Editora: Record
ISBN: 978-85-010-5546-0
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 400
Sinopse: Jorge
Amado considerava São Jorge dos Ilhéus (publicado em 1944) uma
continuação natural de seu romance anterior, Terras
do sem-fim (1942). Se este, ambientado no campo, narra a saga dos
pioneiros e as guerras sangrentas pela posse da terra, aquele, tendo Ilhéus
como cenário principal, fala do momento em que, pacificada, a região colhe os
frutos da exportação de cacau e se moderniza.
Nesse contexto, em que os confrontos de jagunços foram
substituídos pelo jogo na bolsa de valores e pelas intrigas políticas, pululam
os personagens mais díspares: prostitutas, jogadores, exportadores
estrangeiros, militantes comunistas, filhos de coronéis transformados em
bacharéis ociosos, poetas de fim de semana, artistas de cabaré.
Durante uma alta de preços forçada astuciosamente pelos
exportadores, com o intuito de ludibriar os velhos coronéis e açambarcar suas
terras, a cidade de Ilhéus vive uma breve idade do ouro, com uma vida noturna
vibrante, e recebe aventureiros de todos os pontos do país e até do exterior.
Jorge Amado entrelaça os destinos de uma dúzia de
personagens das mais variadas extrações, narrando de modo envolvente seus
dramas e suas comédias, seus sonhos, traições, vinganças.
“O coronel Frederico Pinto, que se movia na cadeira,
sorria para a mulher. Escolhera aquela cadeira de propósito. Dali podia sorrir à
vontade, pinicar o olho, atirar beijinhos com os lábios, sem que os demais notassem,
já que ele dava as costas tanto a Pepe como a Rui Dantas, sentado no sofá, atrás.
Para o coronel essa letra de tango não diz nada, ele nem entende direito esse castelhano
arrevesado, de palavras cortadas, línguas de bordeis do Prata. Só a música lenta
e viciosa lhe lembrara as noites na cama, noites de carícias como o coronel Frederico
nunca imaginara que existissem. Nas suas relações sexuais com a esposa sempre primara
certa gravidade cheia de pudor. Dormiam juntos, faziam filhos. Era bem isso: faziam
filhos. Mas realmente Frederico nem conhecia os detalhes do corpo da mulher, corpo
que fora crescendo de ano para ano até se transformar naquela coisa informe, uma
massa escandalosa de carnes. Dos seus contatos sexuais com a esposa, Frederico só
guardava como recordação lamentável os gritinhos fracos que ela soltava no fim do
ato. Aliás ele, em geral, terminava antes dela e aqueles gritinhos, saindo de um
corpo tão volumoso, lhe causavam asco. E esses contatos iam rareando dia a dia,
o coronel procurando, cada vez que ia à cidade ou aos povoados, as prostitutas de
corpo melhor proporcionado que o da esposa. Com elas é que o coronel aprendeu algumas
dessas carícias que prolongam o amor. Mas, ainda assim, eram feitas com aquele ar
profissional que chocava até mesmo a um homem como o coronel Frederico Pinto. Lola
foi o descobrir de tudo, do amor, das carícias, da vida. Para este homenzinho nervoso
e rico, lavrador que passara a maior parte da sua vida metido entre árvores e animais
da floresta, Lola era o maior bem do mundo, formosura nunca vista antes, delírio
inesperado e definitivo. Frederico Pinto tinha mulher, filhos e fazendas de cacau.
Era respeitado em toda a zona, era um dos homens da terra. Mas de bom grado deixaria
isso tudo, a terra, as fazendas, a mulher e os filhos, para seguir com Lola pelos
caminhos do mundo. A posse da loira argentina lhe trouxe uma enormidade de sentimentos
novos, ele se sentia como um jovem que iniciasse a vida. Com certeza muitos o julgariam
ridículo, mas o coronel nunca se deu conta disso. Vivia como que fora da Terra,
num mundo de sonho. Aquelas carícias, de incríveis sutilezas, com que Lola mesclava
a posse, não fizeram com que o coronel a julgasse uma prostituta mais refinada que
as outras. Ao contrário, elas fizeram com que Frederico julgasse Lola ainda mais
digna e mais pura. Para ele aquelas carícias, lábios que percorriam o corpo em beijos
prolongados, mãos sábias como sexos, boca corrompida, tudo lhe parecia amor, extremado
amor, nada lhe falava de vício. Para ele também esse tango que ela canta nada tem
de vicioso, é apenas triste, versos de amor que ela lhe diz com sua voz melodiosa.
E o coronel abre e cerra os lábios, atirando ridículos beijinhos à mulher que canta.”
“Os filhos dos coronéis malandreavam nos cafés
e o dr. Rui Dantas, em certa noite de porre, os definira com uma frase, que o poeta
Sérgio Moura dizia ser a sua única frase inteligente e justa:
– Somos uma geração fracassada...
O poeta não concordava no entanto com a segunda
parte da frase.
– Em compensação sabemos beber, o que pouca gente
sabe...”
“No verão o sol é dono de tudo.”
“– Cada homem vale para nós. Vale mais que qualquer
coisa, companheiro Sérgio. Os capitalistas têm dinheiro e compram tudo: justiça,
polícia, padres, governo, tudo. Nós comunistas só temos um capital: os companheiros...”