sábado, 20 de dezembro de 2008

Os Bruzundangas, de Lima Barreto

Editora: L&PM

ISBN: 978-85-2540-812-9

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 142

Sinopse: Mulato, pobre, revoltado, Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) utilizou seu enorme talento para combater as oligarquias, o racismo e as desigualdades sociais. Sua literatura, embora contundente, é marcada pela sátira, e Os bruzundangas são o seu grande exemplo.

Bruzundangas é um país hipotético descrito por um brasileiro e que possui todos os problemas do Brasil. Lá ocorre o nepotismo desenfreado, há privilégios e favorecimentos aos políticos, a saúde e a educação são tratadas em segundo plano, num conjunto de mazelas que – o leitor verá –, publicadas após a morte do escritor, em 1923, mantém uma terrível atualidade. Tal qual sua obra-prima O triste fim de Policarpo Quaresma (1911), este livro enquadra-se naquilo que Lima Barreto qualificou de “literatura militante”, cuja missão era “fazer comunicar umas almas com as outras (...) reforçando deste modo a solidariedade humana, tornando os homens mais capazes para a conquista do planeta e se entenderem melhor, no único intuito de sua felicidade”. Tudo com o estilo e o humor que o colocam entre os gigantes da nossa literatura.


 

“Dentre as leis que estatuía a escola de poesia de Bruzundanga, eu me lembro de algumas. Ei-las:

1ª - Sendo a poesia o meio de transportar o nosso espírito do real para o ideal, deve ela ter como principal função provocar o sono, estado sempre profícuo ao sonho.

2ª - A monotonia deve ser sempre procurada nas obras poéticas; no mundo, tudo é monótono (Tuque-Tuque).

3ª - A beleza de um trabalho poético não deve ressaltar desse próprio trabalho, independente de qualquer explicação; ela deve ser encontrada com as explicações ou comentários fornecidos pelo autor ou por seus íntimos.

4ª - A composição de um poema deve sempre ser regulada pela harmonia imitativa em geral e seus derivados.”

 

 

“(...) aquela cena que a nobreza de sangue provocou, a Taine, no começo da sua grande obra Origens da França Contemporânea, descreve em poucas e eloquentes palavras. Eu as traduzo:

“Na noite de 14 para 15 de julho de 1789, o Duque de Larochefoucaud-Liancourt fez despertar Luís XVI para lhe anunciar a tomada da Bastilha.

– É uma revolta? – diz o rei.

– Sire – respondeu o duque –, é uma revolução.”

 

 

“O ideal de todo e qualquer natural da Bruzundanga é viver fora do país. Pode-se dizer que todos anseiam por isso; e, como Robinson, vivem nas praias e nos morros, à espera do navio que os venha buscar.”

 

 

“São assim como nós que temos grande admiração pelo Barão do Rio Branco por ter adjudicado ao Brasil não sei quantos milhares de quilômetros quadrados de terras, embora, em geral, nenhum de nós tenha de seu nem os sete palmos de terra para deitarmos o cadáver.”

 

 

“Reuniu-se, pois, a Constituinte com toda a solenidade. Vieram para ela, jovens poetas, ainda tresandando à grossa boêmia; vieram para ela, imponentes tenentes de artilharia, ainda cheirando aos “cadernos” da escola; vieram para ela, velhos possuidores de escravos, cheios de ódio ao antigo regime por haver libertado os que tinham; vieram para ela, bisonhos jornalistas da roça recheados de uma erudição à flor da pele, e também alguns dos seus colegas da capital, eivados do Lamartine, História dos girondinos, e entusiastas dos caudilhos das repúblicas espanholas da América. Era mais ou menos esse o pessoal de que se compunha a nova Constituinte.”

 

 

“Assim, por exemplo, a exigência principal para ser ministro era a de que o candidato não entendesse nada das coisas da pasta que ia gerir.

Por exemplo, um ministro da Agricultura não devia entender coisa alguma de agronomia. O que se exigia dele é que fosse um bom especulador, um agiota, um judeu, sabendo organizar trusts, monopólios, estancos, etc.”

 

 

“A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o Presidente.

Estabelecia que devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total.

Nessa parte a Constituição foi sempre obedecida”.

 

 

“O chefe do governo de Bruzundanga é um homem metódico, pontual nos pagamentos, não gasta dinheiro em coisas inúteis, como seja, em livros.”

 

 

“Uma das curiosidades da Armada daquele país é a indolência tropical dos seus navios que, às vezes, por mero capricho, teimam em não andar.

Enfim, a força armada da Bruzundanga é a coisa mais inocente deste mundo. Em face dela, todo o pacifismo ou humanitarismo é perfeitamente ridículo.”

 

 

“O regime de propriedade agrícola lá, regime de latifúndios com toques feudais, faz que o trabalhador agrícola seja um pária, quase sempre errante de fazenda em fazenda, donde é expulso por dá cá aquela palha, sem garantias de espécie alguma - situação mais agravada ainda pela sua ignorância, pela natureza das culturas, pela politicagem roceira e pela incapacidade e cupidez dos proprietários.

Estes, em geral, são completamente inábeis para dirigir qualquer coisa, indignos da função que a obscura marcha das coisas depositou em suas mãos. Pouco instruídos, apesar de formados, nisto ou naquilo, e sem iniciativa de qualquer natureza, despidos de qualquer sentimento de nobreza e generosidade para com os seus inferiores, mais ávidos de riqueza que o mais feroz taverneiro, pimpãos e arrogantes, as suas fazendas ou usinas são governadas por eles, quando o são, com a dureza e os processos violentos de uma antiga fazenda brasileira de escravos.

Todos eles são políticos, senão de destaque, ao menos com influência nos lugares em que têm as suas fazendas agrícolas; e, apoiados na política, fazem o que querem, são senhores de baraço e cutelo, eles ou os seus prepostos.”

 

 

“É deveras difícil dizer qualquer coisa sobre a sociedade da Bruzundanga.

É difícil porque lá não há verdadeiramente sociedade estável. Em geral, a gente da terra que forma a sociedade, só figura e aparece nos lugares do tom, durante muito pouco tempo. Os nomes mudam de trinta em trinta anos, no máximo. Não há, portanto, na sociedade do momento tradição, cultura acumulada e gosto cultivado em um ambiente propício. São todos arrivistas e viveram a melhor parte da vida tiranizados pela paixão de ganhar dinheiro, seja como for. Os melhores e os mais respeitáveis são aqueles que enriqueceram pelo comércio ou pela indústria, honestamente, se é possível admitir que se enriqueça honestamente.”

 

 

“O mal da província não está só nessas pequenas vaidades inofensivas; o seu pior mal provém de um exagerado culto ao dinheiro. Quem não tem dinheiro nada vale, nada pode fazer, nada pode aspirar com independência. Não há metabolia de classes. A inteligência pobre que se quer fazer, tem que se curvar aos ricos e cifrar a sua atividade mental em produções incolores, sem significação, sem sinceridade, para não ofender os seus protetores. A brutalidade do dinheiro asfixia e embrutece as inteligências.”

 

 

“Os médicos da Bruzundanga imaginam-se sábios e literatos.

Pode-se afirmar que não são nem uma coisa nem outra.”

 

 

“É sábio, na Bruzundanga, aquele que cita mais autores estrangeiros; e quanto mais de país desconhecido, mais sábio é. Não é, como se podia crer, aquele que assimilou o saber anterior e concorre para aumentá-lo com os seus trabalhos individuais. Não é esse o conceito de sábio que se tem em tal país.

Sábio, é aquele que escreve livros com as opiniões dos outros.

Houve um que, quando morreu, não se pôde vender-lhe a biblioteca, pois todos os livros estavam mutilados. Ele cortava-lhes as páginas para pregar no papel em que escrevia os trechos que citava e evitar a tarefa maçante de os copiar.”

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A Comédia dos Erros, de William Shakespeare

Editora: L&PM

ISBN: 978-85-2541-363-5

Tradução: Celso Márcio Teixeira

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 100

Sinopse: É considerada pelos pesquisadores como a primeira peça de Shakespeare, com sua estreia nos palcos tendo ocorrido provavelmente em 1594. Os erros a que se refere o título são enganos provocados pelas pessoas que conversam alternadamente com um gêmeo e o outro, sendo um residente de Éfeso, onde se passa a ação, e o outro, estrangeiro. Os gêmeos são idênticos e têm ambos o mesmo nome: Antífolo. As confusões multiplicam-se, assim como a comicidade da trama, porque há mais um par de gêmeos idênticos em cena, os irmãos que atende pelo nome de Drômio.



“Quem ao meu bem-estar me deixa entregue, faz entrega de todo em todo inútil, pois é do que careço. Sou no mundo como uma gota de água que à procura de outra gota no oceano se encontrasse, e que, ao cair ali, toda desejos de achar a companheira, desaparece na busca, sem ser vista.”

 

 

“Da liberdade os homens são senhores; o tempo é o mestre deles; vão e vêm, conforme o tempo o enseja.”

 

 

“Serei, acaso, redondo assim, para me dardes ambos pancada sem parar, como se eu fosse bola de futebol? Sem mais nem menos, me aplicais pontapés. A durar isso, tereis de me mandar forrar de couro.”

 

 

“Desta arte fiel ele ficara ao leito. Sei que as mais belas joias, sem defeito, com o uso o encanto perdem. O próprio ouro se desgasta.”

 

 

“Que aconteceu, querido esposo, para que estranho, assim, ficasses de ti mesmo? Sim, de ti mesmo, disse, pois te encontras afastado de mim, que inseparável sendo de ti, me considero ainda melhor que a melhor parte de ti mesmo. Pois sabe, meu amor: fora mais fácil no mar deitares uma gota de água para, intacta, depois a recolheres, sem adição nenhuma ou qualquer perda, do que sem mim de mim te retirares.”

 

 

“A mancha do adultério em mim se alastra; trago no sangue o crime da luxúria, pois se ambos somos um, e prevaricas, na carne trago todo o teu veneno, por teu contágio me tornando impura.”

 

 

(Drômio de Siracusa) “– [...] Posso-vos afiançar que a sua rodilha ensebada poderia arder durante um inverno da Polônia. Se ela viver até o dia do Juízo final, há de arder uma semana mais do que o mundo.

(Antífolo de Siracusa) – De que cor é ela?

– Negra como estes sapatos, mas de rosto não tão limpo, e isso por suar tanto, que poderíamos patinhar com lama acima dos sapatos.

– É defeito que se corrige com água.

– Impossível, senhor; isso faz parte dela; nem todo o dilúvio de Noé chegaria para limpá-la.

– Como se chama?

– Vera, senhor; mas seu nome e três quartas, isto é, uma vara e três quartas não a alcançariam de uma a outra anca.

– Então é larga de verdade!

– Não mede mais dos pés à cabeça do que de uma a outra cadeira; é esférica; parece um globo terrestre; eu seria capaz de encontrar nela todos os países do mundo.”

 

 

“Na construção, o amor só faz ruínas?”

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O Guardião de Memórias, de Kim Edwards

Editora: Sextante

ISBN: 978-85-9929-614-1

Tradução: Vera Ribeiro

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 368

Sinopse: Com mais de três milhões de exemplares vendidos nos Estados Unidos, O Guardião de Memórias é uma fascinante história sobre vidas paralelas, famílias separadas pelo destino, segredos do passado e o infinito poder do amor verdadeiro.

Inverno de 1964. Uma violenta tempestade de neve obriga o Dr. David Henry a fazer o parto de seus filhos gêmeos. O menino, primeiro a nascer, é perfeitamente saudável, mas o médico logo reconhece na menina sinais da síndrome de Down. Guiado por um impulso irrefreável e por dolorosas lembranças do passado, Dr. Henry toma uma decisão que mudará para sempre a vida de todos e o assombrará até a morte: ele pede que sua enfermeira, Caroline, entregue a criança para adoção e diz à esposa que a menina não sobreviveu. Tocada pela fragilidade do bebê, Caroline decide sair da cidade e criar Phoebe como sua própria filha. E Norah, a mãe, jamais consegue se recuperar do imenso vazio causado pela ausência da menina. A partir daí, uma intrincada trama de segredos, mentiras e traições se desenrola, abrindo feridas que nem o tempo será capaz de curar.

A força deste livro não está apenas em sua construção bem amarrada ou no realismo de seus personagens, mas, principalmente, na sua capacidade de envolver o leitor da primeira à última página. Com uma trama tensa e cheia de surpresas, O Guardião de Memórias vai emocionar e mostrar o profundo – e às vezes irreversível – poder de nossas escolhas.


“Parecia não haver fim para as mentiras que uma pessoa era capaz de dizer, depois de começar.”

 

 

“David tinha tentado proteger o filho das coisas que sofrera quando criança: pobreza, preocupações, tristezas. Mas seus próprios esforços haviam criado perdas que ele nunca tinha previsto. A mentira crescera entre eles como uma rocha, obrigando-os a também crescerem de forma estranha, como árvores retorcidas em volta de um pedregulho.”

 

 

“Nas montanhas, e talvez no mundo em geral, havia uma teoria da compensação que dizia que, para tudo que era dado, outra coisa se perdia, de maneira imediata e visível. Bom, você herdou a cabeça, mesmo que sua prima tenha herdado a beleza. Elogios sedutores como flores, mas espinhosos com seus opostos: É, você pode ser esperto, mas é feio como o diabo; você pode ser bonito, mas não tem cérebro. Compensação, equilíbrio do universo. David ouvia acusações em cada comentário sobre seus estudos – ele havia recebido demais, havia tirado tudo – e, nos carros e caminhões, o silêncio se avolumava até parecer impossível que algum dia uma voz humana pudesse rompê-lo.”

 

 

“A luz refletiu nas lâminas da tesoura. David lembrou-se do brilho do bisturi ao fazer a episiotomia, lembrou-se de como havia flutuado para fora de si, para assistir à cena do alto, de como os acontecimentos daquela noite haviam desencadeado o rumo de sua vida, uma coisa levando a outra, portas se abrindo onde não havia nenhuma, enquanto outras se fechavam, até ele chegar a esse momento específico, com uma estranha procurando o desenho intrincado que se escondia no papel e esperando a resposta dele, e não havia nada que ele pudesse fazer nem qualquer lugar para onde pudesse ir.”

 

 

“Paul não tinha tomado banho, estava com o cabelo grosso e engordurado, e o forte cheiro de suor, cigarro e roupa suja grudara-se à sua pele. Odores acres, marcantes, cheiros de homem.”

 

 

“Ele nunca havia compreendido a tristeza da mãe, embora mais tarde houvesse passado a carregá-la consigo, para onde quer que fosse.”

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A Descoberta da América pelos Turcos – Jorge Amado

Editora: Record
ISBN: 8501041610
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 172
Sinopse: Raduan Murad e Jamil Bichara descobriram a América juntos: vieram no mesmo barco de imigrantes e desembarcaram na Bahia em 1903. No litoral sul do Estado, eram chamados de “turcos”, forma brasileira de designar todos os árabes, fossem eles da Síria, do Líbano ou de fato da Turquia. Definido pelo autor como um “romancinho”, A descoberta da América pelos turcos é uma narrativa breve sobre a contribuição dos descendentes de árabes na civilização do cacau, durante a época em que coronéis e jagunços disputavam as terras virgens da região de Ilhéus.
O libanês Raduan e o sírio Jamil decidiram então tentar a sorte no eldorado do cacau. Jamil se estabeleceu no povoado de Itaguassu, onde abriu um pequeno comércio. Raduan preferiu permanecer em Itabuna, onde frequentava as mesas de pôquer, os botequins, os cabarés e as pensões de mulheres.
O enredo, curto e hilariante, apresenta a história de um casamento arranjado, mas de difícil realização. Ibrahim Jafet, viúvo e pai de três beldades (Samira, Jamile e Fárida), quer casar sua última filha solteira, a severa e mal-ajambrada Adma. Ao pretendente, oferece sociedade no armarinho O Barateiro, estabelecimento de tradição e administração familiar.
Tentado por Shitan, o tinhoso dos muçulmanos, e pelo amigo Raduan, o sírio Jamil vai pensar seriamente no negócio: para herdar O Barateiro, faria o sacrifício de se casar com Adma?
Escrito com humor desbocado e o enlevo narrativo próprio do autor, A descoberta da América pelos turcos faz um elogio da mestiçagem dos sangues árabe e baiano, em seus elementos de fraternidade, alegria e erotismo.



“Raduan Murad, fugitivo da justiça que o perseguia por vadiagem e jogatina, letrado de prosa aliciante, revelara ao sírio Jamil Bichara, companheiro de porão, que, tendo se debruçado noites insones sobre alfarrábios relativos à primeira viagem de Colombo, descobrira, na relação de marujos que compunham a equipagem de uma das três caravelas da festiva excursão, o nome de um certo Alonso Bichara. O mouro Bichara, engajado quem sabe a pulso, um dos tantos heróis esquecidos na hora das celebrações e das recompensas: o almirante cobre-se de glória, os marinheiros cobrem-se de merda – apesar de erudito, Raduan Murad tinha a boca suja.
Verdade ou intrujice? Raduan Murad era imaginoso, inventivo, e, quanto a escrúpulos, não os cultivava.”


“A referência à descoberta da América vai por conta das comemorações atuais, onipresentes: hoje em dia não pode o pacato cidadão dar o menor passo, soltar o menor peido sem que lhe tombe sobre a cabeça o Quinto Centenário. Da Descoberta, dizem os descendentes dos impávidos que descobriram o outro lado do mar, da Conquista, exclamam os descendentes dos índios massacrados, dos negros escravizados, das culturas arrasadas à passagem de mercenários e missionários conduzindo a Cruz de Cristo e a pia batismal.”


“Quanto a dizer, como alguns diziam, despeitados, ser Raduan Murad ferrenho adversário do trabalho, ter-lhe santo horror, o que sucede com frequência aos letrados, trata-se de injustiça e má vontade, evidentes. Se de fato durante a primeira juventude o Professor – assim muitos o tratavam com deferência – recusara-se com obstinação a misteres pouco condizentes com sua capacidade intelectual, não havia trabalhador mais assíduo e pontual em mesa de pôquer ou der qualquer outro jogo de azar.”


“Norberto de Faria, sergipano amulatado, homem de honra e de visão, colocou a quantia necessária à disposição de Jamil por nele confiar e dispensou os juros por lhe ter estima. Dizia-o sócio de mesa e cama, pois haviam traçado as mesmas raparigas, comido no mesmo prato, possuíam gostos semelhantes: mamas pequenas, bundas grandes, xoxotas apertadas – concordâncias gratas reforçam os laços de amizade.”


“Quanto à caçula, Fárida, diziam-na a mais formosa entre as turcas do armarinho. Um pitéu, na cúpida designação de Alfeu Bandeira, aprendiz de alfaiate sob as vistas de mestre Ataliba Reis, dono da Alfaiataria Inglesa, cujas portas se abriram em frente às do sobrado dos Jafet. Alfeu degustou o pitéu, que diga-se a verdade, se oferecia num descaro condenado com vigor pelas famílias da vizinhança: tamanho agarramento, tanta esfregação, tinha de acabar mal. Acabou bem, em casamento às pressas. Véu de tule esvoaçando sobre a intrépida barriguinha de Fárida, prenha de quatro meses, flores de laranjeira na grinalda, símbolo de pureza e virgindade. Virgem, só se for no sovaco, comentou mestre Ataliba, escolhido padrinho pelo noivo. No sovaco, será?, duvidou Raduan Murad, padrinho da noiva, cético como convém a um erudito.”


“Raduan porém descarou a objeção: diferença de idade pouco ou nada significa para o êxito do matrimônio. Rapaz moço, começando a vida, necessita ter a seu lado esposa ajuizada para orientá-lo. Em casamento de velho com menina, o marido corre perigo de corno, mas no vice-versa não há o que temer, mulher não pega chifre, não é mesmo? Argumentação irrespondível.”


“Aprendiam boa educação no aconchego do lar e ao léu das ruas. Ainda adolescentes, adotavam e praticavam os artigos dos códigos dominantes na região, leis não-escritas mas incontestes. Chegada a ocasião de tomar esposa, deve-se escolher mulher virgem e virtuosa, trabalhadora e honesta, pois a ela caberá parir e criar os filhos, cuidar da casa, viver no recato e na modéstia, submissa. Beleza e juventude são dotes secundários, sobretudo se o dote principal da noiva se medir em léguas de terra ou em portas de casa de comércio – O Barateiro abria três portas para a rua. Formosura, graça e mocidade são preferências quando se busca amásia, xodó ou companhia para uma noite na cama, para uma cacetada. Nesses casos sim, prescreve-se rapariga linda, moderninha, xoxota nova e aconchegante. Sadios princípios, alicerces da família e da sociedade.
– Mas se a dita cuja for um par de anos mais velha do que tu? – prosseguiu Raduan em seu inquérito.
– E que tem isso, professor? Nunca ouvi dizer que idade seja defeito. Só não serve se for furada. Tapar buraco aberto por outro, isso eu não faço. Tem que ser donzela.”


“E por que não? Adma era parada dura, indigesta. Enfrentá-la exigia decisão, coragem e estômago de camelo. Alto, seco de corpo, musculoso, lanzudo, Adib assemelhava-se a um dromedário. A juventude e a cobiça faziam-no capaz de mastigar palha e achar gostoso, de enfrentar solteirona velhusca e avinagrada, arrombar-lhe os tampos com deleite, levá-la ao desvario, à beatitude, à paz com a vida. Bem fodida, Adma deixaria de aporrinhar a humanidade.”


“– Deixe comigo, professor. Mulher a gente amansa no mimo ou na porrada. Ou bem variando as duas coisas.”

terça-feira, 28 de outubro de 2008

As pequenas memórias – José Saramago

Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-3590-929-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 144
Sinopse: Em As pequenas memórias, José Saramago põe em prática o antigo projeto de compor um relato autobiográfico. São histórias familiares, ora alegres ora dilacerantes, sobre os primeiros quinze anos de vida do escritor.

“Foi nestes lugares que vim ao mundo, foi daqui, quando ainda não tinha dois anos, que meus pais, migrantes empurrados pela necessidade, me levaram para Lisboa, para outros modos de sentir, pensar e viver, como se nascer eu onde nasci tivesse sido consequência de um equívoco do acaso, de uma casual distracção do destino, que ainda estivesse nas suas mãos emendar. Não foi assim. Sem que ninguém de tal se tivesse apercebido, a criança já havia estendido gavinhas e raízes, a frágil semente que então eu era havia tido tempo de pisar o barro do chão com seus minúsculos e mal seguros pés, para receber dele, indelevelmente, a marca original da terra, esse fundo movediço do imenso oceano do ar, esse lodo ora seco, ora húmido, composto de restos de vegetais e animais, de detritos de tudo e de todos, de rochas moídas, pulverizadas, de múltiplas e caleidoscópicas substâncias que passaram pela vida e à vida retornaram, tal como vêm retornando os sóis e as luas, as cheias e as secas, os frios e os calores, os ventos e as calmas, as dores e as alegrias, os seres e os nadas. Só eu sabia, sem consciência de que o sabia, que nos ilegíveis fólios do destino e nos cegos meandros do acaso havia sido escrito que ainda teria de voltar à Azinhaga para acabar de nascer.”


“Então digo à minha avó: “Avó, vou dar por aí uma volta.” Ela diz “Vai, vai”, mas não me recomenda que tenha cuidado, nesse tempo os adultos tinham mais confiança nos pequenos a quem educavam. Meto um bocado de pão de milho e um punhado de azeitonas e figos secos no alforje, pego num pau para o caso de ter de me defender de um mau encontro canino, e saio para o campo.”


“Quem pela primeira vez me visita (vendo os vários adereços equinos de enfeite) pergunta-me quase sempre se sou cavaleiro, quando a única verdade é andar eu a sofrer dos efeitos da queda de um cavalo que nunca montei (porque não me deixaram montá-los). Por fora não se nota, mas a alma anda-me a coxear há setenta anos.”


“... chamava-se António, usava bigode e estava casado com uma Conceição por causa de quem, anos mais tarde, terá havido problemas, pois minha mãe suspeitou, ou teve prova suficiente, de certas intimidades entre o meu pai e ela, exageradas à luz de qualquer critério de apreciação, incluindo os mais tolerantes.”


“Suponho que terá sido por causa desta recordação que não suporto as fumigações de pauzinhos do Oriente com que hoje é costume empestarem-nos as casas, julgando que assim as espiritualizam...”


“Meu avô era um homem como tantos outros nesta terra, neste mundo, talvez um Einstein esmagado sob uma montanha de impossíveis, um filósofo, um grande escritor analfabeto.”


“Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabias e por onde nunca viajarias, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e disseste, com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer.” Assim mesmo. Eu estava lá.”

Pequena explicação

     Antes que se confundam, “pequena explicação” não é o título do último livro que li...
     Só gostaria de salientar que as partes dos livros de não-ficção, especialmente os dois últimos, foram bem maiores do que o normal, assim como muitos dos que possivelmente virão por aí, porque não gostaria de me esquecer das idéias que tinha absorvido - o que fatalmente ocorrerá com o andar dos anos - e não poder relê-las com maior precisão.
     A própria teoria da relatividade geral, por exemplo, é um exemplo peremptório: já li sobre ela várias vezes, e a falta de alguém com quem comentar o assunto, ou mesmo de quem pudesse me explicar mais sobre a mesma, faz com que vagarosamente os ensinamentos percam-se nos escaninhos da mente. Daí a necessidade de textos maiores nos livros de não-ficção, o que não implica que sejam melhores ou piores. Apenas gostaria de levar os principais conceitos comigo se é que isto é possível mesmo nos livros deste calibre.
     Bem, este não é o blog adequado para eu escrever, ao contrário, orgulho-me de nele não digitar minhas palavras...
     Termino por aqui, antes que haja demasiada incoerência no título da postagem.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Mundos Paralelos - Michio Kaku

Editora: Rocco
ISBN: 978-85-3252-276-4
Opinião: ***
Páginas: 372

     “Quando comecei a estudar as grandes mitologias do mundo, aprendi que havia dois tipos de cosmologia na religião, a primeira, baseada num único momento em que Deus criou o universo, e a segunda, baseada na ideia de que o universo sempre existiu e sempre existirá. (...) Mais tarde, comecei a ver que estes temas comum entremeavam muitas outras culturas. Para a mitologia chinesa, por exemplo, no início havia apenas o ovo cósmico. O deus bebê P’an Ku residiu por quase uma eternidade dentro do ovo, que flutuava num mar informe de Caos. Quando finalmente eclodiu, P’an Ku cresceu muito, mais de três metros por dia, de forma que a metade superior do ovo ficou sendo o céu e a inferior, a terra. Passaram-se 18 mil anos, P’an Ku Morreu para dar origem ao nosso mundo: o seu sangue se transformou em rios, os olhos no sol e na lua, e sua voz, no trovão.
     De muitas maneiras, o mito de P’an ku espelha um tema encontrado em várias outras religiões e mitologias antigas, o de que o universo surgiu de repente creatio ex nihilo (criado do nada). Na mitologia grega, o universo começou num estado de caos (de fato, a palavra “caos” vem do grego e significa “abismo”). Este vazio sem forma nem traços característicos é com frequência descrito como um oceano, como nas mitologias babilônica e japonesa. Este tema é encontrado na mitologia do antigo Egito, onde o deus sol Rá emergiu de um ovo flutuante. Na mitologia polinésia, o ovo cósmico é substituído por uma casca de coco. Os maias acreditavam numa variação desta lenda, na qual o universo nasce. Mas acaba morrendo depois de cinco mil anos, para ressurgir de novo, sem parar, repetindo um ciclo interminável de nascimento e destruição.
     Esses mitos do tipo creatio ex nihilo contrastam nitidamente com a cosmologia segundo o budismo e certas formas de hinduísmo. Nestas mitologias, o universo é atemporal, sem começo nem fim. Existem muitos níveis de existência; o mais alto porém é o Nirvana, que é eterno e pode ser alcançado apenas por meio da mais pura meditação. No Mahapurana hindu, está escrito: “Se Deus criou o mundo, onde estava Ele antes da Criação?... Saiba que o mundo não foi criado, como o próprio tempo, e não tem começo nem fim.”


     “O satélite WMAP mediu os ecos do próprio big bang e nos deu a medida exata da idade do universo com uma surpreendente precisão de 1 por cento: 13,7 bilhões de anos.”


     “No cenário inflacionário, no primeiro trilionésimo de trilionésimo de segundo, uma misteriosa força de antigravidade fez o universo se expandir muito mais rápido do que originalmente se pensava. O período inflacionário foi inconcebivelmente explosivo, com o universo se expandindo muito mais rápido do que a velocidade da luz. (Isto não desobedece à lei de Einstein de que nada pode viajar mais rápido do que a luz, porque é espaço vazio que está se expandindo. Para objetos materiais, a barreira da luz não pode ser quebrada.) Numa fração de segundo, o universo expandiu por um fator inimaginável de 10 elevado à 50.”


     “(Einstein descobriu nas equações de Maxwell o que o próprio autor não viu): que a luz viajava a uma velocidade constante. (...) A velocidade da luz c era a mesma em todas as referencias inerciais (isto é, referências viajando a uma velocidade constante). (...) Não importa a velocidade em que você estivesse, jamais conseguiria ultrapassar a luz.
     Isto levou imediatamente a uma miríade de paradoxos. Imagine, por um momento, um astronauta tentando alcançar a velocidade de um feixe de luz. O astronauta dispara no seu foguete até estar emparelhado com o feixe de luz. Um espectador na terra assistindo a esta caçada hipotética diria que o astronauta e o feixe de luz estavam se movendo um ao lado do outro. Entretanto, o astronauta diria algo completamente diferente, que o feixe de luz afastava-se dele, como se o seu foguete estivesse parado.
     A pergunta que desafiava Einstein era: como duas pessoas podem ter interpretações tão diferentes do mesmo acontecimento? Na teoria de Newton, podia-se sempre alcançar um feixe de luz; no mundo de Einstein, isto era impossível. Havia, ele percebeu de repente, uma falha fundamental nos fundamentos da física. Na primavera de 1905, Einstein lembrou: “A minha mente entrou em turbulência”. Num golpe, ele finalmente encontrou a solução: o tempo pulsa em ritmos diferentes, dependendo da velocidade com que você se move. De fato, quanto mais rápido você se move, mais lentamente o tempo progride. O tempo não é um valor absoluto, como Newton pensava. Segundo Newton, o tempo pulsava de maneira uniforme em todo o universo. Para Einstein, entretanto, relógios diferentes batem em ritmos diferentes por todo o universo.
     Se o tempo pudesse mudar dependendo da sua velocidade, Einstein percebeu então que outras quantidades, como o comprimento, matéria e energia também deveriam mudar. Ele descobriu que quanto mais rápido você se movia, mais as distâncias se contraíam e mais pesado você fica. (De fato, conforme você se aproximasse da velocidade da luz, o tempo iria ficando mais lento até parar, as distâncias se contrairiam até o nada e a sua massa se tornaria infinita, o que é completamente absurdo. É por isso que você não pode romper a barreira da luz, que é basicamente o limite de velocidade no universo).”


     “Do mesmo modo que a descoberta de Newton unificou a física terrestre com a física celeste, Einstein unificou espaço e tempo. Mas ele também mostrou que a matéria e a energia estão unificadas e, portanto, podem se transformar uma na outra. Se um objeto se torna mais pesado quanto mais rápido ele se move, então isto significa que a energia de movimento está sendo transformada em matéria. O inverso também é verdadeiro – matéria pode ser convertida em energia. Einstein computou quanta energia seria convertida em matéria e encontrou a fórmula E = mc2 (ao quadrado), isto é, mesmo uma quantidade mínima de matéria m é multiplicada por um número enorme (o quadrado da velocidade da luz) quando se transforma em energia E. Portanto, a fonte de energia secreta das estrelas revelou-se com a conversão da matéria em energia por meio desta equação, que ilumina o universo. O segredo das estrelas poderia ser derivado da simples declaração de que a velocidade da luz é a mesma em todas as referências inerciais.”


     “Pense numa bola de boliche colocada sobre uma cama, delicadamente afundando no colchão. Agora faça correr uma bola de gude sobre a superfície arqueada do colchão. Um newtoniano, vendo de longe a bola de gude circulando em torno da bola de boliche, poderá concluir que houve uma força misteriosa exercida pela bola de boliche sobre a bola de gude. Um newtoniano diria que a bola de boliche exerceu uma atração instantânea que puxou a bola de gude para o centro.
     Para um relativista, que pode observar o movimento da bola de gude sobre a cama de perto, é óbvio que não existe força alguma. Existe apenas a curvatura da cama, que força a bola de boliche a se mover numa linha curva. Para o relativista, não existe atração, existe apenas um empurrão, exercida pela cama curvada sobre a bola de gude. Substitua a bola de gude pela Terra, a bola de boliche pelo Sol e a cama por espaço-tempo vazio, e veremos que a Terra se move em torno do Sol não por causa da atração da gravidade, mas porque o Sol deforma o espaço em torno da Terra, criando uma força que empurra a Terra para se mover num círculo.
     Einstein foi, por conseguinte, levado a acreditar que a gravidade era mais como um tecido do que uma força invisível que atuava instantaneamente em todo o universo. Se alguém sacudir rapidamente este tecido, formam-se ondas que viajam ao longo da superfície numa velocidade definida. Isto resolve o paradoxo do sol que desaparece. Se a gravidade é um subproduto do arqueamento do tecido do espaço-tempo, então o desaparecimento do Sol pode ser comparado a levantar de repente a bola de boliche da cama. Conforme a cama ricocheteia de volta para a sua forma original, ondas são enviadas pelo lençol a uma velocidade definida. Portanto, reduzindo a gravidade a um arqueamento do espaço e tempo, Einstein foi capaz de conciliar gravitação e relatividade.
     Imagine uma formiga tentando atravessar uma folha de papel amassado. Ela vai caminhar como um marinheiro bêbado, cambaleando para a esquerda e para a direita, enquanto tenta atravessar o terreno enrugado. A formiga vai dizer que não está bêbada, mas que está sendo arrastada por uma força misteriosa, que a puxa para a esquerda e para a direita. Para a formiga, o espaço vazio está cheio de forças misteriosas que a impedem de andar em linha reta. Olhando a formiga de perto, entretanto, vemos que não há nenhuma força puxando-a. Ela está sendo empurrada pelas dobras do papel amassado. As forças que agem sobre a formiga são uma ilusão causada pelo arqueamento do próprio espaço. A “atração” da força na verdade é o “empurrão” criado quando ela caminha sobre uma dobra de papel. Em outras palavras, a gravidade não puxa; o espaço empurra.
     Em 1915, Einstein finalmente conseguiu completar o que chamou de teoria da relatividade geral, que desde então é a arquitetura sobre a qual está baseada toda a cosmologia. Neste novo e surpreendente quadro, a gravitação não era uma força que enchia o universo, mas o efeito aparente da curva do tecido espaço-tempo. A sua teoria era tão eficiente que ele pôde resumi-la numa equação com dois centímetros e meio de comprimento. Nesta nova teoria brilhante, a quantidade da curvatura do espaço e tempo era determinada pela quantidade de matéria e energia que ele continha. Imagine lançar uma pedra num lago, criando uma série de ondinhas que emanam do impacto. Quanto maior a pedra, maior a deformação na superfície do lago. Da mesma maneira, quanto maior a estrela, maior a curvatura do espaço-tempo em torno dela.”


     “Um padre belga, Georges Lemaître, que aprendeu a teoria de Einstein, ficou fascinado com a ideia de que a teoria conduzia logicamente a um universo que estava se expandindo e, portanto, teve um começo. Como os gases aquecem ao serem comprimidos, ele percebeu que o universo no começo dos tempos deve ter sido quentíssimo. Em 1927, afirmou que o universo deve ter começado como um “superátomo” de incrível temperatura e densidade, que explodiu de repente, dando origem ao universo em expansão de Hubble.”


     “Uma estrela típica como o nosso sol começa a sua vida como uma grande bola de gás de hidrogênio difuso chamada proto-estrela e gradualmente se contrai sob a força da gravidade. Quando começa a entrar em colapso, ela começa a girar rapidamente (o que muitas vezes leva a formação de um sistema de estrela dupla, onde duas estrelas correm uma atrás da outra em órbitas elípticas, ou a formação de planetas no plano de rotação da estrela). O centro da estrela também se aquece tremendamente até atingir mais ou menos um milhão de graus ou mais, quando ocorre a fusão do hidrogênio com o hélio.
     Depois que a estrela se incendeia, é chamada de uma estrela da sequência principal e pode queimar por cerca de 10 bilhões de anos, lentamente transformando seu núcleo de hidrogênio para hélio residual. O nosso sol se encontra atualmente nesse processo. Quando termina a era de queima de hidrogênio, a estrela começa a queimar hélio, expandindo-se imensamente até o tamanho da órbita de Marte e se torna uma “gigante vermelha”. Esgotando o combustível de hélio no núcleo, as camadas exteriores da estrela se dissipam, deixando apenas o núcleo, uma estrela “anã branca” mais ou menos do tamanho da Terra. Estrelas menores, como o nosso Sol, morrerão no espaço como nacos de material nuclear morto em estrelas anãs brancas.
     Mas nas estrelas com cerca de dez a quarenta vezes a massa do nosso sol, o processo de fusão ocorre muito rápido. Quando a estrela se torna uma supergigante vermelha, seu núcleo rapidamente funde os elementos mais leves, de modo que ela parece uma estrela híbrida, uma anã branca dentro de uma gigante vermelha. Nesta estrela anã branca, podem ser criados os elementos mais leves até o ferro na tabela periódica de elementos. Quando o processo de fusão chega à fase na qual é criado o elemento ferro, não pode mais ser extraída energia desse processo, e assim a fornalha nuclear, depois de bilhões de anos, finalmente apaga. Neste ponto, a estrela entra absolutamente em colapso, criando pressões enormes que na verdade empurram os elétrons para dentro dos núcleos. (A densidade pode exceder em 400 bilhões de vezes a densidade da água.) Isto faz as temperaturas subirem a trilhões de graus. A energia gravitacional comprimida dentro deste objeto minúsculo explode numa supernova. O calor intenso deste processo faz a fusão começar de novo, e os elementos além do ferro na tabela periódica são sintetizados.
     A supergigante vermelha Betelgeuse, por exemplo, que pode ser vista facilmente na constelação de Órion, é instável; ela pode explodir a qualquer momento como uma supernova, cuspindo grandes quantidades de raios gama e raios X pela vizinhança. Quando isto acontecer, esta supernova será visível durante o dia e poderá brilhar mais do que a Lua à noite. (Já se pensou que a energia titânica liberada por uma supernova tivesse destruído os dinossauros há 65 milhões de anos. Uma supernova a uns 10 anos luz daqui poderia, de fato, acabar com a vida na Terra. Felizmente, as estrelas gigantes Spica e Betelgeuse estão a 260 e 430 anos luz-, respectivamente, distantes demais para provocar muitos danos graves à Terra quando finalmente explodirem. Mas alguns cientistas acreditam que uma extinção em pequena escala de criaturas marinhas há 2 milhões de anos foi causada pela explosão de supernova de uma estrela distante 120 anos-luz.)
     Isto significa também que o nosso Sol não é a verdadeira “mãe” da Terra. Embora muitos povos terrestres tenham adorado o Sol como um deus que deu origem à Terra, isto só em parte é correto. Embora a Terra tenha se originado do Sol (como parte do plano elíptico de fragmentos de rocha e poeira que circulavam em torno do Sol há 4,5 bilhões de anos), o nosso Sol não é quente o suficiente para fundir o hidrogênio em hélio. Isto quer dizer que a nossa verdadeira “mãe-sol” foi na realidade uma estrela anônima ou um conjunto de estrelas que morreram há bilhões de anos numa supernova, que depois semeou nebulosas próximas, com os elementos além do ferro que compõem o nosso corpo. Literalmente, nossos corpos são feitos de poeira estelar, das estrelas que morreram há bilhões de anos.
     Depois de uma explosão de supernova, resta um minúsculo fragmento chamado estrela de nêutrons, que é feito de matéria nuclear sólida, comprimida ao tamanho de Manhattan, com quase 30 quilômetros. (As estrelas de nêutrons foram previstas pela primeira vez pelo astrônomo suíço Fritz Zwicky, em 1933, mas pareciam tão fantásticas que foram ignoradas pelos cientistas durante décadas.) Como a estrela de nêutrons está emitindo radiação irregularmente e também girando muito rápido, ela parece um farol rodopiando, cuspindo a radiação ao mesmo tempo. Vista da Terra, a estrela de nêutrons parece latejar e portanto é chamada de um pulsar.
     Estrelas extremamente grandes, porventura maiores do que 40 massas solares, quando finalmente sofrem uma explosão de supernova, podem deixar para trás uma estrela de nêutrons tão grande que pode neutralizar a força repulsiva entre nêutrons, e a estrela enfrentará o seu colapso final, no que é, talvez, o objeto mais exótico do universo, um buraco negro.”


     “Depois de 2 mil anos investigando a natureza da matéria e da energia, os físicos determinaram que apenas quatro forças fundamentais movem o universo. (Os cientistas tentaram procurar uma quinta força, mas até agora todos os resultados nesta direção foram negativos ou inconclusivos.)
     A primeira força é a gravitação, que mantém o Sol estável e guia os planetas em suas órbitas celestes no sistema solar. Se a gravidade fosse de repente “desligada”, as estrelas no céu explodiriam, a Terra se desintegraria e seríamos todos lançados no espaço a uns 1.500 quilômetros por hora.
     A segunda grande força é o eletromagnestismo, a força que ilumina nossas cidades, enche o nosso mundo de televisões, telefones celulares, rádios, raios lasers e a Internet. Se a força eletromagnética acabasse de repente, a civilização seria no mesmo instante lançada um ou dois séculos para o passado, nas trevas e no silêncio. Isto foi ilustrado com bastante realismo com o apagão que paralisou toda a região nordeste dos Estados unidos em 2003. Se examinar a força eletromagnética microscopicamente, veremos que na verdade ela é feita de partículas minúsculas, os quanta, chamados fótons.
     A terceira força é a força nuclear fraca, responsável pelo decaimento radioativo. Como a força fraca não é forte o suficiente para manter estável o núcleo do átomo, ela deixa que o núcleo se quebre ou desintegre. A medicina nuclear nos hospitais depende bastante da força nuclear. A força fraca também ajuda a aquecer o núcleo da terra por intermédio de materiais radioativos, que acionam a imensa energia dos vulcões. A força fraca, por sua vez, baseia-se na interação de elétrons e neutrinos (partículas espectrais quase sem massa, que atravessam trilhões de quilômetros de chumbo sólido sem interagir com nada). Estes elétrons e neutrinos interagem com a troca de outras partículas, chamadas bósons-W e Z.
     A força nuclear forte mantém estáveis os núcleos dos átomos. Sem a força forte, todos os núcleos desintegrariam, os átomos se dividiriam e a realidade que conhecemos se dissolveria. A força nuclear forte é responsável pelos aproximadamente cem elementos que vemos preenchendo o universo. Juntas, as forças nucleares forte e fraca são responsáveis pela luz que emana das estrelas por intermédio da equação de Einstein, E = mc². Sem a força nuclear, o universo inteiro seria escurecido, baixando a temperatura na terra e congelando os oceanos.
     A característica surpreendente destas quatro forças é que elas são totalmente diferentes uma das outras, com intensidades e propriedades diversas. Por exemplo, a gravidade é, de longe, a mais fraca das quatro, 10 elevado à 36 vezes mais fraca do que a força eletromagnética. A Terra pesa 6 trilhões de trilhões de quilogramas, mas o seu peso maciço e a sua gravidade podem ser facilmente anulados pela força eletromagnética. O pente que você usa, por exemplo, é capaz de recolher pedacinhos de papel por eletricidade estática, anulando portanto toda a gravidade de toda a Terra. E a gravidade é estritamente atrativa. A força eletromagnética pode ser tanto atrativa quanto repulsiva, dependendo da carga da partícula.”


     “Fazendo uma retrospectiva, a ideia de universos paralelos nos é imposta. A inflação representa a fusão de cosmologia tradicional com avanços na física de partículas. Sendo uma teoria quântica, a física de partículas afirma que existe uma probabilidade finita de que ocorram coisas improváveis, como a criação de universos paralelos. Assim, tão logo reconheçamos a possibilidade de criação de um universo, abrimos a porta para a probabilidade de criação de um número infindável de universos paralelos. Pense, por exemplo, em como o elétron não existe em nenhum ponto isolado, mas existe em todos os pontos possíveis ao redor do núcleo. Esta “nuvem” de elétrons que cerca o núcleo representa o elétron em muitos lugares ao mesmo tempo. Esta é a base fundamental de toda a química, que admite que elétrons unam as moléculas. A razão pela qual as nossas moléculas não se dissolvem é que os elétrons paralelos dançam ao redor delas e as mantêm unidas. Da mesma forma, o universo foi um dia menor do que um elétron. Quando aplicamos a teoria quântica ao universo, somos então forçados a admitir a possibilidade de que o universo existe simultaneamente em muitos estados. Em outras palavras, uma vez tendo aberto a porta para aplicar as flutuações quânticas ao universo, somos quase forçados a admitir a possibilidade de universos paralelos. Parece que não temos outra escolha.”


     “Embora a teoria do universo-surgindo-do-nada não possa ser provada por meios convencionais, ela ajuda a responder questões muito práticas sobre o universo. Por exemplo, por que o universo não tem rotação? Tudo que vemos a nossa volta gira, de piões, furacões, planetas e galáxias, até quasares. Parece ser uma característica universal da matéria no universo. Mas o universo mesmo não gira. Quando olhamos as galáxias no céu, a sua rotação total se cancela dando zero. (Isto é uma sorte, porque se o universo girasse, então viagens do tempo seriam comuns e a história, impossível de ser escrita.) O universo não tem rotação talvez porque o nosso universo veio do nada. Visto que o vácuo não tem rotação, não esperamos ver nenhuma rotação líquida surgindo no nosso universo. Na verdade, todos os universos-bolhas dentro do multiverso talvez tenham rotação zero.
     Por que cargas elétricas negativas e positivas se equilibram exatamente? Em geral, quando pensamos nas forças cósmicas que regem o universo, pensamos mais em gravitação do que em força eletromagnética, mesmo que a força gravitacional seja infinitesimalmente pequena compara com a força eletromagnética. A razão disto é o equilíbrio perfeito entre cargas positivas e negativas. Consequentemente, a carga líquida do universo parece ser zero, e a gravidade é que domina o universo, não a força eletromagnética.
     Embora aceitemos isso naturalmente, o cancelamento de cargas negativas e positivas é bastante notável, e tem sido testado por experimentos na razão de 10 elevado à 21 vezes. (É claro que existem desequilíbrios locais entre as cargas, e é por isso que temos relâmpagos. Mas o número total de cargas, mesmo nas tempestades com raios e trovoadas, soma a zero.) se houvesse apenas 0,00001 por cento de diferença no total das cargas elétricas positiva e negativa dentro do seu corpo, você seria estraçalhado instantaneamente, com pedaços do seu corpo lançados no espaço cósmico pela força elétrica.”


     “Os cientistas acreditam que o universo começou num estado de simetria perfeita, com todas as forças unificadas numa só. O universo era belo, simétrico, mas um tanto inútil. A vida que conhecemos não pode existir neste estado de perfeição. Para existir a possibilidade de vida, a simetria do universo teve de ser quebrada ao resfriar.”


     “As supernovas Ia nascem quando uma estrela anã branca num sistema binário lentamente suga matéria da sua estrela companheira. Ao nutrir-se da sua estrela irmã, esta anã branca, vai crescendo em massa até pesar 1,4 massas solares, o máximo possível para uma anã branca. Quando excedem este limite, entram em colapso e explodem num tipo de supernova Ia. Este gatilho detonador é o que explica as supernovas do tipo Ia serem de luminosidade tão uniforme – é o resultado natural de estrelas anãs brancas alçando uma massa precisa e em seguida colapsando sob a gravidade. (Como Subrahmanyan Chandrasekhar mostrou em 1935, numa estrela anã branca a força da gravidade que esmaga a estrela é equilibrada por uma força de repulsão entre os elétrons, chamada de pressão de degeneração do elétron. Se uma estrela anã pesa mais de 1,4 massas solares, então a gravidade supera esta força e a estrela é esmagada, criando a supernova.) Uma vez que as supernovas distantes ocorreram no início do universo, analisando-as, é possível, calcular a taxa de expansão do universo bilhões de anos atrás.”


     “De acordo com a teoria quântica, uma pessoa poderia em princípio voltar a se materializar de repente no planeta vermelho. É claro que a probabilidade é tão pequena que teríamos de esperar mais do que o tempo de existência do universo. Consequentemente, no nosso dia-a-dia, podemos descartar esses eventos improváveis. Mas, no nível subatômico, tais probabilidades são cruciais para o funcionamento de aparelhos eletrônicos, computadores e lasers.
     Os elétrons, na verdade, se desmaterializam regularmente e se encontram rematerializados do outro lado de paredes dentro dos componentes do nosso computador ou CD. A civilização moderna, de fato, entraria em colapso se os elétrons não pudessem estar em dois lugares ao mesmo tempo. (As moléculas do nosso corpo também entrariam em colapso sem este princípio estranho. Imagine dois sistemas solares colidindo no espaço, obedecendo às leis da gravitação de Newton. Os sistemas solares em colisão colapsariam numa mistura caótica de planetas e asteroides. Do mesmo modo, se os átomos obedecessem às leis de Newton, eles se desintegrariam sempre que esbarrassem em outro átomo. O que mantém dois átomos trancados numa molécula estável é o fato de que os elétrons podem simultaneamente estar em tantos lugares ao mesmo tempo que formam uma “nuvem” de elétrons que une os átomos. Assim, a razão pela qual as moléculas são estáveis e o universo não se desintegra é que os elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo).
     Mas, se os elétrons podem existir em estados paralelos pairando entre a existência e a não-existência, então, por que o universo não pode? Afinal de contas, num determinado momento o universo foi menor do que um elétron. Uma vez introduzida a possibilidade de aplicarmos o princípio quântico ao universo, somos forçados a considerar a existência de universos paralelos.”


     “A relatividade geral é uma teoria do muito grande: buracos negros, Big Bangs, quasares e o universo em expansão. Está baseada na matemática das superfícies suaves, como lençóis de cama e redes de cama elásticas. A teoria quântica é exatamente o contrário – ela descreve a teoria do muito pequenino: átomos, prótons e nêutrons e quarks. Está baseada numa teoria de pacotes discretos de energia chamados quanta. Diferente da relatividade, a teoria quântica afirma que só a probabilidade de eventos pode ser calculada, de modo que nunca saberemos com certeza onde um elétron se encontra. Estas duas teorias baseiam-se em matemáticas diferentes e domínios diferentes. Não é de surpreender que todas as tentativas de unificá-las tenham ido por água abaixo.”


     “De acordo com a lenda nórdica, o dia do juízo final, ou Ragnarok, o Crepúsculo dos Deuses, virá acompanhado de convulsões cataclísmicas. A Midgard (Terra Média), assim como os céus, serão apanhados nas garras inexoráveis de uma geada congelante. Ventos cortantes, nevascas ofuscantes, terremotos arrasadores e a fome assolarão a terra, enquanto um sem-número de homens e mulheres perecem indefesos. Três desses universos paralisarão a terra, sem trégua, enquanto lobos esfaimados devoram o sol e a lua, mergulhando o mundo na escuridão total. As estrelas do céu cairão, a terra tremerá e as montanhas se desintegrarão. Monstros ficarão à solta, quando o deus do caos, Loki, escapa, disseminando guerra, confusão e discórdia por toda a terra deserta.
     Odin, o pai dos deuses, reunirá seus bravos guerreiros pela última vez em Valhalla para o conflito derradeiro. No final, à medida que os deuses vão morrendo, um por um, o deus do mal, Surtur, lançará fogo e enxofre pelas ventas, criando um inferno gigantesco que engolirá o céu e a terra. À medida que o universo inteiro mergulha nas labaredas, a terra afunda nos oceanos e o próprio tempo para.
     Mas, das cinzas, agita-se um novo começo. Uma nova terra, diferente da antiga, pouco a pouco se ergue do mar, e novos frutos e plantas exóticas brotam copiosamente do solo fértil, dando origem a uma nova raça de homens.”


     “Ao contemplar a vasta extensão vazia do universo, Blaise Pascal certa vez escreveu ‘O eterno silêncio desses espaços infinitos aterroriza-me’.”


     “Stephen Hawking observa: ‘Se a taxa de expansão um segundo após o Big Bang tivesse uma parte para 100 mil milhões menor, [o universo] teria recolapsado antes de ter chegado ao seu tamanho atual... A probabilidade de um universo como o nosso não surgir de algo como o Big Bang é enorme. Acho que existem claras implicações religiosas’.”


     “Um clone humano teria alma?”