Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-5972-109-6
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 140
Sinopse: Com base
nas ideias dos principais pensadores clássicos da política, esta obra serve
como um guia introdutório à teoria política clássica. Veremos aqui grandes
nomes como Platão, Aristóteles, Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau e
mostraremos como esses pensadores e suas propostas de reforma social e política
influenciaram o governo da época em que viviam, defendendo formas de organizar
o Estado politicamente para resolver conflitos de maneira harmônica e pacífica.
Ao final desta leitura, você entenderá como essas ideias continuam válidas e
atuais e por que esses pensadores seguem inspirando-nos.
“Não nos referimos (neste livro) à política
restrita à prática partidária, como somos levados a entendê-la atualmente, mas
no sentido de organização política como instrumento para canalizar os
diferentes interesses defendidos pelos distintos grupos que compõem uma
sociedade. (...)
João Ubaldo Ribeiro (Política: quem manda,
por que manda, e como manda, 1985,) definiu o termo política de maneira simples e esclarecedora ao indicá-lo como
portador de duas características que lhe são singulares: um interesse e uma decisão. Explicamos: por exemplo, vamos imaginar que você pretende
influenciar o comportamento de outra pessoa, ou seja, você tem um interesse:
levá-la a adotar uma determinada conduta ou a tomar uma decisão que seja de seu
interesse. Se você conseguiu tal resultado, é porque você é quem tem, ou teve,
poder na relação.
O termo política,
assim conceituado, permite investigarmos quem tem poder, quais são as formas
para se chegar ao poder e quais são as maneiras disponíveis para exercê-lo.
Quando investigadas, as relações de poder revelam que é possível encontrar em
toda e qualquer sociedade algumas fontes, ou recursos, úteis para se exercer o
poder, as quais nos remetem à seguinte ideia: se dispomos de uma dessas fontes,
somos potencialmente poderosos (Bobbio; Matteucci; Pasquino, Dicionário de
política, 2004, p. 936). Entre algumas das fontes, ou recursos, que
irradiam poder e são valorizadas atualmente, encontram-se os atributos pessoais
(carisma, liderança, personalidade, beleza etc.), o conhecimento, a força, a
informação, o prestígio, a popularidade, o dinheiro e as posses, bem como a
ocupação de um posto nas organizações ou instituições sociais. Você já observou
que é muito comum considerarmos como poderosas pessoas que possuem um ou mais
recursos ou fontes de poder? E, ainda, que temos a percepção de que, pela posse
de tais recursos, elas conseguem influenciar o comportamento de outras pessoas,
levando-as a decidir em favor de quem detém o poder?
Essa percepção também vale para as pessoas
potencialmente poderosas que ocupam postos ou cargos importantes dentro das hierarquias
estabelecidas internamente nas instituições sociais presentes em toda e
qualquer sociedade. No estudo da política, a análise de tais instituições e
estruturas hierárquicas coloca o poder em evidência (Bobbio; Matteucci;
Pasquino, 2004, p. 941). Referimo-nos a instituições sociais como a Igreja, a
escola, a polícia, os partidos políticos, o governo, o Estado, bem como as que
controlam meios de comunicação, entre outras. Nessas instituições, encontramos,
respectivamente, o padre, o professor, o policial, o político, o presidente e o
jornalista como pessoas que ocupam determinado cargo dentro da hierarquia
interna daquelas instituições e são potencialmente poderosas, porque têm a
capacidade, ou melhor, são virtualmente capazes de influenciar o comportamento
de seus fiéis, alunos, seguidores, simpatizantes, leitores etc. Esse poder
potencial, entendido como a habilidade de conseguir influenciar o comportamento
de outras pessoas, reveste-se de uma virtualidade, de uma capacidade que esteja
em condições de ser exercida a qualquer momento (Lebrun, O que é poder,
1984).
Você pode, então, perguntar: mas por que
essas pessoas se colocam como potencialmente poderosas? É importante saber que
sociologicamente as instituições sociais cumprem uma função importante perante
o todo social. Segundo os cientistas sociais, as instituições sociais têm a
função de fazer a programação do comportamento dos indivíduos, e tal
programação é imposta pela sociedade. Ou seja, elas atuam no processo de
socialização do indivíduo, de modo que ele aprende a ser um membro da
sociedade. O sentido usual para o termo instituição é representado por uma
organização formada por pessoas. Por exemplo, a instituição social família é a organização de determinadas
pessoas que têm em comum o parentesco, e tal organização tem como função
programar e controlar o comportamento da criança que ali chega para que ela se
insira na defesa dos valores e dos comportamentos aceitos como corretos pela
sociedade.”
“O cientista político canadense David Easton
(Uma teoria de análise política, 1968), em seu livro Uma teoria de análise política,
esclarece bem que a função do governo no âmbito político é receber os inputs sociais (as demandas) para, posteriormente,
gerar os outputs (as decisões). O
governo administra o Estado a partir do recolhimento das demandas e interesses
provenientes dos grupos sociais que formam o todo social e processa as
informações e as analisa para tomar as decisões. Depois de aprovadas as
deliberações decorrentes do processo das demandas, as decisões tomadas passam a
influenciar todos os membros da sociedade. Tal processo — administrado pelo
governo — é designado como processo político e está presente em toda a
sociedade, de modo que “Queiramos ou não, estamos submetidos a um processo
político que penetra em todas as nossas atitudes, em toda a nossa maneira de
ser ou de agir (Ribeiro, 1985, p. 21).
Vale destacar que esse processo político a
que estamos submetidos tem um caráter estritamente público e, além disso, se
coloca como socialmente necessário. Explicamos por quê: é público no sentido de que o processo político serve como um
instrumento para se formularem decisões de interesse geral, comuns, e, quando
as decisões são tomadas pelos governantes, elas impactam o comportamento de
todas as pessoas que fazem parte da sociedade; é necessário porque tem como função organizar politicamente a
sociedade, uma vez que os diferentes interesses pertencentes aos mais variados
grupos inseridos no interior da sociedade geram tensões e, consequentemente,
conflitos de interesses. Na teoria política e na filosofia política, o ideal é
que tais tensões e conflitos, muito comuns nas sociedades, sejam solucionados
por mecanismos que atuem na canalização e pacificação desses problemas. Segundo
os pensadores políticos clássicos apresentados neste livro, essa é a função do
Estado.”
“Em Maquiavel, a centralização de poder por
parte do Estado decorre da necessidade natural em conter os vícios desagregadores
do todo social que o homem carrega em sua natureza humana. Você deve lembrar
que, para Maquiavel, o homem é perverso, egoísta, individualista, e esses
vícios justificam a coerção e a onipotência do Estado. Ou seja, os homens
entregues a si mesmos tendem a se dizimar. Para evitar que o homem se
autodestrua. São necessárias as leis impostas pelo Estado, as quais permitam
fazer a contenção dos vícios e da animosidade natural da natureza humana. A
segurança interna do Estado e a ordem pública exigem que o governante
centralize o poder em suas mãos sob o respaldo da tradição de pensamento
indicada como Razão de Estado. Segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004, p.
1067): “O ponto de partida se situa no limiar da Idade Moderna e é constituído
pelas instituições geniais e inspiradoras de Maquiavel, com quem começa a
emergir, em seus contornos mais gerais, o conceito de Razão de Estado [...]”.
Uma definição simples dessa tradição é que
ela se fundamenta na ideia de que a segurança do Estado é prioridade pública e
os governantes têm o livre-arbítrio para não seguir as leis jurídicas, morais e
políticas, quando for necessário, para manter a segurança interna e externa do
Estado.
Outro tema atual em Maquiavel é o combate que
ele faz à moralidade universal, quando indica, no livro O príncipe, que o governante pode agir segundo uma moral diferente
da dos indivíduos comuns (Bobbio, Direito e Estado no pensamento de Emanuel
Kant, 1997b). Nesse caso, o líder não está obrigado a agir com base em
valores morais e éticos para conseguir seus objetivos e se manter no poder.
Maquiavel ressaltou, já no século XVI, o problema que passaríamos a presenciar
na relação entre o agir político e os valores morais (Chevallier, As grandes
obras políticas, 1982).”
“Na teoria política, o modelo contratualista
é uma das alternativas que podemos usar para entender a origem e o fundamento
do Estado.
Entre os modelos alternativos ao
contratualismo estão o modelo da sociedade natural ou familiar e o modelo da
origem violenta1. No modelo da sociedade natural, como observamos ao
refletirmos sobre o pensamento político de Aristóteles, a origem e a
justificativa para a existência do Estado estão relacionadas à união entre
agregados familiares, os quais, ao se juntarem às outras famílias formam o
povoado e, posteriormente, a cidade. O Estado surge, então, para garantir a
proteção e a sobrevivência dos membros que formam a cidade. Entre os pensadores
que adotam esse modelo de explicação estão Aristóteles, Tomás de Aquino, Jean
Bodin e Marsílio de Pádua. Outro modelo alternativo é caracterizado pela ênfase
na violência como razão para a origem do Estado. Os teóricos desse modelo
defendem que o Estado é uma organização que funciona como um instrumento de
poder e de violência a serviço de uma minoria dominante sobre a maioria. O
Estado assim descrito representa o domínio da classe vencedora sobre a classe
vencida. Entre os pensadores desse modelo encontramos Karl Marx, Ludwig
Gumplowicz e Franz Oppenheimer.
Neste capítulo, analisaremos o modelo
contratualista, com destaque para três pensadores: Thomas Hobbes (1588-1679),
John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Esses pensadores
sustentavam que o Estado como poder central deveria colocar-se como a organização
mais perfeita possível. Cada um deles, com seus projetos políticos, influenciou
de algum modo as revoluções que ocorreram nos séculos XVII e XVIII: a Revolução
Gloriosa (1688), a Revolução Norte-Americana (1776) e a Revolução Francesa
(1789).
O jusnaturalismo,
primeiro ponto que merece destaque no modelo contratualista, foi elaborado por
pensadores políticos que viveram entre os séculos XVII e XVIII e que tinham em
seus escritos o objetivo de propor uma teoria racional para legitimar a
necessidade da existência do Estado. Dessa teoria racional deriva uma teoria
geral do homem e da sociedade. Como em Platão Aristóteles e Maquiavel, os
teóricos do contratualismo também se mostram favoráveis à legitimação do poder
do Estado tomando como base a descrição que fazem da teoria geral do homem e da
sociedade sem o poder atuante do Estado.
A teoria racional do Estado que os pensadores
políticos contratualistas elaboram parte de dois momentos sobre a existência do
homem, denominados por eles estado de
natureza e estado civil ou político
(Bobbio, Thomas Hobbes, 1991). Encontramos o ponto de partida da
existência do homem para justificar a necessidade da existência do Estado no
estado de natureza, que é um estado não político ou apolítico no qual o homem
tem como objetivo a autopreservação. No estado de natureza, o Estado como poder
central não existe, e os homens estão entregues ao próprio livre-arbítrio para
agirem em prol de sua conservação. Vivem individualmente, como não cooperados,
desfrutam de plena liberdade para agir e pensar, e gozam de uma condição de
igualdade em relação aos demais homens.
Os pensadores contratualistas que tomam como
ponto de partida um estado de natureza pacífico e social tendem a considerá-lo
como um estado imperfeito e inseguro, do qual o indivíduo retira motivos para
fazer um contrato com os demais homens com o objetivo de fundar o estado civil
ou político.
Nessa história hipotética e racional sobre a
origem do Estado construída pelos pensadores contratualistas, a passagem do
estado de natureza para o estado civil ocorre a partir do momento em que os
homens decidem sair por vontade própria do estado de natureza. Os motivos que
levam os homens a aderir ao estado civil e ficar sob a proteção do Estado são
distintos em cada pensador contratualista, mas é comum entre eles a ideia de
que a transição do estado de natureza para o estado civil se faz a partir do
estabelecimento de um contrato ou pacto social fruto de um consenso entre os
indivíduos.
Segundo Fiuza e Costa (Aulas de teoria do
Estado, 2007, p. 47),
O termo Pacto Social é a expressão criada por Grócio (Hugo Van Groot,
1583/1645, holandês que escreveu: Do
direito de guerra e paz). Dizia ele que para ser possível a vida em
sociedade, só havia um caminho: um pacto, um pacto social, significando uma
combinação, um acordo para viver em sociedade.
A ênfase que o modelo contratualista dá ao pacto como
sendo a origem do Estado leva Bobbio (1991, p. 2) a afirmar o seguinte sobre o
modelo contratualista: “a imagem de um Estado que nasce do consenso recíproco
de indivíduos singulares, originariamente livres e iguais, é uma pura
construção do intelecto”.”
1 Para saber quais sobre esse assunto, leia o
primeiro livro Elementos de teoria geral
do Estado, de Dalmo Dallari (2011).
“No estado de natureza encontramos os
argumentos para a efetivação do contrato social que levará, em Hobbes, à
criação do Estado-Leviatã. No Capítulo XIII do Leviatã
estão os principais argumentos para que o homem saia desse estado e passe para
a sociedade civil ou política. Os argumentos hobbesianos se sustentam em
algumas condições objetivas e subjetivas que o homem desfruta no estado de
natureza para conseguir sua autopreservação. Como condições objetivas, devemos
entender aquelas situações que independem da vontade do homem. Uma dessas
condições apontadas por Hobbes é a igualdade que os homens experimentam entre
eles no estado de natureza, como indica o trecho a seguir: “[Da] igualdade
quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos
fins. Portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo, que é
impossível ela ser gozada por ambos, eles se tornam inimigos” (Hobbes, Leviatã
ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, 1983, p,
74).
Na passagem citada, além da menção de Hobbes
à igualdade, também chama a atenção outra condição objetiva que o homem
vivencia no estado de natureza, que é a escassez de bens, revelando que não há
bens necessários em quantidade suficiente para todos. Essa situação descrita
por Hobbes já denta (sic) que no estágio inicial em que o homem está inserido
há o nascedouro de um permanente estado de desconfiança recíproca. Bobbio
(1991, p. 34) sintetiza bem essa situação descrita pelo estado de natureza
hobbesiano:
as condições objetivas bastariam por si sós para explicar a infelicidade
do estado de natureza: a igualdade de fato unida à escassez dos recursos e ao
direito sobretudo se destina por si só a gerar um estado de impiedosa
concorrência que ameaça converter-se continuamente em luta violenta.
A possibilidade da autopreservação do homem
no estado de natureza é reduzida ainda mais por Hobbes, no decorrer do Capítulo
XIII, quando acrescenta que o homem é dominado por paixões e vícios, os quais o
levam à insociabilidade.
Os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim,
pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de
manter a todos em respeito. Porque cada um pretende que seu companheiro lhe
atribua o mesmo valor que ele se atribui a si próprio e, na presença de todos
os sinais de desprezo ou de subestimação, naturalmente se esforça, na medida em
que tal se atreva (Hobbes, 1983, p. 75)
Hobbes destaca, entre os vícios da natureza
humana, a vanglória. O vício humano, como vimos anteriormente ao examinarmos os
pensadores políticos gregos, manifesta-se quando os homens sentem a necessidade
de buscar a superioridade em relação aos seus pares. Comentamos, no primeiro
capítulo deste livro, que os vícios apetitosos e passionais dos homens são a razão
da degeneração do Estado. Em Hobbes, identificamos a mesma abordagem presente
em Platão e Aristóteles: a de que os vícios e as paixões dos homens os levarão,
inevitavelmente, a viver em eterno conflito, em estado de guerra.
Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem
sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram
naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens
contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato
de lutar; mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha
é suficientemente conhecida. (Hobbes, 1983, p. 75)
A simples ameaça de guerra já é suficiente
para o homem presenciar o estado de guerra hobbesiano como aquele estágio em
que não há um poder comum para manter os homens em respeito mútuo. Essa
situação é bem sintetizada por Chevallier (1982, p. 69-70, grifo do original),
quando trata do pensamento hobbesiano:
Uma guerra assim impede qualquer indústria, agricultura, navegação,
conforto, ciência, literatura, sociedade, e, o pior de tudo, é aquele temor
continuo e o contínuo perigo de morte violenta. A vida é “solitária, pobre,
grosseira, animalizada e breve”. Em tal guerra, nada é injusto, nem o pode ser;
“onde há poder comum, há lei; onde não há
lei, não há injustiça. Na guerra, a força e a astúcia são as duas virtudes
cardeais”.
Para sair do estado de natureza, o homem
deve, segundo Hobbes consultar a própria razão, a qual o orienta a seguir os
meios adequados para chegar aos fins pretendidos. Para a teoria contratualista,
o fim maior a ser atingido pelo homem é a autopreservação. Desse modo, ele
racionalmente entenderá que deve procurar a paz para conservar sua vida:
é um preceito ou regra geral da razão, que todo homem deve esforçar-se
pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga
pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra. A primeira parte
desta regra encerra a lei primeira e fundamental de natureza, isto é, procurar
a paz, e segui-la. A segunda encerra a suma do direito de natureza, isto é, por
todos os meios que pudermos defendermo-nos a nós mesmos. (Hobbes, 1983, p. 78)
Hobbes sugere que a lei da natureza é a
condição primordial para o homem sair do estado de guerra e conseguir a paz. A
lei da natureza destaca que a melhor forma para o homem sair do estado de
natureza é fazer um acordo com os demais homens para instituírem o Estado. Por
esse argumento defendido por Hobbes, o Estado-Leviatã nasce como uma criação do
próprio homem para corrigir seus próprios defeitos de natureza humana. São os
vícios e as paixões humanas em combinação com a liberdade, a igualdade e a
escassez de bens que fazem os homens agirem sem respeito mútuo entre eles.
O pensador inglês prossegue enfatizando que o
contrato entre os homens tem a função de remover a falta de um poder comum, a
qual se coloca como a causa principal para a manutenção do estado de guerra.
A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los
das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantido-lhes
assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças
aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a
sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens [...]. O que equivale
a dizer: designar um homem ou a uma assembleia de homens como representante de
suas pessoas [...] todos submetendo assim suas vontades à vontade do
representante, e suas decisões a sua decisão. (Hobbes, 1983, p. 105).
Para cumprir sua função — dar totais
garantias à vida do homem —, o Estado-Leviatã deve ser um poder irrevogável,
indivisível e absoluto. É indivisível porque deve estar nas mãos de uma única
pessoa, detentora de um mandato irrevogável sem limites de tempo, e é um poder
absoluto porque essa pessoa pode exercê-lo sem limites.
3.2.2 Algumas
lições de Hobbes para os dias atuais
Os argumentos que Hobbes desenvolve no livro Leviatã para justificar o Estado o
caracterizam como um pensador conservador (Bobbio, 1991). Entre os excessos de
liberdade e autoridade, o filósofo inglês elege a manutenção da autoridade como
sendo mais viável para a autopreservação do homem. Perceba que a síntese do
argumento conservador hobbesiano é que a sociedade só pode sustentar-se na
oposição — representada pela “desigualdade” hierárquica soberana — entre
autoridade e súdito, isto é, quem manda versus
quem obedece.
Ao defender um governo absoluto, Hobbes se
mostra avesso à teoria constitucionalista, que defende a criação de limites
jurídicos a fim de evitar o abuso do poder por parte do governante (Bobbio,
1991). Esse posicionamento é atualmente assumido por aqueles que entendem que o
Estado deve agir de acordo com as normas exemplificadas na Constituição
Nacional. Hobbes também é conservador ao defender que o governante goza de um
poder irrevogável e que não pode ser rescindido ou anulado, contrapondo-se,
assim, aos defensores da teoria do mandato, os quais alegam que o poder do
governante deve ser temporário e regido por mandatos, para que, assim, não se
incorra em abuso de poder.
Além disso, a irrevogabilidade do poder do
governo proposta por Hobbes se apresenta como uma garantia contra a revolução
da sociedade diante de seu soberano. Por fim, a defesa de Hobbes ao poder
indivisível, o qual deve pertencer a um homem, ou a uma assembleia, que terá
totais poderes para autorizar atos e decisões, posiciona o filósofo como um
pensador contrário à separação de poderes ou ao governo misto, como defendido
por Montesquieu em sua célebre obra O
espírito das leis, escrita em 1748. A tese central de Montesquieu (1996)
sobre essa separação sustenta que a melhor forma de evitar o abuso de poder por
parte do governante é fragmentar e distribuir tal poder entre diferentes
pessoas, as quais passarão a comandar os diferentes órgãos que formam o Estado
e deverão fiscalizar-se mutuamente.
Em resumo, prezado leitor, podemos entender
que Hobbes defende a irrevogabilidade e a indivisibilidade do poder do
governante, que terá, consequentemente, um poder sem limites. Hobbes é um
defensor de um Estado absolutista para disciplinar as paixões e os vícios
humanos causadores do conflito e da discórdia, motivos da ruína da sociedade.”
“Jean-Jacques Rousseau compõe o conjunto de
pensadores que durante os séculos XVIII e XIX defenderam a constituição como
instrumento para limitar o poder do Estado nos moldes do absolutismo. A teoria
política de Rousseau, como em Locke e Hobbes, também é devota do modelo
contratualista para fundamentar a origem do Estado e da sociedade política.
Rousseau propõe que o exercício do poder
soberano esteja nas mãos do povo ou da vontade geral. Segundo Chevallier (1982,
p. 162), essas características o diferenciam de Hobbes e Locke porque “Rousseau
é assim levado a uma distinção radical que, do ponto de vista em que a
apresenta, é inteiramente sua, a distinção entre soberano e o governo”. Como
vimos anteriormente, para Hobbes, o poder soberano da sociedade civil pertence
ao governante (um homem ou uma assembleia) e, para John Locke, está nas mãos do
parlamento. No entanto, para Rousseau a vontade geral “é a expressão global dos
interesses e dos sentimentos da sociedade e do cidadão” (Bobbio, 1997b, p. 23).
Outra característica do pensamento político
de Rousseau e que merece destaque é seu empenho em conjugar a liberdade do
cidadão com o Estado, de modo que o cidadão só é considerado livre se viver em
sociedade civil. Essa preocupação não está presente em Hobbes nem em Locke. No
pensamento hobbesiano, o homem perde a liberdade ao aderir à sociedade civil,
mas ganha em troca a segurança e a proteção. Já para o filósofo inglês, ao
aderir à sociedade civil, o homem não perde a liberdade, a qual é intocável
pelo Estado. Entende-se, portanto, que ele não precisa aderir à sociedade civil
para ter a liberdade, uma vez que esta já lhe pertence. Mas em Rousseau o
argumento é outro, pois, conforme Chevallier (1982, p. 164, grifo do autor) em
sua análise do livro O contrato social,
a liberdade e a igualdade, cuja existência no estado de
natureza é tradicionalmente afirmada, Rousseau pretende reencontrá-las no
estado de sociedade, mas transformadas,
tendo sofrido urna espécie de modificação química, “desnaturadas” “criação de uma ordem inteiramente nova e de uma
ordem necessariamente justa pelo contrato”.”
“(No livro Discurso
sobre a desigualdade dos homens, Rousseau defende que no) estágio
inicial do estado de natureza, o homem vive solitário, errante pelos campos,
mas, segundo Rousseau, ao desenvolver suas habilidades do corpo e do espírito,
passa a adquirir sentimentos que dão razão para formar famílias, tribos e
hordas.
Os primeiros progressos do coração resultaram de uma situação nova que
reunia numa habitação comum os maridos e as mulheres, os pais e os filhos. O
hábito de viver junto deu origem aos mais doces sentimentos conhecidos pelos
homens: o amor conjugal e o amor paterno. Cada família se tornou uma pequena
sociedade ainda mais unida. [...] Através de uma vida mais suave, os dois sexos
começaram a perder alguma coisa de sua ferocidade e de seu vigor. Mas se cada
um isoladamente se tornou menos apto para combater os animais selvagens, em
compensação ficou mais fácil se reunirem para, em comum, resistirem a eles. (Rousseau,
O contrato social, 2015, p. 204)
Acrescentamos que, no estágio inicial do
estado de natureza, o homem dispunha de propriedades, terras para plantar o
necessário para a sua conservação, havendo área suficiente para todos. As
terras não eram demarcadas nem privadas.
Esse estágio inicial do estado de natureza
descrito por Rousseau começa a mudar a partir do momento em que a propriedade,
que antes era de todos os homens, passa a ser privada e deixa de ter como
origem a pura e simples força do trabalho humano.
É somente o trabalho que, dando ao cultivador um direito sobre o produto
da terra que ele trabalhou, dá-lhe consequentemente direito a gleba, pelo menos
até a colheita e, desta forma, de ano a ano — o que, tornando-se uma posse
contínua, transforma-se facilmente em propriedade. [...]
As coisas teriam continuado sempre nesse estado se os talentos fossem
iguais [...] mas a proporção que em nada se apoiava logo se rompeu; o mais
forte trabalhava mais, o mais esperto tirava melhor partido do seu trabalho
[...]. Assim, a desigualdade natural insensivelmente se desenvolve com a
desigualdade de combinação, e as diferenças entre os homens tornam-se mais
sensíveis [...]. (Rousseau, 2015, p. 209-210)
O argumento de Rousseau presente nesse
excerto é que, com o surgimento da propriedade privada, o homem é tomado por
sentimentos perversos, como ostentação, astucia, ambição, inveja e usurpação,
os quais se manifestam também na busca pelo lucro. Para o pensador suíço, esses
sentimentos se tornam os inconvenientes que o homem passa a experimentar no
estado de natureza e se mostram como obstáculos para a autoconservação, uma vez
que conduzem os homens a um estado de eterna competição e conflito. Nas
palavras de Rousseau (2015, p. 207):
Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, enquanto se
limitaram a coser suas roupas com pele, com espinhos e cerdas, a se enfeitar de
plumas e de conchas [...]; em uma palavra, enquanto se dedicaram apenas às
obras que um único homem podia criar, e a artes que não necessitavam do
concurso de várias mãos, eles viveram livres, sãos, bons e felizes, [...] mas
desde o momento em que um homem teve necessidade do auxílio de um outro, desde
que se apercebeu de que seria útil a um só indivíduo contar com provisões para
dois, desapareceu a igualdade, a propriedade se introduziu [...] viu-se logo a
escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas.
A partir da instituição da propriedade
privada, o homem se torna prisioneiro de seus vícios humanos, que o levam a
procurar cada vez mais a glória, a ostentação, buscando sobrepujar o outro.
Instala-se, então, segundo Rousseau, o estado de guerra.
Assim, os mais poderosos ou os mais miseráveis, fazendo de suas forças
ou de suas necessidades uma espécie de direito ao bem alheio, equivalente,
segundo eles, ao de propriedade, a igualdade rompida foi seguida da mais
indigna desordem; assim as usurpações dos ricos, as extorsões dos pobres, as
paixões desenfreadas de todos, abafando a piedade natural e a voz ainda fraca
da justiça, tornaram os homens avaros, ambiciosos e maus. [...] A sociedade
nascente foi colocada no mais horrível estado de guerra (Rousseau, 2015, p.
211).
A exemplo do que vimos nos pensadores
políticos analisados até este ponto, o estado de guerra em Rousseau é fruto dos
vícios e das inclinações do homem. Como pode o indivíduo sair desse estado de
natureza? Essa é a questão que Rousseau irá responder em outra de suas obras: O contrato social.
3-4.2 O Estado a
serviço da soberania popular
No livro O contrato social Rousseau propõe a
formação de um poder político para extinguir o estado de guerra em que o
próprio homem se colocou. Nas palavras do filósofo:
Reduzamos todo esse balanço a termos de fácil comparação. O que o homem
perde pelo contrato social é a sua liberdade natural e um direito ilimitado a
tudo que o seduz e que ele pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade
civil e a propriedade de tudo que possui [...] impõe-se distinguir entre a
liberdade natural, que só conhece limites nas forças do indivíduo, e a
liberdade civil, que se limita pela vontade geral [...] (Rousseau, 1986, p. 26)
O argumento de Rousseau se sustenta na
necessidade de fazer um pacto legítimo entre os homens, pelo qual estes devem
abrir mão da liberdade natural, a qual não encontra limites, pois não é
controlada por leis, contribuindo, assim, para a instauração do estado de
guerra. Ao abrirem mão da liberdade natural, os homens recebem em troca a
liberdade civil, que é a submissão às leis, de cuja elaboração também
participam.
No Capítulo VI do Livro I de O contrato social, Rousseau expõe as
cláusulas do contrato em que o homem abre mão da liberdade natural e ganha a
liberdade civil.
Imediatamente, em vez da pessoa particular de cada contratante, esse ato
de associação produz um corpo moral e coletivo composto de tantos membros
quantos são os votos da assembleia, o qual recebe, por esse mesmo ato, sua
unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade.
Essa pessoa pública, assim formada pela união de todas as demais, tomava
outrora o nome de Cidade, e hoje o de
República ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado [...] (Rousseau, 1986, p. 22,
grifo do autor)
O contrato representa a união dos homens,
estabelecendo um conjunto de força para a formação de um corpo político, moral
e coletivo que constitui, para Rousseau, o Estado. A partir da formação do
Estado, o homem ficará submetido às leis deste (vontade geral/soberania
popular). Segundo Rousseau, o Estado, ao representar a vontade geral, terá
como finalidade social atender ao interesse comum.
No primeiro capítulo do Livro III de O contrato social, Rousseau
prossegue em sua descrição sobre como deve ser a constituição do poder
político:
Quando me dirijo a um objeto, é preciso, primeiro, que eu queira ir até
ele e, em segundo lugar, que meus pés me levem ate lá. Que um paralítico queira
correr, que um homem ágil não o queira, ambos ficarão no mesmo lugar. O corpo
político tem os mesmos móveis; nele se distinguem a força e a vontade, esta sob
o nome de poder legislativo e aquela
sob o nome de poder executivo. Nada
se faz nele, ou não se deve fazer, sem seu concurso. (Rousseau, 1986, p. 71,
grifo do original)
O poder político descrito na passagem citada
é constituído pelos Poderes Legislativo e Executivo, os quais têm como função
primordial a manifestação da vontade geral ou soberania popular. O Poder
Executivo representa a força e é encarregado da execução das leis e da
manutenção da liberdade civil; cabe ao Poder Legislativo, que representa a
vontade da sociedade, o papel de elaborar as leis que são os atos autênticos da
vontade geral ou soberania popular.”
“Ao considerarem as formas possíveis de se
exercer e de se organizar o poder, Platão e Aristóteles nos fornecem alguns dos
critérios para melhor compreender o Estado e suas atividades. Platão, no livro A
república, desenvolve sua classificação com base na observação
histórica e a formula de acordo com os seguintes critérios: quem governa; a
paixão dominante; o motivo da corrupção; e a moléstia do Estado. Na aplicação
desses critérios, conhecemos a classificação platônica de governo,
caracterizada por formas de governo corrompidas ou imperfeitas. O motivo da
imperfeição do governo está no próprio governo, mais especificamente nos vícios
da natureza humana dos governantes e dos governados.
Aristóteles faz uma classificação de governo
distinta da feita por Platão, baseando-se em dois critérios: quem governa e
como governa. Para o filósofo grego, as boas formas de governo são aquelas em
que os governantes no poder orientam suas ações e tomadas de decisão para
atender ao bem comum. Nas formas corrompidas de governo, o governante lidera
sucumbindo aos seus vícios e paixões pessoais de modo a atender aos próprios
interesses em detrimento dos interesses coletivos.
Nicolau Maquiavel, nos livros O príncipe e Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio, também defende
que a ruína do governo é fruto dos vícios oriundos da natureza humana. Por ser
pérfido e interesseiro, o homem terá o conflito como uma realidade natural e
sempre possível de existir na convivência com seus semelhantes. É com base
nessa descrição sobre a natureza humana que Maquiavel justifica a existência de
um Estado que governe por meio da coerção, pelo uso da força e da lei.
Examinamos a história hipotética e racional
da origem do Estado construída pelos pensadores contratualistas. Na teoria do
contrato, a passagem do estado de natureza para o estado civil ocorre a partir
do momento em que os homens decidem, por vontade própria, sair do estado de
natureza. Os motivos que levam os indivíduos a aderir ao estado civil e a viver
sob a proteção do Estado são distintos em cada pensador contratualista.
Vimos que Thomas Hobbes defende a unidade do
Estado em detrimento da preservação da liberdade do indivíduo, o qual é
retratado como um ser não social, ganancioso, traiçoeiro e que, desfrutando da
liberdade, entraria inevitavelmente em um estado de natureza anárquico,
prevalecendo o estado de guerra.
Diferentemente de Hobbes, John Locke, em sua
obra Segundo tratado sobre o governo,
posiciona-se a favor de um Estado nos moldes liberais com prerrogativas de ser
um poder limitado de acordo com os direitos naturais e invioláveis dos
indivíduos. Para Locke, não é a falta de um juiz que coloca os homens em estado
de guerra, mas a não execução da lei da natureza pelo homem, um ser frágil que
fatalmente declinaria aos seus interesses pessoais, tendendo a violar as
propriedades dos outros sujeitos — violação sem direito e com base na força.
Refletimos sobre a proposta de Jean-Jacques
Rousseau de que o exercício do poder soberano deve estar nas mãos do povo ou da
vontade geral. O argumento do pensador suíço é que, a partir da instituição da
propriedade o homem passou a ser prisioneiro de seus vícios humanos, fato que o
levou a procurar cada vez mais a glória e a ostentação e a sobrepujar o outro,
contribuindo, assim, para a instalação do estado de guerra. Para sair desse
estado, o homem deve ficar submetido às leis do Estado ou à vontade geral.
Portanto, prezado leitor, a interpretação
sugerida neste livro é que, com base nos respectivos diagnósticos a respeito da
natureza humana, os pensadores políticos abordados fundamentaram suas propostas
para a origem e a legitimação do poder do Estado. Se por um lado, eles
mostraram que o Estado nasce para proteger o próprio homem de si mesmo, por
outro lado, seus diagnósticos nos alertam para o fato de que os abusos do
governo ou do Estado decorrem da própria natureza pérfida do homem e que,
fatalmente todo e qualquer governo tende a se corromper.
O corpo político, tal como o corpo do homem,
começa a morrer desde o seu nascimento e traz em si mesmo as causas de sua
destruição. Mas um e outro podem ter uma constituição mais ou menos robusta e
capaz de conservá-lo por mais tempo. A constituição do homem é obra da
natureza, a do Estado, é obra de arte. (Rousseau, 1986, p. 107)
O que nos resta, então? Rousseau, defensor da
participação ampla e irrestrita do povo nos assuntos de interesse público, é
quem melhor responde a essa questão ao sugerir, no Capítulo XI do Livro III de O contrato social, que depende do
homem o prolongamento da vida do Estado. E, para que isso aconteça, é
necessário que ele fiscalize seus governantes, evitando a apatia política e o
individualismo.”