Editora: Panini
ISBN: 978-85-7351-549-7
Tradução e
adaptação: Jotapê Martins, Helcio de Carvalho, Fábio
Fernandes
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 460
Sinopse: O ano é
1985. Os Estados Unidos são uma nação totalitária e fechada, isolada do resto
do mundo. A presença de arsenais nucleares e dos chamados super-heróis mantém
um certo equilíbrio entre as forças do planeta... até que o relógio do fim do
mundo começa a marchar para a meia-noite e a raça humana para um abismo
sem-fim.
A sombria e inigualável trama tem início com ilusões paranoicas
do supostamente insano herói Rorschach, um dos Watchmen que patrulhavam os EUA
décadas atrás. Mas ele estaria realmente insano ou na verdade teria descoberto
uma sórdida conspiração para assassinar super-heróis – ou, pior ainda, milhões
de civis inocentes? Fugindo da lei, Rorschach junta-se a ex-companheiros do
passado em uma desesperada tentativa de salvar suas próprias vidas... e o que
acabam descobrindo, além de abalar suas estruturas, poderá alterar o próprio destino
do planeta Terra!
Seguindo duas gerações de heróis mascarados, desde a
Segunda Guerra até os tensos anos da Guerra Fria, surge esta pioneira epopeia
de ódio, amor, reencontros impossíveis, grandes reviravoltas e muita ação, como
só a criatividade de Alan Moore e Dave Gibbons poderia conceber!
WATCHMEN foi considerada pela revista TIME uma das cem
melhores obras em língua inglesa de todos os tempos.
“Esta manhã, no beco, havia um cão morto com
marcas de pneu no ventre rasgado. A cidade tem medo de mim. Eu vi o rosto dela.
As ruas são sarjetas dilatadas e essas
sarjetas estão cheias de sangue. Quando os bueiros finalmente transbordarem,
todos os ratos irão se afogar.
A imundice acumulada de todo o sexo e
matanças que praticaram vai espumar até suas cinturas e todos os políticos e
rameiras olharão para cima, gritando “salve-nos”... e, do alto, eu vou
sussurrar: “não”.
Eles tiveram escolha. Todos eles. Podiam ter
seguido os passos de homens honrados, como meu pai (...). Homens decentes, que
acreditavam no suor do trabalho honesto.
Em vez disso, seguiram os excrementos de
devassos sem perceber, até ser tarde demais, que a trilha levava a um
precipício.
Não me digam que eles não tiveram opção.
Agora o mundo todo está na beira do abismo,
contemplando os liberais, intelectuais e sedutores de fala macia, que ardem no
inferno... e, de repente, ninguém mais sabe o que dizer.”
“Muita coisa maluca acontece numa cidade
desse tamanho.
Nem todas precisam de motivo.”
“Sexta à noite, morreu um comediante na
cidade.
Foi arremessado da janela e, quando atingiu a
calçada, sua cabeça entrou no abdômen.
Ninguém liga.
Ninguém além de mim.
Será que é isso? Tudo inútil? Logo vai haver
guerra. Milhões vão queimar. Milhões vão morrer na miséria e na doença. Por que
uma morte pesa mais do que outras?
Porque existe o bem e existe o mal. O mal
deve ser punido. Mesmo no Dia do Juízo Final isso não vai mudar.
Mas tem muitos merecendo pagar... e tão pouco
tempo.”
“Moe Vernon era um homem com seus cinquenta e
cinco anos e tinha um daqueles antigos rostos nova-iorquinos que não se veem
mais. É engraçado, mas certos rostos parecem entrar e sair de moda. Quando
olhamos fotos antigas, todo mundo tem uma determinada aparência, quase como se fossem
parentes. Veja foto de dez anos mais tarde e você vai notar que há um novo tipo
de rosto começando a predominar, e os antigos estão desaparecendo para nunca
mais serem vistos.”
“Uma das coisas que meu avô sempre se esmerou
em transmitir era que as pessoas do campo tinham mais saúde moral do que o povo
da cidade grande e que as cidades não passavam de fossas sépticas para onde
toda a desonestidade, ganância, luxúria e ateísmo do mundo escorriam e ficavam
para apodrecer sem restrição. Obviamente, à medida em que fui envelhecendo e me
dando conta exatamente de quanto alcoolismo, violência doméstica e abuso
infantil se escondiam por trás da fachada tranquila de algumas fazendas
isoladas de Montana, compreendi que os elogios de meu avô haviam sido um tanto
quanto unilaterais. Não obstante, alguma das coisas que vi durante meus
primeiros anos na cidade me causaram uma espécie de repulsa moral da qual não
pude me desvencilhar. Sob certos aspectos, ainda não posso.
Os gigolôs, os pornógrafos, os criminosos que
cobram proteção. Os senhorios que atiçam cães sobre inquilinos idosos quando os
querem fora do caminho para negociar contratos mais lucrativos. Os homens que
acariciam crianças pequenas e os jovens e insensíveis estupradores que mal têm
idade para se barbear. Eu via todas essas pessoas ao meu redor e me sentia
enojado do mundo e daquilo em que ele havia se transformado.
Quando o hiato entre a realidade e o mundo
que meu avô me apresentou como justo e bom ficava grande e depressivo demais
para suportar, eu me recolhia a minha grande paixão: as ficções e aventuras das
revistas pulp. Embora meu avô, Hollis Mason Sênior, só pudesse
expressar críticas e aversão a todas aquelas publicações extravagantes e
violentas, havia uma espécie de moralidade prevalente nelas que, na certa, ele
teria aprovado. O mundo de Doc Savage e do Sombra era caracterizado por valores
absolutos, onde o que era bom jamais suscitava a menor das dúvidas e onde o que
era mal inevitavelmente sofria algum castigo apropriado. A noção de bem e
justiça advogada por Lamont Cranston, com seu chapéu inclinado e automáticas
reluzentes, parecia muito distante da nutrida pelo austero e taciturno ancião
que, nas minhas lembranças, estava sempre sozinho noite adentro em Montana
acompanhado apenas de sua bíblia. Entretanto, não posso evitar a sensação de
que se alguma vez se encontrassem, os dois certamente teriam sobre o que
conversar. Da minha parte, todos aqueles detetives e heróis brilhantes e
capacitados ofereciam o vislumbre de um mundo perfeito onde a moralidade
funcionava do jeito que devia. Ninguém no mundo de Doc Savage
jamais se suicidou a não ser os enlouquecidos assassinos kamikazes ou os
espiões inimigos munidos de cápsulas de cianureto. Em que mundo você preferiria
viver se pudesse escolher?”
“A idade dá uma perspectiva diferente. O que
é grande parece menor.”
“Laurie, eu tenho 65 anos, a cada dia que
passa o futuro parece mais sombrio, mas o passado, mesmo as piores partes...
bom, ele vai ficando cada vez mais e mais brilhante.”
“– Você fala com amargura. Exibe uma postura
estranha diante da vida e da guerra.
– Estranha? Olha aqui, quando cê sacar que
tudo é uma piada, a única coisa que vai fazer sentido é o comediante.
– As vilas carbonizadas, as crianças usando
colares de orelhas humanas... isso faz parte da piada?
– Ei! Quem disse que a piada é boa? Eu só
danço conforme a música...”
“No cemitério, cruzes brancas se enfileiram
como marcas de giz numa lousa gigante. Faço a última visita com tranquilidade.
Edward Morgan Blake. Nascido em 1924.
Comediante por 45 anos. Falecido em 1985, enterrado na chuva.
É o que acontece conosco? Uma vida de
conflito sem tempo pra amigos, pra no fim, só nossos inimigos deixarem rosas.
Vidas violentas terminando violentamente.
Dollar Bill, Silhouette, Capitão Metrópole... Nós nunca morremos na cama. Não é
permitido.
Algo na nossa personalidade, talvez? Algum
impulso animal, para lutar e se debater, fazendo de nós o que somos? Não
importa. Nós fazemos o que deve ser feito.
Outros enterram a cabeça entre as tetas
inchadas da indulgência e da gratificação, leitões se contorcendo por abrigo
debaixo de uma porca... mas não há abrigo...
E o futuro aparece correndo como um trem
expresso.
Blake entendia. Tratava tudo como piada, mas
entendia. Ele viu as rachaduras na sociedade, viu os homenzinhos mascarados
tentando manter as coisas juntas... Ele viu a verdadeira face do século 20 e
decidiu se tornar um reflexo, uma paródia desses tempos. Ninguém mais sacou a
piada. Daí sua solidão.
Me contaram uma piada: Um homem vai ao
médico. Diz que está deprimido. Que a vida parece dura e cruel. Conta que se
sente só num mundo ameaçador, onde o que se anuncia é vago e incerto.
O médico diz: “O tratamento é simples. O
grande palhaço Pagliacci está na cidade esta noite. Vá ao show. Isso deve
animar você”.
O homem se desfaz em lágrimas. E diz “Mas
doutor... Eu sou o Pagliacci”.”
“Eu leio tudo quanto é primeira página. Bebo
informação. Não perco nadinha.”
“Crianças passam fome enquanto botas custando
milhares de dólares deixam sua marca sobre a superfície da lua. Nós nos
esforçamos tanto para erguer um paraíso, apenas para descobrir que ele se
povoaria de horrores.”
“– Essa guerra é coisa séria, faz a gente
pensar numa rota de fuga, sabe? O meu pai, quando a barra pesou na Alemanha dos
anos trinta, ele se mandou.
– Na segunda guerra, tudo bem. Na terceira,
vai se mandar pra onde?”
“Fiquei na rua assistindo (o assassino da
criança) queimar. Imaginei torsos de feltro sem membros lá dentro; mamas se
escurecendo; ventre fumegando; ardendo em chamas um à um. Assisti por uma hora.
Ninguém saiu. Fiquei à luz das chamas, encharcado de suor. O sangue no peito
como mapa de um novo e violento continente. Me senti limpo. Senti o planeta
sombrio rodopiando e me dei conta do que faz os gatos gritarem, à noite, feito
bebês. Olhei pro céu além da fumaça cheia de gordura humana e Deus não estava
lá. A escuridão fria e sufocante prossegue eternamente e a gente está sozinho.
Levamos a vida sem nada melhor pra fazer. A razão, inventamos depois. Nascemos
do nada, temos filhos condenados ao inferno como nós, voltamos ao nada. Só
existe isso. A existência é aleatória. Sem padrão, a não ser o que imaginamos
depois de ficar olhando por muito tempo. Sem sentido, a não ser o que decidimos
dar. Não são forças metafísicas vagas que moldam este mundo. Não é Deus quem
mata as crianças. Não é o destino que as trucida ou a sina que as dá de comer
aos cães. Somos nós. Só nós. As ruas fediam a fogo. O vazio soprou áspero no
meu peito, gelando e esmigalhando minhas ilusões. Renasci, então. Livre pra
traçar meu próprio destino neste mundo amoral. Como Rorschach. Isso responde
suas perguntas, doutor?”
“– Minha percepção do tempo a incomoda?
– Pra que a pergunta? Você já sabe a
resposta. É tão absurdo. Quando te larguei… e a new express fez
as denúncias, você ficou surpreso. Por que… se já sabia o que ia acontecer?
– Tudo é predeterminado. Até minhas reações.
– E você só segue a partitura, executando as
notas? É isso que você é? O ser mais poderoso do universo e não passa de uma
marionete seguindo um script?
– Nós todos somos marionetes, Laurie. A
diferença é que eu enxergo minhas cordas.”
P.S.: Watchmen é um romance gráfico.
2 comentários:
Fora do contexto não são tão apetecíveis, mas no meio do livro (ou do filme, conforme o caso), as frases de Rorschach e Dr. Manhattan são percucientes:
“Devolva meu rosto!”
*
“Ninguém entendeu. Eu não estou preso aqui com vocês. Vocês é que estão presos comigo.”
*
“Foi Kovács quem disse “Jesus”, sob o látex. Foi Kovacs quem fechou os olhos. Foi Rorschach quem abriu depois.”
*
“Eu não posso impedir o futuro. Para mim, ele já está acontecendo.”
Legal, lembra bastante o filme.
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