Editora: Elsevier (Campus)
ISBN:
978-85-3521-594-6
Tradução: Hilda Maria L. P. Coelho.
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 368
Sinopse: Este livro é o resultado de uma iniciativa
mais ampla do Banco Interamericano de Desenvolvimento para promover a inclusão
social na região e na instituição. Esta coleção de leituras transmite a
mensagem de que a pobreza e a desigualdade na América Latina e no Caribe são
facilmente reconhecidas nos rostos das mulheres, dos afrodescendentes, dos
povos indígenas, dos portadores de deficiências e das pessoas com HIV/aids,
entre outros. O Banco Interamericano de Desenvolvimento tem grande experiência
na promoção do desenvolvimento das mulheres e dos povos indígenas, mas até
poucos anos atrás, quando o trabalho que culminou neste livro foi iniciado,
havia pouco conhecimento no que se refere à exclusão enfrentada por
afrodescendentes (os quais, de acordo com algumas estimativas, constituem quase
um terço da população da região), portadores de deficiências e pessoas com
HIV/aids. Não havia, tampouco, uma compreensão dos fatores que esses grupos
tinham em comum e, portanto, não se compartilhavam planos de trabalho,
experiências e lições aprendidas. Este livro coloca em primeiro plano não
apenas as características comuns de grupos excluídos, como também as
características específicas da exclusão enfrentada por afrodescendentes,
portadores de deficiências e pessoas com HIV/aids.
“Embora a
insuficiência de renda seja um fator fundamental, há consenso no sentido de que
a exclusão social se refere a um conjunto de circunstâncias mais abrangentes do
que a pobreza. A exclusão social está mais estreitamente relacionada ao
conceito de pobreza relativa do que à pobreza absoluta e, portanto, está
inextricavelmente vinculada à desigualdade. A exclusão social se refere não
apenas à distribuição de renda e ativos (como as análises da pobreza), mas
também à privação social e à ausência de voz e poder na sociedade.
Na América Latina,
essa ausência de voz e poder talvez esteja mais fielmente refletida nos baixos
níveis de representação dos grupos excluídos da tomada de decisões políticas.
Em 2002, por exemplo, apenas 4,4% dos parlamentares brasileiros eram
afrodescendentes, embora representassem quase a metade da população brasileira
(A Tribuna de Santos, 29 de julho de 2002).”
(Mayra Buvinic)
“A exclusão social
é “a incapacidade de um indivíduo de participar do funcionamento básico político,
econômico e social da sociedade em que vive” (Tsakloglou e Papadopoulos, 2001).
Ou, mais concisamente, é “a negação do acesso igualitário a oportunidades
imposta por alguns grupos da sociedade a outros” (Behrman, Gaviria e Székely,
2003). A primeira definição apresenta a gama de comportamentos afetados pela
exclusão, expondo sua natureza multidimensional. A segunda indica o que talvez
sejam as duas características mais distintivas da exclusão: ela afeta grupos
culturalmente definidos e está inserida nas interações sociais.”
“O acesso a bens
de produção também rompe a pobreza estrutural dos grupos excluídos. Uma nova
geração de programas de titulação de terras e reforma agrária beneficia as
mulheres, os povos indígenas e os afrodescendentes, reconhecendo a propriedade
coletiva e comunitária da terra quando relevante. A Lei 70 da Colômbia, de
1993, instituiu um programa de titulação coletiva de terras que concedeu 4,6
milhões de hectares de terras a afrodescendentes na costa do Pacífico, entre
1997 e 2000 (Grueso, 2002). Os programas de titulação de terras implementados
na região na década de 1990 concederam às mulheres (especialmente as que
chefiam lares agrícolas) a propriedade individual ou coletiva de terras (Deere
e León, 2000). A experiência revela a importância da titulação de terras – e
suas limitações. Para que a aquisição ou a titulação de terras resulte em
aumento de produtividade, são necessários insumos complementares como capital e
tecnologias. Os programas frequentemente fracassam quando a intervenção agrária
não é corroborada por investimentos adicionais.”
(Mayra Buvinic)
“Apenas o governo
federal pode assegurar tanto a transferência apropriada e eficaz de recursos
quanto a boa coordenação das políticas nacionais.”
“A América Latina
está à frente de outras regiões na implementação dessas quotas para mulheres,
embora países de outras regiões a estejam alcançando rapidamente e, algumas
vezes, implementando versões mais radicais. A França alterou sua constituição
para exigir a igualdade de representação entre mulheres e homens em listas de
candidatos, acrescentando uma multa financeira para os partidos que descumprem
a decisão. Inicialmente aplicada nas eleições de 2001, a lei superou
resistências profundamente enraizadas à participação da mulher na política.
Onde a lei é aplicada, não há escassez de candidatas qualificadas, e o número
de mulheres em cargos eletivos aumenta rapidamente (Gaspard, 2003).”
“A maioria dos
governos instituiu órgãos ou departamentos especializados, encarregados de
zelar pelos interesses dos excluídos. As mais de duas décadas de experiência
com órgãos dedicados aos interesses da mulher sugerem que sua eficácia é
frequentemente limitada por recursos inadequados e por sua situação marginal na
máquina do governo. Além disso, a integração tende a ser uma batalha contínua
para esses órgãos, sugerindo que esse esforço deve ser abordado modestamente,
com uma perspectiva de longo prazo, e que atividades e orçamentos específicos
constituem passos importantes na estrada para a inclusão plena.”
“Outras
implicações de política surgem do fato de que a exclusão concentra as
desigualdades nos grupos. As desigualdades baseadas em grupos instigam a
mobilização e a defesa de direitos e, se não forem remediadas, podem gerar
conflito e violência, especialmente em países com alto grau de desigualdade e
diversidade étnica (Stewart, 2001; Easterly, 2002). A resposta deve vir sob a
forma de políticas de inclusão social que utilizem as ferramentas de diálogo, a
resolução de controvérsias e a negociação.”
“Na América
Latina, a exclusão social se manifesta mais claramente na desigualdade
persistente na distribuição de renda, o que leva a uma pobreza pior do que
sugere o nível de desenvolvimento da região.”
“A pobreza
aumentou rapidamente na América Latina durante a “década perdida” dos anos
1980, tendo posteriormente experimentado uma redução gradual com a recuperação
econômica ocorrida no período de 1990 a 1997. Mas esse avanço foi novamente
interrompido durante a “meia década perdida” que se seguiu à crise da Ásia. O
que é pior, a pobreza relativa nos últimos cinco anos – que afeta 44% da
população – permanece acima dos níveis de 1980. O fato de a renda per capita
estar apenas ligeiramente acima dos níveis registrados naquele ano é uma
indicação inequívoca da deterioração distributiva registrada nas duas últimas
décadas. E, a despeito de uma redução relativa, o número absoluto de pobres
permaneceu em torno de 200 milhões entre 1990 e 1997, tendo aumentado para
cerca de 220 milhões hoje.
As mudanças
ocorridas na pobreza relativa têm sido irregulares. Embora o fator que mais tem
afetado significativamente a pobreza seja o crescimento econômico, não tem
havido uma relação automática entre o crescimento dos diferentes países e a
evolução da pobreza. Essa relação somente é forte quando o crescimento é
acompanhado da criação dinâmica de empregos de qualidade, o que não tem sido a
tendência dominante. A instabilidade do crescimento econômico também tem sido
um fator decisivo, uma vez que, na ausência de instituições de proteção social
adequadas, as recessões têm atingido mais duramente os segmentos de menor
renda. Ainda assim, alguns países têm conseguido reduzir a pobreza canalizando,
de forma eficiente, as transferências monetárias do setor público para os
setores menos favorecidos e contendo a hiperinflação.
Durante a “década
perdida” houve uma acentuada deterioração na distribuição de renda. Na década
de 1990, essa tendência persistiu na metade dos países da região, tendo sido
claramente invertidas em apenas alguns deles (notadamente no Uruguai). Nenhum
país da região apresenta níveis atuais de desigualdade inferiores àqueles
registrados há três décadas e, em alguns países, esses níveis são ainda mais
elevados. Essas tendências são ainda mais preocupantes em vista do fato de que
a América Latina já era a região com maior desigualdade de distribuição de
renda no mundo.”
“Todos esses
fatores ressaltam a importância de se obter maior estabilidade macroeconômica,
no sentido mais abrangente do termo, que inclua não apenas controle fiscal e
baixos níveis de inflação, como também a estabilidade do crescimento econômico
e das contas externas. Atingir preços estáveis ou crescimento econômico rápido
com taxas cambiais desfavoráveis é oneroso no longo prazo, como também o são
políticas pró-cíclicas que agravam os efeitos de ciclos financeiros
internacionais sobre as economias, ou uma aplicação excessivamente rigorosa dos
objetivos de estabilização de preços que ignore outras dimensões da
estabilidade e os custos de transação que podem ser gerados pelas políticas
antiinflacionárias mais bem-intencionadas.”
(José Antonio
Ocampo)
Algumas características do mundo moderno
corroboram ainda mais essa visão. As vantagens competitivas baseadas em
salários baixos são frágeis e instáveis.”
(José Antonio Ocampo)
“As diferenças
raciais e étnicas permeiam os indicadores de pobreza e desigualdade na América
Latina. Em particular, a exclusão de afro-descendentes e indígenas do acesso a
oportunidades e outras atividades constitui uma dimensão imaterial crucial da
desigualdade e da pobreza. Essa exclusão se manifesta na falta de acesso à
justiça e à participação social e política; aos mercados de ativos e crédito;
às infra-estruturas adequadas (água e saneamento, transportes, habitação); aos
serviços sociais (saúde e educação); e ao mercado de trabalho (emprego e
salários satisfatórios).
(Jonas Zoninsein)
“A concepção de
Amartya Sen do desenvolvimento como a remoção das barreiras à liberdade é
apropriada – conceitual e metaforicamente – ao discurso sobre deficiências. Em
sua opinião, inclusão significa a remoção das barreiras que deixam as pessoas
com pouca ou nenhuma escolha ou oportunidade para expressar suas habilidades.
Tradicionalmente, a justificativa para essa ação tem sido de ordem econômica:
menos barreiras resultam em maior crescimento econômico. A remoção de barreiras
que não resulta em crescimento é mais difícil de ser justificada da perspectiva
econômica. Sen (1999) argumenta que a liberdade, ou uma sociedade sem barreiras,
é um compromisso social que dispensa outra justificativa.”
(Ernest Massiah)
“A pobreza, mesmo
quando amplamente definida como a exclusão do indivíduo dos meios necessários
para sua plena participação nas atividades normais de uma sociedade é, mais do que
qualquer outra coisa, uma questão de acesso a recursos e serviços. A exclusão
social de um grupo, ou dos indivíduos que pertencem a esse grupo é, antes de
tudo, uma negação de respeito, reconhecimento e direitos. A exclusão de grupos
é “horizontal”, uma vez que pode afetar até mesmo os membros afluentes e
privilegiados dos grupos excluídos. A exclusão – ou a forma como os indivíduos
são tratados pelo fato de pertencer a um determinado grupo – é discriminação,
quer seja motivada por preconceito ou por argumentação estatística.”
(Hilary Silver)
“As cotas devem
ser vistas não como punições para aqueles que gozam de vantagens, mas sim como
parte de uma combinação de ferramentas destinadas a promover o avanço positivo
das populações que sofrem carências há várias gerações, em um contexto no qual
as garantias civis costumam ser muito mais limitadas, e as populações
excluídas, numerosas, além de expostas a carências ainda maiores em termos de
salários, insegurança no local de trabalho e empregos de subsistência.”
“Ao deixar o
sistema educacional, os trabalhadores de muitos países latino-americanos se
defrontam com sistemas de treinamento ocupacional de baixa qualidade, baseados
em instituições estatais de grande porte, financiadas pelo setor público, com
vínculos fracos com a demanda do setor privado e métodos modernos de
treinamento. Enquanto os países europeus se dão ao “luxo” de focalizar o
mercado de trabalho como o principal instrumento da política de inclusão
social, na América Latina a melhoria da educação é sempre vista como o primeiro
e crucial passo para o avanço da inclusão social.
Entretanto, o
aumento e a melhoria da educação para as populações excluídas, por si só, não
bastam para aprimorar seu desempenho no mercado de trabalho no longo prazo.
Duryea e Pagés (2001) argumentam que a simples melhoria da educação não
impulsionará a produtividade sem uma gama mais ampla de melhorias associadas à
produtividade em áreas como infra-estrutura e crédito. A discriminação no
mercado de trabalho e maior transparência na contratação também devem ser
trabalhadas, para que a educação e o treinamento ocupacional se traduzam em
aumento de contratações e na promoção das populações excluídas.”
(Jacqueline Mazza)
“Os antropólogos
tendem a definir etnia como um conjunto de elementos culturais compartilhados
por uma comunidade de indivíduos, no qual eles se baseiam para organizar seu
cotidiano. Nas zonas rurais, a etnia é um atributo comumente associado às
comunidades nativas, cujo contato com outras comunidades é limitado. Nos
cenários urbanos, as características étnicas estão associadas à cultura, à
religião, ao idioma, às tradições e à raça, entre outras dimensões.”
(Máximo Torero,
Jaime Saavedra, Hugo Ñopo e Javier Escobal)
“Pobreza não é
apenas a falta de bens materiais, mas também o fato de sentir-se distante da
tomada de decisão e um senso de desvalorização que se manifesta como apatia,
raiva e enfraquecimento de cultura cívica” (Richie-Vance, 1996, p. 9).
(Margarita
Sánchez)
“No grego clássico,
o termo “estigma” era empregado para descrever a marca de grupos proscritos
como um sinal permanente de sua condição. As discussões mais recentes sobre o
estigma, especialmente em relação ao HIV/aids, encontram seu ponto de partida
no agora clássico trabalho de Goffman (1963), que definiu o estigma como “um
atributo que é significativamente desonroso” e que inferioriza, aos olhos da
sociedade, a pessoa que o possui.”
(Peter Aggleton, Richard Parker e Miriam
Maluwa)
“Em resumo, a discriminação
ocorre quando a diferenciação a que uma pessoa é submetida a leva a ser tratada
de forma injusta e parcial pelo fato de pertencer – efetiva ou supostamente – a
um grupo específico. A discriminação pode existir em vários níveis distintos,
inclusive no nível do indivíduo, da comunidade ou da sociedade como um todo.”
(Peter Aggleton, Richard Parker e Miriam
Maluwa)
“Um dos obstáculos
mais significativos à formulação e implementação de políticas públicas
focalizadas é a resistência insistente da sociedade em lidar com questões
relacionadas a etnia e raça. Embora essa resistência esteja diminuindo
gradualmente, a abordagem latino-americana ainda tende a dedicar atenção
insuficiente às questões de raça na explicação das desigualdades observadas nos
resultados sociais e políticos entre diferentes grupos. A tendência é reduzir a
raça a uma classe e minimizar a extensão e o impacto da discriminação racial.
Quando as antipatias raciais são reconhecidas, elas são vistas, de forma
difusa, como relativamente benignas. Essa visão impede o desenvolvimento de
prescrições políticas e de respostas programáticas à discriminação racial e
étnica.
A neutralidade que
o Estado latino-americano tenta demonstrar na construção da identidade nacional
é desmentida pela resposta diferenciada que dá aos grupos sociais e políticos.
Seu papel não é meramente reativo. Ao contrário, ele desempenha um papel
fundamental e crucial na formação de identidades raciais (Nobles, 2000; Marx,
1998). Ao fazê-lo, os Estados podem restringir a organização política e social
baseada na identidade. Os dados mostram, claramente, que a discriminação
baseada na cor da pele é um fenômeno econômico, social e político real (ver
Lovell, 1999; Lovell e Wood, 1998; Hasenbalg, 1979; do Valle Silva, 1994; da
Silva, 1994). A formulação de políticas, de leis e de programas destinados a
abordar essa situação é tanto imperativa quanto factível, e não deve ser refém
de debates infindáveis sobre categorização.”
(Eva T. Thorne)
Um comentário:
Este livro foi escrito em 2004, no início do governo Lula. Se fosse agora, teria uma base de dados comparativa muito mais fértil. Do início do mandato do presidente Lula, no início de 2003, até maio último, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), 39,5 milhões de brasileiros passaram à classe C, concomitante à uma saída de 24,6 milhões de pessoas da classe E (ou seja, na extrema pobreza, uma queda de 54,18%), e 7,9 milhões que saíram da classe D (recuo de 24,03%).
Deste total, 13,3 milhões das pessoas que passaram a participar das classes A, B ou C, o desde 2009 pra cá, ou seja, esta melhoria econômica não paralisou, esta acontecendo agora, o que é muito bom de constatar.
A desigualdade também vem caindo muito, pois, desde os anos 2000, os 50% mais pobres do Brasil tiveram um crescimento da renda real de 67,9%, enquanto os 10% mais ricos avançaram 10,03%.
Um assombro, um assombro muito positivo.
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