domingo, 26 de julho de 2015

Aristóteles: Tópicos – Dos argumentos sofísticos (Os Pensadores)

Editora: Nova Cultura
ISBN: 85-130-0847-8
Tradução: Leonel Vallandro e Gerd Bornheim
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 202



“Platão ensinava na Academia e nos seus Diálogos que a compreensão dos fenômenos que ocorrem no mundo físico depende de uma hipótese: a existência de um plano superior da realidade, atingido apenas pelo intelecto, e constituído de formas ou ideias, arquétipos eternos dos quais a realidade concreta seria a cópia imperfeita e perecível. Através da dialética — feita de sucessivas oposições e superposições de teses — seria possível ascender do mundo físico (apreendido pelos sentidos e objeto apenas de opiniões múltiplas e mutáveis) à contemplação dos modelos ideais (objetos da verdadeira ciência).”
(José Américo Motta Pessanha)


“Aristóteles justamente já teria percebido que a dialética platônica só se comprometia com a certeza em última instância — o que conferia ao platonismo sua inquietação permanente e sua flexibilidade, deixando-o, porém, sob a constante ameaça do relativismo. O projeto aristotélico torna-se, então, o de forjar um instrumento mais seguro para a constituição da ciência: o Organon. Nele a dialética é reduzida à condição de exercício mental que, não lidando com as próprias coisas, mas com as opiniões dos homens sobre as coisas, não pode atingir a verdade, permanecendo no âmbito da probabilidade. Essa concepção da dialética como uma “ginástica do espírito”, útil como fase preparatória para o conhecimento, mas incapaz de chegar à certeza sobre as coisas, justifica a concepção aristotélica da história e, em particular, da história da filosofia: a história — inserida no domínio da dialética — é útil e indispensável na medida em que conduz à sua própria superação, quando o provável se transforma em certeza. Ou quando as opiniões dos antecessores preparam e dão lugar à verdade que somente seria alcançada pelo pensamento aristotélico.
Para se atingir a certeza científica e construir um conjunto de conhecimentos seguros, torna-se necessário, segundo Aristóteles, possuir normas de pensamento que permitam demonstrações corretas e, portanto, irretorquíveis. O estabelecimento dessas normas confere a Aristóteles o papel de criador da lógica formal, entendida como a parte da lógica que prescreve regras de raciocínio independentes do conteúdo dos pensamentos que esses raciocínios conjugam.”
(José Américo Motta Pessanha)


“Um problema de dialética é um tema de investigação que contribui para a escolha ou a rejeição de alguma coisa, ou ainda para a verdade e o conhecimento, e isso quer por si mesmo, quer como ajuda para a solução de algum outro problema do mesmo tipo.”
(Tópicos)


“O raciocínio é um argumento em que, estabelecidas certas coisas, outras coisas diferentes se deduzem necessariamente das primeiras.”
(Tópicos)


“Uma “tese” é uma suposição de algum filósofo eminente que esteja em conflito com a opinião geral: por exemplo, a ideia de que a contradição é impossível, como disse Antístenes; ou o ponto de vista de Heráclito, de que todas as coisas estão em movimento; ou de que o ser é um, como afirma Melisso; pois ocupar-nos com uma pessoa comum quando expressa pontos de vista contrários às opiniões usuais dos homens seria tolice.”
(Tópicos)


“E também o que se deseja por si mesmo é preferível àquilo que se deseja com vistas noutra coisa: por exemplo, a saúde é preferível à ginástica, porque a primeira é desejada por si mesma, enquanto a segunda é desejada com vistas noutra coisa. E do mesmo modo, o que é desejável por si mesmo é mais desejável do que aquilo que se deseja por acidente; por exemplo, a justiça é mais desejável em nossos amigos do que em nossos inimigos, pois a primeira é desejável em si mesma e a segunda por acidente: com efeito, desejamos que nossos inimigos sejam justos por acidente, a fim de que não nos causem dano. Este princípio é o mesmo que o precedente, embora expresso de outro modo. Porquanto desejamos a justiça em nossos amigos por si própria, mesmo que isso não faça nenhuma diferença para nós e ainda que eles estejam na Índia, ao passo que em nossos inimigos nós a desejamos por outra coisa e a fim de que eles não nos causem dano.
Por outro lado, aquilo que em si mesmo é causa do bem é mais desejável do que aquilo que o é por acidente, por exemplo, a virtude é mais desejável do que a sorte (pois a primeira é por si mesma causa de coisas boas, ao passo que a segunda só o é acidentalmente); e do mesmo modo nos outros casos da mesma espécie. E analogamente também no caso contrário, pois aquilo que é em si mesmo a causa do mal é mais reprovável do que aquilo que o é acidentalmente, por exemplo, o vício e o acaso, pois o primeiro é mau em si mesmo e o segundo só por acidente.
Mais ainda: o que é bom de maneira absoluta é mais desejável do que aquilo que é bom para uma pessoa particular: por exemplo, recuperar a saúde é mais desejável do que uma operação cirúrgica, pois a primeira é boa de maneira absoluta e a segunda só o é para uma pessoa particular, a saber: o homem que precisa de ser operado. Assim também, o que é um bem por natureza é mais desejável do que o bem que não é tal por natureza: por exemplo, a justiça é mais desejável do que o homem justo, pois a primeira é boa por natureza, ao passo que no segundo a bondade é adquirida. E também é mais desejável o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito; por exemplo, o que pertence a um deus é mais desejável do que o que pertence a um homem, e o que pertence à alma, mais desejável do que o que pertence ao corpo. Do mesmo modo, a propriedade de uma coisa melhor é mais desejável do que a propriedade de uma coisa pior, por exemplo: a propriedade de um deus do que a propriedade do homem; porque, assim como no tocante ao que é comum a ambos não diferem absolutamente entre si, no que respeita às suas propriedades um sobrepuja o outro. Também é melhor o que é inerente a coisas melhores, anteriores ou mais honrosas: assim, por exemplo, a saúde é preferível à força e à beleza, pois a primeira é inerente tanto ao úmido como ao seco, tanto ao quente como ao frio — em suma, a todos os constituintes primários de um animal ao passo que as outras são inerentes ao que é secundário, sendo a força uma característica dos tendões e dos músculos, enquanto a beleza, segundo se supõe geralmente, consiste numa certa simetria dos membros.”
(Tópicos)


“Todas as coisas são também mais desejáveis na ocasião em que assumem maior importância; por exemplo, estar isento de dor é mais desejável na velhice do que na juventude, porque se reveste de maior importância na velhice. Dentro do mesmo princípio, também a prudência é mais desejável na velhice; com efeito, ninguém escolhe os jovens para guiá-los, pois não se espera que eles sejam prudentes. Com a coragem dá-se o caso inverso, pois é na mocidade que se requer de maneira mais imperativa o exercício dessa virtude. E da mesma forma no que toca à temperança, porquanto os jovens sofrem mais do que os velhos as consequências de suas paixões.
Além disso, é mais desejável aquilo que é mais útil em todas as ocasiões ou na maioria delas, por exemplo, a justiça e a temperança mais do que a coragem, pois as primeiras são sempre úteis, enquanto a segunda só o é em determinadas ocasiões. E dentre duas coisas, aquela que, se todos a possuíssem, tornaria desnecessária a outra é mais desejável do que aquela que todos poderiam possuir e, ainda assim, sentir falta da outra. Considere-se a esta luz o caso da justiça e da coragem: se todos fossem justos, não haveria necessidade de coragem, ao passo que. se todos fossem corajosos, ainda assim haveria necessidade de justiça.”
(Tópicos)


“Não se deve argumentar com todo mundo, nem praticar argumentação com o homem da rua, pois há gente com quem toda discussão tem por força que degenerar. Com efeito, contra um homem que não recua diante de meio algum para aparentar que não foi derrotado, é justo tentar todos os meios de levar a bom fim a conclusão que nos propomos; mas isso é contrário às boas normas. Por isso, a melhor regra é não se pôr levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra, pois daí resultará seguramente uma má argumentação. Todos vemos, com efeito, que ao praticar umas com as outras as pessoas não podem refrear-se de cair em argumentos contenciosos.”
(Tópicos)


“Exigir um “sim” ou um “não” como resposta é tarefa de quem procede à crítica, e não do que expõe alguma coisa. Porque a arte da crítica é um ramo da dialética e se dirige não ao homem que conhece, mas ao ignorante que presume conhecer. É, pois, um dialético aquele que considera os princípios comuns em sua aplicação ao assunto particular em debate, enquanto o que só faz isso em aparência é um sofista.”
(Dos argumentos sofísticos)


“As pessoas não desejam as mesmas coisas que afirmam desejar: dizem o que melhor soa, mas desejam o que parece promover os seus interesses.”
(Dos argumentos sofísticos)

Um comentário:

Sugestão de Livros disse...

Os trechos lembraram muito o que é discutido no programa de rádio: Nas Ondas da Filosofia.