quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Lobão: 50 anos a mil, de Lobão & Cláudio Tognolli

Editora: Nova Fronteira

ISBN: 978-85-209-2446-4

Opinião: ★★☆☆☆

Páginas: 596

Sinopse: Polêmico, zangado, romântico, revolucionário. 50 anos a mil é a autobiografia de Lobão, que conta, em um volume fartamente ilustrado, a história do menino que queria ser jogador de futebol e acabou se transformando num dos grandes nomes do Rock brasileiro. As músicas, os amigos, as confusões com a polícia - o grande lobo não poupa nada nem ninguém.

 


“O espiritismo tomava conta de nossos corações e mentes. Enquanto eu devorava meus livros de Alan Kardec, Ramatis, André Luiz e companhia, mamãe e tia Janine iniciavam uma exploração mais ampla pelos centros da cidade, até que se deparam com um terreiro de umbanda. Após um breve período de adaptação, minha mãe se viu livre dos conceitos “errôneos” que fazia dessa formosa religião e passou a ser uma ardorosa frequentadora e médium, pois mamãe recebia um sem-número de entidades.

O único problema é que a nossa vida girava em torno do mundo espiritual: sempre ocorria o desagradável evento do encosto.

Vivia cheia de intervenções do além, tanto para o bem como para o mal…Vira e mexe, estávamos conversando inocentemente e, de repente, uhuuhu, misifio!, minha mãe recebia aquele influxo ectoplasmático, provocando sacudidelas, espasmos, catrancos, quando não, a própria incorporação da entidade aflita.

E pra botar fogo nessa fogueira, descobrimos que a mulher do Raul era uma médium profissa. Fazia altas jiras, desfazia altos ebós, e era cavalo de Pombajira.

No afã de se descobrir um bom galpão para a oficina, no afã de desvendar os desígnios dos acontecimentos futuros, iniciou-se uma jira particular, todas as sextas-feiras, no terraço lá de casa.

A mulher do Raul (não me lembro o nome dela), a grande estrela da parada, era especialista em receber a Maria Padilha…

Me lembro perfeitamente da primeira vez que encontrei com a Maria Padilha… Estávamos nós no terraço, pra lá da meia-noite, quando desce uma entidade nunca dantes recebida. A médium se esgarçava toda e com as mãos na cintura, um estalar de língua característico das Pombajiras, gargalhava exigindo um marafo e umas baforadas, exigência esta cumprida imediatamente por seu cambono (o Raul era cambono da própria esposa), entregando-lhe uma garrafa de cachaça e um charuto, consumido vorazmente pela entidade.

Rapaz… a pomba bebia que nem maluca! Eu ficava observando pra ver se ela cuspia aquela quantidade astronômica de cachaça, mas não! Ia tudo gogó abaixo! E logo quando acabava, vinha ela: “Marafu, Maria Padilha qué marafu!! Maria Padilha qué fudê!!!”

Pensem bem… a tendência da plateia era inquiri-la sobre os desígnios da nova sociedade, se o galpão recém-descoberto ia ficar bacana, se o locador não ia pentelhar muito durante a vigência do contrato etc., mas, para meu espanto, a coisa se desenvolveu de outra forma, o assunto descambou para outras praias… Num dado momento lá, a Maria Padilha me dá uma encarada e dispara: “Ô!! guri, tá na hora de trepá, num tá sabeno?… tu tá precisano dá uma ‘tepada’, muleque… tem uma namoradinha pra cumê? Tô veno aqui que tem, hein? E é fromosa… lorinha... que tá fim de te dá, muleque, abre os ôio! Tu fica brincando suzinho no banheiro, a lorinha acaba dano pra outro… se apruma, muleque!” Fiquei perplexo com aquele monte de meias verdades...

E continuou olhando para um tio meu: “Esse aí nem cum barbante levanta esse troço!! He-he-he-he-he-he… tá fudido esse aí…” Inconveniente, a pomba...

Enquanto a Maria metia o pé na jaca e detonava todo mundo na sala, eu meditava profundamente… É claro que eu estava me desmilinguindo de tanto tocar punheta, mas… quem seria a tal loirinha a fim de me dar?...

 

A despeito de toda a minha aflição e constrangimento em virtude daquela exibição pública sem precedentes da minha sexualidade, pesou mais o mistério de quem poderia ser…

Só sei que essas jiras começaram a mexer com os meus sentidos e acabei me apaixonando… pela Pombajira.

Passava noites e noites sozinho no terraço me concentrando e abstraindo pra ver se a Maria Padilha dava um help e aparecia, e me desse umas dicas, tipo, se eu ia continuar traumatizado com o ato da penetração, até que uma noite, em estado de conexão cósmica, por mais de meia hora, sempre pensando num rosto que elegi pra ser o dela, materializando os trejeitos que deveria fazer para me seduzir, imaginando quais seriam as feições verdadeiras daquela entidade puramente feminina…, que me deixou apaixonado, quando, de repente, ouço atrás do meu cangote um sibilo… algo do tipo: psssssiu! Me deu um arrepio na nuca e, todo encagaçado, despistei o medo com um assobio sórdido e saí correndo para baixo chamando as pessoas… “Mãe, já começou a novela? Tô indo, aê!”… “Cecília, meu macacão tá lavado pra amanhã?”…”.

 

 

“A noite é a única coisa entre todas que continuará existindo, mesmo depois da morte de todas as estrelas, mesmo com a morte de todos os universos, mesmo sem tempo nem espaço, restará, incólume, a noite… a noite nunca vai mudar...”

 

 

“– Em 4 de maio de 1986, texto de Maria Esther Martinho publicado no Jornal da Tarde diz que, em fevereiro, Lobão encontrou a polícia em sua casa, quando voltava de uma festa portando heroína, e será julgado por tráfico de entorpecentes. Apesar de nunca ter negado ser usuário de drogas, o músico disse que o papelote era presente de “um grande amigo”: o autor da denúncia.

“Vou para lá sem culpa no cartório. E vou dizer ao juiz que não sou traficante nem dependente, apenas faço experiências com a felicidade química”, afirmou Lobão à repórter.”

 

 

“A certeza da certeza faz o louco pensar que é um gênio.”

 

 

“Lobão sumiu depois do lançamento do disco O inferno é fogo. De acordo com a Bizz, ele “tomou porrada da crítica, levou lata no Rock in Rio, sofreu um grave acidente de moto e resolveu tirar o time. Cortou os cabelos, foi estudar violão clássico, descobriu a MPB e se meteu a fazer um show acústico com banquinho e violão. Resultado: ficou parecendo um professor de geografia. Se deu mal. ‘Eu fiz shows pelo Brasil todo e foi um fracasso retumbante. A média de público era de 15 pessoas. Tinha vezes que eu parava o show e convidava a plateia pra jantar”.

Além disso, houve um boato de que o músico estaria se tornando evangélico. “Logo eu? Sequer sou ateu. Se eu existo, logo Deus deve existir também. É uma gentileza que faço com um desconhecido.”

Lobão ainda declarou que adora “ficar puto. É um esporte pra mim”, e que “a cocaína virou droga de chato”, por isso abandonou a droga. “É deprimente cheirar e saber que na Bolsa de Valores todo mundo está nessa também. Não tem a menor poesia. E tem mais: cansei da paranoia do PP. Você conhece o papo de papelote? É aquela conversa em que o sujeito fica todo suado, com um odor desagradável, te cutuca o tempo todo e confessa as maiores babaquices. Quando paguei meu décimo mico, decidi que não cheirava mais.”

– Em 7 de novembro de 1995, Lobão comentou o nome do novo disco, Nostalgia da modernidade, à Folha: “Eu me irrito com a concepção de modernidade do brasileiro, que transmite uma ansiedade e uma sensação de obsolescência. Você compra um computador e acha que vai estar velho na semana que vem. Todo mundo se acha ultrapassado. Os flashbacks hoje em dia são de três meses atrás. A modernidade produz sofisticação tecnológica e simplificação do comportamento.”

 

 

“Nós vivemos num país que não suporta opinião, e qualquer coisa mais contundente que se fale é levada a ferro e fogo para o terreno pessoal; logo, um alvo susceptível a retaliações das mais rancorosas.

Sou muito duro comigo mesmo e gosto disso... Dependo disso para continuar crescendo... Portanto, não tenho muitos pruridos em ser duro com os outros ao meu redor. Pois isso é amor. Porque amor é um sentimento dinâmico; se a gente se acomoda e se sacia, ele evapora e vai embora. Amor tem muito a ver com insatisfação... É uma espécie de desequilíbrio que, só assim, nos leva à plenitude. E a felicidade não está em lugar nenhum a não ser no processo, na alma de quem consegue desfrutar dela. É a única maneira de ser feliz...”