quinta-feira, 24 de março de 2022

O Conde de Monte Cristo (Volume 2), de Alexandre Dumas

Editora: Zahar

ISBN: 978-85-7665-361-5

Tradução, apresentação e notas: André Telles e Rodrigo Lacerda

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 714

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Sinopse: Ver Volume 1


 

O sr. de Villefort, apesar de seu poder de autocontenção, estava nitidamente perturbado. Ao tocar sua mão, Monte Cristo sentiu que ela tremia.

“Decididamente, só as mulheres para saberem dissimular”, disse Monte Cristo consigo mesmo.”

 

 

— Admitam, senhores — disse ele —, que, ao se alcançar um certo nível de fortuna, nada é mais necessário que o supérfluo, assim como admitirão as senhoras que, ao se alcançar um certo nível de exaltação, nada mais concreto que o ideal, não é? Ora, levando adiante esse raciocínio, em que reside o maravilhoso? No que não compreendemos. O que é um bem verdadeiramente desejável? O que não podemos possuir. Ora, ver coisas que eu não posso compreender, proporcionar-me coisas impossíveis de possuir, eis o estudo de toda a minha vida. Consigo isso de duas maneiras: com dinheiro e vontade.”

 

 

“— Um capitalista aflito é como um cometa, pressagia sempre alguma desgraça no mundo.”

 

 

— Então é verdade — disse Villefort, respondendo muito antes ao seu próprio pensamento do que às palavras da sra. Danglars — que todos os nossos expedientes deixaram vestígios, uns escuros, outros luminosos, em nosso passado! Então é verdade que todos os nossos passos nesta vida são como a marcha do réptil sobre a areia sulcando o solo! Que tristeza! Para muitos, esse rastro é um rastro de lágrimas! (...)

— Creio que da sua parte, cavalheiro, seu puritanismo exagera a situação — disse a sra. Danglars, cujos olhos tão belos iluminaram-se fugazmente. — Esses rastros, mencionados pelo senhor, foram deixados por todas as juventudes ardentes. No fundo das paixões, além do prazer, há sempre uma pitada de remorso. Foi para isso que o Evangelho, esse eterno recurso dos sofredores, ofereceu-nos como esteio a admirável parábola da menina pecadora e da mulher adúltera38. Dessa forma, confesso, reportando-me a esses delírios de juventude, às vezes acho que Deus me perdoará, pois, se não a desculpa, pelo menos a compensação esteve presente nos meus sofrimentos; mas o senhor, que tem o senhor a temer de tudo isso, visto que aos homens todos desculpam e o escândalo enobrece?

— A senhora me conhece — replicou Villefort —, não sou um hipócrita, ou pelo menos não faço hipocrisia sem motivos. Se a minha fronte é severa, é porque muitos infortúnios a cobriram; se o meu coração virou pedra, foi para resistir aos golpes que recebeu. Eu não era assim na minha mocidade, eu não era assim naquela noite de noivado em que estávamos todos sentados em torno de uma mesa da rua do Corso em Marselha. Porém, desde então, muita coisa mudou em mim e ao meu redor; passei a vida a perseguir coisas difíceis e a destruir, diante das dificuldades, aqueles que, voluntária ou involuntariamente, por livre-arbítrio ou por acaso, viram-se colocados no meu caminho para me proporcionar tais empecilhos. É raro aquilo que ardentemente desejamos não ser ardentemente proibido por aqueles de quem o queremos obter ou de quem o tentamos arrancar. Nesse sentido, a maior parte das vilanias dos homens simplesmente apareceu diante deles, disfarçada sob a forma especiosa da necessidade; além do mais, cometida a maldade num momento de exaltação, de medo ou delírio, vemos que teria sido possível passar perto dela e a evitado. O meio que teria sido correto empregar, que não enxergamos na hora, cegos que estávamos, apresenta-se aos nossos olhos claro e simples; então nos dizemos: “Como não fiz isso em vez daquilo?” As damas, ao contrário, muito raramente são atormentadas por remorsos, pois muito raramente a decisão emana delas, seus infortúnios quase sempre lhes são impostos, seus erros quase sempre são o crime de um outro.”

38 “da menina pecadora e da mulher adúltera”: a pecadora perdoada e amada, Lucas, VII, 36-50; a mulher adúltera, João, VIII, 1-11.

 

 

“— Oh, a maldade dos homens é muito profunda — disse Villefort —, pois é mais profunda que a bondade de Deus.”

 

 

— O sr. Danglars então jantou em sua casa?

— Sim. (...)

— Falaram de mim?

— Não foi pronunciada uma palavra.

— Que pena.

— Por que lamenta? Se o esqueceram, me parece, ao agirem assim não fizeram o que o senhor desejava?

— Meu caro conde, se não falaram de mim é porque pensaram muito, e é isso que me desespera.”

 

 

“— Há apenas uma coisa de que sou cioso no mundo, é de que o bem que eu faça nasça de mim.”

 

 

“As ideias não morrem, sire, às vezes adormecem, mas despertam mais fortes que antes.”

 

 

“Os corações mais corrompidos só acreditam no mal ao fazê-lo repousar sobre um interesse qualquer: o mal inútil e sem causa é repulsivo como uma anomalia.”

 

 

“— Meu caro amigo, há de compreender que nunca se deve ser impermeável. Quando se vive com loucos, convém fazer o aprendizado da loucura.”

 

 

“Por sua vida pregressa e pela decisão inflexível que tomara de não recuar diante de nada, o conde viera a saborear delícias insuspeitadas nas lutas que às vezes travava com a natureza, que é Deus, e com a sociedade, que pode muito bem ser vista como o diabo.”

 

 

As feridas morais têm essa particularidade: elas se escondem, mas não se fecham. Sempre dolorosas, prontas a sangrar quando tocadas, elas permanecem vivas e abertas no coração.”

 

 

Os homens autenticamente generosos estão sempre prontos a se compadecer quando a desgraça do inimigo supera os limites do seu ódio por ele.”

 

 

“O sigilo é fácil de manter para os ricos e poderosos.”

 

 

““Oh não, senhor, desde a minha infância vi acontecerem muitas coisas à minha volta. Compreendi-as muito bem, para que o infortúnio cause sobre mim mais impressão do que o merece. Desde que me conheço, nunca fui amada por ninguém: tanto pior! Isso levou-me naturalmente a não amar ninguém: tanto melhor! Agora já sabe a minha profissão de fé”.”

 

 

Em todo cérebro bem-organizado, a ideia predominante, e há sempre uma, a ideia predominante, nós dizíamos, é aquela que, após ter adormecido por último, é sempre a primeira iluminada pelo despertar do pensamento.

Andrea ainda não abrira inteiramente os olhos e seu pensamento predominante já o agarrava e lhe soprava no ouvido que dormira demais.”

 

 

“—Não adianta os filósofos falarem, os homens práticos sempre irão desmenti-los nesse aspecto: o dinheiro é consolo para muitas coisas.”

 

 

As mulheres têm instintos infalíveis, explicam inclusive o maravilhoso por uma álgebra concebida por elas mesmas.”

 

 

“Há situações que os homens captam com o instinto, mas são incapazes de comentar com a inteligência. O maior poeta, nesse caso, é aquele que solta o grito mais veemente e espontâneo. A massa toma esse grito por um relato completo, e tem motivos para se contentar com isso, e mais motivos ainda para julgá-lo sublime quando é autêntico.”

 

 

— Prepare-se, Maximilien — disse-lhe com um sorriso —, deixamos Paris amanhã.

— Não tem mais nada a fazer aqui? — perguntou Morrel.

— Não — respondeu Monte Cristo —, e Deus queira que não tenha feito em excesso.”

 

 

— Há existências predestinadas, cujo primeiro erro esfacela todo o futuro.”

 

 

— Oh, conde, tenha pena de mim! Conde, estou tão infeliz!

— Conheci um homem mais infeliz que você, Morrel.

— Impossível.

— Ai de mim! — disse Monte Cristo. — Este é um dos orgulhos da nossa funesta humanidade: cada homem julga-se mais infeliz que outro infeliz que chora e geme ao seu lado.”

 

 

“É preciso ter desejado morrer para saber como é bom viver.”

terça-feira, 22 de março de 2022

Mary Poppins, de P.L. Travers

Editora: Zahar

ISBN: 978-85-3781-682-0

Tradução, apresentação e notas: Joca Reiners Terron

Opinião: ★★☆☆☆

Páginas: 192

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Sinopse: Carregando uma maleta e um guarda-chuva, Mary Poppins entra em cena voando. Literalmente. Gravada no imaginário das crianças de várias gerações, essa chegada fabulosa da peculiar babá da família Banks abre as portas para muitas outras surpresas e aventuras, como a história da Vaca Dançante, o aniversário no zoológico, um chá da tarde nos ares, delicados remendos no céu noturno... Mary Poppins é durona e misteriosa – e absolutamente irresistível.

 


  

“– Mas será que vocês não sabem – Mary Poppins disse passivamente – que cada um de nós tem a sua própria Terra das Fadas?”

 

 

O cômodo estava muito silencioso.

John, cochilando sob um raio de Sol, enfiou os dedos do pé direito na boca, colocando-os bem no lugar em que seus dentes começavam a nascer.

– Por que se preocupar em fazer isso? – disse Barbara com uma voz suave e cheia de espanto, que sempre parecia repleta de felicidade. – Não tem ninguém para ver.

– Sei disso – disse John, tocando uma melodia com os dedos que estavam dentro da boca. – Mas gosto de praticar. Quando eu faço isso os adultos se divertem tanto! Percebeu que a tia Flossie quase enlouqueceu de felicidade quando eu fiz isso ontem à noite? “O mais querido, o mais espertinho, o mais maravilhoso!”, você não ouviu ela falando todas essas coisas? – E John afastou o pé e gargalhou de alegria ao se lembrar de tia Flossie.

– Ela também gostou do meu truque – disse Barbara, com complacência. – Eu descalcei minhas duas meias e ela disse que eu era tão doce que me comeria. Mas não achei engraçado… Quando eu digo que gostaria de comer alguma coisa eu falo a sério. Os biscoitos, os bolinhos, os puxadores das camas, e por aí vai. Mas parece que os adultos nunca falam a sério. Quer dizer, não é possível que ela tenha sentido vontade de me comer de verdade, não é?

– Não. É só o jeito idiota que eles têm de falar – disse John. – Não acredito que algum dia eu vá entender os adultos. Eles parecem todos tão tapados. Até mesmo a Jane e o Michael parecem meio tapados de vez em quando.

– Arrã – concordou Barbara, pensativa, tirando as meias.

– Por exemplo – prosseguiu John –, eles não entendem uma só coisa que a gente diz. Pior que isso, porém, é que não entendem o que as outras coisas dizem. Na segunda-feira passada ouvi a Jane comentar que gostaria de saber que língua o Vento fala.

– Eu sei – disse Barbara. – É espantoso. E Michael sempre insiste, você já o ouviu?, que o Estorninho diz “Piu-piu-piu-uu”! Parece que ele não sabe que não é nada disso, e que o Estorninho fala a mesma língua que a gente. É claro que não dá para esperar que o Papai e a Mamãe saibam disso; eles não sabem de nada, apesar de serem tão queridos. Mas não dá para imaginar que Jane e Michael não…

– Um dia eles souberam – disse Mary Poppins, dobrando uma das camisolas de Jane.

– Quê? – perguntaram juntos John e Barbara, com a voz cheia de surpresa. – Verdade? Quer dizer que eles entendiam o Estorninho e o Vento e…

– E o que as árvores diziam, e a língua do raio do Sol e das estrelas – disse Mary Poppins. – É claro que um dia eles souberam! Um dia.

– Mas… – disse John franzindo a testa e tentando entender. – Como foi que esqueceram tudo?

– Arrá! – disse o Estorninho, surgindo de trás dos restos do biscoito. – Vocês não gostariam de saber?

– Porque eles cresceram – explicou Mary Poppins. – Barbara, calce suas meias, por favor.

– Esse é um motivo meio bobo – disse John, olhando sério para ela.

– Mas é o verdadeiro – disse Mary Poppins, puxando as meias de Barbara com força para cima de seus tornozelos.

– Ora, Jane e Michael é que são tolos – prosseguiu John. – Só sei que eu não vou esquecer depois que eu crescer.

– Nem eu – disse Barbara, chupando o dedão, toda satisfeita.

– Sim, vocês vão – disse Mary Poppins com firmeza.

Os Gêmeos se sentaram e olharam para ela.

– Ih! – disse o Estorninho, com desdém. – Olhe para eles! Pensam que são as Maravilhas do Mundo.27 Não creio, pequenos milagres. É claro que vocês vão esquecer. Igualzinho a Jane e Michael.

Não vamos – disseram os Gêmeos, olhando para o Estorninho como se fossem matá-lo.

O Estorninho continuou a zombaria.

– Estou dizendo que vão – insistiu. – Não é culpa de vocês, é claro – acrescentou gentilmente. – Vão esquecer porque nada podem fazer. Nunca existiu ser humano que se lembrasse de algo após fazer um ano. Exceto, claro, ela – e virou a cabeça por cima do ombro em direção a Mary Poppins.

– Mas por que ela se lembra e nós não? – disse John.

– Arrá! Ela é diferente. Ela é a Grande Exceção. Não dá para se comparar com ela – disse o Estorninho, sorrindo para a dupla.

John e Barbara permaneceram em silêncio.

O Estorninho prosseguiu com a explicação.

– Ela é uma coisinha especial, sabem? Não na aparência, claro. Uma de minhas paqueras dos bons tempos era mais linda do que Mary P. jamais foi…

– Olha aqui, seu impertinente! – zangou-se Mary Poppins, abanando o avental na direção dele. Mas o Estorninho decolou, voando até o parapeito da janela, de onde assobiou com malícia, já fora de alcance.

– Pensou que ia me pegar, não é? – zombou, sacudindo as penas de suas asas para ela.

Mary Poppins bufou.

O raio de Sol se moveu através do quarto, deixando como rastro um longo feixe dourado. Do lado de fora, uma brisa surgiu e sussurrou gentilmente às cerejeiras da rua.

– Escutem, escutem, o Vento está falando – disse John, inclinando a cabeça para o lado. – Está falando sério que não vamos conseguir ouvir isso quando ficarmos mais velhos, Mary Poppins?

– Vocês vão ouvir, mas não vão entender. – Barbara começou a chorar baixinho. Também havia lágrimas nos olhos de John. – Bem, não posso ajudá-los nisso. As coisas são assim – falou Mary Poppins, tocada.

– Olhe para eles, olhe só para eles! – zombou o Estorninho. – Parece que vão desmilinguir de tanto chorar. Acho que um Estorninho que ainda está dentro do ovo tem mais bom senso. Olhe só para eles!

A essa altura, John e Barbara já choravam desbragadamente em seus berços – longos soluços da mais profunda infelicidade.

A porta se abriu de repente e a sra. Banks entrou.

 


– Olhe para eles, olhe só para eles! – zombou o Estorninho.

– Pensei ter ouvido os bebês – e correu até os Gêmeos. – Que foi, meus queridos? Oh, meus tesouros, meus docinhos, meus passarinhos amados, o que foi? Por que eles estão chorando, Mary Poppins? Passaram a tarde toda tão quietinhos, não ouvi nem um pio vindo deles. Qual será o problema?

– Sim, madame. Não, madame. Acho que podem ser os dentes nascendo, madame – disse Mary Poppins, evitando deliberadamente olhar na direção do Estorninho.

– Oh, claro – disse a sra. Banks, com vivacidade. – Deve ser isso.

– Não quero dentes se eles me fizerem esquecer as coisas de que eu mais gosto – lamentou John, debatendo-se em seu berço.

– Eu também não quero – choramingou Barbara, enfiando a cara no travesseiro.

– Meus pobrezinhos, meus bichinhos… Vai ficar tudo bem quando esses dentes teimosos chegarem – disse a sra. Banks, tentando tranquilizá-los e indo de um berço ao outro.

– Você não entende! – rugiu John, com fúria. – Eu não quero dentes!

– Não vai ficar tudo certo – Barbara se lamuriou abraçando o travesseiro. – Vai ficar tudo errado!

– Shh. Shh. Tudo bem. Tudo bem. A Mamãe sabe. A Mamãe entende. Vai ficar tudo bem quando os dentes nascerem – cantarolou a sra. Banks, com ternura.

Um ruído fraco veio da janela. Era o Estorninho engolindo uma risada. Mary Poppins lhe lançou um olhar daqueles. Isso o acalmou, e ele continuou a observar a cena sem deixar transparecer nenhum vestígio de sorriso.

A sra. Banks dava palmadinhas gentis nas crianças, primeiro em uma depois na outra, murmurando palavras tranquilizadoras. De repente, John parou de chorar. Ele tinha muito bons modos, gostava de sua Mãe e lembrou o que de fato competia a ela. Não era culpa dela, pobre mulher, se sempre dizia a coisa errada. Era apenas, ele refletiu, porque ela não compreendia. Assim, para lhe mostrar como a perdoava, virou-se e com muito pesar, engolindo as lágrimas, alcançou seu pé direito com as duas mãos e enfiou os dedos na boca.

– Espertinho, oh, espertinho – disse a Mãe, com admiração. Ele fez novamente e ela ficou muito satisfeita.

Então Barbara, para não ficar atrás em cortesia, rolou para longe do travesseiro e, com lágrimas ainda úmidas no rosto, sentou-se e arrancou suas meias.

– Que garota maravilhosa – disse a sra. Banks com orgulho, e a beijou.

– Viu só?, Mary Poppins, eles estão bem novamente. Eu sempre consigo tranquilizá-los. Muito bom. Muito bom – disse a sra. Banks, enquanto cantava uma canção de ninar. – E logo os dentes vão nascer.

– Sim, madame – disse Mary Poppins baixinho. Sorrindo para os Gêmeos, a sra. Banks saiu e fechou a porta.

No exato instante em que ela desapareceu, o Estorninho explodiu em gargalhadas, em alto e bom som.

– Desculpe pelas risadas! – ele gritou. – Mas eu não consigo segurar. Que papelão! Que papelão!

John nem lhe deu pelota. Empurrou a cara contra as barras do berço e berrou suave e ferozmente para Barbara:

– Eu não vou ser como os outros. Estou dizendo que não vou. Eles – e sacudiu a cabeça para o Estorninho e para Mary Poppins – podem dizer o que bem entenderem. Nunca vou esquecer, nunca!

Mary Poppins sorriu para si mesma um sorriso secreto do tipo eu-sei-mais-que-você.

– Nem eu – respondeu Barbara. – Nunquinha.

– Abençoada seja minha cauda de penas – guinchou o Estorninho, colocando as asas na cintura e rugindo com alegria. – Escute só esses aí! Como se pudessem não esquecer. Em um mês ou dois, três no máximo, eles nem vão se lembrar do meu nome. Cucos tolinhos! Tolos cucos mal crescidos e sem penas. Hahaha! – e com outra risada barulhenta bateu as asas e voou para fora do quarto.”

27. A famosa lista das Sete Maravilhas do Mundo, elaborada no séc.II a.C., inclui os Jardins Suspensos da Babilônia; o templo de Ártemis, em Éfeso; a estátua de Zeus em Olímpia; o mausoléu de Halicarnasso; o Colosso de Rodes; o farol de Alexandria; e a Grande Pirâmide de Gizé, no Egito, a única ainda existente da lista.

 

 

Além disso – prosseguiu a Cobra-Real, chicoteando sua terrível linguinha bífida para fora e para dentro enquanto falava –, pode ser que comer e ser comido sejam a mesma coisa, afinal. Minha sabedoria me diz que é muito provável que sim. Somos todos feitos da mesma matéria, lembre-se, nós da Selva, vocês da Cidade. A mesma substância nos compõe, a árvore logo acima, a pedra debaixo de nós, a feiura, a beleza. Somos um só, todos rumando para o mesmo final. Lembre-se disso, mesmo quando você não se lembrar mais de mim, minha criança.”

 

 

“O ônibus parou em frente à Maior Loja do Mundo, onde eles iam entrar para as compras de Natal.

– Podemos primeiro ver a vitrine? – perguntou Michael, pulando numa perna só, de tanta animação.

– Vamos, vamos, sim – disse Mary Poppins, com uma brandura surpreendente. Jane e Michael não ficaram tão surpresos assim, pois sabiam que a coisa que Mary Poppins mais adorava era olhar as vitrines das lojas. Também sabiam que, enquanto eles viam brinquedos e livros e ramos de azevinho e tortas de ameixa, Mary Poppins não via nada além do reflexo de si mesma.”

terça-feira, 8 de março de 2022

O Conde de Monte Cristo (Volume 1), de Alexandre Dumas

Editora: Zahar

ISBN: 978-85-7665-361-5

Tradução, apresentação e notas: André Telles e Rodrigo Lacerda

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 714

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Sinopse: O Conde de Monte Cristo é um clássico da literatura mundial que mexe com a imaginação e a sensibilidade de milhões de leitores há mais de 170 anos. E essa obra-prima está de volta na edição brasileira que merece, que traz o texto integral na tradução viva que venceu o prêmio Jabuti, 170 gravuras de época e mais de 500 notas explicativas, além de uma magnífica apresentação e cronologia de vida e obra do autor. A edição impressa é composta de dois volumes com acabamento em capa dura num lindo box.

Manipulando com maestria os cordões da trama, Alexandre Dumas prende o leitor numa teia de peripécias de tirar o fôlego – traições, denúncias anônimas, tesouros fabulosos, envenenamentos e vinganças – e apresenta uma galeria de personagens que retrata o espectro social de um mundo em transformação. Um livro maravilhoso numa edição imperdível.


 

—Dizem que alegria não faz mal, por isso entrei sem avisar.”

 

 

“— Não sou orgulhoso, mas estou feliz, e acho que a felicidade cega ainda mais que o orgulho.”

 

 

—Sempre tive mais medo de uma pena, de um tinteiro e de uma folha de papel que de uma espada ou uma pistola.”

 

 

— Palavras grandiloquentes pedem homens à altura delas.”

 

 

“— Senhor, quero voltar ao assunto desse clube da rua Saint-Jaques.

— Os cavalheiros da polícia parecem gostar muito desse clube. Por que não procuraram melhor? Teriam-no encontrado.

— Não o encontraram, mas estão no rastro.

— É o que dizem sempre, sei muito bem disso: quando a polícia falha, diz que está no rastro, e o governo espera tranquilamente o dia em que ela vem lhe dizer, com o rabo entre as pernas, que perdeu esse rastro.

— Sim, mas encontraram um cadáver; o general Quesnel foi morto, e em todos os países do mundo isso se chama assassinato.

— O senhor disse um assassinato? Mas nada prova que o general tenha sido vítima de um assassinato: todos os dias encontram-se pessoas no Sena que nele se lançaram por desespero, que se afogaram sem saber nadar.

— Meu pai, o senhor sabe muito bem que o general não se afogou por desespero, e que ninguém se banha no Sena, pelo menos no mês de fevereiro. Não, não, não se iluda, essa morte é claramente qualificada como assassinato.

— E quem assim a qualificou?

— O próprio rei.

— O rei! Eu o julgava suficientemente filósofo para compreender que não existe assassinato em política. Em política, meu caro, sabe tão bem quanto eu, não existem homens, mas ideias; não existem sentimentos, mas interesses; em política, ninguém mata um homem: suprime-se um obstáculo, ponto final.”

 

 

“— Com efeito — respondeu Villefort, observando o pai com espanto —, com efeito, o senhor me parece bem-informado.

— Meu Deus, a coisa é muito simples; os senhores, que detêm o poder, os senhores contam apenas com os recursos fornecidos pelo dinheiro; quanto a nós, que o esperamos, contamos com os fornecidos pelo devotamento.

— O devotamento? — desdenhou Villefort, rindo.

— Sim, o devotamento; é assim que chamamos, em bom francês, a ambição que espera.”

 

 

Dantès esgotara o círculo dos recursos humanos. Como dissemos que devia acontecer, voltou-se então para Deus.”

 

 

Havia quatro ou cinco anos que Edmond ouvia apenas o seu carcereiro, e um carcereiro nunca é um homem para um prisioneiro: é uma porta viva acrescentada à sua porta de carvalho; é uma barra de carne, acrescentada às suas barras de ferro.”

 

 

Aprender não é saber; há sabidos e sábios; é a memória que faz os primeiros, é a filosofia que faz os outros.”

 

 

— Oh, não se iluda! Sofro menos porque há menos força para sofrer. Na sua idade, temos fé na vida, é privilégio da mocidade acreditar e ter esperança; mas os velhos veem a morte com mais lucidez.”

 

 

Talvez o genovês fosse como algumas pessoas inteligentes, que nunca sabem o que devem saber e só acreditam no que lhes interessa acreditar.”

 

 

“Dantès seguiu adiante, voltando-se de tempos em tempos. Ao chegar ao cume de uma rocha, pôde observar, trezentos metros abaixo dele, seus companheiros, a quem Jacopo acabava de encontrar e que já se ocupavam ativamente dos preparativos do almoço, enriquecido, graças à habilidade de Edmond, com uma peça capital.

Edmond observou-os por um instante com o sorriso compreensivo e triste do homem superior.

— Daqui a duas horas — disse ele —, essas pessoas voltarão a partir, cinquenta piastras mais ricas do que antes, para irem, arriscando a vida, atrás de outras cinquenta; depois voltarão, seiscentas libras mais ricas, para dilapidar esse tesouro numa cidade qualquer, com a soberba dos sultões e a confiança dos nababos. Hoje a esperança faz com que eu despreze sua riqueza, que me parece a mais profunda miséria; amanhã talvez a decepção faça com que eu seja obrigado a olhar essa profunda miséria como a suprema felicidade... Oh, não! — exclamou Edmond. — Isso não vai acontecer; o sábio, o infalível Faria não iria se enganar apenas no tocante a esse assunto. Aliás, morrer ou continuar a levar aquela vida miserável e inferior eram a mesma coisa.

Assim, Dantès, que havia três meses não aspirava senão à liberdade, já não tinha liberdade suficiente e aspirava à riqueza; a culpa disso não era sua, mas de Deus, que, limitando a força do homem, proporcionou-lhe desejos infinitos!”

 

 

O coração se despedaça quando, após ter se dilatado exageradamente pelo bafejo quente da esperança, ele retorna e se encerra na fria realidade!”

 

 

— Só se consola aqueles que querem ser consolados.”

 

 

“Por mais bondosos que sejamos, o senhor entende, logo paramos de visitar as pessoas que nos entristecem.”

 

 

— Não raro passamos ao lado da felicidade sem a ver, sem a olhar, ou, quando a vemos e olhamos, sem a reconhecer.”

 

 

 “Quando mostramos uma cidade que já visitamos a um amigo, exibimos a mesma vaidade que ao mostrar uma mulher de quem fomos amantes.”

 

 

“Temos que admitir, para vergonha de um dos representantes mais dignos da nossa moda, embora há quatro anos sulcasse a Itália em todos os sentidos, Albert não tivera uma única aventura amorosa.

Às vezes Albert tentava brincar a esse respeito, mas no fundo ficava singularmente mortificado; ele, Albert de Morcerf, um dos moços mais concorridos, continuava deixando a desejar. A coisa era ainda mais penosa na medida em que, de acordo com o modesto costume dos nossos queridos compatriotas, Albert partira de Paris com a convicção de que teria os maiores sucessos na Itália e faria as delícias do bulevar de Gand com o relato de suas façanhas.

Coitado! Não lhe acontecera nada disso: as encantadoras condessas genovesas, florentinas e napolitanas estavam presas não aos seus maridos, mas aos seus amantes, e Albert adquirira a cruel convicção de que as italianas levam pelo menos uma vantagem sobre as francesas, a de serem fiéis à sua infidelidade.

Não quero dizer que na Itália, como em toda parte, não haja exceções.”

 

 

“— O ódio é cego, a raiva atordoa, e aquele que serve a vingança arrisca-se a beber uma bebida amarga.

— Sim, se for pobre e desastrado; não, se for milionário e habilidoso.”

 

 

“— No primeiro degrau do cadafalso, a morte arranca a máscara que carregamos a vida inteira e o verdadeiro rosto aparece.”

 

 

— O cavalheiro foi soberano do próprio futuro — disse o conde de Morcerf com um suspiro —, e escolheu o caminho das flores.

— Precisamente, senhor — replicou Monte Cristo, com um desses sorrisos que um pintor jamais será capaz de reproduzir e que levaria um fisiologista à loucura se o tentasse analisar.”

 

 

“— Cada revolução tem suas catástrofes.”

 

 

Aquele que espera o momento de cometer um assassinato julga sempre ouvir gritos roucos no ar.”

 

 

— Tínhamos também, fosse do lado de Aigues-Mortes, fosse nas Martigues, fosse em Bouc75, uma dúzia de entrepostos nos quais armazenávamos as mercadorias e nos quais, em caso de necessidade, encontrávamos refúgio contra agentes alfandegários e policiais. O contrabando é uma profissão que rende muito quando nela aplicamos alguma inteligência, secundada por certo vigor; quanto a mim, vivia nas montanhas, tendo agora uma dupla razão para temer policiais e agentes da alfândega, visto que qualquer comparecimento perante os juízes podia gerar um inquérito, que esse inquérito é sempre uma incursão no passado, e que no meu passado podia-se descobrir agora uma coisa mais grave que charutos introduzidos por contrabando ou barris de aguardente circulando sem autorização. Assim, preferindo mil vezes a morte à prisão, fiz coisas espantosas, que, mais de uma vez, me provaram ser o excessivo apego que dispensamos ao corpo, na prática, o único obstáculo ao êxito de projetos que exigem decisão rápida e execução vigorosa e determinada. Com efeito, depois que sacrificamos nossas vidas, deixamos de ser iguais aos outros homens, ou melhor, os outros homens deixam de ser nossos iguais, e qualquer um que tomou essa resolução sente, na mesma hora, suas forças decuplicarem e seu horizonte se ampliar.”

75: “fosse nas Martigues, fosse em Bouc”: Martigues, cidade francesa situada no departamento de Bouches-du-Rhône entre a laguna de Berre e o Mediterrâneo, os quais são ligados pelo canal de Carconte; Bouc é um canal secundário do canal que liga Marselha ao Reno; o porto de Bouc é uma localidade às margens daquele.

 

 

— Quanto a esse Benedetto, tão mal batizado77, nunca tentou descobrir seu rastro? Nunca procurou saber seu paradeiro?

— Nunca, se soubesse onde estava, em vez de ir ao seu encontro, teria fugido como de um monstro. Não, felizmente, nunca mais ouvi falar dele pela boca de ninguém neste mundo; espero que tenha morrido.

— Não espere isso, Bertuccio — disse o conde. — Os maus não morrem assim, pois Deus parece tomá-los sob sua proteção para usá-los como instrumento de suas vinganças.”

77: “tão mal batizado”: Benedetto, em italiano, significa “abençoado”.

 

 

“— Amo os fantasmas; nunca ouvi dizer que os mortos tivessem feito em seis mil anos o mal que os vivos fazem em um dia.”

 

 

“— Sr. conde — disse Bertuccio —, os cavalos que menciona não estavam à venda.

Monte Cristo deu de ombros:

— Saiba, sr. intendente, que tudo está sempre à venda para quem sabe dar o preço.”

 

 

Em geral, o sr. de Villefort fazia ou retribuía poucas visitas. Sua mulher visitava para ele: era um costume aceito na sociedade, que punha na conta das graves e numerosas ocupações do magistrado o que na realidade não passava de orgulho calculado, uma quintessência de aristocracia, enfim, uma aplicação do axioma: Finge valorizar-te e serás valorizado, que é cem vezes mais útil em nossa sociedade que o axioma grego: Conhece-te a ti mesmo, substituído em nossos dias pela arte menos difícil e mais vantajosa de conhecer os outros.”

 

 

Em matéria de especulação, contudo, o homem põe e o dinheiro dispõe.”

 

 

“— Mas, enfim, Valentine — replicou Maximilien —, por que não ter esperanças, por que ver o futuro sempre sombrio?

— Ah, meu amigo, porque eu o julgo pelo passado!”

 

 

— O homem somente será perfeito quando for capaz de criar e destruir como Deus; destruir, ele já sabe, é meio caminho andado, realmente.”

 

 

“— Ah! — disse Monte Cristo. — Mas o senhor nunca me deu a entender que a solução seria tão imediata.

— Que posso fazer? As coisas caminham imperceptivelmente; enquanto não pensamos nelas, elas pensam em nós; e, quando nos voltamos, somos surpreendidos pela direção que tomaram.”

 

 

— Veja, eu observava vocês duas ainda há pouco e, pela minha honra, embora fazendo justiça à beleza da srta. Danglars, não entendia como um homem poderia se apaixonar por ela.

— É porque, como você dizia, Maximilien, eu estava aqui e minha presença o fazia injusto.

— Não... mas cá entre nós... uma questão de simples curiosidade e que emana de certas ideias que formei sobre a srta. Danglars.

— Oh, muito injustas, sem que eu saiba exatamente quais são. Quando vocês nos julgam, a nós, pobres mulheres, não devemos esperar indulgência.

— Com a ressalva de que, entre vocês, vocês são justíssimas umas com as outras!

— Porque, quase sempre, há paixão em nossas opiniões.”