sábado, 22 de novembro de 2014

A Era dos Impérios (1875-1914) – Eric J. Hobsbawm

Editora: Paz & Terra
ISBN: 978-85-775-3101-1
Tradução: Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 584
Sinopse: Neste livro, o autor faz uma análise dos anos que definiram o século XIX.
Lançando as pesquisas e teorias do autor sobre a expansão capitalista e a dominação europeia, A era dos impérios mostra fatos que marcaram um período de paz, mas que desencadearam um período de guerra e crise. Hobsbawm integra a cultura, a política e a vida social das décadas que antecederam à Primeira Guerra Mundial, construindo uma interpretação estimulante e inovadora.
  


“A invasão do Egito por Napoleão em 1798, opôs os exércitos francês e maiêutico com equipamento comparável. As conquistas coloniais das forças europeias haviam sido realizadas não por causa de armas milagrosas, mas devido a uma maior agressividade, crueldade e, acima de tudo, organização disciplinada.”


“Os invasores da última leva, que criaram o grande Império Otomano, foram gradualmente expulsos das enormes áreas da Europa por eles controladas entre os séculos XVI e XVIII; era óbvio que seus dias na Europa estavam contados, embora em 1880 ainda controlassem uma faixa considerável, que atravessava a península balcânica (partes das atuais Grécia, Iugoslávia e Bulgária, além de toda a Albânia), bem como algumas ilhas. Grande parte dos territórios reconquistados ou liberados só podiam ser considerados como “europeus” por cortesia: na verdade, a península balcânica ainda era comumente chamada de “Oriente Próximo”: por isso, o sudoeste da Ásia veio a ser conhecido como “Oriente Médio”.


“Entretanto, apesar do título programático do grande trabalho de Adam Smith, A Riqueza das Nações (1776), o lugar da “nação” como unidade não era claro na teoria pura do capitalismo liberal, cujas peças básicas eram os átomos irredutíveis da empresa, do indivíduo e da “firma” (sobre a qual não se dizia muito), movidos pelo imperativo de maximizar os ganhos ou minimizar as perdas. Eles operavam “no mercado”, que tinha a escala mundial por limite. O liberalismo foi a anarquia da burguesia e, como o anarquismo revolucionário, não deixava espaço para o Estado. Ou antes, o Estado como fator econômico só existia como algo que interferia nas operações autônomas e automáticas do mercado.
De certa maneira, essa ótica tinha algum sentido. Por um lado, parecia razoável supor – sobretudo após a liberalização das economias em meados do século – que o que fazia essa economia funcionar e crescer eram as decisões econômicas de suas partículas básicas. Por outro lado, a economia capitalista era, e só podia ser mundial. Esta feição global acentuou-se continuamente no decorrer do século XIX, à medida que estendia suas operações a partes cada vez mais remotas do planeta e transformava todas as regiões cada vez mais profundamente. Ademais, essa economia não reconhecia fronteiras, pois funcionava melhor quando nada interferia no livre movimento dos fatores de produção. Assim, o capitalismo, além de internacional na prática, era internacionalista na teoria. O ideal de seus teóricos era uma divisão internacional do trabalho que garantisse o crescimento máximo da economia, seus critérios eram globais: não tinha sentido tentar produzir bananas na Noruega, pois elas podiam ser produzidas muito mais barato em Honduras. Eles desdenhavam os argumentos locais ou regionais em contrário. A teoria pura do liberalismo econômico era obrigada a aceitar as consequências mais extremas, ou mesmo absurdas, de seus pressupostos, desde que se pudesse demonstrar que destes decorria a otimização dos resultados globais. Se fosse possível demonstrar que toda a produção industrial do mundo devia ser concentrada em Madagascar (como 80% de sua produção de relógios estava concentrada numa pequena região da Suíça), ou que toda a população da França devia se mudar para a Sibéria (como uma grande proporção de noruegueses foi, de fato, trasladada pela migração para os EUA), não havia argumentos econômicos contra tais procedimentos.
Que erro econômico podia ser demonstrado no quase monopólio britânico da indústria mundial de meados do século, ou o desenvolvimento demográfico da Irlanda, que perdeu quase a metade de sua população entre 1841 e 1911? O único equilíbrio que a teoria econômica liberal admitia era o mundial. Mas, na prática, esse modelo era inadequado. A economia capitalista mundial em expansão era formada por um conjunto de blocos sólidos, mas também fluidos. Independente das origens das “economias nacionais” que constituíam esses blocos – isto é, de economias definidas por fronteiras de Estados – e das limitações teóricas de uma teoria econômica baseada nelas – elaborada principalmente por teóricos alemães – as economias nacionais existiam porque as nações-Estado existiam. Pode ser verdade que ninguém pensaria na Bélgica como primeira economia industrializada do continente europeu se seu território tivesse continuado a fazer parte da França (como antes de 1815) ou a ser uma região dos Países Baixos Unidos (como entre 1815 e 1830). Entretanto, já que a Bélgica era um Estado, tanto sua política econômica como a dimensão política das atividades econômicas de seus habitantes eram plasmadas por esse fato. Sem dúvida, é verdade que havia e há atividades econômicas, como as finanças internacionais, que são essencialmente cosmopolitas, escapando assim às restrições nacionais, na medida em que estas eram eficazes. Mesmo assim, essas empresas transnacionais tiveram o cuidado de se vincular a uma economia nacional convenientemente importante.”


“A questão importante não é quem, no contexto da economia mundial em expansão, cresceu mais e mais rápido, mas o conjunto do crescimento desta.
Quanto ao ritmo de Kondratiev (o contraste entre a Grande Depressão e o boom secular posterior motivou as primeiras especulações sobre aquelas “ondas longas” no desenvolvimento do capitalismo mundial, mais tarde associadas ao nome do economista russo Nikolai Kondratiev) – chamá-lo de “ciclo”, no sentido estrito da palavra, seria uma petição de princípio – ele certamente coloca questões analíticas fundamentais acerca da natureza do crescimento econômico no período capitalista ou, como podem argumentar alguns estudantes, acerca do crescimento de qualquer economia mundial. Lamentavelmente, não há nenhuma teoria que mereça aceitação ampla sobre essa curiosa alternância de fases de confiança e apreensão, que juntas formam uma “onda” de cerca de meio século. A teoria mais conhecida e elegante a esse respeito, a de Josef Alois Schumpeter (1883-1950), associa cada etapa “descendente” ao esgotamento do lucro potencial de uma série de “inovações” econômicas e o novo movimento ascendente a um novo conjunto de inovações, percebidas basicamente – mas não só – como tecnológicas, cujo potencial será, por sua vez, exaurido. Assim, as novas indústrias, agindo como “setores líderes” do crescimento econômico – por exemplo, o algodão na primeira revolução industrial, as ferrovias durante e após os anos 1840 –, se tornam, por assim dizer, os motores que arrancam a economia mundial do marasmo em que estava temporariamente imersa. Essa teoria é bastante plausível, pois cada um dos períodos seculares de movimento ascendente desde os anos 1780 esteve, de fato, associado ao surgimento de setores tecnologicamente revolucionários: sem esquecer o mais excepcional de todos esses booms econômicos, o das duas décadas e meia anteriores aos anos 1970.”


“De uma forma ou de outra, após 1875, houve um ceticismo crescente quanto à eficácia da economia de mercado autônoma e autorregulada, a famosa “mão oculta” de Adam Smith, sem alguma ajuda do Estado e da autoridade pública, A mão estava se tornando visível das mais variadas maneiras. Por um lado, a democratização da política forçou governos muitas vezes relutantes e inquietos a enveredarem pelo caminho de políticas de reforma e bem-estar sociais, bem como de ação política na defesa dos interesses econômicos de certos grupos de eleitores, como o protecionismo e – de certa forma com menos eficácia – medidas contra a concentração econômica, como nos EUA e na Alemanha. Por outro lado, ocorreu a fusão da rivalidade política entre os Estados com a concorrência econômica entre grupos nacionais de empresários, o que contribuiu – como veremos – tanto para o fenômeno do imperialismo como para a gênese da Primeira Guerra Mundial.”


“O protecionismo de qualquer tipo é a economia operando com a ajuda da política.”


“A democracia, no entanto, seria tanto mais fácil de domar quanto menos agudos fossem seus descontentamentos. A nova estratégia dos governantes envolvia, portanto, uma disposição no sentido de empreender programas de reforma e bem-estar social, que minaram os clássicos acordos liberais de meados do século, com governos que eram mantidos à distância do campo reservado à iniciativa e à empresa privada. O jurista inglês A. V. Dicey (1835-1922) viu o rolo compressor do coletivismo, em marcha desde 1870, achatando a paisagem da liberdade individual na tirania centralizada e niveladora das refeições escolares, seguros de saúde e aposentadorias. Em certo sentido, ele tinha razão. Bismarck, lógico como sempre, já na década de 1880 decidira cortar as raízes da agitação socialista por meio de um ambicioso esquema de previdência social; foi seguido, nesta orientação, pela Áustria e pelos governos liberais ingleses de 1906-1914 (aposentadorias, bolsas de trabalho, seguros de saúde e desemprego) e mesmo pela França, após algumas hesitações (aposentadorias em 1911). É interessante que os países escandinavos, hoje “Estados do bem-estar social” par excelençe, fossem então alheios ao assunto; e diversos países fizeram apenas gestos simbólicos nessa direção, e os EUA do tempo de Carnegie, Rockefeller e Morgan, nem isso. Nesse paraíso da iniciativa privada, mesmo o trabalho de menores permanecia fora da alçada da lei federal, embora por volta de 1914 existissem leis que o proibiam, teoricamente, até na Itália, na Grécia e na Bulgária. Por volta de 1905, leis geralmente disponíveis estipulavam indenizações a operários em caso de acidente, mas não interessaram o Congresso e foram condenadas pelos tribunais como inconstitucionais. Exceto na Alemanha, tais esquemas de bem-estar social eram modestos até os últimos anos que precederam 1914, e mesmo na Alemanha malograram visivelmente na tentativa de sustar o crescimento do partido socialista. Não obstante, ficou estabelecida uma tendência nesse sentido, notavelmente mais acelerada nos países protestantes da Europa e da Australásia.
Dicey também tinha razão ao sublinhar o inevitável crescimento no peso e no papel desempenhado pelo aparato estatal, uma vez abandonado o ideal da não intervenção. Pelos padrões modernos, a burocracia continuava modesta, embora aumentasse em ritmo acelerado – e em nenhuma parte mais que na Inglaterra, onde os empregos governamentais triplicaram entre 1891 e 1911. Na Europa, por volta de 1914, esses empregos iam de 3% da força de trabalho na França – seu ponto mais baixo, fato, aliás, surpreendente – e, em seu ponto mais alto, a 5,5-6% na Alemanha e – fato igualmente surpreendente – na Suíça. A título de comparação, nos países da Comunidade Econômica Europeia, na década de 1970, os empregos governamentais formavam entre 10 e 13% da população ativa. Não seria possível, no entanto, conquistar a lealdade das massas sem políticas sociais dispendiosas, que talvez onerassem o lucro dos empresários, de quem dependia a economia? Como vimos, acreditava-se que o imperialismo não só teria condições de pagar reformas sociais como era também popular.”


“‘Aquele que se decidir a basear seu pensamento político num reexame de como opera a natureza humana, deve começar por uma tentativa de vencer a própria tendência para exagerar a intelectualidade da humanidade’, assim escrevia um cientista político inglês, Graham Wallas, em 1908, consciente de que escrevia também o epitáfio do liberalismo do século XIX.”


“A democracia burguesa renasceu das próprias cinzas em 1945, permanecendo, desde então, o sistema favorito das sociedades capitalistas, quando suficientemente fortes, economicamente prósperas e socialmente não polarizadas ou divididas para permitir-se a adoção de um sistema tão vantajoso. Esse sistema, porém, opera com eficácia apenas em muito poucos dos 150 Estados que formam as Nações Unidas no final do século XX. O progresso da política democrática, entre 1880 e 1914, não prefigurava sua permanência nem seu triunfo universal.”


“Devem ser mencionados quatro aspectos dessas mutações que compunham uma identificação nacional que tornava-se força política, formando uma espécie de substrato geral da política.
O primeiro, conforme já vimos, é o surgimento do nacionalismo e do patriotismo, como ideologia encampada pela direita política, isto encontraria sua expressão extrema entre as duas guerras, no fascismo, cujos ancestrais ideológicos aí são encontrados. O segundo é a pressuposição, absolutamente alheia à fase liberal dos movimentos nacionais, de que a autodeterminação nacional, até inclusive a formação de Estados soberanos independentes, aplicava-se não apenas a algumas nações que pudessem demonstrar sua viabilidade econômica, política e cultural, mas a todo e qualquer grupo que reivindicasse o título de “nação”. A diferença entre a antiga pressuposição e a nova é ilustrada pela diferença entre as doze entidades bastante grandes consideradas como as que constituíam a “Europa das nações” por Giuseppe Mazzini, o grande profeta do nacionalismo do século XIX, em 1857, e os 26 Estados – 27 se incluirmos a Irlanda – que emergiram do princípio da autodeterminação nacional, do presidente Wilson, no fim da Primeira Guerra Mundial. O terceiro era a tendência progressiva para admitir que a “autodeterminação nacional” não podia ser satisfeita por qualquer forma de autonomia inferior à plena independência do Estado. Durante a maior parte do século XIX a maioria das reivindicações de autonomia não havia previsto isso. Finalmente, havia a nova tendência para definir uma nação em termos étnicos e especialmente em termos de linguagem.”


“O extraordinário impacto internacional das revoluções russas de 1917 só é compreensível se tivermos em mente que aqueles que foram para a guerra de boa vontade, e mesmo com entusiasmo, em 1914, eram movidos pela ideia do patriotismo, que não podia ser confinada a slogans nacionalistas: incluía o senso do que era devido ao cidadão. Esses exércitos não iam para a guerra por gostarem da luta, da violência ou do heroísmo, ou para implementar o incondicional egoísmo e expansionismo do nacionalismo de direita. E menos ainda por hostilidade ao liberalismo e à democracia. Ao contrário. A propaganda doméstica de todos os beligerantes, com respeito à política de massas, demonstra em 1914 que o assunto a ser sublinhado não era a glória nem a conquista, mas o de “nós” sermos vítimas de agressão, ou de política agressiva, o de “eles” representarem uma ameaça mortal aos valores da liberdade e da civilização que “nós” representamos. Mais importante: homens e mulheres não seriam mobilizados com êxito para a guerra, a não ser que sentissem sua luta como algo mais que um simples combate armado: que, em algum sentido, o mundo melhoraria com a “nossa vitória”, e que “nosso” país seria – para repetir uma frase de Lloyd George – “terra digna de heróis”. Os governos inglês e francês, portanto, reivindicavam a defesa da democracia e da liberdade, contra o poder monárquico, o militarismo e o barbarismo (“os hunos”), enquanto o governo alemão reivindicava a defesa dos valores da ordem, da lei e da cultura, contra a autocracia e o barbarismo russos. As perspectivas de conquista e engrandecimento imperial poderiam ser anunciadas nas guerras coloniais; não, porém, nos conflitos mais importantes – mesmo que delas se ocupassem os ministros do Exterior, nos bastidores.
As massas alemãs, francesas e inglesas, ao marcharem para a guerra em 1914, o fizeram não como guerreiros e aventureiros, mas como cidadãos e civis. É este mesmo fato que, para governos que operam em sociedades democráticas, demonstra a necessidade do patriotismo e igualmente a sua força. Apenas o sentimento de que a causa do Estado era genuinamente a sua, poderia mobilizar com eficácia as massas; e em 1914 os ingleses, franceses e alemães sentiam isso. As massas permaneceram mobilizadas até que três anos de massacres sem paralelos e o exemplo da revolução na Rússia lhes ensinaram que haviam estado enganadas.”


“E a indústria cinematográfica começara a se instalar no que já estava se tornando sua capital mundial: uma colina de Los Angeles. Essa realização extraordinária se devia, em primeiro lugar, à total falta de interesse dos pioneiros do cinema por qualquer outra coisa além de produzir diversão lucrativa para um público de massa. Eles entraram para o ramo como artistas, às vezes obscuros artistas de circo, como o primeiro magnata do cinema, Charles Pathé (1863-1957) da França – embora ele não fosse um empresário europeu típico. Eles eram, com mais frequência, como nos EUA, pobres mas dinâmicos mascates judeus imigrantes, que teriam vendido com o mesmo entusiasmo roupas, luvas, peles, ferramentas ou carne se estes artigos tivessem parecido igualmente lucrativos. Passaram à produção para ter o que exibir. Seu público alvo era, sem a menor hesitação, os menos instruídos, os menos reflexivos, os menos sofisticados, os menos ambiciosos intelectualmente, que lotavam os cinematógrafos onde Carl Laemmle (Universal Films), Louis B. Mayer (Metro-Goldwyn-Mayer), os irmãos Warner (Warner Brothers) e William Fox (Fox Films) começaram em torno de 1905. Em The Nation(1913), a democracia populista norte-americana recebeu de braços abertos esse triunfo dos estratos mais baixos, obtido por meio de entradas a cinco centavos, enquanto a democracia social europeia, preocupada em levar aos trabalhadores as coisas mais elevadas da vida, desqualificou os filmes como diversão do homem proletariado escapista. O cinema desenvolveu-se, portanto, segundo as fórmulas que conseguiam aplausos garantidos, tentadas e testadas desde a Roma antiga.
Ainda mais, o cinema desfrutou de uma vantagem não prevista, mas absolutamente crucial. Dado que até a década de 20 ele era apenas capaz de reproduzir imagens, mas não palavras, era forçado ao silêncio interrompido apenas pelos sons do acompanhamento musical; isto multiplicou as oportunidades de emprego para músicos de segunda categoria. Livre das restrições da Torre de Babel, o cinema desenvolveu, portanto, uma linguagem universal que, de fato, lhe permitiu explorar o mercado mundial, independente do idioma.
Não há dúvida de que as inovações revolucionárias do cinema como arte, todas elas já praticamente desenvolvidas nos EUA em 1914, se deveram à necessidade de se dirigir a um público potencialmente universal exclusivamente através da visão – tecnicamente manipulável –, mas também não há dúvida de que essas inovações, que deixaram a avant-garde da cultura erudita muito atrás em termos de ousadia, foram prontamente aceitas pelas massas porque essa era uma arte que tudo transformava, salvo o conteúdo. O que o público viu e adorou no cinema foi precisamente o que surpreendeu, animou, divertiu e movimentou todas as plateias desde que existe entretenimento profissional. (...)
Hollywood se baseava na articulação do populismo do cinematógrafo com a mentalidade e o drama cultural e moralmente gratificantes, esperados pela massa igualmente grande de americanos médios. Sua força e sua fraqueza residiam precisamente no seu interesse único pela bilheteria de um mercado de massas. A força era, em primeira instância, econômica. O cinema europeu optou, não sem alguma resistência da parte de artistas populistas, pelo público culto, às custas do popular. (...)
Enquanto isso, a indústria americana podia explorar ao máximo o mercado de massas de uma população que teoricamente era apenas um terço maior que o proporcionado pela população da Alemanha. Isto lhe permitiu cobrir os custos e obter altos lucros dentro do país e, assim, conquistar o resto do mundo, reduzindo os preços. A Primeira Guerra Mundial acentuaria essa nítida vantagem e tornaria a posição americana inabalável.”


“Assim, a arte “moderna”, a verdadeira arte “contemporânea” deste século se desenvolveu de modo imprevisto, não notada pelos defensores dos valores culturais, e com a velocidade que se pode esperar de uma genuína revolução cultural. Mas já não era e já não podia ser a arte do mundo burguês e do século burguês, salvo num aspecto crucial: era profundamente capitalista. Seria o cinema “cultura”, no sentido burguês? Em 1914, a maioria das pessoas instruídas teria, quase com certeza, pensado que não. E, no entanto, esse veículo novo e revolucionário era muitíssimo mais forte que a cultura da elite, cuja procura de uma nova maneira de exprimir o mundo preenche a maioria das histórias das artes do século XX. Poucos vultos representam de maneira mais óbvia a antiga tradição, em suas versões convencional e revolucionária, que dois compositores da Viena de pré-1914: Erich Wolfgang Konvoid, uma criança prodígio do meio musical médio, já se lançando às sinfonias, óperas e tudo mais; e Arnold Schoenberg. O primeiro chegou ao fim da vida como compositor de muito sucesso de trilhas musicais para os filmes hollywoodianos e diretor musical da Warner Brothers. O segundo, depois de revolucionar a música clássica do século XIX, passou seus últimos dias na mesma cidade, sempre sem público, mas admirado e subsidiado por músicos mais adaptáveis e muito mais prósperos, que ganhavam dinheiro na indústria cinematográfica não aplicando as lições aprendidas com ele.
As artes do século XX foram portanto revolucionadas, mas não por aqueles que assumiram o encargo de fazê-lo.”


“Para os recrutas comuns, mais familiarizados com a servidão do que com as glórias da vida militar, entrar para o exército se tornou um rito de passagem que marcava a chegada de um garoto à idade adulta, seguido por dois ou três anos de treinamento e trabalho duro, que se tornavam mais toleráveis devido à notória atração que a farda exercia sobre as moças. Para os suboficiais profissionais o exército era um emprego. Para os oficiais, um jogo infantil onde quem brincava eram os adultos, símbolo de sua superioridade em relação aos civis, de esplendor viril e de status social. Para os generais era como sempre, o terreno propício às intrigas políticas e ciúmes relativos à carreira, tão amplamente documentada nas memórias dos chefes militares.
Para os governos e as classes dirigentes, os exércitos eram não só forças para enfrentar inimigos internos e externos, mas também um modo de garantir a lealdade, ou mesmo o entusiasmo ativo, de cidadãos com simpatias inquietantes por movimentos de massas que solapavam a ordem política e social. Junto com a escola primária, o serviço militar era talvez o mecanismo mais poderoso à disposição do Estado com vistas à inculcação do comportamento cívico apropriado e, não menos importante, à transformação do habitante de um povoado no cidadão (patriota) de uma nação. A escola e o serviço militar ensinaram os italianos a compreender, se não a falar, a língua “nacional” oficial.”


“O desenvolvimento do capitalismo empurrou o mundo inevitavelmente em direção a uma rivalidade entre os Estados, a expansão imperialista, ao conflito e a guerra. Após 1870, como os historiadores mostraram, a passagem do monopólio à concorrência talvez tenha sido o fator isolado mais importante na preparação da mentalidade propícia ao empreendimento industrial e comercial europeu. Crescimento econômico também era luta econômica – luta que servia para separar os fortes dos fracos, para desencorajar alguns e endurecer outros, para favorecer as nações novas e famintas às custas das antigas. O otimismo em relação a um futuro de progresso indefinido cedeu o lugar à incerteza e a um sentimento de agonia, no sentido clássico do termo. Tudo isso, por sua vez, reforçando e sendo reforçado pelo acirramento das rivalidades políticas, as duas formas de concorrência que surgiam.”


“Mas a novidade da situação residia em que, dada a fusão entre economia e política, nem a divisão pacífica das áreas disputadas em “zonas de influência” podia manter a rivalidade internacional sob controle. A única coisa que poderia controlá-la – como sabia Bismarck, que a administrou com incomparável habilidade entre 1871 e 1889 –, era a limitação deliberada de objetivos. Se os Estados pudessem definir seus objetivos diplomáticos com precisão – uma determinada mudança nas fronteiras, um casamento dinástico, uma “compensação” definível pelos avanços de outros Estados – tanto o cálculo como o acordo seriam possíveis. Mas nenhuma das duas excluía – como o próprio Bismarck comprovara entre 1862 e 1871 – o conflito militar controlado. Mas o traço característico da acumulação capitalista era justamente não ter limite.
As “fronteiras naturais” da Standard Oil, do Deutsche Bank, da De Beers Diamond Corporation estavam situadas nos confins do universo, ou antes, nos limites de sua capacidade de expansão. Foi este aspecto dos novos padrões da política mundial que desestabilizou as estruturas da política mundial tradicional. Enquanto o equilíbrio e a estabilidade permaneciam a condição fundamental das nações europeias em suas relações recíprocas, em outros lugares nem as mais pacíficas hesitavam em recorrer à guerra contra os fracos. Tinham sem dúvida o cuidado de manter seus conflitos coloniais sob controle. Estes nunca pareceram constituir causas bélicas para uma guerra de grandes proporções, mas com certeza precipitaram a formação de blocos internacionais e finalmente beligerantes: o que se tornou o bloco anglo-franco-russo começou com o “entendimento cordial” anglo-francês de 1904, essencialmente uma negociação imperialista através da qual os franceses desistiram de reivindicar o Egito, e, em troca, a Grã-Bretanha apoiaria suas reivindicações relativas ao Marrocos – uma vítima na qual a Alemanha também estava de olho. Entretanto, todas as nações, sem exceção, estavam com ânimo expansionista e conquistador. Até a Grã-Bretanha – cuja postura era fundamentalmente defensiva, dado que seu problema era como proteger seu domínio global, até então incontestado, contra os novos intrusos – atacou as repúblicas sul-africanas; ela também não hesitou em pensar em dividir as colônias de outro Estado europeu, Portugal, com a Alemanha. No oceano do planeta, todos os Estados eram tubarões e todos os estadistas sabiam disso.
Mas o que tornou o mundo um lugar ainda mais perigoso foi a equação tácita de crescimento econômico ilimitado e poder político, que veio a ser aceita inconscientemente. Assim, o imperador alemão pediu, nos anos 1890, “um lugar ao sol” para seu Estado. Bismarck poderia ter reivindicado o mesmo – e, de fato, conquistara um lugar muitíssimo mais poderoso no mundo para a nova Alemanha do que a Prússia jamais desfrutara. Contudo, Bismarck podia definir as dimensões de suas ambições, evitando cuidadosamente entrar no terreno das zonas sem controle, ao passo que para Guilherme II a frase se tornou um mero slogan sem conteúdo concreto. Formulava simplesmente um princípio de proporcionalidade: quanto mais poderosa for a economia de um país, maior será sua população, maior o lugar internacional de sua nação-Estado. Assim, não havia limites teóricos ao lugar que ele podia sentir que lhe cabia. Como dizia a frase nacionalista: “Heute Deutschland, margen die ganze Welt” (Hoje a Alemanha, amanhã o mundo inteiro). Tal dinamismo ilimitado pode ser expresso na retórica política, cultural ou nacionalista-racista: mas o real denominador comum dos três níveis era a necessidade imperiosa de expandir uma economia capitalista maciça, observando suas curvas estatísticas dispararem para cima.”

(Por questões de espaço não convém inseri-lo, mas o capítulo 13, “Da paz à guerra” – da qual este último trecho supracitado é um pequeno excerto –, no qual o autor formula sobre as causas da primeira guerra mundial, é imprescindível.)


“Após a catástrofe maciça de 1914 e cada vez mais, os métodos da barbárie se tornaram parte integrante e esperada do mundo civilizado, tanto que encobriram os avanços contínuos e notáveis da tecnologia e da capacidade humana de produzir, e inclusive as inegáveis melhorias na organização social humana em muitos lugares do mundo, até que se tornasse impossível ignorá-los, no decorrer do grande salto para a frente da economia mundial, no terceiro quartel do século XX. Em termos de melhoria material da humanidade como um todo, para não mencionar sua compreensão e seu controle da natureza, os argumentos a favor de uma visão da história do século XX como progresso são, na verdade, mais convincentes do que no caso do século XIX. Pois mesmo se europeus morreram e fugiram aos milhões, os sobreviventes estavam se tornando mais numerosos, mais altos, mais sadios e viviam mais tempo. A maioria vivia melhor. Mas os motivos por que perdemos o hábito de pensar em nossa história como progresso são óbvios. Embora o progresso do século XX seja inegável, as previsões não sugerem um ascenso contínuo, mas a possibilidade, talvez até a iminência, de alguma catástrofe; outra e mais letal guerra mundial, um desastre ecológico, uma tecnologia cujo triunfo torne o mundo inabitável para a espécie humana, ou qualquer outra forma atual que o pesadelo possa revestir. A experiência nos ensinou, em nosso século, a viver na expectativa do apocalipse.”


“Há lugar para a esperança, pois os seres humanos são animais que esperam.”

Um comentário:

Sugestão de Livros disse...

Gostei da análise sobre o cinema. E os dois últimos parágrafos são muito bons.