terça-feira, 16 de junho de 2009

Cinzas do Norte – Milton Hatoum

Editora: Companhia das Letras

ISBN: 978-85-3590-685-1

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 312

Sinopse: Cinzas do Norte, terceiro romance de Milton Hatoum, é o relato de uma longa revolta e do esforço de compreendê-la. Na Manaus dos anos 1950 e 1960, dois meninos travam uma amizade que atravessará toda a vida. De um lado, Olavo, de apelido Lavo, o narrador, menino órfão, criado por dois tios mal-e-mal remediados, que cresce à sombra da família Mattoso; de outro, Raimundo Mattoso, ou Mundo, filho de Alícia, mãe jovem e mercurial, e do aristocrático Trajano.

No centro das ambições de Trajano está a Vila Amazônia, palacete junto a Parintins, sede de uma plantação de juta e pesadelo máximo de Mundo. A fim de realizar suas inclinações artísticas, ou quem sabe para investigar suas angústias mais profundas, o jovem engalfinha-se numa luta contra o pai, a província, a moral dominante e, para culminar, os militares que tomam o poder em 1964 e dão início à vertiginosa destruição de Manaus. Nessa luta que se transforma em fuga rebelde, o rapaz amplia o universo romanesco, que alcança a Berlim e a Londres irrequietas da década de 1970, de onde manda sinais de vida para o amigo Lavo, agora advogado, mas ainda preso à cidade natal.

Outros fios completam o tecido ficcional de Cinzas do Norte: uma carta que o tio Ranulfo envia a Mundo, uma outra que este deixa como legado para o amigo de infância. São versões e revelações que se cruzam ou desencontram, sem jamais chegar a esgotar o enigma de uma vida singular ou a diminuir a dor da derrota final, às mãos da doença, da solidão e da violência. Neste livro, Hatoum escreve uma “história moral” de sua geração.


 

“Ou a obediência estúpida, ou a revolta.”

 

 

“Toda mãe conhece pelo menos um homem na vida: o filho.”

 

 

“Ranulfo ia ajudá-lo? Conhecia os moradores... podia convencer o pessoal a participar, seria um protesto de todos, um trabalho coletivo. E então?

“Tua mãe acha melhor adiar para depois da tua formatura”. Ranulfo passou a mão na boca e fechou os olhos: “Medo de mãe é sempre pertinente”.

“Medo...”, repetiu Mundo, com impaciência. “Só se fala nisso... Toda frase começa com essa palavra. Tanto medo assim, melhor morrer”.”

 

 

“Ouvi o sino da igreja bater onze vezes. Estava enfastiado de estudar leis, de ler processos maçantes sobre crimes variados. Recordei as estocadas de tio Ran: “Tanta lei para nada! Os militares jogaram todas as leis no inferno”.

“O governo militar é mais efêmero que as leis”, eu replicava, com um fiapo de esperança que faltava ao meu tio.”

 

 

“No dia sete de dezembro, seu aniversário, Naiá lhe entregou um buquê de flores do marido com umas palavras ternas de Jano. Ramira caiu em êxtase. O único buquê enviado por um homem em quase meio século de vida. Ela passou a remoer a ilusão de algo parecido com o amor. E então costurou para ele uma calça azul-marinho, caprichando no corte e no acabamento. Perguntei se não era preciso tirar a medida da altura e da cintura. “Claro que não”, respondeu minha tia. “Uma boa costureira não tira a medida de quem admira”.”

 

 

 “‘E as chicanas judiciais? Já começaste a aplicar as leis?’.

Como eu não respondia, continuava: ‘Não tem lei porra nenhuma, rapaz. Tudo depende das circunstâncias: o réu tem ou não tem grana. Amigo togado também serve. Essa é a lei, o princípio e o fim de todas as sentenças’.

Essas palavras davam uma certa dignidade a tio Ran: a grandeza de um ser revoltado.”

 

 

“Por Deus, Lavo, o mau gosto assaltou o universo, e a uniformidade vai matar a alma do ser humano”.

 

 

“Mas, neste mundo, quem vive é que vê o pior.” 

 

 

“Eu implorei pra ele tirar aquele ódio da alma. Ele disse que não ia tirar o que sobrara da vida...”

Um comentário:

Vítor Pádua disse...

Essa última frase do ódio foi animal!!!