Editora: Paulus
ISBN: 978-85-349-4081-8
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 268
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Sinopse: Este livro tem por objetivo retomar a metafísica, o que certamente
constitui uma tarefa das mais urgentes do pensamento contemporâneo, pois todo
teórico em filosofia pressupõe, normalmente de forma implícita, certa visão
metafísica como pano de fundo de seu trabalho. Ele trata fundamentalmente de
questões que correspondem, "repensadas", ao que a tradição trabalhou
com o título de "metafísica geral ou universal" (ontologia geral) -
uma teoria do ente enquanto tal. O livro não apresenta todo o espectro de questões
que constituem a metafísica num sentido integral, o que implicaria ainda as
metafísicas especiais (ontologias especiais) enquanto teorias dos entes de
diferentes domínios a partir de Heidegger, e, para além dele, uma teoria do
Ser. A ontologia, enquanto teoria do ente, se posiciona no contexto de uma
concepção abrangente de filosofia em que ela se constitui como um momento
central. O objetivo deste livro é debater onde ela se situa, qual sua tarefa
específica e como ela deve ser articulada a partir do intenso debate que hoje
acontece; portanto, seu interesse não é apenas interpretativo, mas sistemático.
“A forma de conhecimento que posteriormente
foi nomeada “metafísica” surgiu como gênero peculiar de investigação teórica
com a pergunta pré-socrática pelo princípio de inteligibilidade da totalidade
do real. Foi radicado neste horizonte da tradição, e, em confronto com ele,
Aristóteles concebeu a ideia de um saber que põe a pergunta pelo “ente enquanto
ente” e pelos atributos que lhe pertencem em virtude de sua própria natureza, e
que na modernidade recebeu a denominação de ontologia geral. Ele o apresenta
como o conhecimento fundamental precisamente enquanto um saber que tem a tarefa
de pesquisar o que todos os outros saberes humanos implicitamente pressupõem,
ou seja, a concepção da estrutura de tudo o que é. Dessa forma, ele rearticula
a pretensão originária da filosofia de desenvolver uma compreensão racional da
totalidade do real.”
“Puntel parte de uma tese básica: o
empreendimento teórico, que já no início de uma tradição de mais de dois mil
anos se denominou filosofia, sempre se interpretou, a partir de sua intenção,
de sua autocompreensão e de suas produções, como um saber abrangente e de caráter
universal, o que não é mais o caso no pensamento contemporâneo, que antes se
caracteriza por seu caráter fragmentário.
Seu objetivo fundamental é retomar esse caráter
sistemático da filosofia, ou seja, articular a teoria filosófica como uma
teoria da totalidade do Ser, como uma concepção global da realidade. A
filosofia se revela, então, como a ciência universal, no sentido de que ela
tematiza as estruturas universais do universo do discurso, o dado abrangente de
tudo o que pode ser seu objeto, ou seja, de tudo o que é linguisticamente
articulado ou articulável. Daqui parte o filósofo sistemático que conduz todos
os dados a uma teoria global.
Filosofia é entendida aqui, portanto,
estritamente enquanto teoria, de forma que, antes de tudo, é necessário
esclarecer a dimensão teórica em geral e a concepção de uma teoria filosófica
em particular. Teoria é aquela forma de discurso metódico e rigorosamente
ordenado, que se constitui estritamente de sentenças declarativas. Toda teoria
só é compreensível e avaliável no contexto de um “quadro teórico”, que constitui
o espaço de compreensão de qualquer coisa; do contrário, tudo permanece vago e
indeterminado. A cada quadro teórico pertencem, enquanto momentos constitutivos:
uma linguagem, com sua sintaxe e sua semântica; uma ontologia; uma teoria do
Ser; uma lógica; e uma conceitualidade, com todos os componentes que constituem
o aparato teórico.
O eixo de uma teoria filosófica é constituído
pelas estruturas semânticas, porque sua especificidade é a configuração da relação
linguagem-mundo: as expressões linguísticas significam e expressam algo. A
linguagem aqui é compreendida como a dimensão expressante do real, o que é
implicado na tese ontológica da expressabilidade do real, o pressuposto básico
de qualquer empreendimento teórico. Linguagem é sempre linguagem de algo, e o
mundo é sempre mundo que se expressa na linguagem, a instância de sua
expressabilidade. Assim, as estruturas semânticas exercem o papel mediador
entre as estruturas formais, as mais abstratas, e as estruturas ontológicas, as
mais determinadas. Elas constituem a dimensão estrutural fundamental e incluem
tudo aquilo que, na linguagem filosófica usual, é hoje designado por conceitos
como linguagem, aparato conceitual, aparato teórico, instrumental teórico, que
constituem “abreviações cômodas” de estruturas. O universo do discurso implica
diversos níveis de estruturas.
A sistemática estrutural oferece oportunidade
para a discussão de duas questões de importância central para toda a proposta:
a) a crítica à semântica tradicional, que Puntel denomina composicional, e a
proposta de uma semântica alternativa, por ele chamada contextual, baseada numa
compreensão forte do princípio do contexto elaborado por Frege; b) a crítica à
ontologia tradicional correspondente à semântica composicional, a ontologia
substancialista, e a proposta de uma ontologia alternativa, uma “ontologia
contextual” que tem no conceito de “fato primo” sua categoria fundamental. O
cume da semântica estrutural é a articulação da teoria da verdade enquanto
teoria da inter-relação entre as três formas de estruturas fundamentais.
Daí o axioma básico dessa teoria: semântica e
ontologia são dois lados de uma mesma medalha. Entre elas reina conformidade
perfeita, isto é, conformidade entre uma linguagem semanticamente estruturada e
o nível ontológico, o que significa dizer que as sentenças da linguagem atingem
realmente as coisas em si mesmas: estruturas semânticas plenamente determinadas
são idênticas ao plano ontológico.”
“Heidegger foi o grande pensador que, no século XX, alterou de forma radical
a reviravolta moderna da dimensão do ente para a dimensão do sujeito, e articulou a filosofia
enquanto “filosofia do Ser” numa reinterpretação e crítica a toda a tradição
metafísica do pensamento ocidental, caracterizando-a como “onto-teologia”, ou
seja, como uma concepção que apresenta o ente supremo como o fundamento da totalidade
dos entes. Daí por que a metafísica tem um traço básico: ela é essencialmente
“esquecimento do ser”, precisamente porque tematiza somente os entes e não o
ser. Através de suas intuições, no entanto, ele deu um passo decisivo para a
rearticulação da metafísica.55
Ele foi
conduzido à filosofia pela pergunta que constitui o cerne da metafísica
clássica,56 em sua formulação
aristotélica: que é o ente enquanto ente? –57
que, para Aristóteles, significava a tarefa própria da “ciência primeira”,
posteriormente denominada “metafísica”. Essa pergunta, para Heidegger,
manifesta que a metafísica se move em todos os lugares no espaço da verdade do
Ser, mas o Ser mesmo permanece o fundamento desconhecido.58
Isso constitui para ele o déficit básico
da metafísica: o esquecimento do Ser. Por essa razão, é preciso perguntar para
além da metafísica e pôr a pergunta pelo Ser,59
trazer à luz o esquecido –60 o que se vai
tornar a preocupação central de Heidegger. O enfrentamento dessa questão
central pressupõe uma questão prévia: o esclarecimento do sentido do Ser como o
sentido que subjaz a todo e qualquer sentido.61
De fato,
como diz Puntel, a filosofia primeira, como teoria do ente enquanto ente, é um
saber universal na medida em que pretende dizer o que é verdadeiro para cada
ente atingindo a totalidade dos entes.62 A
questão teórica de fundo aqui é que ela compreende essa totalidade apenas
extensionalmente, isto é, enquanto extensão do conceito de ente. Uma totalidade
extensional pressupõe que seus elementos têm algo em comum. Seus membros estão
aí porque todos são uma totalidade, mas as teorias do ente enquanto ente não
explicam o que qualifica os entes para pertencer a essa totalidade. Aqui não se
fala do Ser.63
Na linha
aberta por Heidegger, Gadamer elabora o que se pode chamar de “ontologia
hermenêutica”. A hermenêutica enquanto tal se entende como a nova metafísica: a
metafísica da finitude e da historicidade, o elemento ontológico fundamental
que marca a finitude do ser humano. Nela vem à palavra a esfera em que eu e
mundo se unem: a linguagem,64 que, em
contraposição à mediação dialética do conceito,65
é um evento finito,66 temporal, aberto a
infinitas possibilidades e por isso nunca chega a uma síntese absoluta e
definitiva.
Aqui
nunca se trata da simples reprodução de algo fixamente dado, mas de um vir-
à-fala em que se mostra um todo de sentido. A proximidade com a antiga
dialética é grande, pois não se trata de uma atividade metódica do sujeito, mas
de um agir da coisa que o pensamento “sofre”, o movimento propriamente
especulativo que se apodera do falante. O fundamental nesta consideração do
agir da coisa é que ele aponta para uma estrutura ontológico-universal, isto é,
para a constituição fundamental de tudo a que se dirige a compreensão: “O ser,
que deve ser compreendido, é linguagem”,67
o que faz com que o fenômeno hermenêutico jogue sua própria universalidade
sobre a constituição de ser do que é compreendido, enquanto ele a determina
como linguagem num sentido universal, e seu próprio relacionamento ao ente
enquanto interpretação.
Assim,
falamos não só de uma linguagem da arte, mas de uma linguagem da natureza – em
última instância, de uma linguagem das coisas. Algo é, em seu próprio ser,
aquilo que se apresenta enquanto algo: o que está em jogo na linguagem é essa
unidade especulativa e, com isso, sua significação ontológica universal. O que
se mostra na palavra é outro em relação a ela, mas a palavra só é palavra
através do que nela se apresenta; e, ao contrário, o que vem à fala na
linguagem não é algo previamente dado sem linguagem, mas recebe na palavra sua
determinidade própria. Assim, linguístico e, por isso, compreensível é o
relacionamento humano enquanto tal com o mundo, e, justamente em virtude dessa
universalidade, a hermenêutica não é o método das ciências do espírito, mas a
metafísica que o ser finito e histórico pode e precisa fazer. O núcleo da nova
metafísica é o mútuo pertencer da palavra e da coisa, da subjetividade e da
objetividade.
Merleau-Ponty,
no século XX, foi um filósofo que, de modo semelhante e abrindo-se a uma
ontologia, criticou como insuficientes ambas as posições por ele denominadas
idealismo e realismo, que constituem as duas posturas básicas da filosofia
ocidental. Contra a filosofia transcendental e o realismo da tradição, ele
defendeu que o elemento central na filosofia não é o retorno à consciência
constituinte nem às coisas como fatos brutos, mas o reconhecimento de que, por
trás das certezas do senso comum e de nossa atitude natural, há a
originariedade de nossa inerência a um mundo, de um sujeito totalmente dedicado
ao mundo.
Ser
humano e mundo, sujeito e objeto, sensível e inteligível, corpo e espírito, são
fundamentalmente entrelaçados, inseparáveis. Ele critica, por isso, teorias que
desvinculam sentidos e palavras, uma vez que tais posturas admitem a
possibilidade de um pensamento que prescinde de palavras – portanto, que seja
possível pensar sem linguagem. O pensamento só existe enquanto linguisticamente
expresso. A palavra é sempre detentora de sentido, e isso é assim porque
encontramos no corpo nossa possibilidade de sentido. Filosofia, enquanto
ontologia, é análise e memória da realidade corporal (filosofia da carne). Esse
é o ponto de partida de uma nova ontologia. Por isso, a verdadeira filosofia é
reaprender a ver o mundo. É nisto que consiste a reabilitação ontológica do
sensível: a dimensão sensível é a dimensão universal, a verdadeira dimensão
ontológica.68”
55. A
articulação estritamente teórica dessa intuição de Heidegger é o que, para
Puntel, constitui a última dimensão da metafísica, o que ele denomina
“metafísica primordial”. Cf. PUNTEL, L. B. “Metaphysics: a traditional mainstay
of philosophy in need of radical rethinking”. Review of Metaphysics, 65, 2011, p. 304- 305: “The central thesis in this essay is, however, that there is more to
metaphysics than general and special metaphysics, or general and special
ontologies, as just characterized. Metaphysics must also include a deeper or
more fundamental theory that may be termed metaphysica prima – primary metaphysics – or, more adequately,
metaphysica primordialis – primordial
metaphysics”.
56. A respeito do confronto de Heidegger com a metafísica
clássica, cf. PUNTEL, L. B. Ser e Deus.
Um enfoque sistemático em confronto com M. Heidegger, É. Lévinas e J.-L.
Marion. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2011, p. 79-90.
57. Cf. PÖGGELER, O. Der
Denkweg Martin Heideggers. Pfullingen: Neske, 1963, p. 17 e ss. McDOWELL,
J. A. A gênese da ontologia fundamental
de Martin Heidegger. Ensaio de caracterização do modo de pensar de Sein und
Zeit. São Paulo: Loyola, 2ª ed., 1993.
58. Cf. HEIDEGGER, M. Was
ist Metaphysik? Frankfurt am Main: Vittorio Kostermann, 1965, 9ª ed., p. 8
e ss.
59. Cf. idem. Zur
Seinsfrage. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1967, 3ª ed., p. 35.
60. Cf. idem.
Identität und Differenz. Pfullingen: Günther Neske, 4ª ed., 1957, p. 34.
61. Cf. idem. “Brief
vom 22.10.1927”. In: HUSSERL, E. Husserliana,
Vol. IX, Den Haag, Nijhoff, 1962, p. 15.
62. Cf. PUNTEL, L. B. Metaphysics:
a traditional mainstay of philosophy in need of radical rethinking. Op. cit.,
p. 310: “Traditional ontology thematizes
all beings, in the distributive sense, but only beings: it aims to articulate
what is true of every single being and thus of all beings. It understands this
totality of beings only extensionally, that is, as the extension of the concept
of being (conceptus entis)”.
63. Idem: “Items in this extensional totality are there
because they all are – no one of them qualifies as nothing – but accounts of
the totality – general ontologies do not explain what qualifies the items for
inclusion in the totality. That is, they do not thematize and explain Being”.
64. Cf. ALMEIDA, C. L. S. de. “Hermenêutica e Dialética:
Hegel na perspectiva de Gadamer”. In: ALMEIDA, C. L. S. de et alii. Hermenêutica Filosófica nas Trilhas de Hans-Georg Gadamer.
Porto Alegre, 2000, p. 104: “A universalidade hermenêutica concretiza-se na
linguagem. É a linguagem que produz a concretização do universal, ela é o
próprio universal concreto que não se fecha nunca sobre si mesmo”.
65. Para A. C. Marçal, a
dialética do conceito de Hegel leva à plenitude a primazia da sentença
declarativa (lógos apophantikós) que
caracteriza o pensamento ocidental. Cf. MARÇAL, A. C. Das Problem einer transzendentalen Hermeneutik in “Wahrheit und
Methode” von H-G. Gadamer (mimeo). Frankfurt am Main, 1977, p. 261 e ss. A
insistência na essência dialogal da linguagem é a contraposição a essa postura
hegemônica na consideração da linguagem. Cf. GRONDIN, J. Einführung in die philosophische Hermeneutik. Darmstadt, 1991, p.
152 e ss.
66. Cf. GADAMER, H.-G. Wahrheit und Methode. Grundzüge einer
philosophischen Hermeneutik. Tübingen, 1972, 3ª ed., p. 449 e ss.
68. Cf. SOUZA CHAUÍ, M.
de. “Experiência do Pensamento (Homenagem a Merleau-Ponty)”. Da realidade sem mistérios ao mistério do
mundo (Espinosa, Voltaire, Merleau-Ponty). São Paulo: Editora Brasiliense,
1983, 3ª ed., p. 180-279. HAAR, M. La
Philosophie Française entre Phénoménologie et Métaphysique. Paris: PUF, 1999.
SAINT AUBERT, E. de. Vers une Ontologie
Indirecte. Sources et enjeux critiques de l’ appel à l’ ontologie chez
Merleau-Ponty. Paris: Vrin, 2006.
“A proposta de Campbell de uma teoria alternativa à concepção da
“substância” como categoria ontológica fundamental se situa claramente no seio
de uma determinada concepção da tarefa básica da “metafísica”: articular uma
explicação sobre os constituintes fundamentais de qualquer realidade, ou seja,
explicitar sua estrutura ôntica, articular a estrutura da realidade como um
todo em seu nível mais fundamental. Fundamental nesse contexto é, para ele, o
assim chamado “axioma de uniformidade”: a convicção de que alguns padrões
básicos perpassam o universo, ou seja, numa palavra, a convicção de que, no
último nível, o universo possui uma estrutura comum.”
“De modo
geral, quando hoje se introduz a categoria de “acontecimento” (evento)1 como categoria ontológica fundamental, entende-se
acontecimento como algo que ocorre num certo lugar, num intervalo particular do
tempo, podendo ser tanto de curta como de longa duração. Para Lombard,2 na medida em que a categoria de evento é
vinculada à categoria de mudança, sua história é coextensiva à história do
pensamento ocidental como um todo, mas encontrou no século passado um interesse
renovado na pesquisa filosófica, sobretudo através do trabalho de McTaggart,3 Whitehead4
e Broad.5
A grande
importância dessa categoria para a metafísica se radica, para Branquinho, no
fato de que a relação de causalidade é normalmente interpretada como uma
relação que tem acontecimentos como “relata”:
um acontecimento que é uma causa e um acontecimento que é um efeito, o que
significa afirmar que uma compreensão de acontecimento é condição de
possibilidade de uma compreensão adequada da relação causal.6
Uma
aplicação específica da relação causal ocorre hoje na filosofia da mente nas
discussões a respeito de relações causais entre acontecimentos mentais e
comportamentos e ações, uma questão que se situa inevitavelmente dentro do
contexto maior de uma teoria da mente/corpo que por sua vez se situa no seio de
uma teoria da realidade enquanto tal como é o caso claramente do fisicalismo,
que situa todas as suas discussões a respeito da problemática mente/corpo
dentro de sua tese básica de que todos os elementos do universo são
constituídos de elementos físicos.7 Essa
tese expressa como a categoria de acontecimentos se formula, então, na
filosofia da mente, como a tese de que todos os acontecimentos mentais são
eventos físicos. A pretensão aqui é que uma teoria de acontecimentos seja a
base de tudo o que se possa discutir filosoficamente.”
1. Cf. DAVIDSON, D. Essays on Actions and Events. Nova York:
Oxford University Press, 1980. LOMBARD, L. B. Events: A Metaphysical Study. Londres: Routledge and Kegan Paul,
1986; “Event Theory”. In: KIM, J.; SOSA, E. (orgs.). A Companion to Metaphysics. Malden: Blackwell, 1995, p. 140-145.
BRANQUINHO, J. “Acontecimento”. In: BRANQUINHO, J.; MURCHO, D.; GOMES, N. G.
(orgs.). Enciclopédia de termos
lógico-filosóficos. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 14-19.
2. Cf.
LOMBARD, L. B. Event Theory. Op. cit., p. 140.
3. Cf.
MCTAGGART, J. M. E. The Nature of
Existence. Vol. II. Cambridge: Cambridge University Press, 1927.
4. Cf.
WHITEHEAD, A. N. The Principles of
Natural Knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, 1919; Process and Reality. London: Macmillan,
1929.
5. Cf.
BROAD, C. D. An Examination of McTaggart’
s Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 1933.
6. Cf.
BRANQUINHO, J. Acontecimento. Op. cit., p. 16.
7. Cf.
BRÜNTRUP, G. Das Leib-Seele-Problem. Eine
Einführung. Stuttgart: Kohlhammer, 2008, 3ª ed., p. 76 e ss.
“Badiou19 interpreta a situação da
filosofia hoje marcada basicamente por três posturas filosóficas: Heidegger,
que retoma a questão do ser, a racionalidade científica considerada
hegemonicamente como o paradigma do pensar e o desenvolvimento de uma doutrina
pós-cartesiana do sujeito, cuja origem se situa em práticas não filosóficas – a
política (Marx, Lenin) e a psicanálise (Freud e Lacan). Uma convicção básica no
contexto desses pensamentos é que é impossível a articulação de um discurso
filosófico acabado. Dessa forma se encerra a época da metafísica, e com seu fim
se abre um horizonte diferente para o pensar.
Ele
considera basicamente quatro tipos de crítica à metafísica – a filosofia
transcendental, o positivismo, a filosofia dialética e a filosofia de Heidegger
– e as reúne sob o nome de “arquimetafísica”.20
Em última instância, a metafísica manifestou a pretensão de enfrentar
racionalmente a questão da existência do infinito, o que essas filosofias
contemporâneas consideram estar para além daquilo que as capacidades do ser
humano possibilitam. É isso que, para Badiou, faz com que essas filosofias se
concentrem consensualmente na problemática da “finitude”.21
Badiou
interpreta essas críticas atuais à metafísica como sendo todas elas, em última
instância, uma crítica à incapacidade da metafísica de determinar a verdadeira
natureza do ente.22 Para ele, os críticos
da metafísica constroem uma oposição que é também política, como se mostra
claramente na crítica de Heidegger, para quem a metafísica é um poder
instituído, uma visão do mundo hegemônica que conduzirá à destruição do planeta
entregue ao poder da técnica.23
A grande
contribuição da filosofia analítica consiste, para Badiou, na retomada da postura
dos gregos de que a matemática é o modelo da investigação ontológica –
portanto, o discurso do ser, embora, por outro lado, ela permaneça na dimensão
puramente semântica e gramatical, reduzindo suas análises aos enunciados. É uma
filosofia simpática, mas conservadora, pois elimina a revolta, o risco, o
engajamento e se faz uma “filosofia da regra”.24
Daí sua contraposição à redução da filosofia à análise das expressões
linguísticas, à investigação sobre as condições de possibilidade de enunciados
verdadeiros e à substituição da metafísica pela experimentação das ciências.
Por outro lado, Badiou acentua a dívida que temos com Heidegger por ele ter
reorientado a filosofia à questão do ser, e ter mostrado o problema do
esquecimento do ser na filosofia do Ocidente desde Platão,25
embora não concorde com a interpretação de Heidegger, que vê a metafísica
marcada por uma disposição niilista de fundo.26
Com
Heidegger, ele assume que a questão central é a questão do ser, embora se tenha
de afirmar que a maneira como Heidegger entende o ser27
não é propriamente o que Badiou trabalha como sendo a questão de ser pelo menos
no que ele apresenta como ontologia, pois em Heidegger não se trata
simplesmente de recuperar de outra forma a questão levantada por Aristóteles do
“ente enquanto ente”. Certamente se pode dizer que as considerações de Badiou
sobre o “acontecimento” se situem, de certa forma, na linha de pensamento
aberta por Heidegger. Na realidade, seu problema fundamental é como pensar o
“ente enquanto ente”,28 e ele o faz em
radical contraposição à forma de articular essa questão que constitui para ele,
desde Aristóteles, o fio condutor do pensamento ocidental, que pensa o ente a
partir da supremacia absoluta da unidade.
É nesse
sentido de recuperação da “questão do ente” que Badiou afirma que não se
submete às injunções críticas de Kant e de toda a tradição de filosofias que
sustentam a tese de que a constituição dos objetos do mundo se faz a partir de
um sujeito transcendental, e, por consequência, que o eixo fundamental da
interrogação filosófica se centra na consideração desse aparato transcendental.29 A crítica elaborada por essa tradição
esquece o que constitui o essencial da metafísica, que consiste precisamente na
subsunção do existente ao racional, um procedimento que tem na matemática seu
paradigma, como se deu, por exemplo, em Platão, Descartes, Espinosa e Leibniz.
Q.
Meillassoux denomina essa posição de “correlacionismo”, que consiste, segundo
ele, basicamente na tese de que somente temos acesso à correlação entre
pensamento e ente, e a nenhum dos termos separado do outro; ou seja, não
conseguimos representar o “em si” sem que ele se torne um “em nós”. Para ele,
uma das principais questões da filosofia até Kant era a problemática da
“substância”. Com a virada transcendental, a questão fundamental é pensar a
correlação: o ente só existe enquanto correlato entre mente e mundo. Daí a tese
da finitude: todo conhecimento do absoluto de qualquer tipo é impossível.30 Meillassoux procurou estabelecer os marcos
teóricos dessa posição alternativa que já se denominava “realismo especulativo
(virada especulativa)”,31 que se
caracteriza precisamente por se contrapor à redução da filosofia à análise de
textos ou à estrutura da consciência em favor da consideração de questões
ontológicas.
Badiou
apresenta uma nova proposta de articulação da filosofia32
a partir de três pontos básicos: a questão ontológica, como nos mostrou
Heidegger, é o ângulo da reestruturação da filosofia; a revolução matemática de
Frege e Cantor apresenta o quadro teórico para a configuração da ontologia; por
fim, “nenhum aparato conceitual é pertinente se ele não for homogêneo às
orientações teórico-práticas da doutrina moderna do sujeito, ela própria
interior a processos práticos (clínicos ou políticos)”.33
Por essa
razão, o quadro conceitual da filosofia deve, para ele, abarcar hoje fatores
distintos: sua própria história, as matemáticas pós-castorianas, a psicanálise,
a arte contemporânea e a política (marxismo), e sua tarefa básica consiste em
“propor um quadro conceitual onde se possa refletir a compossibilidade
contemporânea desses elementos”,34 embora
Badiou não legitime explicitamente a possibilidade de conjugação de diferentes
quadros teóricos.
De
qualquer forma, para ele essa posição se contrapõe claramente ao historicismo
vigente no pensamento contemporâneo que reduziria a filosofia a comentários a
respeito dos seus momentos mais importantes, uma posição que Badiou denomina a
“vertente museológica” da filosofia. Nessa perspectiva, o pensamento de Badiou
significa uma retomada do caráter propriamente teórico da atividade filosófica,
o que certamente lhe foi possibilitado pela proximidade às teorias matemáticas.35
Levando
em consideração a problemática do pensamento clássico e a das filosofias
contemporâneas no pensamento de Badiou, B. Dias afirma que ele estabelece duas
tarefas fundamentais para uma filosofia que se articula no contexto teórico
vigente hoje: acabar com os temas da “unidade” do ente e da “finitude”.
Trata-se de retomar a afirmação básica da metafísica clássica da possibilidade
de uma consideração racional do infinito, mas, para além dela, deixar de
remeter o infinito à figura do um.36
A tese
inicial dessa proposta é que a ciência do ente enquanto ente existe desde os gregos,
uma vez que esse é o estatuto e o sentido das matemáticas que são, a partir de
Platão, o modelo da certeza, o que significa dizer que a filosofia não tem a
ontologia como seu centro; mais precisamente, a filosofia, em sentido estrito,
não pode produzir um discurso sobre o ente: “[...] a filosofia está originariamente separada da ontologia”.37 A ontologia é uma disciplina exata e
separada que constitui o cerne das matemáticas, embora os matemáticos não
saibam disto: os matemáticos são ontólogos sem o saber. Dessa forma, o que é
dizível sobre o ente enquanto ente de nenhuma forma pertence ao discurso
filosófico.
Para
Madarasz,38 a principal contribuição de
Badiou para a filosofia é sua tese sobre a ontologia, e a relação pensada entre
matemática e metafísica foi o que ajudou a filosofia francesa a superar uma
longa fase heideggeriana.39 Essa base,
para Badiou, constitui na realidade a delimitação do campo específico da
filosofia: a questão do que não é o ente enquanto ente. Daí sua tese que é
fundamental para o objeto deste livro: a ontologia só se pode articular sob a
forma das matemáticas,40 já que “as
matemáticas escrevem aquilo que, do próprio ser, é pronunciável no campo de uma
teoria pura do múltiplo”.41
A
ontologia é, assim, a teoria matemática do múltiplo, o que significa uma
decisão clara de Badiou de romper com a supremacia do “um” na ontologia. Dessa
forma, a primeira afirmação dessa ontologia é: situações não são mais em seu
ser do que pura multiplicidade. Isso implica que o discurso do ente enquanto
ente se subtrai da definição do múltiplo, uma vez que a definição instaura a
unidade na linguagem. A alternativa aqui é o recurso ao axioma, porque ele não
define o que pensa.42 Badiou enumera os
axiomas do múltiplo que considera fundamentais: o axioma da extensionalidade,
dos subconjuntos, da união, da separação, da substituição, do conjunto vazio,
do infinito, do fundamento.43
Para
Badiou, há duas vias ou duas orientações que marcam todo o pensamento do Ocidente:
a primeira se apoia na natureza em seu sentido originário, acolhido em poesia,
do aparecer como presença “ad-venante”
do ente. A outra se apoia na ideia, no sentido platônico, e submete ao matema a
falta, a subtração de toda presença, o que separa o ente do aparecer, a
essência da existência. O pensamento originário se move no poético e no
“deixar-ser” do aparecer.
O que
caracteriza propriamente a emergência da filosofia na Grécia não é esse
pensamento originário que existe também na China, na Índia, no Egito etc.: “O
que constitui o evento grego é, ao contrário, a segunda via, que pensa substrativamente o ser no modo de um
pensamento ideal, ou axiomático”.44 Os
gregos interromperam o poema pelo matema, desligaram o pensamento do ente de
seu encadeamento poético e articularam a ontologia enquanto ontologia
matemática.”
19. Cf.
BADIOU, A. O Ser e o Evento. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed./Ed. UFRJ, 1996, p. 11.
20. Cf. idem. “Metaphysics and the critique of
metaphysics”. Pli, n. 10, Warwick,
2000, p. 178. Cf. DIAS, B. M. F. P. Acontecimento,
Verdade e Sujeito. A Política como Condição da Filosofia em Alain Badiou (mimeo).
Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa, 2011, p. 50-51.
21. Cf. idem. Court Traité d’ Ontologie Transitoire.
Paris: Seuil, 1998, p. 21.
22. Cf. idem. Metaphysics and the critique of
metaphysics. Op cit., p. 174-190.
24. Cf.
BADIOU, A. Para uma teoria do sujeito:
conferências brasileiras. Rio de Janeiro: Relume- Dumará, 1994, p. 16.
25. Cf. idem. Court Traité d’ Ontologie Transitoire.
Op cit., p. 25.
26. A
respeito da superação do pensamento de Heidegger por Badiou, cf.: MADARASZ, N.
R. “A Superação da Ontologia Fundamental de Heidegger pela Filosofia em Sistema
de Alain Badiou”. Ensaios Filosóficos,
v. IV, 2011, p. 93-119.
27. Cf.
OLIVEIRA, M. A. de. “Teoria do Ser primordial como tarefa suprema de uma
Filosofia sistemático-estrutural”. Síntese.
Revista Filosófica, v. 39, n. 123, 2012, p. 56-63.
28. A
tradução em língua portuguesa traz o título Ser
e Evento. Filosoficamente, levando em consideração o que Heidegger entende
como a questão do ser e a diferença ontológica, seria mais preciso falar aqui
de “ente”. Por essa razão falarei de ente e não de ser.
29. Cf.
BADIOU, A. Deleuze, la Clameur de l’Être.
Paris: Hachette, 1997, p. 69.
30. Cf.
MEILLASSOUX, Q. Après la finitude. Essai
sur la nécessité de la contingence. Paris: Seuil, 2006, p. 6.
31. Cf.
BRYANT, L. R.; SRNICEK, N.; HARMAN, G. The
speculative turn: continental materialism and realism. Melbourne: re.
press, 2011.
32. Cf.
BARKER, J. Alain Badiou: A Critical
Introduction. Londres: Pluto Press, 2002. BESANA, B.; FELTHAM, O. (orgs.).
Écrits Autour de la Pensée d’ Alain Badiou. Paris: L’Harmattan, 2007. NORRIS,
C. Badiou’ s Being and Event.
Londres: Continuum, 2009.
33. Cf.
BADIOU, A. O Ser e o Evento. Op cit., p. 12.
35. Cf.
BADIOU, A. Conditions. Paris: Seuil,
1992, p. 57. DIAS, B. M. F. P. Acontecimento,
Verdade e Sujeito. Op cit., p.
47.
36. Cf. ibidem, p. 54.
37. Cf.
BADIOU, A. O Ser e o Evento. Op cit., p. 20.
38. Cf.
MADARASZ, N. R. O múltiplo sem um: uma
apresentação do sistema de Alain Badiou. Aparecida: Ideias & Letras,
2011, p. 29.
39. Com
essa tese, para Madarasz, Badiou retoma um traço característico do pensamento
francês da década de 1960. Cf. ibidem,
p. 14, 17-18: “De fato, o momento filosófico do estruturalismo, organizado nos
projetos de pesquisas em torno de Lacan e de Althusser, dava um lugar central
tanto à lógica quanto à matemática. Esse movimento do pensamento, entre tantos
outros, foi transformado pelo acontecimento maio- junho de 1968… o projeto de
um campo estritamente lógico-matemático dentro da filosofia como trabalho de
fundamentação diminuiu em intensidade, inclusive caindo em suspeição, por ser
uma redução da prática filosófica às regras da lógica”. Foi isso que fez surgir
uma nova forma de filosofar que os norte-americanos denominaram
“pós-estruturalismo” e que teve em Lyotard, Foucault, Deleuze-Guattari e Derida
seus maiores expoentes.
40. Cf.
BADIOU, A. Court Traité d’ Ontologie
Transitoire. Op cit., p. 35.
41. Cf. idem. O Ser e o Evento. Op cit., p. 14. RAMOND, C. (org.). Alain Badiou: Penser la Multiplicité.
Paris: L’Harmattan, 2002.
42. Cf. BADIOU, A. Court traité d’ontologie transitoire. Op cit., p. 31.
43. Cf. idem. O Ser e o Evento. Op cit., p. 56-63. MADARASZ, N. R. O múltiplo sem um. Op cit., p. 43- 51.

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