sábado, 20 de dezembro de 2008

Os Bruzundangas, de Lima Barreto

Editora: L&PM

ISBN: 978-85-2540-812-9

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 142

Sinopse: Mulato, pobre, revoltado, Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) utilizou seu enorme talento para combater as oligarquias, o racismo e as desigualdades sociais. Sua literatura, embora contundente, é marcada pela sátira, e Os bruzundangas são o seu grande exemplo.

Bruzundangas é um país hipotético descrito por um brasileiro e que possui todos os problemas do Brasil. Lá ocorre o nepotismo desenfreado, há privilégios e favorecimentos aos políticos, a saúde e a educação são tratadas em segundo plano, num conjunto de mazelas que – o leitor verá –, publicadas após a morte do escritor, em 1923, mantém uma terrível atualidade. Tal qual sua obra-prima O triste fim de Policarpo Quaresma (1911), este livro enquadra-se naquilo que Lima Barreto qualificou de “literatura militante”, cuja missão era “fazer comunicar umas almas com as outras (...) reforçando deste modo a solidariedade humana, tornando os homens mais capazes para a conquista do planeta e se entenderem melhor, no único intuito de sua felicidade”. Tudo com o estilo e o humor que o colocam entre os gigantes da nossa literatura.


 

“Dentre as leis que estatuía a escola de poesia de Bruzundanga, eu me lembro de algumas. Ei-las:

1ª - Sendo a poesia o meio de transportar o nosso espírito do real para o ideal, deve ela ter como principal função provocar o sono, estado sempre profícuo ao sonho.

2ª - A monotonia deve ser sempre procurada nas obras poéticas; no mundo, tudo é monótono (Tuque-Tuque).

3ª - A beleza de um trabalho poético não deve ressaltar desse próprio trabalho, independente de qualquer explicação; ela deve ser encontrada com as explicações ou comentários fornecidos pelo autor ou por seus íntimos.

4ª - A composição de um poema deve sempre ser regulada pela harmonia imitativa em geral e seus derivados.”

 

 

“(...) aquela cena que a nobreza de sangue provocou, a Taine, no começo da sua grande obra Origens da França Contemporânea, descreve em poucas e eloquentes palavras. Eu as traduzo:

“Na noite de 14 para 15 de julho de 1789, o Duque de Larochefoucaud-Liancourt fez despertar Luís XVI para lhe anunciar a tomada da Bastilha.

– É uma revolta? – diz o rei.

– Sire – respondeu o duque –, é uma revolução.”

 

 

“O ideal de todo e qualquer natural da Bruzundanga é viver fora do país. Pode-se dizer que todos anseiam por isso; e, como Robinson, vivem nas praias e nos morros, à espera do navio que os venha buscar.”

 

 

“São assim como nós que temos grande admiração pelo Barão do Rio Branco por ter adjudicado ao Brasil não sei quantos milhares de quilômetros quadrados de terras, embora, em geral, nenhum de nós tenha de seu nem os sete palmos de terra para deitarmos o cadáver.”

 

 

“Reuniu-se, pois, a Constituinte com toda a solenidade. Vieram para ela, jovens poetas, ainda tresandando à grossa boêmia; vieram para ela, imponentes tenentes de artilharia, ainda cheirando aos “cadernos” da escola; vieram para ela, velhos possuidores de escravos, cheios de ódio ao antigo regime por haver libertado os que tinham; vieram para ela, bisonhos jornalistas da roça recheados de uma erudição à flor da pele, e também alguns dos seus colegas da capital, eivados do Lamartine, História dos girondinos, e entusiastas dos caudilhos das repúblicas espanholas da América. Era mais ou menos esse o pessoal de que se compunha a nova Constituinte.”

 

 

“Assim, por exemplo, a exigência principal para ser ministro era a de que o candidato não entendesse nada das coisas da pasta que ia gerir.

Por exemplo, um ministro da Agricultura não devia entender coisa alguma de agronomia. O que se exigia dele é que fosse um bom especulador, um agiota, um judeu, sabendo organizar trusts, monopólios, estancos, etc.”

 

 

“A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o Presidente.

Estabelecia que devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total.

Nessa parte a Constituição foi sempre obedecida”.

 

 

“O chefe do governo de Bruzundanga é um homem metódico, pontual nos pagamentos, não gasta dinheiro em coisas inúteis, como seja, em livros.”

 

 

“Uma das curiosidades da Armada daquele país é a indolência tropical dos seus navios que, às vezes, por mero capricho, teimam em não andar.

Enfim, a força armada da Bruzundanga é a coisa mais inocente deste mundo. Em face dela, todo o pacifismo ou humanitarismo é perfeitamente ridículo.”

 

 

“O regime de propriedade agrícola lá, regime de latifúndios com toques feudais, faz que o trabalhador agrícola seja um pária, quase sempre errante de fazenda em fazenda, donde é expulso por dá cá aquela palha, sem garantias de espécie alguma - situação mais agravada ainda pela sua ignorância, pela natureza das culturas, pela politicagem roceira e pela incapacidade e cupidez dos proprietários.

Estes, em geral, são completamente inábeis para dirigir qualquer coisa, indignos da função que a obscura marcha das coisas depositou em suas mãos. Pouco instruídos, apesar de formados, nisto ou naquilo, e sem iniciativa de qualquer natureza, despidos de qualquer sentimento de nobreza e generosidade para com os seus inferiores, mais ávidos de riqueza que o mais feroz taverneiro, pimpãos e arrogantes, as suas fazendas ou usinas são governadas por eles, quando o são, com a dureza e os processos violentos de uma antiga fazenda brasileira de escravos.

Todos eles são políticos, senão de destaque, ao menos com influência nos lugares em que têm as suas fazendas agrícolas; e, apoiados na política, fazem o que querem, são senhores de baraço e cutelo, eles ou os seus prepostos.”

 

 

“É deveras difícil dizer qualquer coisa sobre a sociedade da Bruzundanga.

É difícil porque lá não há verdadeiramente sociedade estável. Em geral, a gente da terra que forma a sociedade, só figura e aparece nos lugares do tom, durante muito pouco tempo. Os nomes mudam de trinta em trinta anos, no máximo. Não há, portanto, na sociedade do momento tradição, cultura acumulada e gosto cultivado em um ambiente propício. São todos arrivistas e viveram a melhor parte da vida tiranizados pela paixão de ganhar dinheiro, seja como for. Os melhores e os mais respeitáveis são aqueles que enriqueceram pelo comércio ou pela indústria, honestamente, se é possível admitir que se enriqueça honestamente.”

 

 

“O mal da província não está só nessas pequenas vaidades inofensivas; o seu pior mal provém de um exagerado culto ao dinheiro. Quem não tem dinheiro nada vale, nada pode fazer, nada pode aspirar com independência. Não há metabolia de classes. A inteligência pobre que se quer fazer, tem que se curvar aos ricos e cifrar a sua atividade mental em produções incolores, sem significação, sem sinceridade, para não ofender os seus protetores. A brutalidade do dinheiro asfixia e embrutece as inteligências.”

 

 

“Os médicos da Bruzundanga imaginam-se sábios e literatos.

Pode-se afirmar que não são nem uma coisa nem outra.”

 

 

“É sábio, na Bruzundanga, aquele que cita mais autores estrangeiros; e quanto mais de país desconhecido, mais sábio é. Não é, como se podia crer, aquele que assimilou o saber anterior e concorre para aumentá-lo com os seus trabalhos individuais. Não é esse o conceito de sábio que se tem em tal país.

Sábio, é aquele que escreve livros com as opiniões dos outros.

Houve um que, quando morreu, não se pôde vender-lhe a biblioteca, pois todos os livros estavam mutilados. Ele cortava-lhes as páginas para pregar no papel em que escrevia os trechos que citava e evitar a tarefa maçante de os copiar.”

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A Comédia dos Erros, de William Shakespeare

Editora: L&PM

ISBN: 978-85-2541-363-5

Tradução: Celso Márcio Teixeira

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 100

Sinopse: É considerada pelos pesquisadores como a primeira peça de Shakespeare, com sua estreia nos palcos tendo ocorrido provavelmente em 1594. Os erros a que se refere o título são enganos provocados pelas pessoas que conversam alternadamente com um gêmeo e o outro, sendo um residente de Éfeso, onde se passa a ação, e o outro, estrangeiro. Os gêmeos são idênticos e têm ambos o mesmo nome: Antífolo. As confusões multiplicam-se, assim como a comicidade da trama, porque há mais um par de gêmeos idênticos em cena, os irmãos que atende pelo nome de Drômio.



“Quem ao meu bem-estar me deixa entregue, faz entrega de todo em todo inútil, pois é do que careço. Sou no mundo como uma gota de água que à procura de outra gota no oceano se encontrasse, e que, ao cair ali, toda desejos de achar a companheira, desaparece na busca, sem ser vista.”

 

 

“Da liberdade os homens são senhores; o tempo é o mestre deles; vão e vêm, conforme o tempo o enseja.”

 

 

“Serei, acaso, redondo assim, para me dardes ambos pancada sem parar, como se eu fosse bola de futebol? Sem mais nem menos, me aplicais pontapés. A durar isso, tereis de me mandar forrar de couro.”

 

 

“Desta arte fiel ele ficara ao leito. Sei que as mais belas joias, sem defeito, com o uso o encanto perdem. O próprio ouro se desgasta.”

 

 

“Que aconteceu, querido esposo, para que estranho, assim, ficasses de ti mesmo? Sim, de ti mesmo, disse, pois te encontras afastado de mim, que inseparável sendo de ti, me considero ainda melhor que a melhor parte de ti mesmo. Pois sabe, meu amor: fora mais fácil no mar deitares uma gota de água para, intacta, depois a recolheres, sem adição nenhuma ou qualquer perda, do que sem mim de mim te retirares.”

 

 

“A mancha do adultério em mim se alastra; trago no sangue o crime da luxúria, pois se ambos somos um, e prevaricas, na carne trago todo o teu veneno, por teu contágio me tornando impura.”

 

 

(Drômio de Siracusa) “– [...] Posso-vos afiançar que a sua rodilha ensebada poderia arder durante um inverno da Polônia. Se ela viver até o dia do Juízo final, há de arder uma semana mais do que o mundo.

(Antífolo de Siracusa) – De que cor é ela?

– Negra como estes sapatos, mas de rosto não tão limpo, e isso por suar tanto, que poderíamos patinhar com lama acima dos sapatos.

– É defeito que se corrige com água.

– Impossível, senhor; isso faz parte dela; nem todo o dilúvio de Noé chegaria para limpá-la.

– Como se chama?

– Vera, senhor; mas seu nome e três quartas, isto é, uma vara e três quartas não a alcançariam de uma a outra anca.

– Então é larga de verdade!

– Não mede mais dos pés à cabeça do que de uma a outra cadeira; é esférica; parece um globo terrestre; eu seria capaz de encontrar nela todos os países do mundo.”

 

 

“Na construção, o amor só faz ruínas?”

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O Guardião de Memórias, de Kim Edwards

Editora: Sextante

ISBN: 978-85-9929-614-1

Tradução: Vera Ribeiro

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 368

Sinopse: Com mais de três milhões de exemplares vendidos nos Estados Unidos, O Guardião de Memórias é uma fascinante história sobre vidas paralelas, famílias separadas pelo destino, segredos do passado e o infinito poder do amor verdadeiro.

Inverno de 1964. Uma violenta tempestade de neve obriga o Dr. David Henry a fazer o parto de seus filhos gêmeos. O menino, primeiro a nascer, é perfeitamente saudável, mas o médico logo reconhece na menina sinais da síndrome de Down. Guiado por um impulso irrefreável e por dolorosas lembranças do passado, Dr. Henry toma uma decisão que mudará para sempre a vida de todos e o assombrará até a morte: ele pede que sua enfermeira, Caroline, entregue a criança para adoção e diz à esposa que a menina não sobreviveu. Tocada pela fragilidade do bebê, Caroline decide sair da cidade e criar Phoebe como sua própria filha. E Norah, a mãe, jamais consegue se recuperar do imenso vazio causado pela ausência da menina. A partir daí, uma intrincada trama de segredos, mentiras e traições se desenrola, abrindo feridas que nem o tempo será capaz de curar.

A força deste livro não está apenas em sua construção bem amarrada ou no realismo de seus personagens, mas, principalmente, na sua capacidade de envolver o leitor da primeira à última página. Com uma trama tensa e cheia de surpresas, O Guardião de Memórias vai emocionar e mostrar o profundo – e às vezes irreversível – poder de nossas escolhas.


“Parecia não haver fim para as mentiras que uma pessoa era capaz de dizer, depois de começar.”

 

 

“David tinha tentado proteger o filho das coisas que sofrera quando criança: pobreza, preocupações, tristezas. Mas seus próprios esforços haviam criado perdas que ele nunca tinha previsto. A mentira crescera entre eles como uma rocha, obrigando-os a também crescerem de forma estranha, como árvores retorcidas em volta de um pedregulho.”

 

 

“Nas montanhas, e talvez no mundo em geral, havia uma teoria da compensação que dizia que, para tudo que era dado, outra coisa se perdia, de maneira imediata e visível. Bom, você herdou a cabeça, mesmo que sua prima tenha herdado a beleza. Elogios sedutores como flores, mas espinhosos com seus opostos: É, você pode ser esperto, mas é feio como o diabo; você pode ser bonito, mas não tem cérebro. Compensação, equilíbrio do universo. David ouvia acusações em cada comentário sobre seus estudos – ele havia recebido demais, havia tirado tudo – e, nos carros e caminhões, o silêncio se avolumava até parecer impossível que algum dia uma voz humana pudesse rompê-lo.”

 

 

“A luz refletiu nas lâminas da tesoura. David lembrou-se do brilho do bisturi ao fazer a episiotomia, lembrou-se de como havia flutuado para fora de si, para assistir à cena do alto, de como os acontecimentos daquela noite haviam desencadeado o rumo de sua vida, uma coisa levando a outra, portas se abrindo onde não havia nenhuma, enquanto outras se fechavam, até ele chegar a esse momento específico, com uma estranha procurando o desenho intrincado que se escondia no papel e esperando a resposta dele, e não havia nada que ele pudesse fazer nem qualquer lugar para onde pudesse ir.”

 

 

“Paul não tinha tomado banho, estava com o cabelo grosso e engordurado, e o forte cheiro de suor, cigarro e roupa suja grudara-se à sua pele. Odores acres, marcantes, cheiros de homem.”

 

 

“Ele nunca havia compreendido a tristeza da mãe, embora mais tarde houvesse passado a carregá-la consigo, para onde quer que fosse.”