Editora: Record
ISBN: 978-85-0105-236-0
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 305
Sinopse: Narrativa
densa e madura em que o autor satiriza as contradições da sociedade brasileira,
enlaçando de modo irresistível alguns de seus motivos permanentes: a luta pela
emancipação social, a força da cultura popular, a mesquinhez e o ridículo da
elite.
Escrito às vésperas do golpe militar de 1964, este
romance modelar se constrói em três partes autônomas, interligadas por
personagens comuns: prostitutas, boêmios, vigaristas, a comunidade notívaga de
Salvador, com suas leis e valores próprios: o culto à cachaça, o ódio à
polícia, o horror ao trabalho.
Na primeira parte, o cabo Martim, craque dos baralhos
marcados e dos dados viciados, sedutor cobiçado, aparece com companheira fixa e
planos de constituir um lar. A notícia cai como uma bomba entre os pastores da
noite. A segunda narrativa trata do batizado do filho de Massu, negro musculoso
que ganha a vida fazendo pequenos fretes. O padrinho do menino é o próprio
Ogum, e assim o batizado mobiliza a noite da cidade, embaralhando candomblé e
catolicismo. Na última parte, a ocupação do morro do Mata Gato por desabrigados
desencadeia um conflito social e político. O dono do terreno recorre à polícia,
mas entram em cena outras forças e interesses: autoridades governamentais,
imprensa corrupta, banqueiros do jogo do bicho.
O romance foi levado ao cinema em 1976 pelo francês
Marcel Camus, e em 1995 a segunda parte do livro virou a minissérie de tevê O
compadre de Ogum.
“E, se não fôssemos nós, pontais ao
crepúsculo, vagarosos caminhantes dos prados do luar, como iria a noite – suas
estrelas acendidas, suas esgarçadas nuvens, seu manto de negrume –, como iria
ela, perdida e solitária, acertar os caminhos tortuosos dessa cidade de becos e
ladeiras? Em cada ladeira um ebó, em cada esquina um mistério, em cada coração
noturno um grito de súplica, uma pena de amor, gosto de fome nas bocas de
silêncio, e Exu solto na perigosa hora das encruzilhadas. Em nosso apascentar
sem limites, íamos recolhendo a sede e a fome, as súplicas e os soluços, o
estrume das dores e os brotos da esperança, os ais de amor e as desgarradas
palavras doloridas, e preparávamos um ramalhete cor de sangue para com ele
enfeitar o manto da noite.
Varávamos os distantes caminhos, os mais
estreitos e tentadores, chegávamos às fronteiras da resistência do homem, ao
fundo de seu segredo, iluminando-o com as trevas da noite, enxergávamos seu
chão e suas raízes. O manto da noite cobria toda a miséria e toda a grandeza e
as confundia numa só humanidade, numa única esperança.”
“E de repente, quando todos o pensavam por
inteiro devotado àquele amor profundo e recente – nem um mês ainda se passara,
a contar do primeiro encontro na Gafieira –, eis o escândalo a envolver Martim:
agredido por um sapateiro, nas proximidades do Terreiro de Jesus, ferido a faca
no ombro. O sapateiro, avisado por uma vizinha assanhada, solteirona, é claro,
fora encontrar sua esposa na cama com Martim, e esquecida das obrigações
familiares, em plena tarde de dia útil. Estava o sapateiro trabalhando quando a
intrigante cochichou-lhe a desventura: levantou-se levando a faquinha de cortar
couro, precipitou-se para casa, atirou-se sobre Martim, atingindo-o no ombro.
Os vizinhos impediram desgraça maior: o sapateiro querendo matar a mulher,
suicidar-se, necessitando de sangue para lavar os chifres. Com tanta balbúrdia,
acabaram todos na polícia e saiu notícia nos jornais, na qual o cabo Martim era
tratado como sedutor. Ficou Martim
muito vaidoso com esse qualificativo, guardou o recorte no bolso para
exibi-lo.”
“Só tem uma coisa que eu quero te dizer:
quando a gente discute com a mãe da gente quem tem razão é ela e mais ninguém.”
“Não era possível, a um homem só, dormir com
todas as mulheres do mundo mas devia-se fazer esforço para consegui-lo, assim
ensinavam no cais os velhos marinheiros.”
“Nunca teve ela marido, nem quis ligar homem
à sua sina. Homem, em sua opinião, só servia na hora de fazer o menino. Depois,
só dava trabalho e confusão.”
“Em negócio de gente grande, pequeno não deve
se meter. Senão quem paga os pratos quebrados é a gente...”
“Os brancos lá embaixo, brancos de rico e não
de cor, eram capazes de terminar por se entenderem (...). Eram graúdos, os
graúdos sempre se entendem, briga entre eles não prospera.”