quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Os trabalhadores do mar (Parte II), de Victor Hugo

Editora: Clube de Literatura Clássica

Opinião: ★★★★★

Link para compra: Clique aqui

Tradução: Machado de Assis

ISBN: 978-65-8703-638-0

Páginas: 610

Sinopse: Ver Parte I



Em certos pontos, a certas horas, contemplar o mar é sorver um veneno. É o que acontece, às vezes, olhando para uma mulher.”

 

 

O corpo humano é talvez uma simples aparência, escondendo a nossa realidade, e condensando-se sobre a nossa luz ou sobre a nossa sombra. A realidade é a alma. A bem dizer, o rosto é uma máscara. O verdadeiro homem é o que está debaixo do homem. Mais de uma surpresa haveria se se pudesse vê-lo agachado e escondido debaixo da ilusão que se chama carne. O erro comum é ver no ente exterior um ente real. Tal criaturinha, por exemplo, se pudéssemos vê-la como realmente é, em vez de moça, mostrar-se-ia pássaro.”

 

 

Neste mundo o lindo é o necessário. Há mui poucas funções tão importantes como esta de ser encantadora. Que desespero na floresta se não houvesse o colibri! Exalar alegrias, irradiar venturas, possuir no meio das coisas sombrias uma transudação de luz, ser o dourado do destino, a harmonia, a gentileza, a graça, é favorecer-te. A beleza basta ser bela para fazer bem. Há criatura que tem consigo a magia de fascinar tudo quanto a rodeia; às vezes nem ela mesmo o sabe, e é quando o prestígio é mais poderoso; a sua presença ilumina, o seu contato aquece; se ela passa, ficas contente; se para, és feliz; contemplá-la é viver; é a aurora com figura humana; não faz nada, nada que não seja estar presente, e é quanto basta para edenizar o lar doméstico; de todos os poros sai-lhe um paraíso; é um êxtase que ela distribui aos outros, sem mais trabalho que o de respirar ao pé deles. Ter um sorriso que — ninguém sabe a razão — diminui o peso da cadeia enorme arrastada em comum por todos os viventes, que queres que te diga? É divino. Déruchette tinha esse sorriso. Mais ainda, era o próprio sorriso. Há alguma coisa mais parecida que o nosso rosto, é a nossa fisionomia; e outra mais parecida que a nossa fisionomia, é o nosso sorriso. Déruchette, risonha, era Déruchette.”

 

 

Cem anos justos, 1707-1807, separam o primeiro barco de Papin do primeiro navio de Fulton. A Galeota de Lethierry era decerto um progresso sobre aqueles dois esboços, mas era esboço também. Nem por isso deixava de ser uma obra-prima. Todo embrião de ciência tem este duplo aspecto: monstro, como feto; maravilha, como germe.”

 

 

“As novidades têm contra si o ódio de todos; o menor erro compromete-as.”

 

 

Zuela ia comer, algumas vezes, à Pousada João. O Sr. Clubin conhecia-o de vista.

E o Sr. Clubin não era soberbo; não se desprezava de conhecer de vista um tratante. Às vezes chegava mesmo a conhecê-los de fato, dando-lhes a mão em plena rua. Falava inglês com o smogler e engrolava o espanhol com o contrabandista.

A este respeito tinha ele as seguintes máximas:

— Pode-se adquirir o bem pelo conhecimento do mal. — O monteiro conversa proveitosamente com o ladrão de caça. — O piloto deve sondar o pirata; o pirata é um escolho. — Trata de provar um velhaco como o médico prova o veneno.

Não tinha réplica. Todos davam razão ao Capitão Clubin. Era aprovado por não ter escrúpulos tolos. Quem ousaria dizer mal dele? Tudo quanto fazia era para bem do serviço. Nele tudo era simples. Nada podia comprometê-lo. O cristal querendo manchar-se não pode. Esta confiança era a justa recompensa de uma longa honestidade e é essa a excelência das reputações firmes. Fizesse o que fizesse o Sr. Clubin, todos lhe viam malícia no sentido da virtude; tinha adquirido a impecabilidade; e de mais a mais dizia-se que era muito esperto; deste ou daquele encontro que com outra pessoa seria suspeito, a sua probidade saía sempre com um relevo de habilidade. A fama de habilidade combinava-se harmoniosamente com a fama de ingenuidade, sem contradição alguma. Ingênuo hábil é coisa que existe. É uma das variedades do homem honesto e das mais apreciadas. O Sr. Clubin era desses homens que, encontrados em conversa íntima com um larápio ou um bandido, são recebidos, compreendidos, e mais respeitados, e têm ainda por si o piscar de olhos satisfeitos da estima pública.”

 

 

“Em muitos pontos do litoral inglês e francês o contrabando estava em boa harmonia com o negócio lícito. Entrava na casa de mais de um financeiro de alta classe, às escondidas, é verdade; e dilatava-se subterraneamente na circulação comercial e por todas as vias de indústria. Negociante em público, contrabandista às escondidas, eis a história de muitas fortunas. Seguin dizia isto de Bourguin. Bourguin dizia isto de Seguin. Não garantimos o dito de ambos. Talvez se caluniassem um ao outro. Fosse como fosse, o contrabando perseguido pela lei estava, sem contestação, muito aparentado no comércio. Carteava-se com a gema da sociedade. A caverna onde Maudrin acotovelava outrora o Conde de Charolais era honesta exteriormente e tinha uma fachada irrepreensível para o lado da sociedade.

Daqui resultaram muitas conveniências necessariamente mascaradas. Tais mistérios exigiam sombra impenetrável. Um contrabandista sabia de muitas coisas e devia guardar segredo; a sua lei era uma fé inviolável e rígida. A primeira qualidade de um trapaceiro era a lealdade. Sem discrição não há contrabando. Havia o segredo da fraude como há o segredo da confissão.

Esse segredo era imperturbavelmente guardado. O contrabandista jurava não dizer nada e mantinha a sua palavra. Ninguém inspirava mais confiança que um contrabandista. O juiz alcaide de Oyarzun apanhou um dia um contrabandista e pôs-lhe a questão para obrigá-lo a declarar quem era o seu caixa de fundos. O contrabandista não confessou quem era o caixa de fundos. O caixa de fundos era o juiz alcaide. Dos dois cúmplices, juiz e contrabandista, o primeiro devia, para cumprir a lei aos olhos de todos, ordenar a tortura, à qual o segundo resistia para cumprir o juramento.

Os dois mais famosos contrabandistas que andavam em Plainmont naquela época eram Blasco e Blasquito. Eram tocaios. Parentesco espanhol e católico que consiste em ter o mesmo patrão no paraíso, coisa não menos digna de consideração que ter o mesmo pai na terra.”

 

 

“Devem recordar-se que isto remonta à época em que os camponeses guernesianos acreditavam que o mistério do presépio era repetido todos os anos pelos bois e pelos asnos; época em que ninguém, na noite de Natal, ousaria penetrar em uma estrebaria com receio de encontrar os animais ajoelhados. (...)

Houve sempre quem acreditasse em congressos de feitiçaria, e alguns desses crédulos altamente colocados. César consultava Sagana, e Napoleão Mademoiselle Lenormand. Há consciências tão inquietas que chegam a procurar indulgências do diabo. “Faça-o Deus, mas não o desfaça Satanás”, era uma das orações de Carlos V.

Há espíritos mais timoratos ainda. Esses chegam a persuadir-se de que o mal pode ter razão contra eles. Ser irrepreensível para com o demônio é uma das suas preocupações. Daí vêm as práticas religiosas voltadas para a imensa malícia obscura. É uma carolice como qualquer outra. Os crimes contra o demônio existem em certas imaginações doentias; violar a lei do inimigo é uma coisa que faz sofrer os estranhos casuístas da ignorância; há escrúpulos para com as regiões das trevas. Crer na eficácia da devoção aos mistérios do Brocken e de Armuyr, imaginar que se peca contra o inferno recorrendo a penitências quiméricas por infrações quiméricas, confessar a verdade ao espírito da mentira; fazer o mea culpa diante do pai da Culpa, confessar-se em sentido inverso, tudo isto existe ou existiu. Os processos de magia provam-no em cada uma de suas páginas. Vai até esse ponto o sonho humano. Quando o homem começa a assustar-se, não para mais. Sonha culpas imaginárias, sonha purificações imaginárias, e faz limpar a sua consciência com a vassoura das feiticeiras.”

 

 

“A nobreza conquista-se pela espada e perde-se pelo trabalho. Conserva-se pela ociosidade. Não fazer coisa alguma é viver fidalgamente; quem não trabalha é reverenciado. Ofício faz decair. Na França de outrora só se excetuavam os operários de vidro. Sendo glória para os fidalgos esvaziar garrafas, fazê-las não era desonra alguma. Nas ilhas da Mancha, assim como na Grã-Bretanha, quem quiser ser nobre deve conservar-se opulento. Um workman não pode ser gentleman. Ainda que o tenha sido, já não o é mais.”

 

 

“O mar e o vento formam um composto de forças. O navio é um composto de máquinas. As forças são máquinas infinitas, as máquinas são forças limitadas. Entre os dois organismos, um inesgotável, outro inteligente, trava-se o combate que se chama navegação.

Uma vontade no mecanismo faz contrapeso ao infinito. Também o infinito encerra um mecanismo. Os elementos sabem o que fazem e para onde vão. Não há força cega. Cabe ao homem espreitar as forças e descobrir-lhes o itinerário.

Enquanto se não descobre a lei, prossegue a luta, e nessa luta a navegação a vapor é uma espécie de vitória perpétua que o gênio humano vai ganhando a todas as horas do dia em todos os pontos do mar. A navegação a vapor é admirável porque disciplina o navio. Diminui a obediência ao vento e aumenta a obediência ao homem.”

 

 

“A virtude, para ele, era coisa que esmagava. Passou a vida a ter vontade de morder aquela mão que lhe tapava a boca.

E querendo mordê-la foi obrigado a beijá-la.

Ter mentido é ter sofrido. O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga. Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, pôr açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso. O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa náuseas beber perpetuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjoo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento. Engolir essa saliva é coisa horrível. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima. Há um eu desmedido no impostor. O verme resvala como o dragão e como ele retesa-se e levanta-se. O traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a sua vontade senão resignando-se ao segundo papel. É a mesquinhez capaz da enormidade. O hipócrita é um titã-anão.”

 

 

“Tudo serve onde não há abundância.”

 

 

“Basta começar para ver como é difícil concluir. Todo começo resiste. O primeiro passo que se dá é um revelador inexorável. A dificuldade que se toca fere como um espinho.”

 

 

“As obras da natureza, não menos supremas que as obras do gênio, contêm o absoluto e impõem-se. O inesperado delas faz-se obedecer imperiosamente pelo espírito; sente-se uma premeditação que fica fora do homem, e elas não são mais surpreendentes do que quando fazem subitamente sair o delicado do terrível.”

 

 

“Um afago prévio tempera as traições.”

 

 

“Os teimosos são os sublimes. Quem é apenas bravo tem só um assomo, quem é apenas valente tem só um temperamento, quem é apenas corajoso tem só uma virtude; o obstinado na verdade tem a grandeza. Quase todo o segredo dos grandes corações está nesta palavra: perseverando. A perseverança está para a coragem como a roda para a alavanca; é a renovação perpétua do ponto de apoio. Esteja na terra ou no céu o alvo da vontade, a questão é ir a esse alvo; no primeiro caso, é Colombo, no segundo caso, é Jesus. Insensata é a cruz; vem daí a sua glória. Não deixar discutir a consciência, nem desarmar a vontade, é assim que se obtêm o sofrimento e o triunfo. Na ordem dos fatos morais o cair não exclui o pairar. Da queda sai a ascensão. Os medíocres deixam-se perder pelo obstáculo especioso; não assim os fortes. Perecer é o talvez dos fortes, conquistar é a certeza deles. (...)

A perda das forças não esgota a vontade. Crer é apenas a segunda potência; a primeira é querer; as montanhas proverbiais que a fé transporta nada valem ao lado do que a vontade produz.”

 

 

“Existe a pressão da sombra.

Inexprimível teto de tênebras; alta obscuridade sem mergulhador possível; luz mesclada à obscuridade, mas uma luz vencida e sombria; claridade reduzida a pó; é semente? é cinza? milhões de fachos, claridade nula; vasta ignição que não diz o seu segredo, uma difusão de fogo em poeira que parece um bando de faíscas paradas, a desordem do turbilhão e a imobilidade do sepulcro, o problema oferecendo uma abertura de precipício, o enigma desvendando e escondendo a sua face, o infinito mascarado com a escuridão, eis a noite. Pesa no homem esta superposição.

Esse amálgama de todos os mistérios a um tempo, do mistério cósmico e do mistério fatal, abate a cabeça humana.

A pressão da sombra atua em sentido inverso nas diferentes espécies de almas. O homem, diante da noite, reconhece-se incompleto. Vê a obscuridade e sente a enfermidade. O céu negro é o homem cego. Entretanto, com a noite, o homem abate-se, ajoelha-se, prosterna-se, roja-se, arrasta-se para um buraco, ou procura asas. Quase sempre quer fugir a essa presença informe do desconhecido.

Pergunta o que é; treme, curva-se, ignora; às vezes quer ir lá.

Aonde?

Lá.

Lá? O que é? Que há lá?

Essa curiosidade é evidentemente a das coisas defesas, porque para aquele lado todas as pontes à roda do homem estão cortadas. Mas o desejo atrai, porque é golfão. Onde não vai o pé, vai o olhar, onde o olhar para, pode continuar o espírito. Não há homem que não tente, por mais fraco e insuficiente que seja. O homem, segundo a sua natureza, investiga ou espera diante da noite. Para uns é um rechaçamento, para outros é uma dilatação. O espetáculo é sombrio. Mescla-se a ele o indefinível.

Vai a noite serena? É um fundo de sombra. Vai tempestuosa? É um fundo de fumaça. O ilimitado recusa-se e oferece-se ao mesmo tempo, fechado à experiência, aberto à conjetura. Infinitas picadas de luz tornam mais negra a obscuridade sem fundo. Carbúnculos, cintilações, astros. Presenças verificadas no Ignorado; tremendos reptos para ir tocar esses clarões. São estacas da criação no absoluto; são marcos de distância lá onde já não há distância; é uma espécie de numeração impossível, e todavia real, do canal das profundezas. Um ponto microscópico que fulge, depois outro, mais outro, mais outro; é o imperceptível, é o enorme. Essa luz é um foco, esse foco é uma estrela, essa estrela é um sol, esse sol é um universo, esse universo é nada. Todo o número é zero diante do infinito.

Esses universos, que nada são, existem. Verificando-os, sente-se a diferença que vai entre ser nada, e não ser.

O inacessível ligado ao inexplicável, eis o céu.”

 

 

“Quando Deus quer, excede no execrável.

A razão desta vontade é o medo do pensador religioso.”

 

 

“Mess Lethierry estava reduzido à função maquinal de viver.

Os homens mais valentes, privados da sua ideia realizável, atingem a isto. É esse o efeito das existências esvaziadas. A vida é a viagem, a ideia é o itinerário. Sem itinerário, para-se. Perdido o alvo, morre a força. A sorte é um obscuro poder discricionário. Pode bater com as suas vergastas o nosso ser moral. O desespero é quase a destituição da alma. Só os grandes espíritos resistem. E ainda assim...”

 

 

“Ser impotente é uma força. Diante das nossas duas grandes cegueiras, o destino e a natureza, é na sua impotência que o homem acha o ponto de apoio, a oração.

O homem socorre-se do próprio medo; pede auxílio ao pavor; a ansiedade aconselha o ajoelhar.

A oração, enorme força própria da alma, é da mesma espécie que o mistério. A oração dirige-se à magnanimidade das trevas; a oração contempla o mistério com os olhos da sombra, e, diante da fixidez poderosa desse olhar súplice, sente-se um desarmamento possível no ignoto.”

Os trabalhadores do mar (Parte I), de Victor Hugo

Editora: Clube de Literatura Clássica

Opinião: ★★★★★

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Tradução: Machado de Assis

ISBN: 978-65-8703-638-0

Páginas: 610

Sinopse: A riqueza imagística e formal de sua lírica fez de Victor Hugo o maior poeta romântico francês, também principal mentor do Romantismo em seu país e um de seus mais importantes prosadores. Em 1886, escreveu o romance “Os Trabalhadores do Mar”, considerado por muitos críticos e leitores como sua verdadeira obra-prima.



“A última queima de feiticeiros em Guernesey foi em 1747, sendo teatro do espetáculo a praça de Bordage, que, de 1565 a 1700, viu queimarem-se onze feiticeiros. Em geral esses culpados confessavam seus crimes: eram para isso ajudados pela tortura.

A praça Bordage prestou serviços à sociedade e à religião. Queimaram-se aí os heréticos. No tempo de Maria Tudor, entre outros huguenotes, queimou-se uma mãe e duas filhas: a mãe chamava-se Perrotine Massy. Uma das filhas estava grávida e teve o sucesso sobre o braseiro.

A crônica diz: “Arrebentou-lhe o ventre”. Saiu desse ventre um menino vivo; o recém-nascido rolou na fogueira, um tal House apanhou-o. O bailio, Hélier Grosselin, bom católico, mandou atirar a criança ao fogo.”

 

 

“Os vulcões arrojam pedras, as revoluções homens. Espalham-se famílias a grandes distâncias, deslocam-se os destinos, separam-se os grupos dispersos às migalhas; cai gente das nuvens, uns na Alemanha, outros na Inglaterra, outros na América. Pasmam os naturais dos países. Donde vêm estes desconhecidos? Foi aquele Vesúvio, que fumega além, que os expeliu de si. Dão-se nomes a esses aerólitos, a esses indivíduos expulsos e perdidos, a esses eliminados da sorte: chamam-nos emigrados, refugiados, aventureiros. Se ficam, toleram-nos: alegram-se quando eles vão embora. Algumas vezes são entes absolutamente inofensivos, estranhos, as mulheres ao menos, aos acontecimentos que os proscreveram, não tendo rancores nem cólera, projéteis contra a vontade, espantadíssimos de o serem. Enraízam-se como podem. Não fazem mal a ninguém e não compreendem o que lhes acontece. Vi um dia uma pobre moita de ervas atirada aos ares pela explosão de uma mina. A Revolução Francesa, mais do que nenhuma explosão, fez desses jatos longínquos.”

 

 

“Envelheceu a mulher. Cresceu o menino. Viviam ambos sós; todos fugiam deles, mas eles bastavam-se a si próprios. Loba e filhote lambem-se mutuamente. Foi esta uma das fórmulas que lhes aplicou a benevolência da vizinhança.

O menino tornou-se adolescente, o adolescente homem, e então, devendo caírem sempre as velhas crostas da vida, a mãe veio a falecer. (...)

A morte da mãe acabrunhou o filho. Era rústico, tornou-se feroz. Completou-se-lhe o deserto. Era isolamento, tornou-se vácuo. Quando há duas criaturas, a vida é possível. Havendo uma só, parece que nem se pode arrastá-la. Renuncia-se a ela. É a primeira forma de desespero. Mais tarde compreende-se que o dever é uma série de aceites. Contempla-se a morte, contempla-se a vida, consente-se na última. Mas é um consentimento que sangra.

Gilliatt era moço, a ferida cicatrizou. Naquela idade as carnes do coração tornam a unir-se. A tristeza, dissipando-se-lhe a pouco e pouco, misturou-se à natureza em redor dele, tornou-se uma espécie de encanto, atraiu-o para perto das coisas e longe dos homens, e amalgamou cada vez mais aquela alma e a solidão.”

 

 

IMPOPULARIDADE

Já o dissemos. Gilliatt não era estimado na paróquia. Antipatia natural. Sobravam motivos. O primeiro, acabamos de explicá-lo, era a casa em que morava. Depois a origem dele. Quem era aquela mulher? E este menino? A gente não gosta de enigmas a respeito de estrangeiros. Depois, trajava uma roupa de operário, tendo aliás com que viver, embora não fosse rico. Depois, o jardim, que ele conseguia cultivar e donde colhia batatas, apesar dos ventos de equinócio. Depois, os alfarrábios que ele lia.

Outras razões, ainda.

Por que motivo vivia solitário? A casa mal-assombrada era uma espécie de lazareto; conservavam Gilliatt em quarentena; deste modo, era muito simples que o seu isolamento causasse espanto, e o responsabilizassem pela solidão em que o deixavam.

Nunca ia à igreja. Saía muitas vezes à noite. Falava aos feiticeiros. Uma vez viram-no sentado sobre a relva com ar espantado. Frequentava o dólmen de Ancresse e as pedras fatídicas que existem espalhadas pelo campo. Havia quase certeza de terem-no visto cumprimentar polidamente a Rocha que Canta. Comprava todos os pássaros que lhe levavam, e soltava-os. Era civil para com as pessoas das ruas de Saint-Sampson, mas preferia dar uma volta para não passar por lá. Pescava muitas vezes e sempre apanhava peixe. Trabalhava no jardim aos domingos. Tinha um bagpipe (gaita-de-foles), que comprara a uns soldados escoceses, ao passarem por Guernesey, e tocava nele sobre os rochedos, à beira do mar, ao cair da noite. Gesticulava como um semeador. Que virá a ser uma terra com um homem destes?

Quanto aos livros que haviam pertencido à mulher finada, esses eram assustadores. Quando o Reverendo Jaquemin Herodes, cura de Saint-Sampson, entrou na casa para encomendar a mulher, leu no lombo desses livros os títulos seguintes: Dicionário de Rosier, Cândido, por Voltaire; Aviso ao Povo acerca da Sua Saúde, por Tissot. Dissera um fidalgo francês emigrado, retirado em Saint-Sampson, que “aquele Tissot15 devia ser o que carregou a cabeça da Princesa de Lamballe”.

O reverendo notou, num dos livros, este título verdadeiramente extravagante e ameaçador: De Ruibarbaro.

Cumpre observar que, sendo a obra escrita em latim, como indica o título, era duvidoso que Gilliatt, que não sabia latim, lesse aquela obra.

Mas são exatamente os livros que a gente não lê os que mais condenam. A Inquisição da Espanha julgou esse caso, e pô-lo fora de dúvida.

Demais, o livro era o tratado do Doutor Tilingius16 Sobre o Ruibarbaro, publicado na Alemanha em 1679.

Não havia certeza de que Gilliatt não fizesse bruxarias, filtros e sortilégios. Tinha frascos em casa.

Por que motivo ia ele passear, às vezes até a meia-noite, nos penhascos da costa? Era evidentemente para conversar com a gente maligna que anda à noite nas praias no meio das exalações.

Ajudou ele uma vez a feiticeira de Torteval a desatolar a carroça. Era uma velha, por nome Moutonne Gahy.

Tendo-se feito um recenseamento na ilha, perguntou-se-lhe a profissão, e ele respondeu: “Pescador, quando há peixe”. Vejam lá se a gente da ilha podia gostar de tais respostas.

Pobreza e riqueza são relativas. Gilliatt tinha terras e uma casa, e, comparado aos que não possuem coisa nenhuma, não era pobre. Um dia, para experimentá-lo, e talvez para inculcar-se, porque há mulheres que estariam prontas a desposar o diabo rico, disse uma rapariga a Gilliatt: “Quando se casa?” A resposta dele foi: “Casar-me-ei quando se casar a Rocha que Canta”.

A Rocha que Canta era uma grande pedra colocada a pique numa horta rústica perto do Senhor Lemezurier de Fry. Esta pedra inspira desconfiança. Não se sabe o que ela faz ali. Ouve-se cantar um galo invisível, coisa extremamente desagradável. Verificou-se que a pedra foi posta ali por uns fantasmas.

De noite, quando troveja, se aparecem homens a voar entre as nuvens avermelhadas, são os tais fantasmas. Há uma mulher que mora no Grande Mielles e que os conhece. Uma noite, em que havia fantasmas numa encruzilhada, essa mulher, vendo um carroceiro que não sabia por onde seguir, gritou-lhe: “Pergunte-lhes o caminho; é gente benéfica, e bem-educada, com quem se pode conversar” — aquela mulher é com certeza feiticeira.

O judicioso e sábio Rei Jacques I mandava ferver ainda vivas as mulheres dessa espécie, provava o caldo e, pelo gosto, dizia: “É feiticeira”, ou: “Não é feiticeira”.

É para lamentar que os reis hoje não tenham daqueles talentos, que faziam compreender a utilidade da instituição.

Gilliatt, não sem motivos sérios, tinha fama de feiticeiro.

Num temporal, à meia-noite, estando Gilliatt sozinho no mar, dentro de uma lancha, do lado da Someilleuse, ouviram-no perguntar:

— Há lugar para passar? 

Respondeu-lhe uma voz de cima dos penhascos:

— Pois não! ânimo.

A quem falaria ele senão a alguém que lhe respondia? Parece-nos que isto é uma prova.

Outra noite de temporal, tão negro que nada se via pertinho da Catiau-Roque, que é uma dupla fileira de rochedos onde os feiticeiros e as cabras vão dançar à sexta-feira, houve quem reconhecesse a voz de Gilliatt no meio deste terrível diálogo:

— Como está Vésin Brovard? (Era um pedreiro que tinha caído de um telhado.)

— Vai sarando.

— Deveras! pois caiu de um lugar tão alto como aquela estaca. Admira não ficar despedaçado.

— Bom tempo foi a semana passada para a colheita das praias.

— Melhor do que hoje.

— Decerto! não haverá muito peixe no mercado.

— O vento é rijo.

— Não se podem deitar as redes.

— Como vai a Catarina?

— Está embruxada.

A Catarina era evidentemente alguma feiticeira.

Gilliatt, ao que parecia, trabalhava de noite. Ao menos, ninguém duvidava disso.

Viam-no, algumas vezes, espalhar pelo chão a água de um púcaro. Ora, a água espalhada pelo chão traça a forma dos diabos.

Existem na estrada de Saint-Sampson três pedras dispostas em forma de escada. Na plataforma houve em outro tempo uma cruz, e, se não foi cruz, era forca. Aquelas pedras são malignas.

Muita gente esperta, e digna de crédito, afirmava ter visto, perto dessas pedras, Gilliatt conversando com um sapo. Ora, não há sapos em Guernesey; Guernesey tem todas as cobras, e Jersey todos os sapos. Aquele sapo veio naturalmente de Jersey, a nado, para falar a Gilliatt. A conversa era amigável.

Todos estes fatos estavam averiguados; e a prova disso é que as três pedras lá estão. Quem duvidar pode ir vê-las, e mesmo a alguma distância há uma casa em cuja esquina lê-se isto: “Mercador de gato morto e vivo, cordas velhas, ferros, ossos e fumo de mascar; é pronto na paga e na atenção”.

Só de má-fé se pode contestar a existência daquelas pedras e daquela casa. Tudo isso fazia mal a Gilliatt.

Só os ignorantes não sabem que o maior perigo dos mares da Mancha é o que se chama Rei dos Auxcriniers. Não há personagem marítimo mais temível. Quem o vê naufraga logo entre uma e outra Saint-Michel. É pequeno e surdo, por ser anão e rei. Sabe o nome de quantos morreram no mar, e em que lugar estão. Conhece a fundo o cemitério Oceano. Cabeça larga em baixo e estreita em cima, corpo cheio, barriga viscosa e disforme, nodosidades no crânio, pernas curtas, braços compridos, barbatanas em vez de pés, garras em vez de mãos, cara larga e verde, tal é aquele rei. As garras são achatadas, as barbatanas têm unhas. Imaginem um peixe com cara de homem e forma de espectro. Para vencê-lo é preciso exorcismá-lo ou pescá-lo. Fora disso, é sinistro. Vê-lo é perigoso. Descobrem-se acima das ondas e do marulho, através da espessura do nevoeiro, umas feições de gente; testa curta, nariz esborrachado, orelhas chatas, boca imensa e sem dentes, beiços esverdeados, sobrancelhas angulosas, olhos vivos e grandes. O rei torna-se vermelho quando o relâmpago é lívido, descorado quando o relâmpago é vermelho. Tem barba gotejante e rígida, cortada em quadro, que lhe cai sobre uma membrana em forma de mantéu de peregrino; o mantéu é adornado de catorze conchas, sete na frente, sete nas costas. As conchas são extraordinárias para os que conhecem conchas. O rei só é visível no mar violento. É o dançarino lúgubre da tempestade. Vê-se a forma dele esboçada no nevoeiro e na chuva. O umbigo é hediondo. Uma casca de escamas guarda-lhe os quadris à semelhança de colete. O rei levanta-se de pé, sobre as vagas que irrompem à pressão dos ventos e vão rolar-se como os cavacos que saem do rabote do marceneiro. Conserva-se todo fora da espuma, e, quando avista ao longe os navios em perigo, entra a bailar, descorado na sombra, com a face iluminada por um vago sorriso, feio e demente no aspecto. Mau encontro esse.

Na época em que Gilliatt era uma das preocupações de Saint-Sampson, as últimas pessoas que tinham visto o rei da Mancha declaravam que já não havia no mantéu mais de treze conchas. Treze; era mais perigoso ainda. Mas onde foi parar a outra concha? Deu-a a alguém? A quem seria? Ninguém podia dizê-lo, todos se limitavam às conjecturas. O que é certo é que o Sr. Lupin Matier, do lugar de Godaines, homem de posição, proprietário taxado em catorze bairros, estava pronto a jurar que vira uma vez, nas mãos de Gilliatt, uma concha muito esquisita.

Não raras vezes se ouviam os campônios conversarem entre si:

— Vizinho, não é verdade que este boi é magnífico?

— Inchado, vizinho.

— Homem, é verdade.

— Tem mais sebo do que carne.

— Deveras!

— Estais certo de que Gilliatt não lhe pôs os olhos em cima?

Gilliatt parava nos campos, ao pé dos lavradores, e nos jardins, ao pé dos jardineiros, e dizia-lhes palavras misteriosas:

— Quando florescer a escabiosa17, semeia o centeio.

— O freixo enfolha, acaba-se a neve.

— Solstício de verão, cardo em flor.

— Se não chover em junho, o trigo há de espigar. Tomem cuidado com as plantas nocivas.

— A cerejeira está dando frutos, desconfia da lua cheia.

— Se o tempo, no sexto dia da lua, conservar-se como no quarto dia ou como no quinto, há de ser o mesmo em toda a lua, nove vezes em doze no primeiro caso, e onze vezes em doze no segundo.

— Vigia o teu vizinho com quem andas em processo. Cautela com as espertezas. Porco que bebe leite quente estoura. Vaca que leva alho nos dentes não come.

— O peixe está gerando, guarda-te das febres.

— As rãs aparecem, semeia os melões.

— A anêmona enflora, semeia a cevada.

— A tília enflora, ceifa os campos.

— O choupo enflora, fecha as estufas.

E, coisa terrível, quem seguisse os seus conselhos achá-los-ia muito bons. 

Uma noite de junho, em que ele tocava o bagpipe, sobre os cabedelos da praia, do lado da Damie de Fontenelle não se pôde pescar uma só cavala.

Outra noite, vazando a maré aconteceu tombar na praia, em frente da casa mal-assombrada, uma carreta cheia de sargaço. Gilliatt receou naturalmente ser chamado à justiça, pois atirou-se a levantar a carreta, pondo-lhe outra vez toda a carga que se espalhara no chão.

Uma menina da vizinhança tinha muitos piolhos; Gilliatt foi a Saint-Pierre-Port, trouxe de lá um unguento e o esfregou à cabeça da pequena; tirou-lhe os piolhos, o que prova que foi ele quem lhos deitou.

Sabe toda a gente que há feitiço para fazer criar piolhos na cabeça dos outros.

Dizia-se que Gilliatt olhava para os poços, o que é perigoso quando é mau-olhado; e o caso é que um dia, nos Arculons, a água de um poço tornou-se doentia. A dona do poço disse a Gilliatt: “Veja esta água”. E apresentou-lhe um copo cheio. Gilliatt confessou: “A água está grossa”, disse ele; “é exato”. A boa mulher, que desconfiava, disse-lhe: “Pois cure-a”. Gilliatt perguntou-lhe se ela tinha algum curral, se o curral tinha esgoto, e se o rego do esgoto passava perto do poço. A boa mulher disse que sim. Gilliatt entrou no curral, desviou o rego do esgoto, e a água do poço ficou boa. Ora, pensava a gente da terra, nenhum poço fica insalubre, nem é curado depois, sem motivo; a doença do poço não é natural; é difícil não acreditar que Gilliatt tenha enguiçado18 a água.

De uma vez, tendo ido a Jersey, foi alojar-se em São Clemente, em uma rua cujo nome quer dizer almas do outro mundo.

Nas aldeias, colhem-se os indícios, comparam-se: o total faz a reputação de um homem.

Aconteceu um dia que Gilliatt foi surpreendido a deitar sangue pelo nariz. Coisa grave. Um patrão de lancha, grande viajante, que fez quase a volta do mundo, afirmou que havia uma terra, onde todos os feiticeiros deitam sangue pelo nariz. Quando um homem deita sangue pelo nariz, já toda a gente sabe como se haver com ele. Todavia, algumas pessoas de juízo observaram que aquilo que caracteriza os feiticeiros em uma terra pode não caracterizá-los em outra.

Nos arredores de Saint-Michel, viu-se Gilliatt parado em uma horta dos Huriaux, ao pé da estrada real de Videclins. Gilliatt assobiou, e pouco depois veio um corvo, e depois uma pega19. O fato foi atestado por um homem notável que pertenceu depois a uma comissão encarregada de fazer um novo livro de medidas.

No Hamel, há mulheres velhas que diziam estar certas de ter ouvido, ao romper da manhã, umas andorinhas chamando por Gilliatt.

A isto deve acrescentar-se que Gilliatt não era bom.

Um dia um pobre homem batia num asno, que tinha empacado. Deu-lhe algumas tamancadas na barriga, o animal caiu. Gilliatt correu para levantá-lo, estava morto. Gilliatt esbofeteou o pobre homem.

Noutra ocasião, vendo um rapaz descer de uma árvore com um ninho de passarinhos ainda implumes, Gilliatt tirou o ninho do rapaz, e levou a crueldade ao ponto de restituí-lo ao seu lugar na árvore.

Uns viandantes censuraram-no por isto: Gilliatt não fez mais do que apontar para o pai e a mãe dos passarinhos, que guinchavam por cima da árvore e voltavam para o ninho. Tinha queda pelos pássaros. É um sinal esse que faz conhecer geralmente os bruxos.

Os rapazes gostam de tirar os ninhos de cotovias e goelanos no penedio das costas. Trazem consigo grande porção de ovos azuis, amarelos e verdes, para armar com eles a frente das lareiras. Como os penedos estão a pique, aconteceu-lhes às vezes escorregarem, caírem e morrerem. Nada mais lindo que uma varanda adornada com ovos de pássaros do mar. Gilliatt já não sabia que inventar para fazer mal aos rapazes. Trepava, com risco de vida, ao cimo das rochas marinhas, e pendurava aí molhos de feno, com chapéus velhos em cima e tudo quanto pudesse servir de espantalho, para arredar os pássaros e, por consequência, as crianças.

Por tudo isto Gilliatt ia sendo a pouco e pouco odiado por todos. Não precisava tanto para sê-lo.”

15 Samuel Auguste David Tissot (1728-1797) – médico suíço muito reputado em sua época por uma abordagem moderna da medicina. Deu contribuições importantes para o estudo da enxaqueca e escreveu sobre os males da masturbação. Aviso ao Povo acerca da Sua Saúde foi um dos primeiros livros populares de medicina da história. Um bestseller da época.

16 Matthias Tilingius (1634-1674) é o autor deste livro que descreve descobertas acerca das qualidades medicinais do ruibardo, hortaliça com propriedades digestivas e laxantes.

17 No original mors du diable. Escabiosa ou língua-de-vaca é uma planta que possui propriedades medicinais.

18 Enguiçar tem aqui o sentido pouco usual de jogar enguiço, mau-olhado.

19 Pega: uma espécie de gralha do campo.