Editora:
Alfaguara
ISBN: 978-85-6028-138-1
Tradução: Cássio de Arantes Leite
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 368
Sinopse: A criança roubada é uma
emocionante fábula sobre os desafios da vida. Henry Day tem 7 anos quando foge
de casa e se esconde na floresta. Só que ele não sabe que é seguido de perto
por pequenos seres que vivem na mata e, de tempos em tempos, roubam a identidade
de uma criança humana.
Rebatizado de Aniday, Henry ficará para sempre
aprisionado no corpo de um desses seres, a não ser que, algum dia, consiga
roubar o lugar de um garoto. Aniday cresce em espírito, lutando para se lembrar
da vida e da família que deixou para trás, e busca se adaptar à terra de
sombras em que se encontra, ameaçada constantemente pelo avanço do mundo
moderno.
Enquanto isso, em seu antigo lar, um duplo assume sua
personalidade, ocultando sua verdadeira natureza. Aos poucos, no entanto, essa
criatura demonstra uma rara habilidade musical — que o verdadeiro Henry jamais
teve —, e suas exibições impressionantes no piano levam o pai a suspeitar que o
filho que está criando é um impostor.
À medida que cresce, esse novo Henry Day é assombrado por
lembranças tênues, mas persistentes, de uma outra vida, que levou há mais de um
século, antes de ter se tornado um desses seres da floresta. São memórias que o
farão ir em busca de sua verdadeira identidade, da mesma forma que, na mata,
Aniday tentará reconstruir seu passado. Nessa jornada, eles nem sequer
pressentem que seus destinos irão se cruzar mais uma vez.
“– Meu nome é Henry Day – murmurei, num
grasnado rouco de sofrimento.
– Olá, Anyday.
Onions sorriu e todo mundo riu do apelido. As
fadas-crianças começaram a cantar “Aniday, Aniday”, e um lamento ecoou em meu
coração. Desse dia em diante, passei a ser chamado de Aniday, e com o tempo,
esqueci meu verdadeiro nome, embora em certas ocasiões ele voltasse
parcialmente como Andy Day ou Anyway. Desse modo batizado, minha antiga
identidade começou a sumir, assim como um bebê não se recorda do que aconteceu
antes de seu nascimento. Perder o próprio nome é o princípio do esquecimento.”
“Dizem que a pessoa nunca esquece o primeiro
amor, mas é com grande consternação que admito não lembrar de seu nome ou de
muita coisa a seu respeito – além do fato de ter sido a primeira garota que vi
nua. Pelo bem da narrativa, vou chamá-la de Sally. Talvez fosse mesmo seu nome.
Após o verão em que confessei meu segredo a Oscar, retomei as aulas com o Sr.
Martin e lá estava ela. Havia partido ao final do ano letivo e voltara uma
criatura diferente – alguém a ser desejada, um fetiche, uma obsessão. Sou tão
culpado de desejos anônimos quanto qualquer outro, mas foi ela quem me
escolheu. Acolhi sua estima de bom grado e sem lhe dar trégua. Eu vinha
observando suas curvas havia meses, antes que ela reunisse coragem de conversar
comigo no recital de inverno. Estávamos juntos nos bastidores, trajados
formalmente, aguardando angustiados a vez de cada um sentar ao piano. As
crianças mais novas iam antes, pois a agonia é mais bem servida como
aperitivo.”
“– Escreva, rapaz. Se você encontra uma
passagem na leitura de que gostaria de lembrar, escreva em seu caderninho;
depois pode ler de novo, memorizar e ter com você sempre que quiser.”
“– Todo sonho é louco, Henry, e você não pode
desejar que eles não existam, assim como não pode querer que existam. Você tem
que decidir se age guiado por eles ou se vai deixá-los sumir.”
“– E assim caminha a vida. Todas as coisas
passam e dão lugar a outras. Não é lá muito sábio se apegar demais a qualquer
mundo ou sua gente.”
“– Pequeno tesouro, vá dormir – disse
Smaolach. – A gente vai pensar num plano. Um novo dia é a promessa de algo
diferente.”
“Todo mundo tem um segredo indizível horrendo
demais para contar a um amigo ou companheiro, padre ou psicanalista, entranhado
demais no coração para ser extirpado sem dano. Algumas pessoas decidem
ignorá-lo; outras enterrá-lo bem fundo e arrastá-lo em silêncio até a cova. Nós
o mascaramos tão bem que até o corpo às vezes esquece que o segredo existe.”
“– Tenho sido um bom filho, mãe?
– Henry. – Ela encostou a palma de sua mão em
meu rosto, um gesto de meus tempos de infância, e a dor com a partitura perdida
diminuiu. – Você é quem você é, para o bem ou para o mal, e não adianta nada
ficar se torturando com suas próprias criações. Demônios. – Sorriu como se um
pensamento novo houvesse entrado em sua mente. – Alguma vez pensou se você é
real para eles? Tire esses pesadelos de sua cabeça.
Fiquei de pé para ir, então me curvei e
dei-lhe um beijo de despedida. Ela me tratara com bondade nesses anos todos,
como se eu fosse seu próprio filho.
– Eu sempre soube, Henry – ela disse.
Saí de casa sem perguntar o quê.”
“O que a memória deixa escapar, a imaginação
recria.”
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