Editora: Record
ISBN: 978-85-0105-695-5
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 448
Sinopse: Às
vésperas da abertura de uma grande exposição de arte sacra, chega a Salvador,
vinda de Santo Amaro da Purificação, uma preciosa imagem de santa Bárbara.
Assim que desembarca na capital, a santa desaparece, deixando polícia,
autoridades e imprensa em polvorosa.
Publicado originalmente em 1988, O sumiço da santa
narra os dois dias que se seguem ao misterioso desaparecimento da imagem. Para
complicar o caos reinante, uma equipe da televisão francesa chega a Salvador
para rodar um documentário sobre a cultura baiana, o que acaba suscitando um
Carnaval fora de época, com direito a trio elétrico, sessão de candomblé e
festival de capoeira.
Com maestria, Jorge Amado entrelaça inúmeras histórias,
misturando personagens fictícios com ícones da cultura baiana – todos movendo-se
freneticamente sob a égide de Iansã/santa Bárbara. O eixo narrativo,
paralelamente ao sumiço da santa, é o embate entre duas mulheres notáveis: a
católica e puritana Adalgisa, filha de negra com espanhol, e sua fogosa
sobrinha adolescente Manela, adepta do candomblé.
Qualificado de “história de feitiçaria” por seu autor, o
livro merece figurar ao lado de Os
pastores da noite e Tenda dos milagres como um dos grandes
libelos de exaltação do sincretismo religioso e da mestiçagem cultural.
“Na peçonha de tais insinuações, os
miseráveis tentavam esconder os cadáveres apodrecendo no mangue entre
guaiamuns. O padre viaja com os três mortos, sabe quem os mandou assassinar,
todos sabem; de nada adianta saber, os que comandaram os pistoleiros pairam
ilibados, inacessíveis, acima do bem e do mal. A terra tem donos, uns poucos,
contam-se nos dedos das mãos; poucos, porém implacáveis.”
“Vestido vaporoso, de tule, estilo
renascença, modelo e confecção de Maria Zilda, oferta do casal Cotrim, Lourdes
e Jonas, padrinhos no religioso, véu, grinalda, flores de laranjeira em
profusão atestando a virgindade da noiva – desta vez a donzelice da prometida
era deveras: não estava prenha e nem sequer a ponta da cabeça da rola do
nubente lhe tocara de leve o cabaço incólume. Não provara a fruta-pica, coisa
rara em nossos dias progressistas, fato digno de referência e alabança.”
“A censura, a corrupção e a violência eram as
regras de governo, carece recordar pois existe quem já tenha se esquecido.
Tempo da ignomínia e do medo: os cárceres repletos, a tortura e os torturadores,
a mentira do milagre brasileiro, as obras faraônicas e a comilança, a impostura
e o venha-a-nós – há quem tenha saudade, é natural.”
“Para Dom Rudolph não cabia dúvida, e o
afirmava, autoritário: o Exército de Cristo, trincheiras erguidas nos cinco
continentes, tinha a missão de sustentar, como vinha fazendo através dos
séculos, o direito à propriedade das classes dominantes. Abusos, se houvesse, a
caridade se encarregaria de corrigi-los: para isso existe a caridade, padre
Galvão, uma das três virtudes teologais. A Igreja é sustentáculo da ordem e não
promotora da desordem. Exerça a caridade, padre.
Padre Abelardo, ao contrário, considerava que
essa igreja da submissão e da obediência cega, a serviço dos ricos e dos
poderosos – para eles os bens do mundo, para os pobres a esperança do reino dos
céus –, era a negação da palavra do Messias: a Igreja devia servir à justiça e
aos necessitados. O autêntico Exército de Cristo, recrutado nas favelas das
cidades e na miséria dos campos do terceiro-mundo em desespero por padres e
bispos portadores de uma prédica nova, devia sustentar a ação insubmissa, a
resistência e a luta.”
“Está por se escrever uma boa história onde
não exista sexo, explícito ou dissimulado, fator de alegria e sofrimento, fonte
da vida: nem a Bíblia escapa. Muito ao contrário.”
“A esposa confidenciava às amigas íntimas
que, além da partícula aristocrática – a família do Recôncavo, arruinada,
descendia dos Garcia d’Ávila –, as duas qualidades maiores do marido eram a
burrice e a disciplina. Tudo o mais não passava de decorrência: a maldade, a
hipocrisia, a bajulação aos poderosos, a prepotência para com os subordinados e
os pobres em geral, a retórica vazia, a jactância e os chifres.”
“O carro entrou em velocidade numa curva, Patrícia,
sem ter onde apoiar-se, escorregou do banco. Ao levantar-se, sentou no colo do
padre, tranquila da vida, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ninguém
deu importância, a não ser o próprio padre: Deus o sujeitava a uma prova atroz.
Atroz, seria a palavra certa?”
“Fora Sylvia, competente esposa de juiz de
menores, quem introduzira Olímpia no requinte dos adolescentes: a amiga logo a
superara, convertendo-se em reputada especialista – reputada, o adjetivo diz
tudo e soa bem.”
“A palavra companheiros tinha uma vibração
fraterna, rompia barreiras, congregava diferenças, extinguia distâncias.”
“Gravara a cara do padreco, com certeza um
sem-vergonha, um desalmado. Um desses padres ruins que não reconhecem a lei de
Deus e querem tomar a terra de seus donos, sem respeitar escrituras, porteiras
e demarcações. Quem sabe teria passado nos peitos uma das filhas do coronel,
eram bonitas as duas, a casada então nem se fala, e esses padres de agora não
brincam em serviço, vão traçando, vão comendo, tirante alguns que preferem dar
a bunda. Os primeiros, Zé do Lírio não os criticava, quem encontra uma racha
dando sopa e não aproveita não merece o reino dos céus, mas os dadores de cu,
ele os detestava, raça daninha.”
“Quem tem amigos não passa vergonha.”
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