Editora: Paz e Terra
Opinião: ★★★☆☆
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Páginas: 90
Sinopse: O mito
do desenvolvimento econômico foi escrito no início dos anos 70, quando pela
primeira vez se teve uma ideia aproximada das consequências, no plano
ecológico, da planetarização do sistema econômico. A permanecer no estilo atual
de desenvolvimento, a pressão sobre a base de recursos não-renováveis será tão
grande que, ou ocorrerá uma catástrofe ecológica ou se aprofundará o processo
da exclusão social, privando as grandes maiorias, particularmente nos países de
terceiro mundo, dos benefícios de um autêntico desenvolvimento. Esta seria,
portanto, uma simples miragem. A relação de dependência das economias
periféricas com os países centrais inviabiliza qualquer tipo de desenvolvimento
para os primeiros, visto que essa relação aumenta as disparidades entre esses
dois grupos e entre ricos e pobres dentro dos países subdesenvolvidos. É nesse
sentido que o economista Celso Furtado o qualifica de mito.
“Os mitos têm exercido uma inegável
influência sobre a mente dos homens que se empenham em compreender a realidade social.
Do bon
sauvage, com que sonhou Rousseau,
à ideia milenária do desaparecimento
do Estado, em Marx, do “princípio populacional” de Malthus à concepção
walrasiana do equilíbrio geral, os cientistas sociais têm sempre buscado apoio
em algum postulado enraizado num sistema de valores que raramente chegam a
explicitar. O mito congrega um conjunto de hipóteses que não podem ser
testadas. Contudo, essa não é uma dificuldade maior, pois o trabalho analítico
se realiza a um nível muito mais próximo à realidade. A função principal do
mito é orientar, num plano intuitivo, a construção daquilo que Schumpeter
chamou de visão do processo social,
sem a qual o trabalho analítico não teria qualquer sentido. Assim, os mitos
operam como faróis que iluminam o campo de percepção do cientista social,
permitindo-lhe ter uma visão clara de certos problemas e nada ver de outros, ao
mesmo tempo que lhe proporcionam conforto intelectual, pois as discriminações
valorativas que realiza surgem ao seu espírito como um reflexo da realidade objetiva.1
A literatura sobre desenvolvimento econômico
do último quarto de século nos dá um exemplo meridiano desse papel diretor dos
mitos nas ciências sociais: pelo menos 90% do que aí encontramos se funda na ideia,
que se dá por evidente, segundo a qual o desenvolvimento econômico, tal
qual vem sendo praticado pelos países que lideraram a revolução industrial,
pode ser universalizado. Mais precisamente: pretende-se que os padrões de
consumo da minoria da humanidade, que atualmente vive nos países altamente
industrializados, são acessíveis às grandes massas de população em rápida
expansão que formam o chamado Terceiro Mundo. Essa ideia constitui,
seguramente, uma prolongação do mito do progresso, elemento essencial na
ideologia diretora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a atual
sociedade industrial.
Com o campo de visão da realidade delimitado
por essa ideia diretora, os economistas passaram a dedicar o melhor de sua
imaginação a conceber complexos esquemas do processo de acumulação de capital
no qual o impulso dinâmico é dado pelo progresso tecnológico, enteléquia concebida
fora de qualquer contexto social. Pouca ou nenhuma atenção foi dada às
consequências, no plano cultural, de um crescimento exponencial do estoque de
capital. As grandes metrópoles modernas, com seu ar irrespirável, crescente
criminalidade, deterioração dos serviços públicos, fuga da juventude na
anticultura, surgiram como um pesadelo no sonho de progresso linear em que se
embalavam os teóricos do crescimento. Menos atenção ainda se havia dado ao
impacto no meio físico de um sistema de decisões cujos objetivos últimos são
satisfazer interesses privados.”
1 Não é meu propósito abordar aqui a epistemologia
das ciências sociais. Desde Dilthey sabemos que as ciências sociais “cresceram
no meio da prática da vida”. (Cf. Wilhelm Dilthey, Introduction à l'étude des sciences humaines, Paris, 1942, p. 34.)
E Max Weber demonstrou claramente como se complementam a “explicação
compreensiva” e a “compreensão explicativa” dos processos sociais. O mito
introduz no espírito um elemento discriminador que perturba o ato de compreensão,
o qual consiste, segundo Weber, em “captar por interpretação o sentido ou o
conjunto significativo que se tem em vista”. (Cf. Max Weber, Economie et société, Paris, 1971, t. I,
p. 8.). Veja-se também J. Freud, Les
théories des sciences humaines (Paris, 1973).
“No último quarto de século, foram elaborados
complexos modelos de economias nacionais de dimensões relativamente reduzidas,
mas amplamente abertas ao mundo exterior, como a da Holanda, ou de amplas
dimensões e mais autocentradas, como a dos Estados Unidos. O conhecimento
analítico proporcionado por esses modelos permitiu formular hipóteses sobre o comportamento
a mais longo prazo de certas variáveis, particularmente da demanda de produtos
considerados de valor estratégico pelo governo dos Estados Unidos. Esses estudos
puseram em evidência o fato de que a economia norte-americana tende a ser
crescentemente dependente de recursos não renováveis produzidos fora do
país. E esta, seguramente, uma conclusão de grande importância , que está na
base da política de crescente abertura da economia dos Estados Unidos e
de fortalecimento das grandes empresas capazes de promover a exploração de
recursos naturais em escala planetária. As projeções a mais longo prazo, feitas
no quadro analítico a que acabamos de nos referir, baseiam-se implicitamente na
ideia de que a fronteira externa do sistema é ilimitada. O conceito de reservas
dinâmicas, função do volume de investimentos programados e de hipóteses sobre o
progresso das técnicas, serve para tranquilizar os espíritos mais indagadores.
Como a política de defesa dos recursos não reprodutíveis compete aos governos e
não às empresas que os exploram, e como as informações e a capacidade para
apreciá-las estão principalmente com as empresas, o problema tende a ser
perdido de vista.”
“A importância do estudo feito para o Clube
de Roma deriva exatamente do fato de que nele foi abandonada a hipótese de um
sistema aberto no que concerne à fronteira dos recursos naturais. Não se
encontra aí qualquer preocupação com respeito à crescente dependência dos
países altamente industrializados vis-à-vis dos recursos naturais dos
demais países, e muito menos com as consequências para estes últimos do uso
predatório pelos primeiros de tais recursos. A novidade está em que o sistema
pôde ser fechado em escala planetária, numa primeira aproximação, no que se
refere aos recursos não renováveis. Uma vez fechado o sistema, os autores do
estudo formularam-se a seguinte questão: que acontecerá se o desenvolvimento
econômico, para o qual estão sendo mobilizados todos os povos da terra,
chegar efetivamente a concretizar-se, isto é, se as atuais formas de vida dos
povos ricos chegarem efetivamente a universalizar-se? A resposta a essa
pergunta é clara, sem ambiguidades: se tal acontecesse, a pressão sobre os
recursos não renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou,
alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevado) que o
sistema econômico mundial entraria necessariamente em colapso.”
“A evidência à qual não podemos escapar é que
em nossa civilização a criação de valor econômico provoca, na grande
maioria dos casos, processos irreversíveis de degradação do mundo físico. O
economista limita o seu campo de observação a processos parciais, pretendendo
ignorar que esses processos provocam crescentes modificações no mundo físico.3
A maioria deles transforma energia livre ou disponível, sobre a qual o homem tem
perfeito comando, em energia não disponível. Demais das consequências de
natureza diretamente econômica, esse processo provoca elevação da temperatura média
de certas áreas do planeta cujas consequências a mais longo prazo dificilmente
poderiam ser exageradas. A atitude ingênua consiste em imaginar que problemas
dessa ordem serão solucionados necessariamente pelo progresso tecnológico, como
se a atual aceleração do progresso tecnológico não estivesse contribuindo para
agravá-los. Não se trata de especular se teoricamente a ciência e a
técnica capacitam o homem para solucionar este ou aquele problema criado por
nossa civilização. Trata-se apenas de reconhecer que o que chamamos de criação
de valor econômico tem como contrapartida processos irreversíveis no mundo físico,
cujas consequências tratamos de ignorar. Convém não perder de vista que na
civilização industrial o futuro está em grande parte condicionado por decisões
que já foram tomadas no passado e/ou que estão sendo tomadas no presente em
função de um curto horizonte temporal. À medida em que avança a acumulação de
capital, maior é a interdependência entre o futuro e o passado.
Consequentemente, aumenta a inércia do sistema, e as correções de rumo tornam-se
mais lentas ou exigem maior esforço.”
“A psicologia humana é tal que dificilmente
podemos nos concentrar por muito tempo em problemas que superam um horizonte
temporal relativamente curto.”
“Captar a natureza do subdesenvolvimento não
é tarefa fácil: muitas são as suas dimensões, e as que são facilmente visíveis
nem sempre são as mais significativas. Mas se algo sabemos com segurança é que
subdesenvolvimento nada tem a ver com a idade de uma sociedade ou de um país. E
também sabemos que o parâmetro para medi-lo é o grau de acumulação de capital aplicado
aos processos produtivos e o grau de acesso ao arsenal de bens finais que caracterizam
o que se convencionou chamar de estilo de vida moderno. Mesmo para o observador
superficial parece evidente que o subdesenvolvimento está ligado a uma maior
heterogeneidade tecnológica, a qual reflete a natureza das relações externas
desse tipo de economia.”
“Por que este e não aquele país passou a
linha demarcatória e entrou para o clube dos países desenvolvidos nessa segunda
fase crucial da evolução do capitalismo industrial, que se situa entre os anos 1870
e o primeiro conflito mundial, é problema cuja resposta pertence mais à
História do que à análise econômica. Em nenhuma parte essa passagem ocorreu no
quadro do laissez-faire: foi sempre o resultado de uma política
deliberadamente concebida com esse fim. O que interessa assinalar é que a linha
demarcatória tendeu a acentuar-se. Como a industrialização em cada época se
molda em função do grau de acumulação alcançado pelos países que lideram o processo,
o esforço relativo requerido para dar os primeiros passos tende a crescer com o
tempo. Mais ainda: uma vez que o atraso relativo alcança certo ponto, o processo
de industrialização sofre importantes modificações qualitativas. Já não se
orienta ele para formar um sistema econômico nacional e sim para completar o
sistema econômico internacional. Algumas indústrias surgem integradas a certas
atividades exportadoras, e outras como complemento de atividades importadoras.
De uma forma ou de outra, elas ampliam o grau de integração do sistema
econômico internacional. Nas fases de crise deste último, procura-se reduzir o
conteúdo de importações de certas atividades industriais, o que leva
ocasionalmente à instalação de indústrias integradoras do sistema econômico no
nível nacional. Assim, por um processo inverso, através de um esforço para reduzir
a instabilidade resultante da forma de inserção na economia internacional,
molda-se um sistema industrial com um maior ou menor grau de integração.”
“O que cria a diferença fundamental e dá
origem à linha divisória entre desenvolvimento e subdesenvolvimento é a orientação
dada à utilização do excedente engendrado pelo incremento de produtividade. A
atividade industrial tende a concentrar grande parte do excedente em poucas
mãos e a conservá-lo sob o controle do grupo social diretamente comprometido
com o processo produtivo. Por outro lado, como o capital invertido na indústria
está sendo constantemente renovado, a porta fica permanentemente aberta para a
introdução de inovações. Dessa forma, um sistema industrial tende a crescer por
suas próprias forças, a menos que seja submetido a insuficiência de demanda
efetiva. Explica-se, assim, que aqueles países que procuraram criar um sistema
econômico nacional, na segunda fase da evolução do capitalismo industrial,
hajam protegido atividades agrícolas e outras, que não ofereciam “vantagens comparativas”.
Mediante essa proteção eles asseguravam demanda ao setor industrial,
compensando amplamente com incrementas de produtividade neste setor o que
perdiam nas demais atividades “protegidas”.
Nos países em que as vantagens comparativas
assumem a forma de especialização na exportação de produtos primários
(particularmente os produtos agrícolas), o excedente adicional assume a forma
de um incremento das importações. Como a especialização não requer nem implica modificações
nos métodos produtivos, e a acumulação se realiza com recursos locais (abertura
de terras, estradas e construções rurais, crescimento de rebanho etc.), o
incremento da capacidade para importar permanece disponível para ser utilizado
na aquisição de bens de consumo. Dessa forma, é pelo lado da demanda de bens
finais de consumo que esses países se inserem mais profundamente na civilização
industrial. Esse dado é fundamental para compreender o sentido que neles
tomará, em fase subsequente, o processo de industrialização. Não é minha intenção
abordar aqui, em detalhe, o problema da especificidade dessa industrialização
fundada na chamada “substituição de importações”; limitar-me-ei a assinalar que
ela tende a reproduzir em miniatura sistemas industriais apoiados em um
processo muito mais amplo de acumulação de capital. Na prática, essa
miniaturização assume a forma de instalação no país em questão de uma série de
subsidiárias de empresas dos países cêntricos, o que reforça a tendência para
reprodução de padrões de consumo de sociedades de muito mais elevado nível de
renda média. Daí resulta a conhecida síndrome de tendência à concentração da
renda, tão familiar a todos os que estudam a industrialização dos países
subdesenvolvidos.
“A tendência à concentração que criou em
certos ramos situações de virtual monopólio provocou reações inversas de defesa
do interesse público, como as leis antitruste do fim do século passado. Fechada
a porta ao monopólio, foi necessário desenvolver formas de coordenação mais
sutis. O oligopólio constitui o coroamento dessa evolução: ele permite que um
pequeno grupo de grandes firmas criem barreiras à entrada de outras em um setor
de atividade econômica e administrem conjuntamente os preços de certos
produtos, conservando, contudo, autonomia financeira, tecnológica e
administrativa. A administração dos preços cria vantagem relativa para as
empresas que mais inovam tanto em processos produtivos quanto na introdução de
novos produtos em determinado setor. A diferença da concorrência tradicional de
preços, que se traduz em redução dos lucros, debilitamento financeiro,
fechamento de fábricas ou, no caso de que se imponha um monopolista, em
elevação de preços e redução de demanda, o mundo dos oligopólios se assemelha
muito mais a uma corrida em que, salvo acidente, todos alcançam o objetivo
final, sendo maior a recompensa dos que chegam na frente. É um esporte ao qual
só têm acesso campeões, como as finais de Wimbledon.”
“A forma oligopolista de coordenação de
decisões, graças à sua enorme flexibilidade, pôde ser transplantada para o
espaço semi-unificado que se está constituindo no centro do sistema
capitalista. Favorecendo por todas as formas a inovação, o oligopólio constitui
poderoso instrumento de expansão econômica. Graças à liberdade de ação de que
vêm gozando as firmas oligopólicas, o comércio de produtos manufaturados entre
os países cêntricos cresceu com extraordinária rapidez no correr dos últimos
decênios. Por outro lado, a enorme capacidade financeira que essas firmas
tendem a acumular leva-as a buscar a diversificação, dando origem ao
conglomerado internacional, que é a forma mais avançada da empresa moderna.
À primeira vista, pode parecer que a grande
empresa deriva sua força principalmente das economias de escala de produção.
Isso é apenas em parte verdade. As economias de escala são fundamentais na
metalurgia, na química básica, papel e outras indústrias de processo contínuo e
também ali onde a mão-de-obra é utilizada de forma intensiva e o trabalho pode
ser organizado em cadeia. Tudo isso responde apenas por uma parte do enorme processo
de concentração da indústria moderna. A sua grande força deriva de que ela
trabalha em mercados organizados, está em condições de administrar os preços e,
portanto, de se assegurar autofinanciamento e poder planejar suas atividades a
longo prazo. Mas não há dúvida de que foram as indústrias do primeiro tipo que
constituíram o campo experimental em que se desenvolveram as técnicas
oligopolistas. Isso porque, onde as economias de escala são importantes, as
imobilizações de capital são consideráveis, o que facilita a criação de barreiras
à entrada de novos sócios no clube. Somente quando essas barreiras são sólidas
é possível administrar preços e planejar a longo prazo. Demais, nesse tipo de indústria
é muito mais difícil manter ocultos os planos de expansão. Por último, nas
indústrias que produzem artigos homogêneos, os custos de produção são
relativamente transparentes, na medida em que as técnicas são conhecidas. É
natural, portanto, que hajam sido as empresas desse grupo as primeiras que se
organizaram internacionalmente como oligopólios. E foi a evolução no país
cêntrico da empresa oligopólica internacional produtora de insumos industriais
que deu origem a uma das primeiras famílias de empresas diversificadas. Com efeito,
à medida que as grandes empresas internacionais se foram capacitando para
administrar os preços dos metais não-ferrosos, tornou-se interessante para elas
transformarem-se em grandes utilizadoras desses metais. Por outro lado, para
planejar a produção de cobre a longo prazo era necessário conhecer a evolução
da economia do alumínio, por exemplo. Daí a emergência de novas formas de
oligopólio visando a coordenar a economia não de um produto, mas de um conjunto
de produtos até certo ponto substituíveis. Exemplo claro dessa evolução é dado
pelas grandes companhias de petróleo: elas tenderam a diversificar-se no campo
da petroquímica e da enorme família de indústrias que daí parte; mas também procuraram
instalar-se nos setores concorrentes, do carvão a energia atômica.
Se observamos em conjunto as duas linhas de
diversificação, a vertical e a horizontal, vemos que uma empresa que se expande
nessas duas direções tende a ser levada a controlar atividades econômicas na aparência
totalmente desconectadas umas das outras. A partir de certo momento, as
vantagens da diversificação passam a ser estritamente de caráter financeiro,
pois o excesso de liquidez de um setor pode ser utilizado noutro,
ocasionalmente mais dinâmico. Ora, esse tipo de coordenação pode ser obtida por
meio de instituições financeiras, por definição muito mais flexíveis. Esse
processo evolutivo tende, portanto, a levar a uma coordenação financeira,
através de instituições bancárias e semelhantes, e a uma coordenação
oligopolista, no plano operacional.
As observações que vimos de fazer se baseiam
na observação da estrutura econômica norte-americana. Muito menos informação
dispomos acerca das formas que estão assumindo os oligopólios no espaço
econômico, mais heterogêneo, em processo de unificação no centro da economia capitalista.
Sabemos, sim, que os recursos financeiros postos à disposição das grandes
empresas cresceram consideravelmente, que os sistemas bancários nacionais
europeus passaram por um rápido e drástico processo de reestruturação em base
regional e que o sistema bancário norte-americano se expandiu
internacionalmente de forma vertiginosa. Também sabemos que as grandes empresas
operam internacionalmente através de centros
de decisão que escapam, em grande medida, ao controle dos governos nacionais dos
respectivos países.
A evolução estrutural dos países cêntricos
teria necessariamente de repercutir
nas relações econômicas internacionais. Neste
terreno, mais que em qualquer
outro, a grande empresa leva vantagem. Com efeito, somente ela está em
condições de administrar recursos aplicados simultaneamente em diversos países.
É natural, portanto, que as antigas transações internacionais, organizadas por intermediários
que especulavam com estoques ou jogavam nas bolsas de mercadorias, venham sendo progressivamente substituídas por
transações entre empresas pertencentes a um grupo, cujas atividades estão
articuladas. À medida que as atividades econômicas foram sendo organizadas dentro
dos países cêntricos para permitir um planejamento das atividades das empresas
a mais longo prazo, impôs-se a necessidade de também planejar as transações internacionais
mediante contratos de suprimento a longo prazo, instalação de subsidiárias ou outras formas de
articulação.
Operando simultaneamente em vários países e realizando transações
internacionais entre membros de um
mesmo grupo, as grandes
empresas tenderam a desenvolver sofisticadas técnicas de administração de
preços, que exigem na prática
uma grande disciplina dentro dos oligopólios. O mesmo produto pode ser vendido
a preços diversos em vários países, independentemente dos custos locais de
produção, e os preços praticados nas transações internacionais dentro de um
mesmo grupo são fixados tendo em conta as diversidades de políticas fiscais, os
problemas cambiais etc. Essas técnicas são praticadas no quadro dos
oligopólios, portanto não devem desorganizar os mercados nem impedir o
crescimento destes. O interesse particular que apresenta o seu estudo reside em
que elas permitem entrever a verdadeira significação da grande empresa dentro
da economia capitalista moderna.
O traço mais característico do capitalismo na
sua fase evolutiva atual está em que ele prescinde de um Estado, nacional ou
multinacional, com a pretensão de estabelecer critérios de interesse geral disciplinadores
do conjunto das atividades econômicas. Não que os Estados se preocupem menos,
hoje em dia, com o interesse coletivo. À medida que as economias ganharam em
estabilidade, a ação do Estado no plano social pôde ampliar-se. Mas, como tanto
a estabilidade quanto a expansão dessas economias dependem fundamentalmente das
transações internacionais e estas estão sob o controle das grandes empresas, as
relações dos Estados nacionais com estas últimas tenderam a ser relações de
poder. Em primeiro lugar, a grande empresa controla a inovação — a introdução
de novos processos e novos produtos — dentro das economias nacionais, certamente
o principal instrumento de expansão internacional; em segundo lugar, elas são
responsáveis por grande parte das transações internacionais e detêm
praticamente a iniciativa nesse terreno; em terceiro lugar, operam
internacionalmente sob orientação que escapa em grande parte à ação isolada de
qualquer governo; e, em quarto, mantêm uma grande liquidez fora do controle dos
bancos centrais e têm fácil acesso ao mercado financeiro internacional.
O que dissemos no parágrafo anterior deve ser
entendido não como declínio da atividade política, mas como transformação das
funções dos Estados e emergência de nova forma de organização política, cujo
perfil ainda se está definindo. Não se necessita muita perspicácia para perceber
que, a partir do segundo conflito mundial, o sistema capitalista operou com
unidade de comando político, apoiado em um sistema unificado de segurança. A
existência dessa relativa unidade de comando político se deve a rápida
reconstrução das economias da Europa ocidental e do Japão, o processo de “descolonização”,
a organização do Mercado Comum Europeu, a ação persistente do GATT visando ao
desarmamento tarifário, os grandes movimentos de capital que permitiram às
grandes empresas adquirir a preeminência internacional, a aceitação do padrão-dólar
como substituto do antigo padrão-ouro. A dificuldade para entender esse
processo está em que o raciocínio analógico muito pouco nos ajuda neste caso. É
perfeitamente claro que a tutela política norte-americana foi um resultado “natural”
do último conflito mundial. Que o maior sacrifício humano e econômico nesse
conflito haja cabido à União Soviética e que a destruição do poder militar e
político da Alemanha e do Japão haja beneficiado os Estados Unidos dentro do
campo capitalista são dados da história que devemos aceitar como tais. O que
interessa assinalar é que, estabelecida a preeminência política norte-americana,
criaram-se condições para que se dessem profundas modificações estruturais no
sistema capitalista. Não se pode afirmar que essas modificações hajam sido desejadas
e muito menos planejadas pelos centros políticos ou econômicos dos Estados
Unidos. A verdade é que delas resultou um crescimento econômico muito mais
intenso e uma elevação de níveis de vida relativamente muito maior na Europa
ocidental e no Japão. Aparentemente, os norte-americanos superestimaram a
vantagem relativa que já haviam obtido no campo econômico, ou superestimaram as
ameaças de subversão social e a capacidade da União Soviética para ampliar a
sua esfera de influência. Em todo caso, eles organizaram um sistema de
segurança abrangente do conjunto do mundo capitalista e por essa forma
exerceram uma efetiva tutela política sobre os Estados nacionais que formam
esse mundo.”
“As relações comerciais entre países
cêntricos e periféricos, mais ainda do que entre países cêntricos,
transformaram-se progressivamente em operações internas das grandes empresas.”
“Não havendo conhecido a fase de formação de
um sistema econômico nacional dotado de relativa autonomia — fase que permitiu
integrar as estruturas internas e homogeneizar a tecnologia —, as economias
periféricas conhecem um processo de agravação das disparidades internas à
medida que se industrializam guiadas pela substituição de importações. Fizemos
referência a esse fato, consequência inelutável da tentativa de reprodução em um
país pobre das formas de vida de países que já alcançaram níveis muito mais
altos de acumulação de capital. Ora, esse tipo de industrialização, que em
períodos anteriores tropeçava em obstáculos consideráveis criados pela falta de
capitais, pela dificuldade de acesso à tecnologia, pela pequenez do mercado
interno, realiza-se atualmente com extraordinária rapidez graças à cooperação
dos oligopólios internacionais. Utilizando tecnologia amortizada, algumas vezes
equipamentos já também amortizados e mobilizando capital local, as grandes
empresas estão em condições de instalar indústrias na maior parte dos países da
periferia, em particular se essas indústrias se integram parcialmente com
atividades de importação.
Sobra dizer que a industrialização que
atualmente se realiza na periferia sob o controle das grandes empresas é processo
qualitativamente distinto da industrialização que, em etapa anterior,
conheceram os países cêntricos e, ainda mais, da que nestes prossegue no
presente. O dinamismo econômico no centro do sistema decorre do fluxo de novos produtos
e da elevação dos salários reais que permite a expansão do consumo de massa. Em
contraste, o capitalismo periférico engendra o mimetismo cultural e requer permanente
concentração da renda a fim de que as minorias possam reproduzir as formas de
consumo dos países cêntricos. Esse ponto é fundamental para o conhecimento da
estrutura global do sistema capitalista. Enquanto no capitalismo cêntrico a
acumulação de capital avançou no correr do último século, com inegável estabilidade
na repartição da renda, funcional como social, no capitalismo periférico a
industrialização vem provocando crescente concentração.
A evolução do sistema capitalista, no último
quarto de século, caracterizou-se por um processo de homogeneização e
integração do centro, um distanciamento crescente entre o centro e a periferia
e uma ampliação considerável do fosso que, dentro da periferia, separa uma· minoria
privilegiada e as grandes massas da população. Esses processos não são
independentes uns dos outros: devem ser considerados dentro de um mesmo quadro evolutivo.
A integração do centro permitiu intensificar a sua taxa de crescimento
econômico, o que responde em grande parte pela ampliação do fosso que o separa
da periferia.”
“Pouca dúvida existe, entretanto, de que a elevação
das taxas de crescimento está ligada às economias de escala, ao intenso
intercâmbio tecnológico e ao movimento de capitais que acompanharam o processo
de integração das economias cêntricas. Sem o esforço simultâneo de maior ordenação
interna, a nível nacional, a expansão internacional sob a égide das grandes empresas
teria, muito provavelmente, provocado desajustes locais, maior concentração
geográfica da atividade econômica e, possivelmente, reações no plano político
que quiçá viessem a retardar o processo de integração cêntrica. É sabido, por
exemplo, que o forte dinamismo do setor externo dá origem a tensões internas
que seriam particularmente graves se essas economias não houvessem desenvolvido
técnicas tão sofisticadas de coordenação a nível interno. Dessa forma, também
se pode afirmar que esse avanço da coordenação, ao nível interno, acelerou a
integração no nível internacional. Em síntese: a ação dos Estados nacionais, no
centro do sistema, ampliou-se em determinadas direções para assegurar a estabilidade
interna, sem a qual as fricções no plano internacional seriam inevitáveis; mas,
por outro lado, modificou-se qualitativamente, a fim de adaptar-se à atuação
das grandes empresas estruturadas em oligopólios, que têm a iniciativa no plano tecnológico e
são o verdadeiro elemento motor no plano internacional”.
“A conclusão geral que surge é que a hipótese de extensão ao
conjunto do sistema capitalista das formas de consumo que prevalecem atualmente
nos países cêntricos não têm cabimento dentro das possibilidades evolutivas aparentes
desse sistema. E é essa a razão pela qual uma ruptura cataclísmica, num
horizonte previsível, carece de verossimilhança. O interesse principal do
modelo que leva a essa previsão de ruptura cataclísmica está em que ele proporciona
uma demonstração cabal de que o estilo de vida criado pelo capitalismo
industrial sempre será o privilégio de uma minoria. O custo, em termos de
depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que
toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma
civilização, pondo em risco a sobrevivência da espécie humana. Temos assim a
prova cabal de que o desenvolvimento econômico — a ideia de que os povos
pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos
ricos — é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que
as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de
similares às economias que formam o atual centro do sistema capitalista. Mas,
como desconhecer que essa ideia tem sido de grande utilidade para mobilizar os
povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios para legitimar a
destruição de formas de culturas arcaicas, para explicar e fazer compreender
a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de
dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo? Cabe,
portanto, afirmar que a ideia de desenvolvimento econômico é um simples mito.
Graças a ela, tem sido possível desviar as atenções da tarefa básica de
identificação das necessidades fundamentais da coletividade e das
possibilidades que abrem ao homem o avanço da ciência, para concentrá-las em
objetivos abstratos, como são os investimentos, as exportações e
o crescimento. A importância principal do modelo de The limits to
growth é haver contribuído, ainda que não haja sido o seu propósito, para
destruir esse mito, seguramente um dos pilares da doutrina que serve de
cobertura à dominação dos povos dos países periféricos dentro da nova estrutura
do sistema capitalista.”