Editora: Companhia das Letras
Opinião: ★★★★★★
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ISBN: 978-85-359-3198-3
Páginas: 560
Sinopse: Publicado
originalmente em 1956, Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa,
revolucionou o cânone brasileiro e segue despertando o interesse de renovadas
gerações de leitores. Ao atribuir ao sertão mineiro sua dimensão universal, a
obra é um mergulho profundo na alma humana, capaz de retratar o amor, o
sofrimento, a força, a violência e a alegria.
Esta nova edição conta com novo estabelecimento de texto,
cronologia ilustrada, indicações de leituras e célebres textos publicados sobre
o romance, incluindo um breve recorte da correspondência entre Clarice
Lispector e Fernando Sabino e escritos de Roberto Schwarz, Walnice Nogueira
Galvão, Benedito Nunes, Davi Arrigucci Jr. e Silviano Santiago. Dispostos
cronologicamente, os ensaios procuram dar a ver, ao menos em parte, como se
constituiu essa trama de leituras.
A capa do volume é reprodução da adaptação em bordado do
avesso do Manto da apresentação, do artista Arthur Bispo do Rosário, com nomes
dos personagens de Grande sertão: veredas. O projeto gráfico conta ainda
com desenhos originais de Poty Lazzarotto, que ilustrou as primeiras edições do
livro.
“— Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus
esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu
acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me
chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser — se
viu —; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que,
por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito
pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram — era o demo. Povo prascóvio.
Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não
tenho abusões. O senhor ri certas risadas… Olhe: quando é tiro de verdade,
primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente — depois, então, se vai
ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja:
que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de
rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do
Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se
divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze
léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus,
arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje,
que na beira dele, tudo dá — fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom
render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura,
até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais
são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães,
é questão de opiniães… O sertão está em toda a parte.”
“De
primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi
puxando difícil de difícel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp’ro, não
fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos,
estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular ideia. O diabo
existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. O senhor vê:
existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água se caindo
por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra
cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso…
Explico
ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem
arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo
nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é
alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que
me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse… Mas, não diga que o
senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço!
Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela — já o campo!
Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso. Lhe agradeço.
Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu
mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar… Bem, o diabo regula seu estado
preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo.
Pois não é ditado: “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas
águas, na terra, no vento… Estrumes. …O diabo na rua, no meio do
redemunho…”
“Que
o que gasta, vai gastando o diabo de dentro da gente, aos pouquinhos, é o
razoável sofrer. E a alegria de amor — compadre meu Quelemém diz. Família.
Deveras? É, e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é… Quase todo mais
grave criminoso feroz, sempre é muito bom marido, bom filho, bom pai, e é bom
amigo-de-seus-amigos! Sei desses. Só que tem os depois — e Deus, junto.”
“Eu
quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”
“Viver é muito perigoso… Querer o bem com demais força, de incerto jeito,
pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos
puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e
entende as coisas dum seu modo.”
“O
senhor ouvia, eu lhe dizia: o ruim com o ruim, terminam por as espinheiras se
quebrar — Deus espera essa gastança. Moço!: Deus é paciência. O contrário, é o
diabo. Se gasteja. O senhor rela faca em faca — e afia — que se raspam. Até as
pedras do fundo, uma dá na outra, vão-se arredondinhando lisas, que o riachinho
rola. Por enquanto, que eu penso, tudo quanto há, neste mundo, é porque se
merece e carece. Antesmente preciso. Deus não se comparece com refe, não
arrocha o regulamento. Pra que? Deixa: bobo com bobo — um dia, algum estala e
aprende: esperta. Só que, às vezes, por mais auxiliar, Deus espalha, no meio,
um pingado de pimenta…”
“Mas,
as barbaridades que esse delegado fez e aconteceu, o senhor nem tem calo em
coração para poder me escutar. Conseguiu de muito homem e mulher chorar sangue,
por este simples universozinho nosso aqui. Sertão. O senhor sabe: sertão é onde
manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!
E bala é um pedacinhozinho de metal…”
“O
senhor… Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas
não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre
mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior.”
“Diadorim
e eu, nós dois. A gente dava passeios. Com assim, a gente se diferenciava dos
outros — porque jagunço não é muito de conversa continuada nem de amizades
estreitas: a bem eles se misturam e desmisturam, de acaso, mas cada um é feito
um por si. De nós dois juntos, ninguém nada não falava. Tinham a boa prudência.
Dissesse um, caçoasse, digo — podia morrer. Se acostumavam de ver a gente
parmente. Que nem mais maldavam. E estávamos conversando, perto do rego —
bicame de velha fazenda, onde o agrião dá flor. Desse lusfús, ia escurecendo.
Diadorim acendeu um foguinho, eu fui buscar sabugos. Maripôsas passavam muitas,
por entre as nossas caras, e besouros graúdos esbarravam. Puxava uma brisbrisa.
O ianso do vento revinha com o cheiro de alguma chuva perto. E o chiim dos
grilos ajuntava o campo, aos quadrados. Por mim, só, de tantas minúcias, não
era o capaz de me alembrar, não sou de à parada pouca coisa; mas a saudade me
alembra. Que se hoje fosse. Diadorim me pôs o rastro dele para sempre em todas
essas quisquilhas da natureza. Sei como sei. Som como os sapos sorumbavam.
Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas. Quase que a gente não
abria boca; mas era um delém que me tirava para ele — o irremediável extenso da
vida. Por mim, não sei que tontura de vexame, com ele calado eu a ele estava
obedecendo quieto. Quase que sem menos era assim: a gente chegava num lugar,
ele falava para eu sentar; eu sentava. Não gosto de ficar em pé. Então, depois,
ele vinha sentava, sua vez. Sempre mediante mais longe. Eu não tinha coragem de
mudar para mais perto. Só de mim era que Diadorim às vezes parecia ter um
espevito de desconfiança; de mim, que era o amigo! Mas, essa ocasião, ele
estava ali, mais vindo, a meia-mão de mim. E eu — mal de não me consentir em nenhum
afirmar das docemente coisas que são feias — eu me esquecia de tudo, num
espairecer de contentamento, deixava de pensar. Mas sucedia uma duvidação,
ranço de desgosto: eu versava aquilo em redondos e quadrados. Só que coração
meu podia mais. O corpo não traslada, mas muito sabe, adivinha se não entende.
Perto de muita água, tudo é feliz. Se escutou, banda do rio, uma lontra por
outra: o issilvo de plim, chupante. — “Tá que, mas eu quero que esse dia
chegue!” — Diadorim dizia. — “Não posso ter alegria nenhuma, nem minha mera
vida mesma, enquanto aqueles dois monstros não forem bem acabados…” E ele
suspirava de ódio, como se fosse por amor; mas, no mais, não se alterava. De
tão grande, o dele não podia mais ter aumento: parava sendo um ódio sossegado.
Ódio com paciência; o senhor sabe?
E,
aquilo forte que ele sentia, ia se pegando em mim — mas não como ódio, mais em
mim virando tristeza. Enquanto os dois monstros vivessem, simples Diadorim
tanto não vivia. Até que viesse a poder vingar o histórico de seu pai, ele
tresvariava. Durante que estávamos assim fora de marcha em rota, tempo de
descanso, em que eu mais amizade queria, Diadorim só falava nos extremos do
assunto. Matar, matar, sangue manda sangue. Assim nós dois esperávamos ali, nas
cabeceiras da noite, junto em junto. Calados. Me alembro, ah. Os sapos. Sapo
tirava saco de sua voz, vozes de osga, idosas. Eu olhava para a beira do rego.
A ramagem toda do agrião — o senhor conhece — às horas dá de si uma luz, nessas
escuridões: folha a folha, um fosforém — agrião acende de si, feito
eletricidade. E eu tinha medo. Medo em alma.
Não
respondi. Não adiantava. Diadorim queria o fim. Para isso a gente estava indo.
Com o comando de Medeiro Vaz, dali depois daquele carecido repouso, a gente
revirava caminho, ia em cima dos outros — deles! — procurando combate. Munição
não faltava. Nós estávamos em sessenta homens — mas todos cabras dos melhores.
Chefe nosso, Medeiro Vaz, nunca perdia guerreiro. Medeiro Vaz era homem sobre o
sisudo, nos usos formado, não gastava as palavras. Nunca relatava antes o
projeto que tivesse, que marchas se ia amanhecer para dar. Também, tudo nele
decidia a confiança de obediência. Ossoso, com a nuca enorme, cabeçona meia
baixa, ele era dono do dia e da noite — que quase não dormia mais: sempre se
levantava no meio das estrelas, percorria o arredor, vagaroso, em passos,
calçado com suas boas botas de caititú, tão antigas. Se ele em honrado juízo
achasse que estava certo, Medeiro Vaz era solene de guardar o rosário na
algibeira, se traçar o sinal-da-cruz e dar firme ordem para se matar uma a uma
as mil pessoas. Desde o começo, eu apreciei aquela fortaleza de outro homem. O
segredo dele era de pedra.”
“Toda
saudade é uma espécie de velhice.”
“E
os outros, companheiros, que é que os outros pensavam? Sei? De certo nadas e
noves — iam como o costume — sertanejos tão sofridos. Jagunço é homem já meio desistido
por si…”
“Esbandalhados
nós estávamos, escatimados naquela esfrega. Esmorecidos é que não. Nenhum se
lastimava, filhos do dia, acho mesmo que ninguém se dizia de dar por assim.
Jagunço é isso. Jagunço não se escabrêia com perda nem derrota — quase que tudo
para ele é o igual. Nunca vi. Pra ele a vida já está assentada: comer, beber,
apreciar mulher, brigar, e o fim final. E todo o mundo não presume assim?
Fazendeiro, também? Querem é trovão em outubro e a tulha cheia de arroz. Tudo
que eu mesmo, do que mal houve, me esquecia. Tornava a ter fé na clareza de
Medeiro Vaz, não desfazia mais nele, digo. Confiança — o senhor sabe — não se
tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa. E
despaireci meu espírito de ir procurar Otacília, pedir em casamento, mandado de
virtude. Fui fogo, depois de ser cinza. Ah, a algum, isto é que é, a gente tem
de vassalar. Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o
prato… Mas eu gostava de Diadorim para poder saber que estes gerais são
formosos.”
“Mire
veja: um casal, no Rio do Borá, daqui longe, só porque marido e mulher eram
primos carnais, os quatro meninos deles vieram nascendo com a pior
transformação que há: sem braços e sem pernas, só os tocos… Arre, nem posso
figurar minha ideia nisso! Refiro ao senhor: um outro doutor, doutor rapaz, que
explorava as pedras turmalinas no vale do Arassuaí, discorreu me dizendo que a
vida da gente encarna e reencarna, por progresso próprio, mas que Deus não há.
Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um
milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente
perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas
horas, não se podendo facilitar — é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos
grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus,
então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dôr. E a vida do
homem está presa encantoada — erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos
sem pernas e braços. Dôr não dói até em criancinhas e bichos, e nos dôidos —
não dói sem precisar de se ter razão nem conhecimento? E as pessoas não nascem
sempre? Ah, medo tenho não é de ver morte, mas de ver nascimento. Medo
mistério. O senhor não vê? O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe
mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver — a gente
sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo. O inferno é um
sem-fim que nem não se pode ver. Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas
um fim com depois dele a gente tudo vendo. Se eu estou falando às flautas, o
senhor me corte. Meu modo é este. Nasci para não ter homem igual em meus
gostos. O que eu invejo é sua instrução do senhor…”
“Por
que era que eu estava procedendo à-tôa assim? Senhor, sei? O senhor vá pondo
seu perceber. A gente vive repetido, o repetido, e, escorregável, num mim
minuto, já está empurrado noutro galho. Acertasse eu com o que depois sabendo
fiquei, para de lá de tantos assombros… Um está sempre no escuro, só no último
derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na
chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. Mesmo fui muito
tôlo! Hoje em dia, não me queixo de nenhuma coisa. Não tiro sombras dos
buracos. Mas, também, não há jeito de me baixar em remorso. Sim, que só duma
coisa. E dessa, mesma, o que tenho é medo. Enquanto se tem medo, eu acho até
que o bom remorso não se pode criar, não é possível. Minha vida não deixa
benfeitorias. Mas me confessei com sete padres, acertei sete absolvições. No
meio da noite eu acordo e pelejo para rezar. Posso. Constante eu puder, meu
suor não esfria! O senhor me releve tanto dizer.”
“De madrugada, acordamos em sua janela um velhozinho, dono de um bananal.
O velhozinho era amigo, executou o recado. Daí a cinco madrugadas, retornamos.
Era para vir alguém, quem veio foi João Goanhá, próprio. E as descrições que
deu foram de todas as piores. Sô Candelário? Morto em tiroteio de combate,
metralhadoras tinham serrado o corpo dele, de esguêlha, por riba da cintura. O
Alípio, preso, levado para a cadeia de algum lugar. Titão Passos? Ah,
perseguido por uma soldadesca, tivera de se escapar para a Bahia, pela proteção
do Coronel Horácio de Matos. Só mesmo João Goanhá era quem ainda estava.
Comandava saldo de uns homens, os poucos. Mas coragem e munição não faltavam. —
“E os Judas?” — perguntei, com triste raciocínio: por que era que os soldados
não deixavam a gente em paz, mas com aqueles não terçavam? — “Se diz que eles
têm uma proteção preta…” — João Goanhá me esclareceu: — “O Hermógenes fez o
pauto. É o demônio rabudo quem pune por ele…” Nisso todos acreditavam. Pela
fraqueza do meu medo e pela força do meu ódio, acho que eu fui o primeiro que
cri.”
“Por que não ficamos lá? Sei e não sei. Sesfrêdo esperava de mim toda
decisão. Algum remorso, de não se cumprir de ir, de desertados? Não vê que não,
desafasto. Gente sendo dois, garante mais para se engambelar, etcétera de
traição não sopra escrúpulos, como nem de crime nenhum, não agasta: igual
lobisomem verte a pele. Só se, companheiros sobrantes, a gente amiúda no
ajuizar o desonroso assunto, isto sim, rança o descrédito de se ser tornadiço
covarde. Mas eu podia rever proveito, caçar de voltar dali para a casa-grande
de Selorico Mendes, exigir meu estado devido, na Fazenda São Gregório.
Temeriam! Assim e silva, como em outro tempo, adiante, podia flauteado
comparecer no Buritís Altos, por conta de Otacília — continuação de amor. Quis
não. Suasse saudade de Diadorim? A ponto no dizer, menos. Ou nem não tinha. Só
como o céu e as nuvens lá atrás de uma andorinha que passou. Talvez, eu acho,
também, que foi juvenescendo em mim uma inclinação de abelhudice: assaz eu
queria me estar misturado lá, com os medeiro-vazes, ver o fim de tudo. Em mês
de agosto, burití vinhoso… Arassuaí não eram os meus campos… Viver é um
descuido prosseguido. Aí, as noites cambando para o entrar das chuvas, os dias
mal. Desenguli. — “Tempo de ir. Vamos?” — eu disse para Sesfrêdo. — “Vamos,
demais!” — o Sesfrêdo me respondeu.”
“Mas Medeiro Vaz não se achava, os nossos, deles ninguém
não sabia bem. Tocamos, fim que o mundo tivesse. Só deerrávamos. Assim como o
senhor, que quer tirar é instantâneo das coisas, aproximar a natureza. Estou entendido.
Esbarramos num varjeado, esconso lugar, por entre o da-Garapa e o da-Jiboia,
ali tem três lagoas numa, com quatro cores: se diz que a água é venenosa. E
isso de que me serve? Água, águas. O senhor verá um ribeirão, que verte no
Canabrava — o que verte no Taboca, que verte no Rio Preto, o primeiro Preto do
Rio Paracatú — pois a daquele é sal só, vige salgada grossa, azula muito: quem
conhece fala que é a do mar, descritamente; nem boi não gosta, não traga, eh
não. E tanta explicação dou, porque muito ribeirão e vereda, nos contornados
por aí, redobra nome. Quando um ainda não aprendeu, se atrapalha, faz raiva. Só
Preto, já molhei mão nuns dez. Verde, uns dez. Do Pacarí,
uns cinco. Da Ponte, muitos. Do Boi, ou da Vaca, também. E
uns sete por nome de Formoso. São Pedro, Tamboril, Santa
Catarina, uma porção. O sertão é do tamanho do mundo.
Agora, por aqui, o senhor já viu:
Rio é só o São Francisco, o Rio do Chico. O resto pequeno é vereda.
E algum ribeirão. E agora me lembro: no Ribeirão Entre-Ribeiros, o senhor vá ver a fazenda
velha, onde tinha um cômodo quase do tamanho da casa, por debaixo dela,
socavado no antro do chão — lá judiaram com escravos e pessoas, até aos
pouquinhos matar… Mas, para não mentir, lhe digo: eu nisso não acredito.
Reconditório de se ocultar ouro, tesouro e armas, munição, ou dinheiro falso
moedado, isto sim. O senhor deve de ficar prevenido: esse povo diverte por
demais com a baboseira, dum traque de jumento formam tufão de ventania. Por
gosto de rebuliço. Querem-porque-querem inventar maravilhas glorionhas, depois
eles mesmos acabam temendo e crendo. Parece que todo o mundo carece disso. Eu
acho, que.”
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