Editora: Ediouro
ISBN: 978-85-0001-758-2
Tradução: Daniel Pellizzari
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 272
Sinopse: Intriga,
mistério e sensualidade na cosmopolita e poliglota cidade de Alexandria no tempo
da Segunda Guerra Mundial. Os quatro romances que compõem O Quarteto de Alexandria
– Justine, Balthazar, Mountolive e Clea – exploram a sociedade daquela cidade poliglota e cosmopolita, repleta de
intrigas, mistério e sensualidade, retomando genericamente uma mesma história sob
diferentes pontos de vista, acrescentando e refazendo pormenores e situações.
Em Mountolive, o terceiro livro da tetralogia, o
autor apresenta os acontecimentos narrados em Justine e Balthazar sob uma nova perspetiva. A guerra faz a sua aparição e a trama gira
agora em torno do embaixador britânico, David Mountolive, tendo como ponto de
partida as recordações da sua paixão por Leila, a mãe de Nessim. Darley
regressa a Alexandria a pedido de Nessim, levando a menina para que o pai e
Justine a conheçam.
“A juventude é a era dos desesperos.”
“Enfermidades inspiram desprezo. Um homem
doente bem o sabe.”
“– Oh, o que vamos fazer quando você for
embora? – Mountolive ficou terrivelmente satisfeito consigo mesmo. Seria
possível imaginar um tempo em que eles não mais se abraçariam ou ficariam
sentados de mãos dadas, sentindo o coração do outro marcando o tempo em meio ao
silêncio? Por quanto tempo duraria a memória das experiências passadas? Desviou
a mente desse pensamento, resistindo como podia à aguda verdade. Então Leila
disse: – Não tema. Já planejei os próximos anos de nossa relação; não ria, pode
ficar ainda melhor quando deixarmos de fazer amor e começarmos a... o quê?
Ainda não sei, talvez a pensar no outro de forma neutra; digo, como amantes
forçados a separar-se; que talvez nunca deveriam ter se tornado amantes;
escreverei a você com frequência. Um novo tipo de relacionamento terá início.
– Pare, por favor – pediu Mountolive,
sentindo o abraço da desesperança.
– Por quê? – ela quis saber, sorrindo e
beijando sua têmporas. – Sou mais experiente que você. Veremos.
Por sob aquela tranquilidade, Mountolive
reconheceu a presença de algo forte, resistente e durável – o caráter de uma
experiência que lhe faltava. Leila era uma criatura nobre e somente os nobres
conseguem ficar serenos diante da adversidade. Na noite anterior à partida de
Mountolive, porém, Leila não cumpriu as promessas de ir ao seu quarto. Era
mulher o bastante para render-se ao desejo de aguçar as dores da separação,
torná-las mais duradouras. E no desjejum, ao ver os olhos cansados e o ar
esgotado de Mountolive e constatar a obviedade de seu sofrimento, foi tomada
por um prazer inenarrável.
Foi com ele até a balsa, mas a presença de
Naruz e Nessim impossibilitava qualquer conversa particular. Isso quase chegou
a alegrá-la. Na verdade, não havia mais nada a ser dito. Inconscientemente,
Leila desejava evitar as repetições tão características do amor, que por fim
acabam por arruiná-lo. Queria manter nítida e impecável sua imagem de
Mountolive. Reconhecia aquela partida como o padrão, de certa forma um modelo,
de uma partida mais definitiva e final; uma partida que, caso sua comunicação
realmente fosse limitada a palavras sobre o papel, poderia significar a perda
de seu Mountolive. É impossível escrever mais de uma dezena de cartas de amor
sem ficar ansioso por mudar de assunto; a mais rica das experiências humanas é
também a mais limitada em sua expressão. Palavras matam o amor, assim como
matam todo o resto. Leila já havia planejado transferir suas relações para um
plano mais rico, porém Mountolive ainda era jovem demais para tirar proveito do
que ela tinha para oferecer – os tesouros da imaginação. Seria preciso ter
paciência até que ele crescesse. Leila tinha consciência de que, ao mesmo tempo
em que o amava sinceramente, era capaz de resignar-se a nunca mais vê-lo. Seu
amor já havia contemplado e superado o ocaso de seu objeto – sua própria morte!
Essa ideia, tão clara em sua mente, dava a Leila uma imensa vantagem sobre
Mountolive. Enquanto ele ainda chafurdava no mar agitado da confusão e da falta
de lógica de suas emoções, seu desejo e seu amor-próprio – todas as
dificuldades infantis características de um amor imaturo –, ela retirava forças
e segurança da própria irremediabilidade daquela situação. Seu orgulho e sua
inteligência concediam-lhe uma força nova, insuspeita. E ainda que parte de si
lamentasse vê-lo ir embora tão cedo, outra estava contente em vê-lo sofrer,
pronta a nunca mais revê-lo. Por saber-se possuidora dele, paradoxalmente,
despedir-se era quase simples.”
“É verdade que cheguei a pensar em casar-me
com ela. Estava apaixonado, sem dúvida. Mas ela curou-me a tempo.”
“A obra do artista constitui a única relação
satisfatória que lhe é possível estabelecer com seus semelhantes, já que busca
seus verdadeiros amigos entre os mortos e os que ainda estão por nascer. É por
isso que ele não pode se envolver com política, não é essa a sua função.
Precisa concentrar-se em valores, não em política.”
“– Ah, Mountolive! Olhe para tudo isso! Terra
dos excêntricos e dos sexualmente incapazes. Londres! Vossa comida, tão
apetitosa quanto um mingau de bário, vossos desconfortos saborosos, vossas
causas não apenas perdidas, mas ultrapassadas. Ela é nossa, e é
maior do que a soma de seus defeitos. Ah, Inglaterra! Inglaterra, onde os
membros da Real Sociedade de Prevenção à Crueldade Animal comem carne duas
vezes por dia e os nudistas devoram frutas importadas em meio à neve. O único
país que se envergonha da pobreza.”
“O homem será feliz quando seus deuses se
aperfeiçoarem.”
“– Na Inglaterra, quase todas as coisas
deliciosas que podem ser feitas a uma mulher são crimes, motivos de divórcio.”
“Que pretende o céu com todas estas leis?”
“Assim como a emoção, a pressa é sempre
deplorável, pois sugere que os impulsos ou os sentimentos estão dominando
quando somente a razão poderia estar no comando. (...) Felizmente as batidas de
nosso próprio coração não podem ser ouvidas por outras pessoas.”
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