Editora: Planeta
ISBN: 978-85-7665-889-4
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 240
Sinopse: Calixto
é um homem comum, mas como tantos cidadãos ele acorda cedo para fazer parte do
labirinto da vida cotidiana. À noite, volta pra casa onde encontra sua mulher e
sua filinha, nada mais normal. Mas não é isso que está nesse livro. Sem que ele
queira, tudo começa a não fazer mais sentido. Calixto parece não saber como
reagir, se é que quer fazer isso. Suas tentativas logo se mostram infelizes e
sua conformação incomoda, embora ele tenha a sua frente um portal para mudar tudo.
Neste romance psicológico, Ferréz impressiona o leitor ao
perguntar se vamos querer de fato uma mudança.
“Sentou junto à máquina de escrever, a mesa
toda cheia de papéis, notas fiscais que deveriam ter sido preenchidas, ele
pensa naquela estranha conversa, religião, de repente ele poderia ir a algum
culto ou reza, pra ver se melhorava mesmo seu astral, na cidade do Valdomiro,
ou numa das fazendas dos dissidentes, mas se eles tiram amargura, dor, solidão,
o que restaria dentro dele?”
“Quando passo em frente a uma casa de
relaxamento, sou puto, quando ando em frente a uma igreja sou santo, faço o
sinal da cruz, quando visito minha mãe deito no sofá, sou criança esperando o
café com leite e o pão com manteiga esquentado de uma forma que só ela sabe
fazer, quando vou na casa de algum amigo, se for do tempo da escola, até os
apelidos da época são usados, se for à casa de vizinhos, as brincadeiras do
bairro. (…)
Se a felicidade é um ponto de vista, Calixto
estava cego.”
“Hoje as poucas revistas que sobraram têm
fotos gigantes, ninguém quer ler, as pessoas querem é passar, virar página.”
“O homem criou a cidade, modelou seus
jardins, fez da sua forma o tudo de novo, e também foi criado de outra forma
por essa cidade.
Datas, dias, minutos e segundos, atrasos,
interesses, ganhos e perdas, a vida era assim agora. Ele sorriu levemente, o
homem é o único ser capaz de fazer uma armadilha para si mesmo.
Carros, apartamentos, pequenos bares,
shoppings, tudo congestionado, tudo limitado, emparedado, fechado. A sensação
de sair dessas coisas era indescritível, se tivesse uma pena por assalto ou
homicídio, tanto fazia. Prisão ou shopping center? Não precisava olhar tudo
para saber o que existia realmente, mas por mais que olhasse não saberia dizer
o que era a verdade.”
“Parado às vezes olhando de soslaio para o
poste, quase sempre para a rua, entendo pela primeira vez desde que fui tirado
de dentro de outro ser, e que vou morrer sem entender quase nada desse novo
tempo em que estou. (...) por que tudo está se desmanchando a minha volta e
parece que sou só um telespectador da minha própria vida, não sou o motivador,
de uns anos para cá sou somente levado, levado de um lado para outro, de uma
situação para outra, vou estar um dia no comando, de repente vou estar
novamente no comando, mas e se nunca estive?”
“É que nem as guerras, todas elas são uma
merda, pode ser no Vietnã ou em Gorazde, todas as merdas de guerras são assim,
e depois em algum escritório ou gabinete algum engravatado que não sabe o que é
se afundar na merda, nem sequer pisou em alguma, vai estar falando em
revolução, tirania e glória. E nós vamos ser resumidos a isso, uma porra de uma
palavra, eles não sabem, meu filho, eles não sabem que o grau de dominação é
tão alto, que a própria elite nem sente remorso mais pelo que faz, ela já está num
estado tão inconsciente de dominação, que é o mais avançado, quando ela nem
sente mais que está fazendo algo errado, quem nem essas coisas de jogar lixo no
chão, discurso de filho da puta, meu filho, filhos da puta, não jogue o papel
no chão, mas gastam mais com o gato do que doariam para um orfanato, não jogue
o lixo na rua, mas pisam num mendigo se ele não sair da calçada, vamos
reciclar, mas é por estudarem em faculdade pública mesmo sendo ricos que o
homem com 70 anos hoje tem que vender bala no farol, porque não tem dinheiro
pra todo mundo, e eles sabem disso e estão sempre no começo da fila, mas um dia
isso muda, filho, o sucesso é solitário, essa raça de infeliz.”
“Todo dom pode também ser uma maldição.”
“Ao voltar do serviço, parou numa banca de
jornal, as frases dos anúncios dos aplicativos podiam fazer ele rir e provocar
alguns sentimentos estranhos: “Como se entupir de dinheiro”, “Você é rico e não
sabe”, “Como explorar com consciência social”, “Gerenciando lucros e
alimentando a pobreza”, “Empresa de segurança compra parte da frota da
policia”, “Fazendo fluxo de caixa martirizando pessoas”, “Como obter visto para
morar na cidade do Bispo Valdomiro”.
Entrou no carro.
Entrei no carro com ódio de tudo isso, dessa
máquina maldita de moer gente. O pior de ser fantoche é quando olhamos pro alto
e vemos as cordas.”
“As mulheres querem sua alma. Não é só o seu
dinheiro, nem mesmo o carro. Apenas a porra da sua alma, toda a sua essência, e
se existe algo que você viveu sem ela, esqueça, anule da sua cabeça, elas
percebem como você trata sua mãe, percebem como trata o amigo, como trata a
garçonete, elas observam tudo ao redor, não querem você, você é só um
ornamento, elas querem todo o universo que o cerca, defeitos já esquecidos,
passado recente, trechos de sorriso, afetos antigos.”
“A vida é um pesadelo do qual não se
desperta.” (Almeida Garret)
“Ah! Deixa pra lá, problema de família,
quando você pensa que tá tudo bem, surge alguém lá do inferno e te aborrece,
você sabe, ninguém sabe machucar mais do que família.”
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