Este blog destina-se a dividir com os companheiros de estrada as impressões e alguns belos trechos deste fantástico universo que é a literatura.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Pedro Páramo – Juan Rulfo
Cisnes selvagens: três filhas da China – Jung Chang
sábado, 24 de julho de 2010
Tópicos especiais em física das calamidades – Marisha Pessl
O cavalo e seu menino (As Crônicas de Nárnia) – C. S. Lewis
terça-feira, 20 de julho de 2010
Por quem os sinos dobram – Ernest Hemingway
Cadeia de comando – Seymour M. Hersh
Editora: Ediouro
ISBN: 978-85-0001-577-9
Tradução: Áurea Akemi
Arata, Marina Petroff Garcia e Andréia Moroni
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 400
Sinopse: Mi Lai, Vietnã,
1969. Um jovem repórter americano denunciava ao mundo o massacre de mais de 500
civis por uma brigada do exército de seu país. A reportagem venceu o prêmio Pulitzer
e ajudou a derrotar a violenta investida dos Estados Unidos em sua guerra mais insensata.
Abu Ghraib, Iraque, 2004. O mundo vê pela primeira vez as
chocantes imagens das torturas impostas pelo exército americano aos prisioneiros
iraquianos. A denúncia, publicada pela revista The New Yorker, é o golpe
mais pesado sofrido pelo governo Bush em sua “guerra contra o terror”.
Estes dois capítulos decisivos da História recente foram escritos
por Seymour M. Hersh, que nos 35 anos que separam as duas catastróficas guerras
empreendidas pelos Estados Unidos manteve-se fiel a um dos princípios básicos do
jornalismo; a vigilância constante do poder. Cadeia de comando é um livro
que nasce histórico ao tentar entender a sucessão de ordens e contraordens que levaram
a mais sólida democracia do Ocidente a incorrer em erros dos piores regimes autoritários.
Em nome da guerra ao terror, revela Hersh, foi cometido todo tipo de abuso e infração
das leis americanas e internacionais. Enquanto jornais e TVs dos Estados Unidos
pedem desculpas públicas por omissões e distorções no noticiário da guerra do Iraque,
Seymour M. Hersh conduzia de forma independente e imparcial suas investigações.
Quando o mundo ainda não havia se recuperado do trauma do 11 de setembro, as primeiras
reportagens de Hersh, publicadas pela revista The New Yorker, apontavam as
contradições e fragilidades das versões oficiais. Empenhado em contar a verdade
sobre mais esta guerra, o repórter continuou a seguir as pistas que levaram aos
chocantes maus-tratos praticados na prisão em que o ex-ditador Saddam Hussein, deposto
em nome da liberdade, torturava seus adversários. Cada capítulo de Cadeia de
comando é um passo decisivo na busca de uma versão imparcial para a história
recente dos Estados Unidos.
“Na verdade, uma declaração secreta do ponto de
vista do presidente (George W. Bush) assinada por ele em 7 de fevereiro de 2002
tinha uma brecha que era utilizada no mundo todo. “Eu [...] determino que nenhuma
das provisões da Convenção de Genebra se aplica ao nosso conflito com a Al-Qaeda
no Afeganistão ou em outros lugares do mundo”, afirmou o presidente, declarando
também que tinha autoridade sob a Constituição de suspender a Convenção de Genebra
entre os Estados Unidos e o Afeganistão, mas declinava de exercer aquele poder na
época. Em outras palavras, os detentos não tinham proteção inerente sob a Convenção
de Genebra – as condições do aprisionamento, más ou boas, ou como fossem, dependiam
somente da vontade do presidente.”
“Era óbvio que havia uma ruptura entre a realidade
da vida na prisão em Guantánamo e como esta era descrita ao público em coletivas
de imprensa cuidadosamente encenadas e nas declarações liberadas pelo governo. As
autoridades das prisões americanas repetidas vezes asseguraram ao povo e à imprensa,
por exemplo, que os detentos da Al-Qaeda e do Talibã tinham pelo menos três horas
de recreação por semana. De acordo com um assessor do Pentágono familiarizado com
as condições dos detentos, em meados de 2002, na hora de recreação, alguns prisioneiros
considerados mais durões eram amarrados com jaquetas pesadas, similares a camisas-de-força,
com os braços presos para trás e as pernas afastadas com correias. Colocavam viseiras
sobre os olhos e as cabeças eram cobertas com capuzes. Ao meio-dia, o prisioneiro
era levado até o que parecia um corredor estreito para cachorros se exercitarem
– havia fotografias do procedimento – e assim ele tinha a sua hora de recreação.
As limitações forçavam os prisioneiros a se mover – se eles decidissem se mover
– de joelhos, curvados num ângulo de 45 graus. A maioria deles só ficava sentada
e sofrendo com o calor.”
“Em novembro de 2002, Geoffrey Miller, general
de divisão do exército, substituiu Dunlavey e Baccus, unificando o comando em Guantánamo.
Baccus era visto pelo Pentágono como brando – preocupado demais com o bem-estar
dos prisioneiros. Ele questionava as técnicas de interrogatório e distribuía cartazes
da Cruz Vermelha que lembravam os prisioneiros dos direitos sob a Convenção de Genebra.
(...) Nas audiências do Senado depois de Abu Ghraib,
soube-se que Miller tinha permissão para usar técnicas legalmente questionáveis
em Guantánamo, que poderiam incluir, dependendo de aprovação, privação de sono,
exposição ao frio e calor extremos e colocação de prisioneiros em “situações de
estresse” por sufocantes períodos de tempo.”
“Em abril de 2004, consegui obter um relatório
de 53 páginas de uso interno redigido pelo major-de-divisão Antonio M. Taguba. (...)
Suas conclusões sobre as falhas institucionais do sistema penitenciário do exército
eram espantosas. Especificamente, Taguba descobriu que entre outubro e dezembro
de 2003 houve numerosos momentos de “abusos criminais, sádicos, escandalosos e devassos”
em Abu Ghraib. (...) O relatório listava algumas das más condutas:
Quebrar lâmpadas fluorescentes e despejar o líquido
fosfórico nos detentos; jogar água fria nos prisioneiros nus; ameaçar os detentos
de estupro; permitir que um guarda da polícia militar costurasse o ferimento de
um detido que se machucara depois de ser atirado contra a parede da sua cela; sodomizar
um detento com uma lâmpada fluorescente e talvez um cabo de vassoura e usar cães
de uso militar para assustar e intimidar detentos com ameaças de ataque e, num caso,
morder o prisioneiro.”
“Segundo o que um consultor militar com fortes
laços com a comunidade das operações especiais disse em 2004, alguns oficiais que
serviam no Iraque haviam registrado reclamações por escrito sobre abuso nas prisões
antes de as fotografias (de prática de tortura) virem a público. Foi-lhes dito que
os documentos teriam de ser passados ao general Sanchez. O consultor acrescentou,
com raiva: “Crimes de guerra são cometidos e não se toma nenhuma providência. As
pessoas foram surradas até a morte. Como se chama quando as pessoas são torturadas
e vão morrer, e os soldados sabem disso, mas não cuidam dos ferimentos:” E respondeu
a própria pergunta: “Execução”.”
“A ordem de limpeza levou à criação de uma serie
de grupos de peneiramento na matriz da CIA. Antes que um novo “ativo” pudesse ser
recrutado, um funcionário tinha de buscar aprovação de um Grupo de Revisão Graduado.
“Era como um cardiologista da Califórnia decidindo se um cirurgião poderia abrir
um peito em Nova York”, lembrou um ex-funcionário. Os potenciais agentes eram avaliados
por funcionários que não tinham experiência prática em operações secretas. (Robert
Baer – funcionário aposentado da CIA, que foi premiado com a Medalha da Carreira
na inteligência, que fala árabe e era considerado talvez o melhor agente de campo
no Oriente Médio – lembrou-se de ter pensado: “Os americanos simplesmente odeiam
a inteligência”.) Na opinião dos funcionários de operações, as armas mais importantes
na guerra contra o terrorismo internacional estavam sendo avaliadas por homens e
mulheres que, como um dos funcionários aposentados colocou, não pegavam o carro
para ir até um restaurante de Washington à noite porque temiam os crimes na área.”
“Segundo Robert Baer, a situação é bem grave.
O que salvou a Casa Branca do voo 93 foi um grupo de jogadores de rúgbi, que atacou
os sequestradores da Al Qaeda, forçando o avião a cair na Pensilvânia, perto do
alvo. “É para isso que se gastam 30 bilhões de dólares?”, perguntou ele, referindo-se
ao orçamento federal para a inteligência (por ano).”
“Richard A. Clarke, ex-assessor sobre o terrorismo
do Conselho de Segurança Nacional revelou, numa entrevista de abril de 2004, que
o governo via o Afeganistão como um remanso militar e político – um desvio no caminho
em direção ao Iraque, a guerra que mais importava ao presidente. Segundo ele, Clarke
e alguns de seus colegas advertiram repetidas vezes à liderança de segurança nacional
de que “não se pode ganhar a guerra no Afeganistão com tão pouco esforço. Havia
mais policiais em Nova York que soldados no solo do Afeganistão. Precisamos ter
uma presença segura, aliada a um programa de desenvolvimento em cada região e permanecer
lá por vários meses”.
De acordo com Clarke, o presidente e seus homens
não responderam por três motivos: “Um, não queriam se envolver no Afeganistão, como
os russos. Dois, economizavam forças para a guerra no Iraque. E três, Rumsfeld (Donald
Rumsfeld, secretário de defesa) queria ter um laboratório para provar sua teoria
sobre a capacidade de um número pequeno de tropas terrestres conjugado com o poder
aéreo vencer batalhas decisivas”. O resultado, segundo Clarke, foi que “os Estados
Unidos tiveram sucesso em estabilizar somente duas ou três cidades. O presidente
do Afeganistão não passa do prefeito de Cabul”.”
“Um ex-funcionário de inteligência do governo
Bush lembrou um caso em que o grupo de Chalabi, trabalhando com o Pentágono, surgiu
com um desertor do Iraque que foi entrevistado no estrangeiro por um agente da DIA
(Defense Intelligence Agency – Agência de Inteligência de Defesa do Pentágono).
O agente baseara-se num intérprete suprido pelo pessoal de Chalabi. No verão de
2002, o relatório da DIA, que era confidencial, vazou. Numa reportagem detalhada,
o Times, de Londres descreveu como o desertor fora treinado com os terroristas
da Al Qaeda no final dos aos 1990 em campos secretos no Iraque, como os iraquianos
recebiam instruções sobre o uso de armas químicas e biológicas e como o desertor
recebera uma nova identidade e fora transferido. Entretanto, um mês mais tarde,
os agentes da CIA foram entrevistar o homem com um intérprete próprio. Um ex-funcionário
contou: “Ele declarou: ‘Não, não foi o que eu disse. Eu trabalhava num campo em
fedain, não era da Al Qaeda’. Nunca vira nenhum treinamento químico ou biológico.
A CIA mandou um pedaço de papel dizendo que a informação estava incorreta. Puseram
por escrito. Mas a negação da CIA, tal como o relatório original, era confidencial.
Lembro de ter pensado se este iria vazar e corrigir o anterior, o vazamento incorreto.
É claro que isso não ocorreu”.
O ex-funcionário continuou: “Uma das razões de
eu ter saído foi meu sentimento de (profissionais do governo, especialmente do Pentágono)
estarem usando a inteligência da CIA e de outras agências apenas quando se ajustava
à sua agenda (ir à guerra contra o Iraque – mesmo sem provas). Não gostavam das
informações de inteligência que estavam obtendo, então trouxeram um pessoal para
escrever. Estavam tão enlouquecidos, tão distantes e era tão difícil ter uma conversa
lógica com eles, a ponto de a situação ser bizarra. Eram dogmáticos, como se estivessem
numa missão divina. Se o fato não serve para a teoria deles, eles não o aceitam”.”
“Kenneth Polack, um ex-especialista em Iraque
do Conselho de Segurança Nacional, cujo livro The Threatening Storm (A tempestade
ameaçadora) apoiava de modo geral o uso da força para remover Saddam Hussein, contou
que o pessoal de Bush fez foi “desmantelar o processo existente de filtragem que
durante 50 anos impedira os articuladores políticos de receberem informações erradas.
Criaram canais para passar as informações que queriam diretamente para a liderança.
Eles acreditavam que a burocracia profissional, de uma maneira deliberada e mal-intencionada,
impedia o acesso deles às informações”.
“Eles sempre tinham informações para sustentar
suas acusações públicas, mas muitas vezes era má informação”, continuou Pollack.
“Eles estavam forçando a comunidade de inteligência a defender suas informações
e análises corretas de modo tão agressivo que os analistas de inteligência não tinham
tempo ou energia para buscar as informações incorretas.” Comentando o controle de
Rumsfeld sobre o DIA, um ex-funcionário de alto-escalão declarou no início de 2002:
“Se tornassem público que o Rummy queria ligar o governo de Tonga ao 11 de Setembro,
dentro de alguns meses arranjariam fontes que o fariam”.
(...)
Em entrevistas, ex-funcionários e analistas da
CIA descreviam a agência numa crescente desmoralização. Um deles disse de George
Tenet (diretor da instituição): “George sabe que está sendo derrotado e os analistas
estão aterrorizados. Ele costumava proteger seu pessoal, mas está sendo forçado
a fazer as coisas do jeito deles”. Por estarem na defensiva, os analistas da CIA
escreviam “relatórios justificando sua inteligência em vez de dizer o que estava
acontecendo. O Departamento de Defesa e o gabinete do vice-presidente escrevem seus
próprios trabalhos, baseados na própria ideologia. Coletamos tantas coisas que você
pode encontrar o que quiser”.
Como resultado, a administração conseguiu as coisas
do seu modo, de acordo com um ex-funcionário da CIA: “Os analistas da CIA foram
vencidos defendendo suas avaliações. Nunca vi um governo assim”.”
“Rumsfeld começou a reclamar para seus subordinados
das precauções do general Holland (Charles Holland, da aeronáutica, comandante de
quatro estrelas das Operações Especiais) logo após o 11 de setembro. Alguns dias
depois dos ataques, ele pediu que Holland compilasse uma lista de alvos terroristas
para retaliação imediata. O general retornou duas semanas mais tarde com quatro
possíveis alvos – fortalezas islâmicas suspeitas na Somália, Mauritânia, Filipinas
e na Tríplice Fronteira, ponto onde se encontram Brasil, Paraguai e Argentina.
Mas o general também disse a Rumsfeld que um ataque imediato não era possível, porque
os militares não possuíam “inteligência acionável” nos alvos propostos, de acordo
com um consultor de Defesa. A retaliação teria de esperar até que a guerra no Afeganistão
começasse. O secretário de Defesa não ficou satisfeito. Nos meses seguintes, “inteligência
acionável” transformou-se numa máxima ridícula entre os oficiais civis do Pentágono.”
(grifo do blog)
“Há muita coisa a respeito desta administração
presidencial (de George W. Bush) que não sabemos e talvez nunca venhamos a saber.
Alguns dos problemas mais relevantes nem estão sendo questionados. Como procederam
os envolvidos? Como oito ou nove neoconservadores que acreditavam que a guerra no
Iraque seria a resposta contra o terrorismo internacional se safaram? Como eles
redirecionaram o governo e reordenaram as prioridades e políticas americanas com
tanta facilidade? Como superaram a burocracia, intimidaram a imprensa, enganaram
o Congresso e dominaram os militares? Será que a nossa democracia é tão frágil?
Tentei neste livro descrever alguns dos mecanismos usados pela Casa Branca: a canalização
da inteligência, a confiança em Ahmad Chalabi, a recusa em ouvir opiniões discordantes,
a dificuldade em conseguir conversas francas sobre operações militares frustradas
e de assessores do mais alto escalão em separar muçulmanos que apóiam o terrorismo
daqueles que abominam. Uma compreensão completa dos anos mais recentes será um desafio
para jornalistas, cientistas políticos e historiadores.”
“No verão de 2004, em campanha, George Bush repetidas
vezes assegurou ao público que suas políticas tinham transformado os Estados Unidos
num lugar mais seguro. “Viramos a esquina” era o refrão do discurso de bravata,
“Estamos projetando os Estados Unidos para a frente ao estender a liberdade e a
paz pelo mundo.” Ele afirmou que o Iraque e o Afeganistão “agora estão sendo governados
por líderes fortes. Esses países estão a caminho de eleições livres”. Os Estados
Unidos, prosseguiu ele, segurarão os inimigos pelo mundo afora, “para que não tenham
de encará-los aqui em casa”. O presidente não mencionou a falta das armas de destruição
em massa, o ônus das mortes crescentes dos soldados, as perdas civis no Afeganistão
e no Iraque e a devastação de todos os aspectos da vida civil no Iraque. Ele não
mencionou as decisões adversas da Suprema Corte em julho de 2004, que contestaram
a base legal de seu sistema de prisão pós-guerra e disseram a ele que estrangeiros,
assim como os cidadãos americanos, tinham direito a um processo justo em tempos
de guerra. Além disso, Bush não discutiu a crescente alienação e amargura dos americanos,
que, já dilacerados por diferenças raciais e religiosas, se tornaram cada vez mais
divididos política e economicamente nos últimos quatro anos.
Temos um presidente que gastou meses aterrorizando
o país com advertências sobre cogumelos atômicos que viriam do arsenal de Saddam
Hussein e depois disse, como fez num discurso de campanha, que isso não era relevante.
Bush afirmou: “Ainda podemos encontrar armas. Ainda não encontramos. [...] Ouçam
o que eu tenho de dizer a vocês: sabendo o que sei hoje, ainda assim teríamos ido
até o Iraque”. Temos um presidente que pode ficar indiferente quando cachorros de
combate são soltos em cima de prisioneiros e depois declarar, em junho de 2004,
que “os Estados Unidos são contra a tortura e não vão tolerá-la. Vamos investigar
todos os atos de tortura e processar os que os tenham cometido, além de fazer de
tudo para impedir que outras punições cruéis e estranhas ocorram em todo o território
sob nossa jurisdição”, e que “a ausência de tortura é um direito humano inalienável”.
Há muitos que acreditam que o presidente George Bush é um mentiroso, um presidente
que distorce os fatos de uma maneira ciente e proposital para obter lucro político.
Mas mentir indica uma compreensão do que é desejado, do que é possível e de como
chegar lá da melhor forma. Uma explicação mais plausível é que as palavras não tenham
significado para esse presidente além do momento imediato em que as pronuncia: ele
acredita que sua mera emissão as torna verdadeiras. É uma possibilidade assustadora.”