sábado, 5 de abril de 2025

De Martí a Fidel: a Revolução Cubana e a América Latina (Parte I), de Luiz Alberto Moniz Bandeira

Editora: Civilização Brasileira

ISBN: 978-85-200-0866-9

Opinião: ★★★★☆

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Páginas: 798

Sinopse: De Martí a Fidel – a Revolução Cubana e a América Latina apresenta um panorama do processo revolucionário em Cuba desde os anos 30. Nesta segunda edição, o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira acrescentou a análise de fatos ocorridos após 1998, data da primeira edição, até o afastamento de Fidel Castro do poder, em 2008. Esta edição traz ainda um encarte com fotos de época.

O autor destaca o papel de países da América Latina, sobretudo Brasil e México, em episódios cruciais da Revolução Cubana, como a Crise dos Mísseis, em 1962. A obra é uma referência entre a literatura desta importante parte da história latino-americana, que predominantemente é impregnada pela visão norte-americana.

Para conferir uma visão brasileira sobre o tema, o autor pesquisou por dois anos a documentação confidencial e secreta do Arquivo Histórico do Itamaraty entre os anos 50 e 60 e outros documentos de pessoas-chave na política internacional da época como Francisco Clementino San Tiago Dantas, Ministro das Relações Exteriores do Governo João Goulart. Durante a VIII Reunião dos Chanceleres Americanos, em Punta del Leste, 1962, O ex-ministro exerceu um papel fundamental ao defender o direito à autodeterminação de Cuba.

Moniz Bandeira contextualiza a Revolução Cubana com os demais movimentos revolucionários da época, como o peronismo na Argentina (1945-1956) e o regime reformista na Guatemala (1944-1954), derrubado pela CIA. Segundo o autor, estas e outras revoluções ocorridas na América Latina um pouco antes da cubana são fundamentais para entender o episódio cubano.

O autor afirma que a implantação do regime comunista nos moldes dos países do Leste Europeu não foi reflexo de uma ação da antiga URSS, mas sim uma consequência da intolerância dos EUA em relação às políticas públicas igualitárias implementadas na ilha, como a reforma agrária. Moniz Bandeira conclui que a radicalização da revolução cubana foi uma defesa do país em relação aos EUA.



Os Estados Unidos já não se podem apresentar como a grande democracia. Seus valores políticos e morais foram golpeados pela revelação das torturas em Abu Ghraib e no campo de concentração de Guantánamo. Seu poderio militar, quanto mais enorme, com uma capacidade de destruir sem paralelo na história, mais se torna inútil, porque não pode ser aplicado. Os resultados anulariam todas as vantagens econômicas e políticas. Seriam inaceitáveis. Os políticos de Washington sempre foram tentados por uma “illusion of omnipotence”, como observou Eric Hobsbawm.7 Porém, a continuidade do regime revolucionário em Cuba demonstrou que os Estados Unidos não podem fazer tudo o que querem, ainda que possam destruir tudo. A guerra no Iraque comprova, mais uma vez, depois da Guerra do Vietnam, que eles não têm condições de impor um controle efetivo sobre um país que resiste e, menos ainda, sobre o resto do mundo, onde os focos de contestação se propagam cada vez mais.”

7. Prefácio — Kiernan, 2005, p. xii.

 

 

“A presença da Espanha no Caribe, conservando ainda Cuba e Porto Rico como colônias, continuava, no entanto, a incomodar os Estados Unidos, cujo propósito de anexar aquelas ilhas nunca se desvanecera, e eles, sem dúvida alguma, encorajaram, direta ou indiretamente, as lutas pela independência que lá recomeçaram em 1895. Esperavam colher o fruto maduro depois que elas se desprendessem da Espanha. E contavam com o apoio em Cuba de amplo segmento social favorável à anexação. Durante a chamada Guerra dos Dez Anos, que Carlos Manuel Céspedes desencadeara em 1868 contra o domínio de Espanha e terminara, em 1878, com o Pacto de Zanjón, as tendências anexionistas se manifestaram, e a luta pela independência de Cuba, no mais das vezes, significara sua incorporação aos Estados Unidos, conforme proposto pelo Congresso de Guáimaro.37 O general Ulisses Grant, comandante das forças do Norte durante a secessão, e eleito, em 1868, presidente dos Estados Unidos, quase envolveu seu governo naquela guerra de 10 anos, não só devido à sua própria tendência (ele pretendera inclusive conquistar e República Dominicana) e aos anseios anexionistas do país, mas ao fato de que muitos cubanos desejavam e lhe pediam a intervenção. Os Estados Unidos, que emergiram da guerra civil com feridas a cicatrizar e vários problemas ainda por vencer, não podiam, naquelas circunstâncias, atender a tais apelos, sobretudo porque o seu envolvimento com os rebeldes, visando à anexação de Cuba, implicaria um conflito armado com a Espanha. No entanto, quando a luta pela independência, em 1895, recomeçou sob o comando de Máximo Gomez, as condições internas e externas se configuravam de forma diferente. Os capitalistas norte-americanos já controlavam o comércio de exportação de Cuba por meio de um trust, a American Sugar Refining Co., que Henry O. Havemeyer formara, em 1887, com a fusão de 19 pequenas refinarias, passando a monopolizar a compra do açúcar bruto38 e até 98% do produto refinado consumido no mercado norte-americano. E a Espanha, a fim de não perder as colônias no Caribe, cedera às pressões dos Estados Unidos, após muita relutância, ao firmar, em 1891, o acordo de reciprocidade comercial, mediante o qual obteve para os açúcares que elas produziam as mesmas isenções tarifárias outorgadas ao Brasil naquele mesmo ano. Com isso, a produção açucareira de Cuba recebeu forte estímulo e passou a depender ainda mais, em ampla medida, do mercado norte-americano, tanto para o seu escoamento, dado que a fabricação de açúcar a partir da beterraba reduzia-lhe a demanda na Europa, inclusive na Espanha, quanto para a aquisição da maquinaria necessária à rápida modernização tecnológica e ao funcionamento das usinas. Em 1892, enquanto a Espanha comprava apenas 328.521 sacas de açúcar bruto de Cuba, os Estados Unidos importavam quase quatro vezes mais, ou seja, 1.154.194 sacas.39 Não sem fundamento, o jornalista britânico W. T. Stoad, ao escrever para a Review of Reviews de outubro de 1891, declarou que o tratado de reciprocidade, efetivando a isenção de tarifas autorizada pelo McKinley Act, convertera Cuba “virtualmente em uma possessão dos Estados Unidos”.40

O boom produzido na economia cubana pelo tratado de reciprocidade de 1891 não durou muito tempo. Afetada pelo crack de 1893, a economia cubana sofreu forte golpe e abismou-se na mais profunda crise, em 1894, com a promulgação do Wilson-Gorman Act, que submetia a pagamento de tarifas, em até 40%, os açúcares estrangeiros, importados pelos Estados Unidos, e anulava, em consequência, os acordos de reciprocidade comercial celebrados com a Espanha, o Brasil e outros países. Diante de tal situação, não havia aparentemente outra perspectiva senão a anexação de Cuba aos Estados Unidos. Por um lado, o Pacto de Zanjón se frustrara, na medida em que a Espanha se esquivara de cumprir o compromisso de conceder à ilha, conforme negociado com os autonomistas, o status de província ultramarina, com direitos políticos iguais aos vigentes no seu território europeu. Por outro, a manipulação das tarifas pelos Estados Unidos, ao isentar o açúcar e outros produtos de seu pagamento e, em seguida, abolir essa concessão, mostrava a Cuba as vantagens que teria em libertar-se do domínio colonial da Espanha e incorporar-se àquele país. Suas classes dominantes, cujos interesses se entreteciam com os dos norte-americanos e se concentravam sobretudo na produção e comercialização do açúcar, tendiam, geralmente, para essa solução, embora alguns segmentos preferissem a fórmula da autonomia, mantendo a ilha como província ultramarina da Espanha. Os homens que deflagraram, em 1895, a luta armada contra o domínio de Madri, no entanto, queriam a mais completa independência de Cuba e repudiavam tanto o projeto de autonomia quanto a ideia de anexá-la aos Estados Unidos. O general Antonio Maceo, que se insurgira, em Baraguá, contra o Pacto de Zanjón, por julgá-lo uma “rendição desonrosa”, e voltara, em 1895, a comandar também os insurretos, declarou certa vez que se Cuba viesse a tornar-se mais uma estrela na “cintilante constelação” norte-americana, conforme o desejo manifestado pelo jovem anexionista José J. Hernández, este seria o “único caso” em que ele, provavelmente, estaria ao lado dos espanhóis.41 Por sua vez, José Martí, fundador do Partido Revolucionário Cubano e considerado apóstolo da independência de Cuba, escreveu a Manuel Mercado, em 18 de maio de 1895, um dia antes de tombar no combate de Dos Rios, que arriscava a vida pelo seu país e pelo dever de impedir que os Estados Unidos se estendessem às Antilhas, bem como “la anexión de los pueblos de nuestra América al Norte revuelto y brutal que los desprecia”.42 Ele, que residira 15 anos em Nova York, de onde organizara a luta armada pela independência de Cuba, podia dizer: “Vivi en el monstruo y le conozco las entrañas — y mi honda es la de Davi.”43

38. Hilferding, 1968, Band II, p. 307; Roosevelt, 1985, p. 441.

39. Foner, A History of Cuba and its Relations With the United States, 1963, p. 298.

40. Id., ibid., p. 341.

41. Id., ibid., p. 314. Dirección Política de las FAR, 1983, p. 437.

42. Martí, Obras Escogidas, 1992, tomo III, p. 604.

43. Id., ibid., p. 604.

 

 

Assim, conquanto pudessem tender para o corporativismo ou mostrar alguma simpatia pelo Eixo, os regimes implantados na Bolívia, uma “nação proletária”, segundo a conceituação de Paz Estenssoro,58 assim como na Argentina e no Brasil, países ainda predominantemente agrícolas, não revestiram um Estado em contrarrevolução permanente, que constituiu a essência do nazifascismo na Itália e na Alemanha, cujas políticas se ajustavam aos interesses dos monopólios industriais e do capital financeiro. Pelo contrário, na Bolívia, assim como na Argentina e no Brasil, o nacionalismo autoritário, estatizante, configurou um processo revolucionário, ao permitir a consolidação ou o avanço de conquistas sociais, juntamente com o esforço de desenvolvimento econômico, contra o predomínio estrangeiro, máxime dos Estados Unidos, cujas relações com a América Latina se assentavam em padrões neocoloniais, ou seja, na troca de produtos industriais por matérias-primas. Esse fenômeno se deveu, entre outros fatores, a que, salvo raras exceções, as organizações soi-disant de esquerda, aferradas ao modelo da revolução russa e aos esquemas doutrinários do bolchevismo, não compreenderam as especificidades da América Latina e os partidos comunistas, depois que as tropas da Alemanha invadiram a União Soviética, alinharam-se com as oligarquias nacionais, apoiando as políticas dos Estados Unidos. O Foreign Office, entretanto, percebeu que os golpes de Estado na Argentina e à Bolívia não representavam clara ameaça de introdução das doutrinas econômicas e políticas do fascismo e do nazismo, mas a reemergência, em forma aguda, do nacionalismo, que era “endêmico” e, às vezes, “epidêmico” em todos ou quase todos os países da América Latina.59 Segundo os diplomatas britânicos, quando o Departamento de Estado e outros setores da administração norte-americana referiam-se à Argentina e à Bolívia com os qualificativos de nazi e fascista, o que talvez eles temessem, realmente, não era a ação da Alemanha e da Itália, e sim o julgamento de todos os países da América Latina contra a influência dos Estados Unidos.60

58. Payne, A History of Fascism — 1914-1945, 1995, p. 334.

59. Minuta de P. Maison, 14/1/1944, file AS130, PRO-FO 371 376698. Minuta do lorde Halifax, telegrama do Foreign Office para a embaixada britânica em Washington, 15/1/1944, 12:25pm, file 294, PRO-FO 371 376988.

60. Inclose Minute — Conversation with Mr. Boham and C.B. Jerram, 22/12/1943, anexada à carta de J. V. Perowne, 27/12/1943. Ibid.

 

 

Os camponeses e os trabalhadores das cidades e dos campos realmente estavam solidários com o governo Castro, com o qual se identificavam, em virtude de benefícios reais que ele em dois anos lhes propiciara. Além da reforma agrária, que beneficiara mais de 100.000 famílias, o governo revolucionário promovera a reforma urbana, reduzindo os aluguéis pela metade e possibilitando também aos moradores adquirir a propriedade das casas e apartamentos onde moravam, e estava a empreender a construção de milhares de casas, a baixo custo, para as camadas mais pobres da população. Ao mesmo tempo, deflagrara uma campanha de educação, já quase a eliminar, em pouco tempo, o analfabetismo, que em 1959 afetava mais de 30% da população, e tornara públicas, abertas a todos, as praias de Cuba, antes propriedade privada dos hotéis e dos magnatas. Por fim, o crônico desemprego, em que aproximadamente 600.000 cubanos, em uma população de cerca de 6,5 milhões, viviam, estancara ou diminuíra, enquanto a distribuição de renda tornava-se mais igualitária, favorecendo especialmente as zonas rurais.144

Não sem fundamento, o encarregado de Negócios do Brasil, Carlos Jacyntho de Barros, previra que os extremismos de direita e esquerda caracterizariam a política de Cuba por muito tempo, se os exilados assumissem o poder com o auxílio dos Estados Unidos, pois se “alguma coisa de perene” a revolução oferecera à história daquele país, fora, por certo, a “popularização irreversível dos princípios de reforma econômica e social”, que alguns setores insistiam “imprudentemente” em desconhecer.145 Por esta mesma razão, Schlesinger advertiu Kennedy, uma semana antes da invasão da Baía dos Porcos, de que, se o regime pós-Castro começasse a devotar sua primeira atenção aos donos de propriedades confiscadas e aos investimentos estrangeiros; se chutasse outra vez a gente humilde das praias e dos hotéis; se tentasse fazer retroagir o relógio econômico e social — “tais coisas documentariam vitoriosamente a afirmação da União Soviética de que o motivo dos Estados Unidos para derrubar Castro fora tornar Cuba outra vez segura para o capitalismo norte-americano”.146 Felizmente, na opinião do embaixador Philip Bonsal, a aventura fracassou, porque, se o empreendimento triunfasse devido à presença de forças norte-americanas, o governo cubano pós-Castro teria sido totalmente inviável; ele teria requerido o constante suporte dos Estados Unidos, e isto não conquistaria o respeito do povo cubano; os heróis daquele povo seriam os que resistiram aos norte-americanos, com as armas na mão, ainda que sem sucesso. O cenário com que Castro contara — Bonsal observou — haveria sido criado e os Estados Unidos atolar-se-iam em prolongada guerra de guerrilhas dentro de Cuba.147 Opinião semelhante o embaixador Ellis O. Briggs manifestou, ao ponderar que o fracasso da operação na Baía dos Porcos constituiu trágica experiência para os cubanos nela envolvidos, porém foi uma sorte para os Estados Unidos, ainda que humilhante, porque, de outro modo, ela seria selada com uma indefinida ocupação da ilha pelas forças norte-americanas.148 Henry Raymont, correspondente da United Press International em Havana, previu igualmente que se os Estados Unidos consumassem a invasão, seu prestígio na América Latina ficaria em ruínas.149 E quando um ano depois Kennedy lamentou a derrota, Clayton Fritchey, da equipe do embaixador Adlai Stevenson, disse: “Senhor Presidente, poderia ter sido pior.” “Como?” — Kennedy perguntou. E ele respondeu: “Se tivéssemos vencido”.150

Com efeito, a invasão da Baía dos Porcos, como Piero Gleijeses salientou, não foi um empreendimento em que os Estados Unidos cooperaram com a resistência cubana contra o regime instalado em Cuba por Fidel Castro. Os cubanos nela envolvidos foram empregados da CIA — Gleijeses salientou —, como os guatemaltecos que antes participaram da operação contra o governo Arbenz. Os que se amotinaram foram presos e confinados nas selvas, ao norte da Guatemala. Os planos foram feitos pelos Estados Unidos, que selecionaram os líderes, mantendo-os sob prisão domiciliar e incomunicáveis na base militar de Opa-Locka (Flórida) até o dia da invasão. O inspetor-geral da CIA, general Lyman Kirkpatrick, após investigar as causas do fiasco na Baía dos Porcos, nos seis meses subsequentes, escreveu um duro relatório, só revelado em 1998, e assinalou, entre vários outros desacertos, que, conquanto o número dos funcionários norte-americanos encarregados do Cuban Project na CIA saltasse de 40, em janeiro de 1960, para 588, em 16 de abril de 1961, poucos falavam espanhol, e os líderes rebeldes, integrantes do Conselho Revolucionário, foram tratados como “puppets”.151 Este mesmo general, em artigo posteriormente publicado, escreveu que, se havia resistência a Fidel Castro, esta se encontrava em Miami, e que todas as informações de fontes aliadas indicavam claramente que ele tinha o comando da ilha e contava com o respaldo da maioria da população, que lá permanecera.152So when we are talking about the Bay of Pigs”, Gleijeses definiu com precisão, “we are talking about U. S. Aggression against Cuba, just like we were talking about Guatemala before”.153

Kennedy não teve alternativa senão assumir publicamente a responsabilidade pelo humilhante mas venturoso fiasco, com o qual a CIA, em vez dos US$ 4,4 milhões previstos no orçamento inicial, gastara mais de US$ 46 milhões, no ano fiscal de 1960/61.154 Sem ter mais como negar o envolvimento dos Estados Unidos, cujo mito da invencibilidade na Baía dos Porcos chafurdara, declarou aos repórteres: “There is an old saying that the victory has a hundred fathers, and defeat is an orphan. I am the responsible officer of this government”.155 Sim. Ele fora o responsável pela invasão de um país com o qual os Estados Unidos não estavam, oficialmente, em guerra, uma invasão organizada na surdina, in silentio noctis, com todo o requinte da perfídia, bem como pelos atos de sabotagem e terrorismo, que produziram em Cuba centenas de vítimas inocentes. Mas, ao que tudo indicou, entendeu que o preço do cancelamento seria maior do que o que teria de pagar com o fracasso da invasão e simplesmente preferiu desembaraçar-se daquele contingente de exilados que formaram a Brigada 2506, lançando-o às praias de Cuba, para onde eles queriam ir,156 a ser acusado de covardia e de nada ter feito contra Castro. De qualquer modo, se os princípios jurídicos e morais efetivamente prevalecessem nos Estados Unidos, Kennedy, como presidente, seria passível de impeachment por haver violado as próprias leis norte-americanas, entre as quais o Neutrality Act, desrespeitando os tratados internacionais, como a Carta da ONU, a Carta da OEA e o Tratado do Rio de janeiro, dos quais os Estados Unidos eram signatários.”

144. Mesa-Lago, Breve Historia Econômica de Cuba Socialista, 1994, pp. 24-25.

145. Ofício nº 51/600.(24h), confidencial, de Carlos Jacyntho de Barros, encarregado de Negócios, ao chanceler Afonso Arinos de Melo Franco, Havana, 30/12/1961. Revoluções — 1943-1967. 6.555 a 6.563. AHMRE-B.

146. Memorandum from the President=s Special Assistant (Schlesinger) to President Kennedy. Subject: Cuba: Political, Diplomatic and Economic Problems. Washington, April 10, 1961. FRUS, vol. X, 1961-1962, Cuba, pp. 196-203.

147. Bonsal, Cuba, Castro and the United States, 1972, p. 184.

148. Apud Bonsal, 1972, p. 185.

149. Wyden, Bay of Pigs — The Untold Story, 1979, p. 183.

150. Id., ibid., p. 183.

151. “The Inspector General=s Survey of the Cuban Operation” (General Lyman Kirkpatrick). National Security Archive at George Washington University. Website: http://www.seas.gwu.edu/nsarchive. Esse relatório do general Lyman Kirkpatrick, inspetor-geral da CIA, foi escrito em outubro de 1961, com duras críticas ao trabalho da CIA, e somente liberado 36 anos depois, em virtude de requerimento formulado pelo diretor do National Security Archive na George Washington University, com base no Freedom of Information Act, em fevereiro de 1998. Kirkpatrick e seus inspetores entrevistaram cerca de 300 pessoas da CIA que trabalharam no Cuban Project. Considerado ofensivo aos funcionários daquele órgão de inteligência, John McCone, que substituiu Allen Dulles, ordenou que todas as cópias fossem destruídas, exceto uma, que permaneceu fechada no seu cofre. Peter Wyden escreveu: “His (Kirkpatrick) report, never declassified and probably buried forever, was devastating.” Wyden, 1979, p. 322. Provavelmente foi esse o documento perdido a que H. R. Haldeman, chefe do staff do presidente Nixon, referiu-se em uma conversa que com ele manteve em 17 de maio de 1973, dizendo que a CIA ou alguém o fizera desaparecer para impedir o esforço de descobrir o que realmente acontecera na Baía dos Porcos. Kutler, 1997, p. 528.

152. Apud Wyden, 1979, p. 322.

153. Blight & Kornbluh, 1998, p. 72.

154. “The Inspector General=s Survey of the Cuban Operation” (general Lyman Kirkpatrick). National Security Archive at George Washington University. Website: https://nsarchive2.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB341/IGrpt1.pdf. Segundo a embaixada do Brasil em Washington, os gastos chegaram a US$ 200 milhões. Telegrama nº 70, do Itamaraty para a Embaixada do Brasil em Washington, 16/6/1961, 6560 — 601.3 (24h) — Revolução — 1943 a 1967. AHMRE-B.

155. Quirk, Fidel Castro, 1993, p. 374.

156. Higgins, 1989, p. 117. Hersh, 1997, The Dark Side of Camelot, p. 210.

 

 

“O segundo golpe coube a Castro desfechar, quando proclamou o caráter socialista da Revolução Cubana. Tal afirmação contrariou todos os dogmas que Joseph Stalin e seus epígonos, como Kruchev, Mao Zedong e outros, cristalizaram, sob o rótulo de marxismo-leninismo. A Revolução Cubana, que Castro qualificara como socialista, fora realizada não por um partido supostamente operário, constituído sob as normas do chamado centralismo-democrático e rotulado de comunista, mas pelo M-26-7, uma organização composta, sobretudo, por elementos das classes médias, que, no curso da guerra de guerrilhas, passaram a incorporar ao Exército Rebelde camponeses e trabalhadores rurais, os guajiros, em benefício dos quais realizaram a reforma agrária. Os dirigentes comunistas, que visitavam Havana, consideravam a revolução em Cuba estranha ao modelo por eles reconhecido, dado lá não existir um operariado industrial, e julgavam Fidel Castro e seus companheiros um “grupo inexperiente, com formações ideológicas diversas e pouco definidas”, orientados pelo que qualificaram como “‘marxismo amador, ou melhor ainda, como cubanismo”.5 Teoricamente, de conformidade com a ortodoxia stalinista, Cuba não tinha condições materiais senão para uma revolução agrária e democrática, mediante a instalação de um “governo patriótico”, de união com a burguesia progressista, que se propusesse a impulsionar o processo de industrialização e, libertando o país do domínio imperialista, promover o desenvolvimento econômico e a emancipação nacional. Os dirigentes do M-26-7, mormente os comandantes do Exército Rebelde, também convinham em que a principal tarefa da revolução consistia na realização da reforma agrária, que começara em Sierra Maestra, com o objetivo de criar condições para que Cuba se industrializasse, diversificasse seu comércio exterior e, elevando o nível de vida do povo, libertasse sua economia do predomínio norte-americano. Che Guevara, ao assumir o Departamento de Indústria do INRA, anunciara, no primeiro ano da revolução, o propósito de fomentar a industrialização, com medidas aduaneiras, para proteger a produção nacional de manufaturas, e a expansão de um mercado interno, a ele incorporando as massas camponesas, os guajiros, mediante a elevação do seu poder aquisitivo.6 Na primeira etapa, a meta não era criar indústrias de exportação, mas substitutivos de importações, devendo Cuba, mesmo sem possuir jazidas de ferro, obter financiamento da União Soviética para aumentar sua produção de aço, da ordem de 70.000 toneladas em 1959, para 350.000 e, em fases sucessivas, para 500.000 e 1.500.000 toneladas, dentro de alguns anos.7 Guevara entendia que, sem uma poderosa indústria siderúrgica, não seria possível a emancipação econômica e chegou a predizer que, dentro de 10 anos, Cuba figuraria entre os 10 maiores produtores de aço da América Latina.8 Seu projeto visava a capacitá-la com uma indústria pesada para que pudesse desenvolver, além da produção de açúcar, outras indústrias, como níquel, construção naval, automotriz e têxtil.9

Com a decisão de não redistribuir imediatamente a totalidade dos latifúndios expropriados pela reforma agrária e de criar, ao lado de cooperativas, as Granjas del Pueblo, dedicadas, principalmente, à pecuária e ao cultivo do arroz, o governo revolucionário estabeleceu, porém, as premissas sociais de um forte setor estatal, percebido como base para qualquer transformação econômica com sentido socialista. Este passo foi acentuado e acelerado na medida em que as contradições com os Estados Unidos se intensificaram, como consequência, sobretudo, das sanções econômicas que a administração Eisenhower começara a impor, a partir do primeiro acordo comercial entre Cuba e a União Soviética, em fevereiro de 1960. O governo revolucionário, no entanto, não podia erradicar (sem toda uma série de etapas intermediárias de desenvolvimento) os alicerces do capitalismo, ainda que promovesse radical redistribuição da propriedade territorial, favorecendo o campesinato. Com isto, sua economia assumiu um caráter misto, em forma híbrida de capitalismo de Estado, a partir do que Fidel Castro e Che Guevara trataram de impulsionar o processo autônomo de industrialização acelerada, com vistas à completa socialização de Cuba. Em tais circunstâncias, se qualquer país dentro do Bloco Soviético, inclusive a Albânia, o mais atrasado de todos, fosse considerado socialista, motivo não havia para recusar esse qualificativo à revolução em Cuba. Mas ao usá-lo, Fidel Castro, além de constranger politicamente a União Soviética, reduzindo-lhe, no contexto do conflito com a China, a liberdade de negociar com os Estados Unidos a invasão de Cuba em troca da anexação de Berlim Ocidental à República Democrática Alemã (Alemanha comunista), não só demoliu o dogma stalinista que atribuía sua direção ao partido comunista, pressuposto como vanguarda da classe operária, como reabilitou também a teoria da revolução permanente, defendida por Leon Trotski. Segundo esta teoria, a “solução verdadeira e completa das tarefas democráticas e nacionais-libertadoras” só seria concebível por meio da ditadura do proletariado, que assumiria a direção da nação oprimida e, antes de tudo, de suas massas camponesas.10 Trotski igualmente considerava que a construção do socialismo só seria concebível quando baseada na luta de classes em escala nacional e internacional, e, dada a dominação decisiva das relações capitalistas na arena mundial, essa luta não podia deixar de produzir erupções violentas, tanto no interior do país, sob a forma de guerra civil, quanto no exterior, sob a forma de guerra revolucionária. A revolução socialista não poderia completar-se dentro da moldura do Estado nacional, daí seu caráter permanente, quer se tratasse de um país atrasado, como Cuba, que apenas acabara de empreender a reforma agrária, aspirando à industrialização, quer se tratasse de um país capitalista desenvolvido, que já experimentara longo período de democracia.

Trotski prognosticara que em um país atrasado e semifeudal, como a Rússia, a revolução democrática, entendida como agrária e industrial, só seria possível sob a forma de ditadura do proletariado, apoiada pelos camponeses, e ela também teria de colocar na ordem do dia, inevitavelmente, as tarefas socialistas, imprimindo ao mesmo tempo formidável impulso à revolução socialista internacional, sem a qual o Poder Soviético não poderia subsistir.11 Diretrizes fortemente aparentadas com estas Castro e Che Guevara implementaram, tanto ao nível da teoria quanto da prática, no curso da revolução em Cuba. E, como os dirigentes bolcheviques, incorreram no mesmo erro de atribuir validade universal à forma insurrecional que acarretara a queda de Batista, transformando a necessidade em virtude. Um ano após a vitória da revolução, Che Guevara publicou um manual intitulado A guerra de guerrilhas,12 no qual, ao indicar a contribuição de Cuba aos movimentos revolucionários na América Latina, contestava, implicitamente, a doutrina que privilegiava a via pacífica para o socialismo, sustentada por Kruchev durante o XX Congresso do PCUS e desde então professada por todos os partidos comunistas, apesar de dissidências ocorrerem, com o apoio da China. De acordo com seu pensamento, nem sempre havia necessidade de esperar que todas as condições para a revolução amadurecessem, porquanto um foco insurrecional (guerrilhas) poderia criá-las e as forças populares poderiam ganhar uma guerra contra o Exército, na medida em que o campo seria, fundamentalmente, o terreno da luta armada na América subdesenvolvida.13 As condições por ele referidas eram aquelas em que, se as massas já não queriam a continuidade do status quo, as classes dominantes já não podiam sustentá-lo ao modo antigo. Esta situação realmente ocorrera em Cuba, quando a luta armada, que Castro e seus companheiros desencadearam a partir de Sierra Maestra, espraiou-se e, a prejudicar as atividades produtivas e os interesses das companhias norte-americanas, sobretudo às vésperas da colheita da cana-de-açúcar, sustentáculo de toda a economia cubana, o Departamento de Estado retirou o suporte dado a Batista e pressionou-o para que ele, já socialmente isolado, abandonasse o governo e fugisse. Certamente, o foco de guerrilha, como método para criar as condições que possibilitassem a vitória de unia insurreição, não seria viável em países que, como o Brasil, já haviam alcançado certo nível de urbanização e industrialização, conforme o próprio Guevara reconhecera,14 ou mesmo em outras regiões da América Latina, ainda que subdesenvolvidas, quando os Estados Unidos já estavam alertados pelo rumo que a revolução em Cuba tomara.

Contudo, Fidel Castro e Guevara não apenas difundiram o método das guerrilhas — a via cubana da insurreição — para que servisse de exemplo e modelo, como trataram de impulsionar materialmente sua aplicação em todos os países da América. De um lado, eles necessitavam que a revolução se alastrasse, como um incêndio, a outras partes do Hemisfério, de modo a aliviar as pressões que os Estados Unidos exerciam sobre Cuba. De outro, fizeram-no, porque, imbuídos de espírito messiânico, criam que, assim como Simón Bolívar, José de San Martin e José Martí lutaram, no século XIX, contra o domínio colonial de Espanha, eles, Castro e Guevara, estavam predestinados à missão de libertar a América Latina do jugo imperialista exercido pelos Estados Unidos. O próprio Fidel Castro manifestou o propósito de “continuar haciendo de la nación el ejemplo que puede convertir a la cordillera de los Andes en la Sierra Maestra del continente americano”.15 E não escondeu que, se os Estados Unidos se supunham no direito de promover a contrarrevolução em Cuba e a reação na América Latina, Cuba também se sentia no direito de alentar a revolução continental.16 Neste esforço, Castro e Guevara opuseram-se frontalmente à orientação oficial de Moscou, à qual os partidos comunistas, defendendo a aliança com a burguesia progressista e o caminho pacífico para o socialismo, obedeciam, e compeliram-nos à radicalização ou levaram-nos à cisão. A maioria resistiu. Os partidos de esquerda não comunistas, com raízes na social-democracia ou no nacionalismo populista, foram, entretanto, os que mais forte impacto receberam das doutrinas de Castro e Guevara e geraram na América Latina tendências revolucionárias mais radicais do que o comunismo orientado por Moscou.”

5. Telegrama nº 226, confidencial, da embaixada do Brasil em Havana (Marcos Antônio de Salvo Coimbra), 16-17/8/1960. 600. (24h) — Situação Política — Cuba — Confidencial — 1945-1960 — 6.218. AHMRE-B.

6. Guevara, Obras Escogidas — 1957-1967, 1991, vol. II, p. 19.

7. Id., 1977, vol. VI, p. 178.

8. Campos, A Lanterna na Popa (Memória), 1994, p. 422.

9. Id., ibid., p. 182.

10. Trotski, A Revolução Permanente, 1979, p. 137.

11. Id., 1947, p. 558.

12. Che Guevara, 1991, pp. 26-149. Esse livro foi publicado no Brasil, em 1961, pelas Edições Futuro, do Rio de Janeiro, em tradução feita por Maurício Grabois, dirigente do Partido Comunista do Brasil (linha chinesa).

13. Che Guevara, 1991, p. 31.

14. Artigo publicado em Verde Olivo, Havana, 9/4/1961, cf. Moniz Bandeira, 1962, p. 175.

15. Apud Ofício nº 203, confidencial, embaixador Álvaro Teixeira Soares ao chanceler Horácio Lafer, Bogotá, 26/7/1960, Bogotá — Ofícios — 1960-1964. AHMRE-B.

16. Discurso de Fidel Castro por motivo de la recepción de las milicias en la Habana, em 20 de enero de 1961, in Castro et al., 1981, p. 350.

 

 

O conflito entre Castro e os velhos comunistas e as tensões com a União Soviética coincidiram com o agravamento da crise de abastecimento e o reinício dos atos de terrorismo e sabotagem. Em março, os incêndios dos canaviais recomeçaram em várias províncias de Cuba. Em abril, dois incêndios destruíram, respectivamente, um edifício em Havana e um depósito de adubos químicos, com o resultado de 100 feridos e um morto.48 Muitos cubanos que apoiavam o governo revolucionário, conquanto não fossem marxistas-leninistas, logo atribuíram à CIA a responsabilidade pelo recrudescimento daquelas atividades criminosas, pois supunham que aos Estados Unidos, empenhados em derrubar Fidel Castro, não convinha que ele se afastasse demasiadamente dos velhos comunistas e da União Soviética, o que lhe poderia dar novos elementos para sua consolidação no poder.49 A suspeita era correta. A CIA efetivamente começara a implementar a Operation Mongoose, que Kennedy autorizara desde novembro de 1961, designando o general Edward G. Lansdale, especialista em contrainsurreição, com experiência nas Filipinas e no Vietnã, para chefiar as covert actions e spoiling action, sob a supervisão do procurador geral, seu irmão, Robert Kennedy. A fim de planejá-las e executá-las, a CIA organizara então a Task Force W (W em homenagem ao flibusteiro norte-americano William Walker, responsável por vários ataques a Cuba e a países da América Central no século XIX), empregando um total aproximado de 400 pessoas, sob a chefia de William Harvey, da Diretoria de Planos, e a orientação do Special Group Augmented (SGA), no qual Robert Kennedy teve ativa participação.50 Este homem, cuja função no governo norte-americano era zelar pela aplicação das leis, assumiu com ardor a incumbência de acompanhar a sua transgressão, mediante uma sequência de crimes e ilícitos penais, enfim, de atos e operações que violaram desde os próprios estatutos da CIA, cujas atividades eram proibidas no território dos Estados Unidos, ao Neutrality Act e o Código Penal, bem como outras leis, regulamentos e tratados internacionais. E a Operation Mongoose, desde então, tornou-se isoladamente o maior programa de ações clandestinas, sem qualquer precedente, dentro da CIA.

A estação da CIA em Miami, instalada em um dos prédios da Universidade e denominada JM/WAVE, que também serviu como depósito de armas, expandiu de tal forma suas atividades, que chegou a ter 600 funcionários e a envolver cerca de 3.000 agentes contratados,52 passando a dispor, inclusive, de uma frota de seis navios e 12 embarcações menores, bem como de uma força aérea, com helicópteros e aviões anfíbios, que conduziam os contrarrevolucionários, a partir da Flórida, para as incursões contra Cuba. E o início de suas operações foi programado para março, como de fato aconteceu, devendo as atividades clandestinas recrescerem, entre abril e julho, de sorte que, no curso de agosto e setembro, os atos de resistência e operações de guerrilha começassem e a sublevação generalizada pudesse eclodir nas primeiras semanas de outubro, possibilitando o estabelecimento de novo governo ao final do mês.52 O uso aberto das Forças Armadas norte-americanas afigurava-se a Lansdale uma decisão vital, a ser tomada o mais cedo possível, definindo as contingências em que os Estados Unidos estariam prontos para empregá-las em apoio à revolta.53 (...)

A Operation Mongoose, ao contrário da Operation Zapata, partiu da constatação, feita pela comunidade de inteligência dos Estados Unidos, de que Fidel Castro contava com “sufficient popular support and repressive capabilities” para dominar qualquer ameaça interna, em futuro previsível, que a massa da população aceitava o regime revolucionário e grande parte dela apoiava-o com entusiasmo, pois as condições de vida nas áreas rurais, especialmente nos centros de produção de açúcar, melhoraram substancialmente, sobretudo em termos de saneamento e habitação, benefícios tangíveis e que alimentavam a esperança de muitos outros.60 Apesar da escassez e do alto grau de desorganização, que poderiam aumentar, não era provável que a economia se deteriorasse, a ponto de produzir a queda de Castro, tendo em vista a assistência do Bloco Soviético, cujos créditos propiciados a Cuba já atingiam o montante de US$ 357 milhões.61 Pelo contrário, a situação tendia a melhorar dentro de um ano, quando o novo tipo de organização comunista se consolidasse, adquirisse maior experiência administrativa e o comércio exterior se ajustasse aos novos canais.62

O objetivo da Operation Mongoose, da qual Kennedy queria resultados imediatos, consistiu, portanto, em reverter tais expectativas. E, como um ato de guerra econômica, o governo norte-americano, apoiado nas resoluções da VIII Reunião de Consulta, decretou em 3 de fevereiro o embargo total do comércio com Cuba, suspendendo as compras que os Estados Unidos ainda lá faziam, de modo a privar Castro de quaisquer divisas em dólar, no que tentou ainda envolver em tais esforços os países da Europa Ocidental, membros da OTAN. À guerra econômica conjugou-se a guerra psicológica, com o estabelecimento de 60 estações de rádio, em países da América Latina, e três na Flórida,63 destinadas à propaganda anticastrista e à difusão de rumores falsos, bem como de métodos para danificar instalações industriais e outros estabelecimentos do governo cubano. Estes atos de sabotagem e de terrorismo recrudesceram nos meses de maio e junho, quando duas incursões paramilitares para destruir material bélico e incendiar canaviais ocorreram, apoiadas por aviões anfíbios, cujas bases estavam instaladas na Guatemala.64 O governo revolucionário, sem dúvida alguma, tinha informação de que os Estados Unidos, provavelmente, não intentariam uma invasão em grande escala, a curto prazo, mas começariam a efetuar pequenos desembarques e incursões do tipo que os Aliados empreenderam durante a Segunda Guerra Mundial, no intuito de destruir indústrias e instalações essenciais à economia do país, mantendo as autoridades cubanas e a população em permanente estado de alerta e preparativos de defesa, o que, em última análise, resultaria também na desorganização das atividades produtivas.65

Naquela época, a embaixada do Brasil em Havana informou ao Itamaraty que a destruição de refinarias e atentados contra as principais figuras do governo cubano constituíam os primeiros objetivos da contrarrevolução, da qual o governo norte-americano participava, inclusive pedindo aos oposicionistas em Cuba que selecionassem pessoal para ser treinado nos Estados Unidos em práticas de sabotagem.66 “Por absurdo que pareça, eu mesmo fui sondado sobre a possibilidade de garantir, previamente, asilo aos que participassem da campanha de sabotagem”, o embaixador Bastian Pinto comunicou ao Itamaraty.67 Antes de sua chegada a Havana, já haviam sido encontradas, nas dependências da embaixada do Brasil, uma metralhadora Thompson, tipo portátil; quatro granadas de mão; um fuzil automático M-1; três pistolas 45, e munição de vários tipos.68 Estas armas foram lá introduzidas por um grupo de asilados, com a finalidade de que ao encarregado de Negócios, Carlos Jacyntho de Barros, não foi possível precisar.69 Também na embaixada do Equador, três pistolas e três espingardas foram encontradas, quando o Brasil assumiu a gestão dos seus negócios.70 O afluxo de asilados às embaixadas do Brasil, México e Uruguai, dado que a Argentina e o Equador, por pressão dos militares, romperam relações diplomáticas com Cuba depois da Reunião de Punta del Leste, convertera-se em gravíssimo problema, porque aquelas pessoas, “em sua grande maioria”, como o embaixador Bastian Pinto verificou, “não são perseguidos políticos, mas apenas indivíduos valendo-se dos privilégios de asilo e especialmente do direito que têm os asilados de obter residência nos Estados Unidos”.71 Este direito não era assegurado a quem saísse pelas vias normais — e, àquele tempo, cerca de 1.500 a 1.800 cubanos abandonavam, semanalmente, o país pelas vias normais72 —, além de sua concessão demorar em torno de três meses, o que era um modo de induzir os cubanos que desejassem emigrar a solicitar asilo, pois aos Estados Unidos isto não só convinha como propaganda contra Cuba, como criava os mais sérios problemas para os quatro países latino-americanos cujas embaixadas ainda funcionavam em Havana.73

Em meados de 1962, insuflada, possivelmente, pelos agentes da CIA, conforme o cronograma da Operation Mongoose, a população de alguns bairros da cidade de Cárdenas, na Província de Matanzas, lançou-se às ruas, protestando contra a escassez de gêneros alimentícios, que, em certas zonas do interior do país, era mais grave do que em Havana. O presidente Oswaldo Dorticós para lá se dirigiu e, precedido de um extemporâneo desfile de tanques e peças de artilharia, interpretado como indicativo de que o governo revolucionário não toleraria qualquer demonstração coletiva de oposição, pronunciou duro discurso, no qual denunciou a “estrategia del imperialismo y de la contrarrevolución” de gerar, primeiro, dificuldades e escassez, “mediante el bloqueo y la agresión económica”, e assim criar as condições materiais que lhes propiciassem “después un trabajo eficaz”.74 Suas palavras indicavam que o governo revolucionário, se podia não ter informações completas, percebia que uma operação para desestabilizá-lo — objetivo da Operation Mongoose — estava em andamento e ele se dispunha a reprimi-la, não dando trégua nem descanso “a las bandas minoritarias contrarrevolucionarios en el campo”, e não permitir “los parasitos contrarrevolucionarios en las ciudades (...) una sola provocación”.75 Com efeito, como consequência dos acontecimentos de Cárdenas, foram presas cerca de 200 pessoas naquela cidade, o que revelava a proporção dos protestos.76 Àquele tempo, meados de 1962, o serviço secreto do governo cubano (G-2) conseguiu deter os principais agentes da CIA e chefes da resistência, o que modificou substancialmente a composição social da frente interna da contrarrevolução.77 Este fato igualmente determinou que a Operation Mongoose deslocasse sua ênfase da construção da resistência, mediante atos de sabotagem, incursões paramilitares, para esforços que visavam à desorganização da economia, como contaminação das exportações de açúcar,78 falsificação de dinheiro e das cadernetas de racionamento.79 Robert Kennedy estava particularmente empenhado na destruição das minas de cobre de Matahambre, no oeste de Cuba. O que ele queria era “boom-and-bang”.80 (...)

Entre janeiro e agosto de 1962, sob o signo da Operation Mongoose, os contrarrevolucionários recrutados pela CIA realizaram 5.780 ações encobertas, das quais 716 foram sabotagens contra grandes objetivos econômicos, o que acarretou a destruição de milhões de arrobas de cana e armazéns de mercadorias, assassinatos, ataques a navios mercantes, bombardeio de hotéis no litoral etc.83 De acordo com as informações do governo cubano, àquela época cerca de 41 bandos de contrarrevolucionários, com cerca de 500 homens, promoviam operações de guerrilha na província de Las Villas e mais 30 atuavam no resto do país.84 Segundo a embaixada do Brasil, 24 pequenos grupos de guerrilheiros, que contavam com cerca de 160 homens e operavam, sobretudo, nas montanhas de Escambray, não tinham condições de resistir a uma ofensiva séria do governo revolucionário, muito menos de transformar-se em um movimento capaz de desestabilizá-lo, sem ininterrupta ajuda dos Estados Unidos em víveres e armamentos.85 Naquela região, entre janeiro e março de 1962, as milícias de Castro travaram 98 combates, mataram cerca de 150 contrarrevolucionários e capturaram algumas centenas.86 A embaixada do Brasil em Havana já sabia que os líderes da oposição clandestina, cujas correntes careciam de unidade, contemplavam, entretanto, a possibilidade de realizar atentados contra as principais figuras do regime e embaixadores dos países socialistas, enquanto continuavam a esperar as decisões de Washington.87

Essa informação tinha fundamento. Kennedy e seus assessores, os homens que se propuseram a renovar a política nos Estados Unidos e reivindicavam o idealismo de Camelot, a corte do Rei Artur, não hesitaram em estender a New Frontier até o extremo da amoralidade, em que o objetivo de destruir o governo Castro justificava a prática de todos os crimes, confundindo o próprio governo norte-americano com alguma famiglia da Máfia. Limite não houve para imaginação no planejamento dos ardis mais sórdidos e desonestos e, conforme Samuel Halpern, que servira como agente de alto nível da CIA na Operation Mongoose, “gente dos escalões superiores não se envolveria em tais atividades, com as ideias mais idiotas, se não soubesse que o Presidente e seu irmão estavam tão envolvidos”.88 A Operation Mongoose configurou uma guerra não declarada em que toda a cúpula do governo norte-americano — e não apenas a CIA — recorreu aos expedientes mais sujos e ignominiosos, sem hesitar diante de qualquer crime, inclusive o homicídio, com o objetivo de estabelecer o caos em Cuba, gerar uma revolta interna e possibilitar a intervenção armada dos Estados Unidos para derrubar o governo Castro. O assassinato de Fidel Castro constituiu uma das opções então contempladas e Kennedy já sabia, provavelmente desde 1960, que a CIA estava a tramá-lo com a Máfia, pois um dos seus chefes, Sam Giancana,89 fora-lhe apresentado por sua amante (de ambos) Judith Campbell Exner90 e ajudara-o durante a campanha presidencial nas eleições primárias em West Virginia e Chicago, juntamente com outros gângsteres, entre os quais Joseph Frischetti e Meyer Lansky, a pedido de Frank Sinatra.91 A primeira tentativa de matar Castro ocorrera em julho daquele ano, e, aparentemente, a ideia partira do coronel J. C. King, chefe da Divisão do Hemisfério Ocidental da CIA, de onde o assistente do diretor de Planejamento, C. Tracy Barnes, com sua ordem, telegrafara à agência em Havana para informar que a “possível remoção dos três principais líderes” de Cuba, ou seja, Fidel, Raúl Castro e Che Guevara, estava recebendo séria consideração no quartel-general, em Langley, e autorizara-a a entrar em contato com um cubano que se propusera a “ arranjar” um acidente que envolvesse Raúl Castro.92 Em agosto, a repartição de Serviços Médicos da CIA recebera também instruções para contaminar com um veneno letal (toxina botulínica) uma caixa que continha os charutos favoritos de Castro e que possivelmente lhe seria entregue quando de seu comparecimento à Assembleia-Geral da ONU.93

Naquela mesma época, agosto de 1960, Richard Bissell, diretor de Planos da CIA, solicitara ao coronel Sheffield Edwards, diretor de Segurança, que encontrasse alguém para promover a eliminação de Castro e tratou de estabelecer um contato com a Máfia, a partir do pressuposto de que ela, prejudicada enormemente pela proibição do jogo e fechamento dos cassinos em Cuba, podia interessar-se por executar essa operação sensível, contando com recursos e os meios de comunicação da CIA.94 O detetive particular Robert Maheu intermediou então os entendimentos com dois chefes da Máfia, Sam Giancana e seu lugar-tenente John Rosselli, cujo verdadeiro nome era Filipo Sacco, e ambos dispuseram-se a colaborar, mas recusaram qualquer remuneração, embora a CIA haja oferecido o montante de US$ 150.000 aos que executassem o serviço.95 Entrementes, a Technical Services Division (TSD) da CIA continuou a pesquisar, sob a supervisão do assessor científico Sidney Gootlieb, qual o melhor veneno que poderia ser utilizado para a eliminação de Castro e, após experiências com macacos, entregou ao coronel Sheffield Edward cápsulas ou pílulas com determinada toxina (botulínica), a fim de que, através de Rosselli, fossem enviadas a um homem da entourage de Castro, Juan Orta Córdova, seu secretário particular.96 Manuel (Tony) Varona, um dos líderes da contrarrevolução e predileto da CIA, bem como Santos Trafficante, chefe da Máfia em Miami, e Meyer Lansky, líder do sindicato do narcotráfico na Flórida, participaram da operação, e as pílulas foram remetidas para Cuba na segunda semana de abril de 1961, a fim de que o assassinato de Castro coincidisse com a invasão da Baía dos Porcos, isto, é na véspera do ataque anfíbio ou durante o seu desenrolar.97 Os dois planos obviamente se interligavam.98

Àquela mesma época, pouco antes da invasão da Baía dos Porcos, Kennedy, em conversa com o senador George Smathers, da Flórida, perguntou-lhe qual seria a reação da América Latina se Castro fosse assassinado e concordou com a desaprovação da ideia, porque o crédito recairia sobre os Estados Unidos.99 Tudo indicava, por esta e outras informações, que Kennedy estava a par da operação mas tratara de ouvir outra opinião, e, como fora contrária, com ela concordou, para não revelar o seu ânimo. Por outro lado, tanto Giancana quanto Rosselli, Santos Trafficante e Meyer Lansky dispuseram-se naturalmente a colaborar com a CIA, recusando qualquer remuneração, não só porque quisessem retomar os cassinos e o jogo em Cuba, mas porque esperavam também que o governo norte-americano tivesse tolerância e benevolência com as suas atividades ilegais. Bissell admitira, perante o comitê do senador Frank Church, que em 1975 investigara as atividades da CIA, e que, na primavera de 1961, ou seja, entre março e abril, o coronel Edwards tentara persuadir o Departamento de Justiça, via comunicações ao FBI, a não perseguir Maheu, Giancana e Rosselli, porque isso poderia não apenas expor uma operação de inteligência das mais sensíveis, relacionada com a invasão de Cuba, como arriscar o desfecho de futuros planos.100 A implementar a gestão, J. Edgard Hoover, em 22 de maio de 1961, enviara a Robert Kennedy um sumário das informações prestadas por Edwards ao FBI sobre o complô com a Máfia para assassinar Fidel Castro, e escrevera à margem do memorando: “I hope this will be followed up vigorously”.101 Essa segunda tentativa de assassinato, feita em abril de 1961, fracassou, da mesma forma que a realizada em 1960, porque o funcionário do governo cubano, subornado pelo sindicato do jogo para cumprir a missão, perdera o acesso a Castro.102

Cerca de um ano depois, em março de 1962, J. Edgard Hoover, diretor do FBI, avisou a Kennedy que a sua agência estava informada das ligações telefônicas feitas para a Casa Branca por sua amante Judith Campbell, da residência de Sam Giancana, em Chicago, e havia perigo de que ele pudesse falar, caso fosse perseguido pelo governo norte-americano, provocando um escândalo. Judith Campbell, que também fora amante de Frank Sinatra, levara várias vezes mensagens de Kennedy para Giancana, contendo “intelligence material” relacionado com a eliminação de Castro, conforme posteriormente ela revelaria.103 Porém, como consequência da conversa com J. Edgard Hoover, Kennedy, que o confirmara na presidência do FBI, da mesma forma que Allen Dulles, na direção da CIA, por temer a revelação dos seus segredos,104 parou de atender às chamadas da mulher, o que pôs fim ao romance, e deixou de usá-la como emissária particular de suas mensagens para Giancana.105 No dia seguinte à audiência com Kennedy, Hoover encaminhou ao coronel Edwards um memorando indagando se a CIA teria ou não alguma objeção a que o Departamento de Justiça iniciasse um processo criminal contra Maheu por ele ter instalado clandestinamente um aparelho de escuta telefônica num hotel de Las Vegas. A CIA naturalmente objetou, devido ao risco de expor “as mais sensíveis informações relativas à abortada invasão de Cuba” e acarretar os mais prejudiciais embaraços ao governo norte-americano. Ademais, a utilização dos gângsteres para eliminar Fidel, Raúl Castro e Che Guevara continuava nos planos da CIA.

No começo de abril, por ordem de Richard Helms, que substituíra Bissell como diretor de Planos, William Harvey, chefe da Task Force W, pediu ao coronel Sheffield Edwards que o colocasse em contato com Rosselli. A ele fora designada, desde o início de 1961, a tarefa de capacitar a CIA para a Executive Action, incluída sob o criptograma ZR/RIFLE,106 visando a inutilizar líderes estrangeiros, inclusive por meio do assassinato, como “última instância”, e seu encontro com Rosselli, a quem entregou quatro pílulas com veneno para matar não apenas Fidel como também Raúl Castro e Che Guevara, ocorreu em 21 de abril de 1962.107 Tony Varona, que possuía os contatos com os cubanos incumbidos de cumprir a missão, pediu armas e equipamentos que a estação da CIA em Miami (JM/WAVE) lhe forneceu, e, como das vezes anteriores, nada aconteceu. Poucos dias depois, em 7 de maio, o coronel Sheffield Edwards foi convocado ao gabinete do procurador-geral, Robert Kennedy, a quem reportou, primeiro verbalmente e depois através de memorando,108 os entendimentos que mantivera com Giancana e Rosselli por intermédio de Robert Maheu. Esta audiência, assistida pelo conselheiro-geral da CIA, Laurence Houston, em 7 de maio de 1962, teve como objetivo relatar-lhe os entendimentos da CIA com o crime organizado, visando à eliminação de Castro, porém Edwards informou-o, falsamente, de que a operação terminara. Robert Kennedy estava colérico porque nada lhe fora dito a respeito de Giancana. Não condenou a imoralidade do plano para assassinar Castro, cuja ideia lhe era simpática, nem proibiu a continuidade do conluio com os gângsteres, apenas advertiu que queria tomar conhecimento prévio de outros eventuais contatos e ordenando à CIA que não desse tais passos sem antes consultar o Departamento de Justiça.109

Os complôs da CIA para eliminar Castro e os outros dois top leaders da revolução — Raúl Castro e Che Guevara — não se restringiram às articulações com os gângsteres do sindicato do jogo e do narcotráfico. O inquérito conduzido pelo comitê do senador Frank Church, em 1975, encontrou evidências de que ela se envolvera pelo menos em oito tentativas para assassiná-lo, das 24 alegadas por Fidel Castro, conforme lista por ele entregue ao senador George McGovern.110 No contexto da Operation Mongoose, a CIA, além de pílulas e charutos envenenados, inventou, produziu e forneceu aos dissidentes cubanos, dispostos a perpetrar o crime, os mais poderosos rifles, canetas com a ponta também envenenada, pós com bactérias mortíferas e vários petrechos que desafiavam a imaginação.111 Os planos mais sinistros a Task Force W da CIA igualmente concebeu com o objetivo de arruinar Cuba, provocar o caos econômico, social e político e criar as condições para a intervenção armada dos Estados Unidos e a derrubada do governo Castro. A Task 33, recomendada pelo general Lansdale, implicava o uso de guerra química, mediante o espargimento de gases não letais que adoecessem os trabalhadores cubanos durante a safra da cana-de-açúcar, a fim de afastá-los do campo e incapacitá-los para a colheita, que começava em 15 de janeiro de 1962.112 Outra tarefa consistiu também na utilização dos gângsteres para que penetrassem no mercado negro em Cuba e realizassem operações de sabotagem econômica.113 O general Lansdale entendeu também que devia ser considerado com imaginação e arrojo o esforço para encontrar um nome, na alta cúpula do governo cubano, “digno de receber ao menos US$ 1 milhão para romper com Castro e fraturar por dentro o regime revolucionário.114

E, como parte do Cuba Project (Operation Mongoose), o Pentágono elaborou, sob o codinome Operation Northwoods, uma série de subterfúgios para que os Estados Unidos interviessem diretamente em Cuba. Um deles foi a criação de um

Incident which will demonstrate convincingly that a Cuban aircraft hás attacked and shot down a chartered civil airliner en rout from the United States to Jamaica, Guatemala, Panama or Venezuela.

Caberia à CIA, por meio de rádio, acionar a explosão do aparelho, em rota dos Estados Unidos para a Jamaica, a Guatemala, o Panamá ou a Venezuela, transportando um

group of collegee students off a holiday or any grouping of persons with common interest to support chartering a non scheduled flight.115

O general Lyman L. Lemnitzer, chefe do Estado-maior Conjunto das Forças Armadas americanas, também considerou a possibilidade de fazer explodir, em Cabo Canaveral, o foguete, matando John Glenn, e manufaturar “various pieces of evidence which would prove electronic interference on the part of the Cubans.”116 Assim, enquanto a Nasa se preparava para lançar ao espaço o primeiro astronauta americano, o Estado-Maior Conjunto do Pentágono cuidava de usar a possível morte de John Glenn para deflagrar a guerra contra Cuba.117 Entre vários outros pretextos, o Pentágono também sugeriu a encenação de um ataque à base naval de Guantánamo,118 por alguns cubanos “friendly”, fantasiados com fardamento do Exército Rebelde, “razão propagandista” que Hitler usara para invadir a Polônia. Também foi sugerida a explosão de um navio norte-americano em Guantánamo, para atribuir a culpa ao governo de Fidel Castro, reproduzindo assim o afundamento do Maine, que em 1898 servira como justificativa para os Estados Unidos declararem guerra à Espanha e intervirem em Cuba. A Operation Northwoods, aprovada pelo general Lemnitzer e por todos os membros do Estado-maior das Forças Armadas americanas, conforme James Bamford avaliou, foi o “...most corrupt plane ver created by the U.S. government”.119 Em nome do anticomunismo, os chefes militares pretenderam desencadear “a secret and bloody war of terrorism” contra o seu próprio país, os Estados Unidos, a fim de enganar a opinião pública americana e induzi-la a apoiar uma “ill-conceived” guerra que pretendiam desfechar contra Cuba.120

48. Ofício nº 143/600. (24h), confidencial, de Bastian Pinto a San Tiago Dantas, Havana, 5/5/1962. MDB — Havana — Ofícios Recebidos — 1962-1964. Ibid.

49. Ibid.

50. U.S. Senate — Alleged Assassinations Plots involving Foreign Leaders — An Interim Report of the Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities — November 20, 1975, Government Printing Office, 1975, p. 140.

51. Powers, 1981, pp. 171, 175 e 176.

52. Program Review by the Chief of Operations — Operation Mongoose (Lansdale) — The Cuba Project, Washington, February 20, 1962. FRUS, vol. X, 1961-1962, Cuba, pp. 745-747.

53. Ibid., p. 747.

60. Memorandum from the Chairman of the Board of National Estimates (Sherman Kent) to Director of Central Intelligence Agency Dulles. Subject: The Situation and Prospects in Cuba. Washington, November 3, 1961. Ibid., pp. 668-672.

61. Ibid., pp. 668 e 669.

62. Ibid., p. 669.

63. Paper prepared in the Central Intelligence Agency — Types of Covert Actions against the Castro Regime, Washington, November 8, 1961. Ibid., pp. 675-677. Vide também Escalante Fon, 1993, p. 137.

64. Telegrama nº 210, confidencial, da embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 29/5-1/6.1962 — 16h45. Telegramas Recebidos — Havana — 1962-1964. AHMRE-B.

65. Carta-telegrama nº 34, secreto, da embaixada do Brasil em Havana, 8-27/3/1962. Cts. — Telegramas — Recebidos — Havana — 1962-1964. Ibid.

66. Telegrama nº 210, confidencial, da embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 29/5-1/6/1962 — 16h45. Telegramas Recebidos — Havana —1962-1964. Ibid.

67. Ibid.

68. Telegrama nº 276, secreto, da embaixada do Brasil em Havana (Carlos Jacyntho de Barros), 10/10/1961 — 18h30. MDB — Secretos — A-K — Cts. Rec. e Exp. — 1960-1961. Ibid.

69. Ibid.

70. Telegrama nº 250, confidencial, da embaixada do Brasil em Havana (José Maria Diniz Ruiz de Gamboa), 10/7/1962 — 16h45. Telegramas — Recebidos — Havana — 1962-1964. Ibid.

71. Telegrama nº 192, confidencial, da embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 15-16/5/1962 — 11h15. Telegramas — Recebidos — Havana — 1962-1964. Ibid.

72. Calculava-se que um total de 220.000 pessoas já haviam abandonado Cuba, dirigindo-se a maioria para os Estados Unidos. Ofício nº 107, confidencial, de Bastian Pinto a San Tiago Dantas, Havana, 29/3/1962. MDB — Havana — Ofícios Recebidos — 1962-1964. Ibid.

73. Na embaixada do Equador, que ficara a cargo do Brasil depois do rompimento de suas relações com Cuba, asilara-se, havia meses, o dono do jogo no antigo Cassino Capri, Evaristo Garcia Vidal, “verdadeiro gangster”, que levou para o asilo todos os seus croupiers e um bom grupo de guarda-costas. Ali o jogo, bancado por ele, campeou todas as noites, das 22h até as 4h da manhã, e a entrada era franca: as pessoas entravam e saíam à vontade da embaixada e podiam jogar tanto em pesos quanto em dólares. Depois que o Brasil assumiu o encargo da embaixada e pediu reforço da guarda dos milicianos, a entrada franca de jogadores terminou, mas o jogo bancado continuou, pois entre os mais de 200 asilados havia jogadores suficientes. Ofício nº 153, confidencial, de Bastian Pinto a San Tiago Dantas, Havana, 18/5/1962. MDB — Havana — Ofícios Recebidos — 1962-1964. Ibid.

74. Discurso do presidente Oswaldo Dorticós en Cárdenas, in Hoy, La Habana, 17/6/1962. Anexo ao Ofício nº 181, confidencial, da embaixada do Brasil em Havana, 22/6/1962. MDB — Havana — Ofícios Recebidos — 1962-1964. Ibid.

75. Discurso de Dorticós. Ibid.

76. Anexo ao Ofício nº 181, confidencial, da embaixada do Brasil em Havana, 22/6/1962. MDB — Havana — Ofícios Recebidos — 1962-1964. Ibid.

77. Arboleya, 1997, p. 118.

78. Em agosto de 1962, o navio de carga britânico S.S. Streatham Hill, fretado pela União Soviética, para onde transportava 80.000 sacas de açúcar, aportou em San Juan, Porto Rico, para reparos. Mais de 14.000 sacas de açúcar foram desembarcadas para facilitar o serviço, e os agentes da CIA aproveitaram para contaminá-las com uma substância química impalatável. Quando Kennedy soube, ordenou que o açúcar contaminado não deixasse Porto Rico, e a União Soviética nunca recebeu essa parte do carregamento. Franklin, 1997, p. 53.

79. Powers, 1981, p. 175.

80. Id., ibid., p. 175.

83. Id., ibid., p. 144.

84. Id., ibid., p. 150.

85. Carta-telegrama nº 207, confidencial, do Itamaraty para a embaixada do Brasil em Washington — Telegramas — Cartas-telegramas — Recebidos e Expedidos — 1962. AHMRE-B.

86. Escalante Fon, 1993, p. 151.

87. Carta-telegrama ti0 207, confidencial, do Itamaraty para a embaixada do Brasil em Washington. 10/7/1966. Washington — Telegramas — Cartas-telegramas — Recebidos e Expedidos — 1962. AHMRE-B.

88. “How to Start a War: The Bizarre Tale of Operation Mongoose”, reportagem apresentada no programa de televisão Nightline, da rede ABC, nos Estados Unidos, por Aaron Brown, no dia 29/1/1998. Cf. Ferreira, Argemiro, “Documentos secretos revelam mais truques sujos planejados nos Estados Unidos para derrubar Fidel”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 5/1/1998.

89. Sam Giancana foi assassinado em 20 de junho de 1975, possivelmente para não depor perante a Comissão do senador Frank Church, que investigava as atividades de inteligência e os complôs da CIA para assassinar líderes estrangeiros.

90. Judith Campbell Exner, de Beverly Hills, fora apresentada a Kennedy por Frank Sinatra, em fevereiro de 1960. Beschloss, 1991, pp. 140-142. Hinckle & Turner, 1992, pp. 136-139. Franklin, 1997, p. 31.

91. Hersh, 1997, pp. 303-312. Thompson, 1992, p. 141.

92. U.S. Senate — Alleged Assassinations Plots Involving Foreign Leaders — An Interim Report of the Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities — November 20, 1975, Government Printing Office, 1975, pp. 72 e 73.

93. Powers, 1981, p. 186.

94. U.S. Senate — Alleged Assassinations Plots Involving Foreign Leaders — An Interim Report of the Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities — November 20, 1975, Government Printing Office, 1975, pp. 74-77. Memorandum for the Record. Subject: Arthur James Balleti et al. Unauthorized Publication or Use of Communications. Washington, May 14, 1962. Memorandum prepared by Sheffield, CIA Director of Security, at Attorney General Robert Kennedy=s request. FRUS, vol. X, 1961-1962, Cuba, pp. 807-809.

95. Ibid., p. 808. U.S. Senate — Alleged Assassinations Plots Involving Foreign Leaders — An Interim Report of the Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities — November 20, 1975, Government Printing Office, 1975, p. 75.

96. Ibid., pp. 79-83. Hersh, 1997, pp. 203-207.

97. Hinckle & Turner, 1992, pp. 76-81.

98. Hersh, 1997, pp. 205-206.

99. U.S. Senate — Alleged Assassinations Plots Involving Foreign Leaders, pp. 123 e 124.

100. U.S. Senate — Alleged Assassinations Plots Involving Foreign Leaders, p. 126.

101. Ibid., pp. 127-128.

102. Ibid., p. 80.

103. Thompson, 1992, p. 141.

104. Nos arquivos do FBI e, presumivelmente, da CIA existiam documentos que evidenciavam as ligações amorosas de Kennedy, em 1942, com Inga Arvad Fejos, suspeita de ser espiã nazista. Esse material fora colhido pela inteligência da Marinha, e tanto Kennedy quanto seu pai temiam que ele pudesse ser revelado, destruindo-lhe a carreira. Beschloss, Kennedy v. Khrushchev — The Crisis Years — 1960-1963, 1991, p. 103.

105. U.S. Senate — Alleged Assassinations Plots Involving Foreign Leaders, pp. 129-130. Franklin, 1997, pp. 50-51. Hinckle & Turner, 1992, pp. 138-139. Em janeiro de 1997, Judith Campbell publicou artigo na revista Vanity Fair no qual confirmou haver sido intermediária entre Kennedy e Giancana sobre os planos para matar Castro.

106. U.S. Senate — Alleged Assassinations Plots Involving Foreign Leaders, p. 83.

107. Ibid., p. 84.

108. Memorandum for the Record. Subject: Arthur James Balleti et al. — Unauthorized Publication for Use of Communications. Washington, May 14, 1962. Memorandum prepared by Sheffield, CIA Director of Security, at Attorney General Robert Kennedy=s request. FRUS, vol. X, 1961-1962, Cuba, pp. 807-809.

109. U.S. Senate — Alleged Assassinations Plots Involving Foreign Leaders, pp. 132-135.

110. Dos 24 casos que Castro indicara na lista entregue ao senador George McGovern, a CIA negou 15, ou seja, confirmou o envolvimento em 7, na resposta ao Comitê do senador Frank Church. Ibid., p. 71.

111. Ibid., p. 71.

112. Ibid., p. 148.

113. Operation Mongoose Priority Operations Schedule — 21 May-30 June, 1962, Washington, May 17, 1962. FRUS, vol. X, 1961-1962, Cuba, pp. 810-820.

114. Program Review by the Chief of Operations, Operation Mongoose (Lansdale) — The Cuba Project, Washington, January 18, 1962. Ibid., pp. 710-718.

115. Top Secret Special Handling Noform, Memorandum for the Secretary of Defense, 13/3/1962, Subject: Justification for US Military Intervention in Cuba (TS), L.L. Lemnitzer, Chairman, Joint Chieft of Staff. 1 Enclosure — Memo for the Chief of Operations, Cuba Project. National Security Archives — http://www.gwu.edu/~nsarchiv/news20010430/doc1.pdf.

116. Bamford, 2002, p. 84.

117. Id., ibid., p. 84.

118. O serviço secreto cubano já desmontara uma trama para assassinar Raúl Castro durante as comemorações do 26 de julho de 1961 e, em seguida, disparar monteiros contra a base naval de Guantánamo. Discurso de Che Guevara na Conferencia del Consejo Interamericano Econômico y Social da OEA, 8/8/1961, in Guevara, vol. II, 1991, p. 429.

119. Bamford, 2002, p. 83.

120. Id., ibd., p. 83.

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