domingo, 7 de janeiro de 2024

A casa dos espíritos, de Isabel Allende

Editora: Bertrand Brasil

ISBN: 978-65-5838-000-9

Tradução: Carlos Martins Pereira

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Opinião: ★★★★★

Páginas: 506

Sinopse: Seu primeiro romance, publicado em 1982, A casa dos espíritos se tornou em pouquíssimo tempo um sucesso absoluto de crítica e vendas, e é hoje um dos títulos míticos da literatura latino-americana.

A casa dos espíritos é tanto uma emblemática saga familiar quanto um relato acerca de um período turbulento na história de um país latino-americano indefinido. Isabel Allende constrói um mundo conduzido pelos espíritos e o enche de habitantes expressivos e muito humanos. As paixões, lutas e segredos da família Trueba abrangem três gerações e um século de transformações violentas, que culminaram em uma crise que levam o patriarca e sua amada neta para lados opostos das barricadas. Em um pano de fundo de revolução e contrarrevolução, Isabel Allende traz à vida uma família cujos laços privados de amor e ódio são mais complexos e duradouros do que as lealdades políticas que os colocam uns contra os outros.

Uma década depois de seu lançamento, foi adaptado para o cinema, numa superprodução estrelada por ícones como Meryl Streep, Glenn Close, Winona Ryder, Jeremy Irons e Antonio Banderas.


“– Estou pensando em ir para o campo, para Las Tres Marías.

– Aquilo é uma ruína, Esteban. Sempre lhe disse que é melhor vender aquela terra, mas você é teimoso como uma mula.

– Nunca se deve vender terra. É só o que fica quando todo o resto se acaba.

– Não concordo. A terra é uma ideia romântica; o que enriquece os homens é o bom faro para os negócios – argumentou Férula. – Mas você sempre disse que algum dia iria morar no campo.

– Esse dia chegou. Odeio esta cidade.

– Por que não diz logo que odeia esta casa?

– Também – respondeu ele rudemente.

– Gostaria de ter nascido homem para poder ir também – disse ela, cheia de ódio.

– Eu não gostaria de ter nascido mulher – contrapôs ele.”

 

 

“Nesse sentido as mulheres são muito estúpidas. São filhas da necessidade. Precisam de um homem para se sentir seguras e não se dão conta de que a única coisa que há a temer são os próprios homens.”

 

 

““As irmãs Mora tinham razão”, disse para si. “Não se pode encontrar quem não quer ser encontrado”.”

 

 

“– Em quase todas as famílias há algum tonto ou louco, filhinha – assegurou Clara enquanto prestava atenção em seu tricô, porque em todos aqueles anos não aprendera a tecer sem olhar. – Às vezes não são vistos, porque todos os escondem, como se fossem uma vergonha. Trancam-nos nos quartos mais isolados para que as visitas não os vejam! Na verdade, porém, não há de que se ter vergonha, pois eles também são obra de Deus.

– Mas em nossa família não há nenhum, vovó – observou Alba.

– Não. Aqui a loucura distribuiu-se por todos, e não sobrou nada para termos o nosso louco varrido.”

 

 

“—Alegro-me por ter escolhido essa profissão. Se o que você quer é andar armado, entre ser delinquente e ser da polícia, é melhor ser policial, porque tem impunidade.”

 

 

“Clara não acreditava que o mundo fosse um vale de lágrimas, mas, ao contrário, uma pilhéria de Deus, e, por isso, seria estupidez levá-lo a sério, se Ele próprio não o fazia.”

 

 

“Jaime exercia seu ofício com vocação de apóstolo e, com a mesma tenacidade com que o pai resgatara Las Tres Marías do abandono e juntara uma fortuna, ele deixava suas forças trabalhando no hospital e atendendo os pobres gratuitamente nas horas livres.

– Você é um perdedor irremediável, filho – suspirava Trueba. – Não tem noção da realidade. Ainda não se deu conta de como é o mundo. Aposta em valores utópicos que não existem.

– Ajudar o próximo é um valor que existe, pai.

– Não. A caridade, tal como seu socialismo, é uma invenção dos fracos para persuadir e utilizar os fortes.

– Não acredito em sua teoria de fortes e fracos – respondia Jaime.

– É sempre assim na natureza. Vivemos numa selva.

– Sim, porque os que determinam as regras são os que pensam como você, mas não será sempre assim.”

 

 

“Blanca, por seu lado, acostumara-se a viver sozinha. Conseguiu encontrar paz nos afazeres do casarão da esquina, em sua oficina de cerâmica e em seus presépios de animais inventados, nos quais os únicos seres que correspondiam às leis da biologia eram os membros da Sagrada Família, perdidos em meio a uma multidão de monstros. O único homem de sua vida era Pedro Terceiro, porque tinha vocação para um só amor. A força desse sentimento imutável salvou-a da mediocridade e da tristeza de seu destino. Permanecia fiel mesmo nos momentos em que ele se perdia atrás de algumas ninfas de cabelo escorrido e ossos grandes, sem o amar menos por isso. A princípio, acreditava morrer cada vez que ele se afastava, mas logo se deu conta de que suas ausências duravam o tempo de um suspiro e que, invariavelmente, ele regressava mais apaixonado e mais meigo. Blanca preferia aqueles furtivos encontros com seu amante em hospedarias à rotina de uma vida em comum, ao cansaço de um casamento e ao pesadelo de envelhecer juntos, compartilhando as penúrias do final do mês, o mau hálito da boca ao acordar, o tédio dos domingos e os achaques da idade. Era uma romântica incurável. Algumas vezes quase sucumbiu à tentação de pegar sua maleta de palhaço e o que restava das joias da meia de lã, e ir com sua filha viver com ele, mas sempre se acovardava. Talvez temesse que aquele grandioso amor, que a tantas provações resistira, não pudesse sobreviver à mais terrível de todas: a convivência.”

 

 

“Alba olhou por uma fresta da janela, lacrada com tábuas e sacos de terra, e viu os tanques alinhados na rua e uma fila dupla de homens em pé de guerra, com capacetes, cassetetes e máscaras. Compreendeu que seu avô não exagerara. Os outros também os tinham visto, e alguns tremiam. Alguém lembrou que havia um tipo novo de bombas, pior do que as lacrimogêneas, que provocava uma incontrolável caganeira, capaz de dissuadir o mais valente com a pestilência e o ridículo. Alba considerou a ideia aterradora. Precisou de um grande esforço para não chorar. Sentia pontadas no ventre e supôs que eram de medo. Miguel abraçou-a, mas isso não lhe serviu de consolo. Estavam os dois cansados e começavam a sentir a noite maldormida nos ossos e na alma.

– Não creio que se atrevam a entrar – ponderou Sebastián Gómez. – O governo já tem problemas suficientes. Não vai se meter conosco.

– Não seria a primeira vez que atacaria os estudantes – observou alguém.

– A opinião pública não permitirá – respondeu Gómez. – Estamos numa democracia. Isto não é uma ditadura e nunca será.

– Acreditamos sempre que essas coisas só acontecem em outros lugares – disse Miguel. – Até que aconteçam também conosco.”

 

 

“Fazia frio. O único que não se queixava de nada, nem sequer da sede, era Sebastián Gómez. Parecia tão incansável quanto Miguel, apesar de ter o dobro da idade e o aspecto de tuberculoso.

Fora o único professor que ficara ao lado dos estudantes quando tomaram o edifício. Dizia-se que suas pernas paralisadas eram consequência de uma rajada de metralhadora na Bolívia. Era o ideólogo que fazia arder em seus alunos a chama que a maioria viu apagar-se quando terminou a universidade e se incorporou ao mundo que, em sua primeira juventude, acreditara poder mudar.”

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