Editora: L&PM
ISBN: 978-85-2540-812-9
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 142
Sinopse: Mulato,
pobre, revoltado, Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) utilizou seu
enorme talento para combater as oligarquias, o racismo e as desigualdades
sociais. Sua literatura, embora contundente, é marcada pela sátira, e Os
bruzundangas são o seu grande exemplo.
Bruzundangas é um país hipotético descrito por um
brasileiro e que possui todos os problemas do Brasil. Lá ocorre o nepotismo
desenfreado, há privilégios e favorecimentos aos políticos, a saúde e a
educação são tratadas em segundo plano, num conjunto de mazelas que – o leitor
verá –, publicadas após a morte do escritor, em 1923, mantém uma terrível
atualidade. Tal qual sua obra-prima O triste fim de Policarpo Quaresma
(1911), este livro enquadra-se naquilo que Lima Barreto qualificou de “literatura
militante”, cuja missão era “fazer comunicar umas almas com as outras (...)
reforçando deste modo a solidariedade humana, tornando os homens mais capazes
para a conquista do planeta e se entenderem melhor, no único intuito de sua
felicidade”. Tudo com o estilo e o humor que o colocam entre os gigantes da
nossa literatura.
“Dentre as leis que estatuía a escola de poesia
de Bruzundanga, eu me lembro de algumas. Ei-las:
1ª - Sendo a poesia o meio de transportar o nosso
espírito do real para o ideal, deve ela ter como principal função provocar o sono,
estado sempre profícuo ao sonho.
2ª - A monotonia deve ser sempre procurada nas
obras poéticas; no mundo, tudo é monótono (Tuque-Tuque).
3ª - A beleza de um trabalho poético não deve
ressaltar desse próprio trabalho, independente de qualquer explicação; ela deve
ser encontrada com as explicações ou comentários fornecidos pelo autor ou por seus
íntimos.
4ª - A composição de um poema deve sempre ser
regulada pela harmonia imitativa em geral e seus derivados.”
“(...) aquela cena que a nobreza de sangue provocou,
a Taine, no começo da sua grande obra Origens da França Contemporânea, descreve
em poucas e eloquentes palavras. Eu as traduzo:
“Na noite de 14 para 15 de julho de 1789, o Duque
de Larochefoucaud-Liancourt fez despertar Luís XVI para lhe anunciar a tomada da
Bastilha.
– É uma revolta? – diz o rei.
– Sire – respondeu o duque –, é uma revolução.”
“O ideal de todo e qualquer natural da Bruzundanga
é viver fora do país. Pode-se dizer que todos anseiam por isso; e, como Robinson,
vivem nas praias e nos morros, à espera do navio que os venha buscar.”
“São assim como nós que temos grande admiração
pelo Barão do Rio Branco por ter adjudicado ao Brasil não sei quantos milhares de
quilômetros quadrados de terras, embora, em geral, nenhum de nós tenha de seu nem
os sete palmos de terra para deitarmos o cadáver.”
“Reuniu-se, pois, a Constituinte com toda a solenidade.
Vieram para ela, jovens poetas, ainda tresandando à grossa boêmia; vieram para ela,
imponentes tenentes de artilharia, ainda cheirando aos “cadernos” da escola; vieram
para ela, velhos possuidores de escravos, cheios de ódio ao antigo regime por haver
libertado os que tinham; vieram para ela, bisonhos jornalistas da roça recheados
de uma erudição à flor da pele, e também alguns dos seus colegas da capital, eivados
do Lamartine, História dos girondinos, e entusiastas dos caudilhos das repúblicas
espanholas da América. Era mais ou menos esse o pessoal de que se compunha a nova
Constituinte.”
“Assim, por exemplo, a exigência principal para
ser ministro era a de que o candidato não entendesse nada das coisas da pasta que
ia gerir.
Por exemplo, um ministro da Agricultura não devia
entender coisa alguma de agronomia. O que se exigia dele é que fosse um bom especulador,
um agiota, um judeu, sabendo organizar trusts, monopólios, estancos, etc.”
“A Constituição da Bruzundanga era sábia no que
tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o Presidente.
Estabelecia que devia unicamente saber ler e escrever;
que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que
não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total.
Nessa parte a Constituição foi sempre obedecida”.
“O chefe do governo de Bruzundanga é um homem
metódico, pontual nos pagamentos, não gasta dinheiro em coisas inúteis, como seja,
em livros.”
“Uma das curiosidades da Armada daquele país é
a indolência tropical dos seus navios que, às vezes, por mero capricho, teimam em
não andar.
Enfim, a força armada da Bruzundanga é a coisa
mais inocente deste mundo. Em face dela, todo o pacifismo ou humanitarismo é perfeitamente
ridículo.”
“O regime de propriedade agrícola lá, regime de
latifúndios com toques feudais, faz que o trabalhador agrícola seja um pária, quase
sempre errante de fazenda em fazenda, donde é expulso por dá cá aquela palha, sem
garantias de espécie alguma - situação mais agravada ainda pela sua ignorância,
pela natureza das culturas, pela politicagem roceira e pela incapacidade e cupidez
dos proprietários.
Estes, em geral, são completamente inábeis para
dirigir qualquer coisa, indignos da função que a obscura marcha das coisas depositou
em suas mãos. Pouco instruídos, apesar de formados, nisto ou naquilo, e sem iniciativa
de qualquer natureza, despidos de qualquer sentimento de nobreza e generosidade
para com os seus inferiores, mais ávidos de riqueza que o mais feroz taverneiro,
pimpãos e arrogantes, as suas fazendas ou usinas são governadas por eles, quando
o são, com a dureza e os processos violentos de uma antiga fazenda brasileira de
escravos.
Todos eles são políticos, senão de destaque, ao
menos com influência nos lugares em que têm as suas fazendas agrícolas; e, apoiados
na política, fazem o que querem, são senhores de baraço e cutelo, eles ou os seus
prepostos.”
“É deveras difícil dizer qualquer coisa sobre
a sociedade da Bruzundanga.
É difícil porque lá não há verdadeiramente sociedade
estável. Em geral, a gente da terra que forma a sociedade, só figura e aparece nos
lugares do tom, durante muito pouco tempo. Os nomes mudam de trinta em trinta anos,
no máximo. Não há, portanto, na sociedade do momento tradição, cultura acumulada
e gosto cultivado em um ambiente propício. São todos arrivistas e viveram a melhor
parte da vida tiranizados pela paixão de ganhar dinheiro, seja como for. Os melhores
e os mais respeitáveis são aqueles que enriqueceram pelo comércio ou pela indústria,
honestamente, se é possível admitir que se enriqueça honestamente.”
“O mal da província não está só nessas pequenas
vaidades inofensivas; o seu pior mal provém de um exagerado culto ao dinheiro. Quem
não tem dinheiro nada vale, nada pode fazer, nada pode aspirar com independência.
Não há metabolia de classes. A inteligência pobre que se quer fazer, tem que se
curvar aos ricos e cifrar a sua atividade mental em produções incolores, sem significação,
sem sinceridade, para não ofender os seus protetores. A brutalidade do dinheiro
asfixia e embrutece as inteligências.”
“Os médicos da Bruzundanga imaginam-se sábios
e literatos.
Pode-se afirmar que não são nem uma coisa nem
outra.”
“É sábio, na Bruzundanga, aquele que cita mais
autores estrangeiros; e quanto mais de país desconhecido, mais sábio é. Não é, como
se podia crer, aquele que assimilou o saber anterior e concorre para aumentá-lo
com os seus trabalhos individuais. Não é esse o conceito de sábio que se tem em
tal país.
Sábio, é aquele que escreve livros com as opiniões
dos outros.
Houve um que, quando morreu, não se pôde vender-lhe
a biblioteca, pois todos os livros estavam mutilados. Ele cortava-lhes as páginas
para pregar no papel em que escrevia os trechos que citava e evitar a tarefa maçante
de os copiar.”