terça-feira, 10 de maio de 2011

O clube dos anjos: gula, de Luis Fernando Veríssimo

Editora: Objetiva

ISBN: 978-85-7302-988-8

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 144

Sinopse: Não é todo dia que se quer ouvir uma crocante fuga de Bach mas todos os dias se quer comer. A fome é o único desejo reincidente, pois a visão acaba, a audição acaba, o sexo acaba, o poder acaba – mas a fome continua. Sentar-se à mesa com os amigos, saborear o seu prato preferido e se entregar ao prazer de comer, louca e apaixonadamente. Depois? Depois a morte. Mas isso só parecia acentuar a delícia de sabores irrecusáveis, o paladar em estado de exaltação, a bênção de um destino escolhido.

O Clube dos Anjos, de Luis Fernando Verissimo, é uma insólita e bem-humorada celebração da gula. O livro conta a história de dez homens que se entregaram a esta afinidade animal, a fome em bando – sem temer a morte. Na verdade, a perspectiva de morrer só aumentaria, para eles, o prazer na comida, e o desafio filosófico da gastronomia: a apreciação que exige a destruição do apreciado.

 

“As histórias de mistério são sempre tediosas buscas de um culpado, quando está claro que o culpado é sempre o mesmo. Não é preciso olhar a última página, leitor, o nome está na capa: é o autor.”

 

 

“Ele move-se com discrição e faz poucos gestos. Senta com as costas retas e quase não mexe a cabeça. Eu nunca chego, simplesmente, numa cadeira ou mesa, eu atraco. Um processo difícil, na falta de rebocadores. Naquele dia, derrubei um açucareiro e quase derrubei a mesa e deixei cair o vinho antes de encontrar minha posição na cadeira e chamar a garçonete. Minha namorada, a coitada da Lívia, sempre diz que eu nunca sei de quanto espaço preciso, e que isso vem de uma infância de gordo mimado. Algo a ver com ser um filho único que nunca conheceu limites. A coitada da Lívia é psicóloga e nutricionista, há anos que tenta me salvar. Eu não sou o seu amante, sou a sua causa. Já tive três mulheres e as três queriam o meu dinheiro. A Lívia não quer o meu dinheiro. Quer ser a mulher que me recuperará, o que eu acho muito mais interesseiro e assustador. Talvez por isso eu resista tanto a casar com ela, quando não resisti nada a casar com as outras, mesmo sabendo que não me amavam pela minha barriga.”

 

 

“Éramos tão vorazes, no começo, que qualquer coisa menos que o mundo equivaleria a um coito interrompido.”

 

 

“– O que está escrito no plástico?

– É um ideograma japonês, com várias traduções possíveis. Pode ser “Todo desejo é um desejo de morte” ou “A fome é um cocheiro sem ouvidos” ou “O sábio e o louco usam os mesmos dentes”.

– Tudo isso num ideograma?

– Sabe como são os orientais.”

 

 

“Adoro histórias estranhas. Quanto mais improváveis, mais eu acredito.”

 

 

“Depois telefonei para o João, que também relutou. Talvez fosse, talvez não fosse. Estava pensando em deixar o Clube. A reunião do Natal tinha lhe mostrado que estava na hora de parar. “Senão vou acabar dando um soco no Paulo”. Em vinte e um anos, João só faltara às reuniões do Clube durante o tempo em que desaparecera para fugir de pessoas cujo dinheiro tinha perdido e que queriam matá-lo, no que só mostravam, segundo Samuel, uma chocante incompreensão do espírito capitalista. Samuel instruía os credores a quebrar vários ossos do João, menos os que lhe permitiriam recuperar seu dinheiro, em vez de matá-lo. E chegava a oferecer uma lista dos ossos que João não precisaria para ganhar dinheiro e pagar a todos. Mas fora ele quem mais ajudara o João, inclusive escondendo-o dos credores furiosos em sua casa. De onde nos trazia notícias periódicas do asilado. “Está de ótimo humor. Não consigo convencê-lo a se suicidar”. E completava com uma das suas citações obscuras: “Um dos maiores enganos da humanidade a seu próprio respeito é que existe o remorso”.”

 

 

“Voltei para o grupo no velório. Contei que o André estava bem e perguntei se havia alguma novidade, só para não ficar quieto. Não sei ficar quieto. O João respondeu que o morto pulara do caixão, dera alguns passos de tango em volta da capela e se deitara de novo, mas fora isso nada.”

 

 

“Pedro também aparecia pouco. Vivia enclausurado. Não ia à escola, tinha professores particulares, estava sendo preparado para assumir a direção da empresa da família. Além disso, sua mãe, a dona Nina, tinha a psicose do contágio. Sofria com a ideia do seu Pedrinho tendo contato com as impurezas do mundo, entre as quais nos incluía. Principalmente eu, que não trouxera da infância o apelido de Cascão Falante sem merecimento.”

 

 

“O homem é o único animal que sempre quer mais do que precisa. O homem é o homem porque quer mais.”

Um comentário:

LIANA PAULUKA disse...

Fico lisonjeada com seu comentário, fique sabendo que o seu blog me serve de grande inspiração.
Não costumo postar muitos cometários mas não poderia deixar de vir agradecer o carinho.