tenha de escrever uma bela página não seja o critério infalível do seu valor; talvez não passe de um estado acessório que muitas vezes vem se acrescentar a ela, mas cuja falta não faz diferença. Talvez certas obras-primas tenham sido feitas entre bocejos’.”

 

 

“Mas a essa primeira incerteza, se as veria ou não no mesmo dia, vinha acrescentar-se outra, mais grave, a de que jamais voltasse a vê-las, pois afinal ignorava se deveriam partir para a América ou voltar a Paris. Isto era suficiente para me fazer começar a amá-las. Podemos ter inclinação por uma pessoa. Mas, para desencadear essa tristeza, esse sentimento do irreparável, essas angústias que preparam o amor, é necessário – e é talvez isto, e não uma pessoa, o próprio objeto que a paixão deseja ansiosamente estreitar – o risco de uma impossibilidade.”

 

 

“Antigamente eu havia entrevisto nos Champs-Élysées, e melhor o verificaria desde então, que, ao nos apaixonarmos por uma mulher, simplesmente projetamos nela um estado de nossa alma; que, por conseguinte, o importante não é o valor da mulher mas a profundeza desse estado; e que as emoções que uma moça medíocre nos proporciona podem fazer com que subam à consciência as partes mais íntimas de nós mesmos, as mais pessoais, mais longínquas, mais essenciais, o que não faria o prazer que nos dá a conversação de um homem superior ou até a contemplação admirativa de suas obras.”

 

 

“Não existe homem, por mais sábio que seja – disse-me –, que não tenha, em certa época de sua juventude, pronunciado palavras, ou até levado uma vida, cuja recordação lhe seja desagradável e que ele desejasse ver abolidas. Mas não deve lamentá-la de todo, pois não pode estar seguro de se ter tornado um sábio, na medida em que isso é possível, sem passar por todas as encarnações ridículas ou odiosas que devem precedê-la. Sei que há jovens, filhos e netos de pessoas célebres, a quem os preceptores ensinaram a nobreza de espírito e a elegância moral desde o colégio. Talvez nada se tenha a dizer de suas vidas, poderiam assinar e publicar tudo o que disseram, mas são pobres espíritos, descendentes sem força dos doutrinadores, e cuja sabedoria é negativa e estéril. A gente não herda a sabedoria; é preciso descobri-la por nós mesmos depois de uma trajetória que ninguém pode fazer por nós, e que ninguém nos pode evitar, pois ela é uma forma de ver as coisas. As vidas que o senhor admira, as atitudes que julga nobres, não foram obtidas pelo pai de família ou pelo preceptor; foram precedidas por inícios bem diversos, tendo sido influenciadas pelo que lhes havia em torno, fosse bom ou banal. Representam um combate e uma vitória. Compreendo que já não reconheçamos a imagem do que fomos num primeiro período da vida, a qual, em todo o caso, nos é desagradável. Entretanto, não deve ser renegada, pois trata-se de um testemunho de que temos vivido segundo as leis da vida e do espírito e que dos elementos comuns da vida, extraímos algo que os supera.”

 

 

“E, em suma, é uma forma como outra qualquer de resolver o problema da existência, o de aproximar bastante as coisas e as pessoas que de longe nos pareceram belas e misteriosas, para nos darmos conta de que não têm mistério nem beleza; é uma das higienes entre as quais se pode optar, uma higiene que talvez não seja muito recomendável, mas que nos proporciona uma certa calma para passar a vida e também para nos resignarmos à morte, uma vez que nos permite não lamentar coisa alguma, convencendo-nos que alcançamos o melhor e que o melhor não é grande coisa.”

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