Editora: Companhia de Bolso
ISBN: 978-85-359-1288-3
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 288
Sinopse: O
professor de história Tertuliano Máximo Afonso descobre, certo dia, que é um
homem duplicado. Ao assistir a um vídeo, ele se reconhece em outro corpo,
idêntico ao dele próprio – um dos atores do filme é seu sósia. Os
desdobramentos dessa história são imprevisíveis. Mas o romance de José
Saramago, esclareça-se logo, não tem nada a ver com clonagem ou outras
experiências de laboratório. O que está em jogo é a perda da identidade numa
sociedade que cultiva a individualidade e, paradoxalmente, estabelece padrões
estreitos de conduta e de aparência.
Em O homem duplicado, José Saramago constrói uma
ficção apoiada numa questão extremamente inquietante – a perda do eu no mundo
globalizado.
“Tanto é o que precisamos de lançar culpas a
algo distante quando o que nos faltou foi a coragem de encarar o que estava na
nossa frente.”
“É a carreira e o trabalho que me têm a mim,
não eu a eles.”
“Por muito esforço que tenhamos de fazer,
sabemos que só abrindo os olhos se pode sair de um pesadelo, mas o remédio,
neste caso, foi fechá-los, não os próprios, mas os do reflexo no espelho.”
“Não é porque o burro deu o coice que lhe vai
partir a perna.”
“Não se deixe enganar, o senso comum é
demasiado comum para ser realmente senso, no fundo não passa de um capítulo da
estatística, e o mais vulgarizado de todos.”
“O saber é realmente uma coisa muito bonita,
Depende do que se saiba, Também deverá depender de quem sabe, acho eu.”
“Provavelmente, ler também é uma forma de
estar lá.”
“Expliquei pela centésima vez o meu ponto de
vista e creio que consegui convencê-lo finalmente de que o disparate era um
pouco menos tolo do que lhe tinha parecido até agora, Uma vitória, Que não
servirá para nada, De facto, nunca se sabe muito bem para que servem as
vitórias, suspirou o professor de Matemática, Mas as derrotas sabe-se muito bem
para que servem, sabem-no sobretudo os que lançaram na batalha tudo o que eram
e tudo quanto tinham, mas desta permanente lição da História ninguém faz caso.”
“É de todos conhecido, porém, que a enorme
carga de tradição, hábitos e costumes que ocupa a maior parte do nosso cérebro
lastra sem piedade as ideias mais brilhantes e inovadoras de que a parte
restante ainda é capaz, e se é verdade que em alguns casos esta carga consegue
equilibrar desgovernos e desmandos de imaginação que Deus sabe aonde nos
levariam se fossem deixados à solta, também não é menos verdade que ela tem,
com frequência, artes de submeter subtilmente a tropismos inconscientes o que
críamos ser a nossa liberdade de actuar, como uma planta que não sabe porque
terá sempre de inclinar-se para o lado de onde lhe vem a luz.”
“A vida, querido Máximo, tem-me ensinado que
nenhuma coisa é simples, que só às vezes o parece, e que é justamente quando
mais o parecer que mais nos convirá duvidar.”
“Diz a sabedoria popular que nunca se pode
ter tudo, e não lhe falta razão, o balanço das vidas humanas joga
constantemente sobre o ganho e o perdido, o problema está na impossibilidade,
igualmente humana, de nos pormos de acordo sobre os méritos relativos do que se
deveria perder e do que se deveria ganhar, por isso o mundo está no estado em
que o vemos. Maria da Paz também pensa, mas, sendo mulher, portanto mais
próxima das coisas elementares e essenciais, recorda a angústia que trazia na
alma quando entrou nesta casa, a sua certeza de que se iria daqui vencida e
humilhada, e afinal acontecera o que em nenhum momento lhe tinha passado pela
fantasia, estar na cama com o homem a quem amava, o que mostra quanto tem ainda
de aprender esta mulher se ignora que muitas dramáticas discussões dos casais é
ali que acabam e se resolvem, não porque os exercícios do sexo sejam a panaceia
de todos os males físicos e morais, embora não falte quem assim pense, mas
porque, esgotadas as forças dos corpos, os espíritos aproveitam para levantar
timidamente o dedo e pedir autorização para entrar, perguntam se se lhes
permite fazer ouvir as suas razões, e se eles, corpos, estão preparados para
lhes dar atenção. É então quando o homem diz à mulher, ou a mulher ao homem,
Que loucos somos, que estúpidos temos sido, e um deles, misericordiosamente,
cala a resposta justa que seria, Tu, talvez, eu só tenho estado à tua espera.
Ainda que pareça impossível, é este silêncio cheio de palavras não ditas que
salva o que se julgava perdido, como uma jangada que avança do nevoeiro a pedir
os seus marinheiros, com os seus remos e a sua bússola, a sua vela e a sua arca
do pão.”
“É tanto o que temos para dizer quando
calamos.”
“Já pensava que não me telefonarias, disse
Maria da Paz, Como vês, enganaste-te, aqui estou, O teu silêncio teria querido
dizer que o dia de hoje não havia representado para ti o mesmo que para mim, O
que tenha representado, representou-o para ambos, Mas talvez não da mesma
maneira nem pelas mesmas razões, Faltam-nos os instrumentos para medir essas
diferenças, se as houve, Contínuas a gostar de mim, Sim, continuo a gostar de
ti, Não o expressas com muito entusiasmo, não fizeste mais que repetir as
palavras que eu disse, Explica-me por que não deveriam elas servir-me a mim, se
a ti te serviram, Porque ao serem repetidas perdem uma parte do poder de
convencimento que teriam se tivessem sido ditas em primeiro lugar.”
“Todos os dicionários juntos não contêm nem
metade dos termos de que precisaríamos para nos entendermos uns aos outros.”
“As formas da crueldade são muitíssimas,
algumas até se disfarçam de indiferença ou de indolência.”
“De uma maneira ou outra neste mundo tudo
acaba por se resolver.”
“Quanto mais te disfarçares, mais te
parecerás a ti próprio.”
“Não se censurou porque aquelas ideias em
realidade não lhe pertenciam, tinham sido o fruto equívoco de uma imaginação
que, sacudida por uma emoção violenta e fora do comum, saltara dos carris, o
que conta é que está lúcida e alerta neste momento, senhora dos seus
pensamentos e do seu querer, as alucinações da noite, sejam as da carne, sejam
as do espírito, sempre se dissiparam no ar com as primeiras claridades da
manhã, essas que reordenam o mundo e o recolocam na sua órbita de sempre,
reescrevendo de cada vez os livros da lei.”
“Talvez a ideia correcta seja a de que o
futuro é somente um imenso vazio, a de que o futuro não é mais que o tempo de
que o eterno presente se alimenta.”
“Só um senso comum com imaginação de poeta
poderia ter sido o inventor da roda.”
“Também em tempos que já lá vão, houve na
terra um rei considerado de grande sabedoria que, em um momento de inspiração
filosófica fácil, afirmou, supõe-se que com a solenidade inerente ao trono, que
debaixo do sol não havia nada de novo. A estas frases não convém tomá-las nunca
demasiado a sério, não se dê o caso de as continuarmos a dizer quando tudo à
nossa volta já mudou e o próprio sol já não é o que era. Em compensação, não
variaram muito os movimentos e os gestos das pessoas, não só desde o terceiro
rei de Israel como também desde aquele dia imemorial em que um rosto humano se
apercebeu pela primeira vez de si mesmo na superfície lisa de um charco e
pensou, Este sou eu.”
“E a Maria da Paz, disseste-lhe o que estava
a suceder, perguntou dona Carolina, Não, não a iria sobrecarregar com
preocupações que a mim já me custavam tanto a aguentar, Compreendo isso, mas também
compreenderia se lho tivesses dito, Considerei que era melhor não lhe falar do
caso, E agora que já passou tudo, não lho dirás, Não vale a pena, um dia em que
ela me viu mais inquieto prometi-lhe que sim, que lhe diria o que se passava
comigo, que naquele momento não podia, mas que um dia lhe contaria tudo, E
pelos vistos esse dia não vai chegar, É preferível deixar as coisas como estão,
Há situações em que o pior que se pode fazer é deixar as coisas como estão, só
serve para lhes dar mais força, Também poderá servir para que se cansem e nos
deixem tranquilos, Se gostasses da Maria da Paz, contar-lhe-ias, Eu gosto dela,
Gostarás, mas não o bastante, se dormes na mesma cama com uma mulher que te ama
e não te abres com ela, pergunto-te que estás a fazer ali, Defende-a como se a
conhecesse, Nunca a vi, mas conheço-a, Só o que soube por mim, e não pode ter
sido muito, As duas cartas em que me falaste dela, alguns comentários ao
telefone, não precisei de mais, Para saber que ela era a mulher que me convinha,
Também o poderia ter dito por essas palavras se igualmente pudesse dizer de ti
que eras o homem que lhe convinha a ela, E não crê que o fosse, ou que o seja,
Talvez não, A solução melhor, portanto, é a mais simples, acabar com a relação
que temos mantido, És tu quem o diz, não eu, Há que ser lógicos, minha mãe, se
ela me convém, mas eu a ela não, que sentido tem desejar tanto que nos casemos,
Para que ela ainda lá estivesse quando tu despertasses, Não ando a dormir, não
sou sonâmbulo, tenho a minha vida, o meu trabalho, Há uma parte de ti que dorme
desde que nasceste, e o meu medo é que um dia destes sejas obrigado a acordar
violentamente, O que a mãe tem é vocação para Cassandra, Que é isso, A pergunta
não deve ser que é isso, mas quem é essa, Então ensina-me, sempre ouvi dizer
que ensinar quem não sabe é uma obra de misericórdia, A tal Cassandra era filha
do rei de Troia, um que se chamava Príamo, e quando os gregos foram pôr o
cavalo de madeira às portas da cidade, ela começou a gritar que a cidade seria destruída
se o cavalo fosse trazido para dentro, vem tudo explicado em pormenor na Ilíada
do Homero, a Ilíada é um poema, Já ouvi falar, e que aconteceu depois, Os
troianos acharam que ela estava louca e não fizeram caso dos vaticínios, E
depois, Depois a cidade foi assaltada, saqueada, reduzida a cinzas, Portanto
essa Cassandra que tu dizes tinha razão, A História ensinou-me que Cassandra
tem sempre razão, E tu declaraste que eu tenho vocação para Cassandra, Disse-o
e repito, com todo o amor de um filho que tem uma mãe bruxa, Logo, tu és um
daqueles troianos que não acreditaram, e por isso Troia foi queimada, Neste
caso não há nenhuma Troia para queimar, Quantas Troias com outros nomes e
noutros lugares foram queimadas depois dessa, Inúmeras, Não queiras tu então
ser mais uma, Não tenho nenhum cavalo de madeira à porta de casa, E se o
tiveres, escuta a voz desta Cassandra velha, não o deixes entrar, Estarei
atento aos relinchos.”
“Não imaginei que fosses capaz de tanto, é um
plano absolutamente diabólico, Humano, meu caro, simplesmente humano, o diabo
não faz planos, aliás, se os homens fossem bons, ele nem existiria.”
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