Editora: Edição própria
Opinião: ★★★☆☆
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Páginas: 176
Sinopse: Dizem que vontade é uma coisa que dá e passa. Será? A
vontade de escrever, por exemplo, costuma assombrar escritores até que as
palavras sejam expelidas no papel. Neste livro, você vai descobrir pequenas
histórias que nasceram assim, do desejo de brincar com as palavras e dar forma
a sensações, seja em prosa ou em versos. Histórias de afeto e desafeto,
despedidas, saudade, dor e alegria. Histórias de gente meio estranha, e até
alguma fantasia. Lá vou eu fazendo verso de novo, em plena sinopse. Mas ah, bateu
vontade, fiz. O livro é sobre isso, afinal.
“Adulta
De repente, eu cresci. De repente não. Foi devagar, na verdade. Sutil. E
no início nem fiz muito caso, Não estou falando de faculdade, trabalho, contas,
sair de casa. Esse crescer é óbvio, compulsório, diretamente ligado ao tempo, e
vem mais ou menos na mesma época para todo mundo.
Estou falando de crescer por dentro, sabe? De virar adulta também, mas
sobretudo de se perder um pouco de quem se foi.
Para mim, o primeiro sinal do que viria foi externo, quando meu título
de moça foi inadvertidamente revogado. Da noite para o dia, recebi um
substituto: tia.
Os adultos passavam, com crianças a tiracolo, dá licença pra tia, meu
filho, e eu me via sorrindo, fazendo a educada, mas por dentro Ilie
perguntando, entre rosnados, o que tinha mudado. Tia é o caralho.
Mas a mudança começou mesmo com o cansaço, acho. Será que foi isso mesmo?
Minhas sextas, sábados e domingos ficaram mais pacatos. E logo a música da
festa foi de alta para ensurdecedora, e o que era tolerável, como a fila do
banheiro, a ausência de assentos e a quantidade de pessoas, tornou-se
insuportável. As luzes piscando, o estrobo relampeando no escuro, tanta gente,
minha nossa, e que calor; como eu
costumava passar sete horas presa num lugar desses – e amar.
A magia acabou. Eu só queria mesmo o silêncio dos livros, viver a
adrenalina da história dos outros no conforto do meu sofá.”
“Postagem
Não tenho nada a dizer hoje,
Como colocar conteúdo lá fora
com tanto vazio
aqui dentro?
Mas o feed precisa seguir, o algoritmo é implacável.
Posta-me, ou te devoro!
(como é ingrato)
As escolhas: o biscoito X o anonimato.
E pro escritor, “quantos seguidores?”
é que definem o contrato.”
“A gente meio que se desapaixonou, né? Você primeiro, eu depois, muito
depois, quando já não havia mais lágrimas para chorar, nem coração para partir.
Quando finalmente deixei a fantasia das almas gêmeas morrer.
Por muitos anos, vivi numa missão mais impossível que as do Tom Cruise,
em busca da felicidade que um dia viveu na nossa história de amor. Tolice,
aquilo foi único, primeiro amor, intenso, apaixonado, desvairado, coisa de
filme, que só aparece uma vez na vida, e nem é na vida de todo mundo.
E a gente ainda teve a inocência de achar que era um felizes para
sempre. Coisa de adolescente, e tudo bem, segue sendo um amor para recordar.
Mas ainda há algo aqui. Ainda carregamos parte do passado, debaixo de
camadas e camadas de tempo, desapontamento e saudade. Primeiro amor de verdade
nunca se vai totalmente, sabe? Às vezes se torna ódio, mágoa. Mas se você tiver
sorte – será sorte a palavra? –, se transforma num sentimento calmo, bonito. E
mais que amizade, mas não exatamente. Te faz pensar na outra pessoa com afeto,
gratidão, bate um desejo de que ela seja feliz, mesmo à distância. Mesmo que
você nunca mais a encontre.
Sabe o que eu sinto? Que somos uma parte importante da história um do
outro. Um belo e inesquecível capítulo encerrado, um pouco triste, mas feliz
também, e cheio, cheio de amor.
Quando a escada rolante oposta à minha te trouxe para mais perto, tão
perto que pude ver as ruguinhas em seus olhos e os cantinhos da sua boca
subirem, eu soube que era tudo recíproco. Foi bom rever você, velho amigo.”
“Quando perguntada sobre o começo do relacionamento, ela revelava: ele
não era assim. Ou melhor, era, porém escondia. Como todos eles. Ela não fazia
ideia da cilada.”
“Homem-monstro
Era uma vez um homem.
Que nem parecia homem,
porque não tinha humanidade,
Mas também não era bicho,
que bicho não sabe odiar que nem gente.
Era um homem-monstro.
Ele não sabia mentir.
Mas sempre mentia.
Ele dizia não roubar.
Mas sempre roubava.
Um garoto birrento, diziam;
na verdade, era um velho amargo.
Um vilão de quinta, não de primeira,
pois lhe sobrava maldade,
mas lhe faltava a malícia
de um bom intelecto.
Dizia amar a Deus,
usando a fé como escudo,
e Seu nome como arma,
sempre na boca (suja).
E ele odiava, sem precedentes,
a Eva
e a todas as suas descendentes.
Transformava dias de festa em desavença,
desonrava pais e mães aos milhões,
matou, e enterrou em massa
(mesmo não sendo coveiro).
Da Morte, zombava.
Da dor alheia, caçoava.
Amava muito a si mesmo
(de um jeito doentio),
nem um pouco ao próximo.
Pensava-se GRANDE,
o pequeno homem-monstro,
valente, viril, virtuoso.
Mas era apenas um grande
( vazio )
Dia desses a Morte,
que é muito ocupada,
virá tirar satisfação.
Sei como de mim você fala,
sei de sua reputação.
Tortura e armas e balas,
é disso que você gosta, não é, capitão?
E o homem-monstro vai
tremer,
chorar,
pedir,
correr,
xingar,
mentir.
A Morte ri.
Dá de ombros.
E diz:
E daí, lamento. Quer que eu faça o quê?”
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