Editora: Objetiva
ISBN: 978-85-7302-613-9
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 310
Sinopse: Que
circunstâncias e objetivos moldaram a luta pela Independência do Brasil e quais
as suas consequências na evolução da sociedade brasileira? Qual o papel
desempenhado pela guerra ao longo deste processo? Para responder a estas
questões, o professor de geopolítica Fernando Diégues examina, em A
Revolução Brasílica, a Independência pelo viés da estratégia e da guerra.
Rejeitando o mito de uma Independência sem derramamento de sangue, o autor
afirma: “se a Independência não foi uma estrondosa e demorada explosão de
violência, também não foi um desfile militar, livre de dramas e sofrimentos”.
Diégues elege como eixo narrativo principal a atuação de
José Bonifácio. Criador da expressão “revolução brasílica” para definir a
independência do Brasil, Bonifácio defendia a tese de que era preciso superar o
passado colonial através de uma transformação, gradativa e controlada, das
estruturas política, econômica e social da ex-colônia para a construção de uma
nova nação. O livro conduz o leitor pelos caminhos sinuosos deste momento
decisivo de nossa história e mostra que a implementação desse projeto não foi
uma tarefa fácil, muito menos pacífica. Foi preciso enfrentar as pressões e o
antagonismo de setores cujos interesses, consolidados no decorrer de 300 anos
de exploração colonial, se opunham às ideias de Bonifácio.
“Não é segredo para ninguém – são muitos os
exemplos na História – que o resultado final de uma estratégia quase nunca
corresponde exatamente àquele para o qual ela fora concebida. Esse desvio pode
ter várias causas. Pode ter origem em uma estratégia baseada no conhecimento
parcial ou impreciso da situação; alicerçada, talvez, em pressupostos pouco
realistas, derivados de apreciações subjetivas, de um voluntarismo indiferente
ao peso muitas vezes irredutível das pressões, do antagonismo e das
resistências a que anteriormente me referi. Pode também ser provocado por
eventos geradores de mudanças inesperadas, sobretudo se favoráveis ao
adversário, na situação para a qual a estratégia havia sido inicialmente
imaginada. Tais elementos de incerteza tendem a projetar-se e a refletir-se nas
próprias formas de ação que, em conjunto, dão sentido a uma estratégia.”
“Atingir objetivos (políticos) não é tão
fácil quanto desejá-los. A pertinência da escolha é sempre algo imponderável.
Por isso ela se prende, no fundo, por mais que se pretenda atribuir-lhe um
caráter racional, a uma visão intuitiva, cuja sintonia à realidade e
consequente contribuição para a eficácia da ação só a experiência e a
sensibilidade políticas podem até certo ponto garantir.”
“(José Bonifácio escreve que) O homem
civilizado é levado a progredir por razões materiais e psicológicas, mas o
homem em estado “selvático” é naturalmente preguiçoso, porque tem poucas
necessidades. O índio “não tem ideia de propriedade, nem desejos de distinções
e vaidades sociais, que são as molas poderosas que põem em atividade o homem civilizado”.”
“Mudadas as circunstâncias, mudam-se os
costumes”. (José Bonifácio)
“Se, na visão do estadista, a importância das
prováveis perdas e danos é esmagadora, desproporcional ao valor do objetivo, a
alternativa militar deixa de ter sentido, de ser compensadora. Mas, no outro
extremo, se as perdas e danos são julgados suportáveis, e o objetivo é
percebido como vital, a alternativa militar passa a ser admissível.
Configura-se aí a terceira condição de racionalidade político-estratégica: o valor
e a probabilidade de o objetivo ser atingido devem superar a importância e a
probabilidade da ocorrência de perdas e danos.”
“Tais considerações sugerem um padrão de
interações estratégicas comum aos três teatros de operações – Bahia, Cisplatina
e Piauí-Maranhão. Embora com personagens e andamentos diferentes, a guerra
segue, nesses cenários, o mesmo enredo em três atos.
Primeiro: as forças independentistas
desencadeiam a ação coercitiva expressa no plano militar de duas maneiras: o
bloqueio na Bahia e Cisplatina, a pressão insurrecional no Piauí.
Segundo: os partidários de Lisboa respondem
ao cerco independentista – Madeira e Álvaro da Costa tomam a decisão de romper
o bloqueio e Fidié investe sobre a Parnaíba para reprimir a insurreição.
Terceiro: do confronto entre a ação
coercitiva dos independentistas e as iniciativas de ataque das forças leais a
Lisboa, evidenciam-se a vulnerabilidade militar e as minguantes possibilidades
de sucesso dessas forças. Os rescaldos do confronto projetam-se no espaço moral
do conflito e aumentam o desgaste material português. Modelam o curso final da
guerra.”
“São diversas as causas atribuídas pelos
historiadores às guerras. Em alguns casos, eles destacam as pressões econômicas
e demográficas. Em outros, dão ênfase a motivações ideológicas ou culturais. Há
quem sublinhe o caráter decisivo da personalidade dos líderes. Dentro de um
enfoque mais amplo, outros estudiosos se perguntam se, a despeito das causas
explícitas nos livros de História ou declaradas por seus protagonistas, as
guerras não teriam simplesmente a função de dissipar tensões sociais
acumuladas, como se fosse um ritual sangrento, um estuário natural da
agressividade coletiva. (...)
Rivalidades políticas, interesses contrariados,
lutas pelo poder ou hegemonia são itens quase sempre presentes na descrição das
causas das guerras. Não é raro, contudo, discernir em suas entrelinhas, à
sombra de fatos mais salientes, referências mais ou menos explícitas à formação
de um clima psicológico peculiar. Essas referências sugerem o aparecimento e a
progressiva consolidação de comportamentos políticos fortemente marcados pela
expectativa do conflito, pelas ameaças que se cruzam no ar sedimentando
compromissos que tendem a se tornar irreversíveis.”
“Um comentário do sociólogo Gaston Bouthoul
resume a situação: ‘Não são os fatos que impõem a guerra, mas a interpretação
que os dirigentes dão aos fatos’.”
“Corolário natural da troca de acusações é
atribuir ao adversário a responsabilidade pelo conflito. (...) Sendo a
responsabilidade imputada ao adversário, as providências militares adquirem
caráter eminentemente defensivo aos olhos de quem as concebe. O adversário é
inconsequente e obstinado. Nosso lado não quer a guerra, procura uma solução
pacífica para a crise, mas o outro rejeita o entendimento e se prepara para a
luta. Não há alternativa, senão fazer face à agressão.”
“A guerra é um ato de violência destinado a
obrigar o adversário a executar nossa vontade.” (Clausewitz)
“(...) Para isso, nada melhor do que o culto
político. Mais importante não é o objeto do culto, mas o culto em si mesmo: é
pela presença e participação que os indivíduos se irmanam, se reconhecem na
adesão à sociedade em construção e experimentam, unidos, o sentimento de
mudança. O culto reforça e dá vida aos laços político-sociais emergentes com a
Independência. Sem eles, os cidadãos estariam condenados ao desamparo
ideológico e à solidão política. A sociedade desfaleceria.”
“Não são precisas investigações muito
profundas para concluir que o compromisso de paz engendra consequências
ardilosas – não quanto à separação em si, mas quanto aos ajustes pelos quais se
concretiza. A separação de Portugal se consuma, mas às custas de obrigações que
tolhem a liberdade de ação do governo brasileiro. Obrigações que suscitam o
comentário mordaz do historiador Carlos Alfredo Bernardes: ‘Quando os Estados
Unidos se separaram da Inglaterra, tornaram-se um país independente; quando o
Brasil se separou de Portugal, tornou-se um país independente de Portugal’.”
“As eleições eram um produto do ambiente
social, um mecanismo de controle político a serviço dos poderosos. Refletem as
relações de mando e sujeição herdadas da fase colonial. ‘A máquina eleitoral é
automática’, diria mais tarde Joaquim Nabuco, ‘e por mais que mudem a lei, o
resultado há de ser o mesmo’. A vontade dos senhores sobrepõem-se à “popular”,
não poucas vezes pela força, como o mesmo Nabuco denuncia: ‘A faca de ponta e a
navalha, exceto quando a baioneta usurpava essas funções, tinham sempre a
maioria das urnas’. Denúncia que Euclides da Cunha reitera ao referir-se com
ironia, quase oitenta anos depois da Independência, e já proclamada a Abolição,
às ‘guardas pretorianas dos capangas’, que reforçavam a ‘pau e a tiro, a
soberania popular’ nas ‘mazorcas periódicas que a lei marca, denominando-as
“eleições”, eufemismo que é entre nós o mais vivo traço das ousadias da
linguagem’.”
“Mas não é essa uma das armadilhas da
política: acomodar, sob a forma de palavras, expectativas que acabam por
mostrarem-se ilusórias? O projeto original consistia em um apanhado de ideias.
As ideias ecoam na realidade, motivam a ação, que, no entanto, nem sempre se
desdobra conforme o sentido delas. Por meio dos fatos, das circunstâncias e
pressões da realidade é que o projeto real, até então difuso nas entrelinhas da
estratégia, se revela. Tudo se passa como se existissem dois projetos: um
conceitual e outro real. O primeiro brota da visão do estadista; o segundo, da
cegueira dos homens.”
“José Bonifácio explica as razões da
preferência pelo sistema monárquico. ‘Acusam-me alguns, que plantei a Monarquia
– sim, porque vi que não podia ser de outro modo então; porque observara que os
costumes e o caráter do povo eram eminentemente aristocráticos; porque era
preciso interessar as antigas famílias e os homens ricos, que detestavam ou
temiam os demagogos; porque Portugal era Monárquico e os brasileiros eram
macacos imitadores. Sem a Monarquia não haveria um centro de força e união, e
sem esta não se poderia resistir às Cortes de Portugal e adquirir a
Independência Nacional’.”