Subtítulo: um guia-manifesto para a organização coletiva e mobilização permanente
em rede
Editora: Veneta; Hedra
ISBN: 978-65-89705-84-0 / 978-85-9571-162-4
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 128
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Sinopse: Nos últimos 10 anos, o mundo tem assistido atônito à ascensão de uma
nova direita ― mais agressiva, ignorante e totalmente adaptada ao mundo
digital. A essa direita, importa não apenas derrotar a esquerda, mas combater o
ideal civilizatório de forma ampla e profunda.
Fazendo uso de táticas de desinformação e impulsionados
por emoções amplificadas pelas redes sociais, como ódio, medo e todo tipo de
frustrações, eles conquistaram espaços importantes no mundo todo e no Brasil.
Mas o fascismo é uma doutrina fadada historicamente ao fracasso. Neste livro,
os autores organizam conceitos e táticas para que você possa tomar seu lugar
nesse processo.
Com análises de cenário, dados selecionados
cuidadosamente e estratégias de comunicação inspiradas nas lições mais atuais
de mercado, Como Derrotar o Fascismo (em eleições e sempre) é um guia prático
sobre o maior combate político desta geração. Chegou o momento de virar o jogo
contra o racismo, o machismo, a homofobia, a injustiça social e a repressão à
liberdade de expressão. Junte-se à luta para derrotar o fascismo, em eleições e
sempre.
“A ideia de que uma pessoa sozinha não fará
diferença é desmobilizadora. Todo esforço, mesmo que pareça mínimo, é
importante. Podemos e precisamos compor uma resistência nas redes para derrotar
novas formas de fascismo.”
“Costuma-se
atribuir três significados principais para o termo fascismo¹
1.
O núcleo histórico original, constituído pelo
fascismo italiano;
2.
A dimensão internacional alcançada por esse
movimento, consolidada pelo nacional-socialismo na Alemanha com características
ideológicas, critérios organizativos e finalidades políticas próprias, que o
diferenciam do fascismo alemão;
3.
Todos os movimentos ou regimes que
compartilham tais atributos com o fascismo histórico.
Quanto ao que
caracteriza o fascismo, teorias de diferentes campos se complementam:
Pensadores marxistas
Expressão do grande capital ou representação
de extratos radicalizados das camadas médias na fase imperialista do
capitalismo.
Liberais
Arranjo totalitário em que tudo é regrado
pelas determinações do comando fascista.
Outros teóricos
Projeto de partido único que engloba o Estado
e torna a sociedade um conjunto articulado e subordinado às normas do partido.
Estabelecidas as
linhas gerais, passamos à primeira grande questão deste debate:
Faz sentido caracterizar a mobilização
política da extrema-direita atual como fascista?
Em primeiro lugar, cumpre reconhecer: nem
toda ditadura é fascista. As ditaduras militares na América Latina nas décadas
de 1960 e 1970 foram sangrentas, mas não foram definidas como fascistas. Por
quê?
Apesar de apelarem para valores patrióticos,
os sistemas civis-militares então não estruturaram alguns componentes cruciais
do fascismo, tais como:
- Mobilização
permanente da população em apoio aos diferentes segmentos da sociedade;
- Culto
a um líder supremo;
- Organização
de milícias para atuar com violência em defesa dos “valores da nação” e
“honra de seus homens e de suas famílias”.”
“O FASCISMO
- Não
suporta a democracia, apesar de os partidos e líderes fascistas poderem
utilizá-la para chegar ao poder;
- Tem
objetivo indubitavelmente autoritário, conservador e voltado a um punhado
de valores retrógrados;
- Defende
a anulação e o extermínio de quem possui valores diferentes;
- Busca
a ditadura;
- Prega
valores muitas vezes contraditórios e não possui uma única linha de
pensamento global, variando de acordo com cada país e agrupamento
fascista;
- Busca
enaltecer a pátria, mesmo quando isso representa o mais descarado
entreguismo.
Em “Fascismo eterno”, um dos textos
mais profundos sobre o tema, o semiólogo Umberto Eco afirma que o fascismo:
“Era um totalitarismo difuso, uma colagem de
ideias filosóficas e políticas diferentes, uma colmeia de contradições. Pode-se
conceber um movimento verdadeiramente totalitário capaz de combinar monarquia
com revolução, o Exército Real com a milícia pessoal de Mussolini, a concessão
de privilégios à Igreja com educação estatal exaltando a violência, controle
absoluto do Estado com livre mercado?”2
A irracionalidade, de fato, parece ser um
traço fundamental do fascismo. Essa irracionalidade se manifesta como um culto
à ação pela ação, como uma incapacidade de aceitar visões críticas, como medo
do diferente e como uma tendência à expansão e à manutenção do poder.
Ao tratar do retorno do fascismo na década de
1960, o filósofo Theodor Adorno dizia que não deveríamos “subestimar esses
movimentos por causa de seu baixo nível intelectual e falta de teoria”. Para
Adorno, o extremismo de direita não era inviável, mas “as condições sociais
para o fascismo continuavam existindo”3.
Mais de 50 anos depois, podemos notar que as
bases do fascismo descritas por ele ainda são democracias: os discursos de Eco
e Adorno sobre o fascismo da década de 1930 servem para entender o cenário
político e econômico brasileiro recente, culminando na eleição de Jair
Bolsonaro em 2018.
O bolsonarismo exalta:
- Um
princípio de levante armado nacionalista;
- O
exército, ao mesmo tempo em que organiza milícias;
- O
fundamentalismo religioso, a quem concede privilégios;
- A
violência;
- O
controle do Estado, associado ao livre mercado;
Tudo regado a baixo nível intelectual e teórico,
como preconizava Adorno.
Adorno também notou que os fascistas cultivam
a noção de impossibilidade de existir com o outro como ideia e sentimento
cultivado. Por isso, alertou que “o conceito de existência é colocado a serviço
do irracionalismo, da rejeição da argumentação racional, do pensamento
discursivo como tal”.4 Aquilo que nos parece sem sentido e
contraditório almeja na verdade o rompimento com as possibilidades de diálogo
baseado na realidade.”
1. SACCOMANI, Edda. “Fascismo”. In: BOBBIO,
Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política.
Brasília: UnB, 2004, p. 466.
2. ECO, Umberto. UR-fascismo (O fascismo
eterno). Nueva York: Universidad de Columbia, 1995.
3. ADORNO, Theodor W. Aspects of the New
Right-Wing Extremism (trans. Wieland Hoban). Medford, Mass.: Polity, 2020,
p. 12.
4. ADORNO, Theodor W. Aspects of the New Right-Wing Extremism (trans. Wieland Hoban). Medford, Mass.: Polity, 2020, p. 4
“O FASCISTA
- É
estritamente capitalista.
- É
fundamentalmente retrógrado.
- É
capaz de articular o homem comum das camadas médias, que assimilou a
ideologia da classe dominante.
- Considera
que pobres são pobres porque não têm mérito, sorte ou a benção de Deus.
- Convive
com aquele que é pobre, mas se acredita detentor de capital, sob risco
constante de desprezá-lo por sua insuficiência de posse.
- Odeia
quem luta por direitos sociais e coletivos.
- O
“comunista” é o seu alvo: nada é pior que o “comunismo”, ainda que entenda
como qualquer iniciativa que vise o bem comum, como a saúde pública, por
exemplo.
- Defende
o opressor, e não raro, manifesta prazer com o sofrimento alheio.
- Expressa
seu sofrimento na política como do indivíduo que sofre porque não debate
baseado em argumentos racionais.”
“A ESTRATÉGIA DE EXPANSÃO DA NOVA
EXTREMA-DIREITA EM QUATRO PILARES
1) Principalmente digital.
2) Rompimento com
o debate racional baseado em fatos.
3) Nova roupagem
a valores reacionários clássicos.
4) Desinformação
e caos cognitivo como modus operandi.
Com isso, fornece nova força ao
neoliberalismo, agora sem nenhum pudor de recorrer a ataques à democracia e aos
direitos humanos.
O discurso antissistema é outro elemento
recorrente entre os entusiastas do movimento. Mas qual sistema? Não o capitalista, obviamente: o
inimigo a ser combatido compreende tudo que busca um mínimo de equilíbrio entre
o poder do capital e a justiça social do socialismo.
Assim, para ganhar adeptos, passam a
identificar como poderosos e atacar defensores da democracia. Escolhem para
isso figuras do capital financeiro que, apesar de terem grande apreço pelo
neoliberalismo, não rompem com a democracia liberal, e que por isso podem ser
rotuladas de “comunistas”.
O mundo digital se torna o terreno de disputa
da hegemonia política, e nele se trava abertamente uma guerra cultural. Curiosamente,
os neofascistas assumem a perspectiva de Gramsci e a invertem: querem construir
seu bloco histórico e destruir a hegemonia dominante.
Para compor esse bloco, articulam a velha e
carcomida supremacia branca, a Ku-Klux-Klan, grupos neonazistas, terraplanistas
recalcados, ligas de tiro, novos eugenistas, neorreacionários, fundamentalistas
religiosos de matriz cristã; enfim, uma profusão de grupos que não conseguiriam
sentar em uma mesa sem o risco de um grande tiroteio.
Articulam ainda figuras exóticas e falantes carismáticos,
muitos deles alçados ao status de youtubers de grande influência. Para além da
vertigem da espiral de espetacularização que esse conjunto de estratégias
engendra, eliminam conteúdos contrários e muitas vezes apelam para o
completamente contraditório como forma de atrair atenção e engajamento.
É assim que revelam e dão holofote a figuras
como afrodescendentes que atacam lideranças negras e movimentos antirracistas,
pessoas LGBTQIA+ que afirmam odiar a homossexualidade, defensores da liberdade
de expressão que defendem a implantação de ditaduras. Importa, com isso,
interditar qualquer possibilidade de debate produtivo, confundir e calar
defensores de valores civilizatórios e reivindicar a completa e total liberdade
de agressão, praticada nas redes e fora delas.”
“PRINCIPAIS FUNDAMENTOS DO FASCISMO
De acordo
com o filósofo estadunidense Jason Stanley, em Como funciona o fascismo: a
política do “nós” e “eles” (L&PM, 2018).
- Resgate a um passado mítico que nunca existiu.
- Ataque às instituições sob pretexto de combater a corrupção.
- Ódio a intelectuais e universidades.
- Defesa cega de um líder hierárquico.
- Estigmatização e possível criminalização de minorias e da diversidade
em geral.
- Ataques aos sistemas de justiça social e direitos.
- Desqualificação da imprensa.
Alguma semelhança com o bolsonarismo?”
“Parte altamente significativa da comunicação
humana atual ocorre via redes de relacionamento social, aplicativos de
mensagens instantâneas, repositórios de vídeos, fóruns de discussão, blogs e
e-mails.
Essas interações são mediadas por grandes
empresas de tecnologia – as chamadas Big Techs – que controlam as plataformas e
adotam um modelo de negócio baseado na oferta de interfaces e serviços
gratuitos, para que possamos ficar o máximo de tempo possível neles. (...)
O objetivo das plataformas é menos conduzir
nossos comportamentos e mais nos fazer perceber o poder de nossa comunicação. O
esforço maior é demonstrar que, mesmo diante de opressão, o mais difícil não é
falar, mas ser ouvido.
Assim, as plataformas exploram técnicas
econômicas de atenção e mudança de comportamento. Essa dinâmica levou à
pesquisa e ao consumo baseado na extração e tratamento de dados de...
“Capitalismo de vigilância
Vivemos uma nova ordem econômica, que reivindica a experiência humana
como matéria-prima gratuita para práticas comerciais dissimuladas de extração,
previsão e vendas.”10 (...)
As plataformas de consumo e conteúdo e as
redes de relacionamento online são gerenciadas, em tempo real, por algoritmos
de um tipo de Inteligência Artificial baseada em dados. Por isso, dizemos que a
gestão das plataformas é uma gestão algorítmica.
Um algoritmo pode ser compreendido como uma
sequência de passos ou instruções que podem ser utilizadas para resolver um
problema e gerar resultados – ou seja, pode ser um procedimento. As redes
sociais são operadas em tempo real por sistemas informatizados, ou seja, por um
conjunto de algoritmos.
Os sistemas algoritmicos de inteligência artificial
mais utilizados atualmente são os de aprendizado de máquina (em inglês, machine learning). Esses modelos de
aprendizado de máquina são treinados com base em dados, com o objetivo de gerar
um modelo matemático que consiga fazer previsões. Eles utilizam os dados que
foram inseridos no interior da plataforma. Esses modelos se comportam de
maneira probabilística, ou seja, eles geram resultados em todos os dados que
conseguem coletar e processar.
Quando entramos no Facebook ou no TikTok,
quem organiza as mensagens que aparecem na tela é a rede social, não somos nós.
Ou seja, a plataforma decide quais informações serão mostradas com base em um
modelo probabilístico treinado com os dados que foram coletados pela própria
plataforma. Esses modelos são utilizados, por exemplo, para prever o interesse
do usuário, para vender anúncios, ou seja, de forma mais precisa.
10 ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância
(Intrínseca, 2021).
“CAMBRIDGE
ANALYTICA: ULTRAPERSONALIZAÇÃO DO ÓDIO A FAVOR DE TRUMP
Você provavelmente se lembra da Cambridge
Analytica, empresa de marketing político digital que protagonizou enorme
controvérsia nas eleições dos EUA em 2016.
Após extrair dados do Facebook e analisar o
perfil psicográfico de milhares de norte-americanos, a empresa utilizou
algoritmos de aprendizado de máquina para disparar milhões de mensagens
direcionadas que atacavam a candidatura de Hillary Clinton à presidência.
Com uma estratégia de conteúdo agressiva,
baseada na disseminação do medo, do ódio e da dúvida, postagens carregadas de
preconceito e teorias conspiratórias atingiram em cheio setores decisivos do
eleitorado.
Qual era o alvo prioritário da campanha?
Obviamente, os estrategistas não esperavam convencer ativistas de direitos
humanos a apoiar Donald Trump. Mas, a partir de um bombardeio de imagens e
postagens alocadas com extrema precisão, poderiam, por exemplo, convencer
potenciais eleitores democratas de que Hilary Clinton não faria diferença para
a defesa de garantias individuais e coletivas.
Ao final, a Cambridge Analytica se vangloriou
de ter levado pessoas a desistirem de votar na candidata democrata. Em um país
onde o voto não é obrigatório, isso pode ter tido papel decisivo na vitória de
Trump.”
“Porém, a exemplo dos antigos mutirões de
amassar barro, ações de coletivos voluntários contam com grande poder de
argumentação, força ideológica e paixão. Ocupar redes digitais de forma
coletiva é fundamental para desarticular ondas de desinformação, levar fatos às
pessoas e executar campanhas de candidatos antifascistas.
Com regularidade, articulação e coordenação,
é possível enfrentar a força da grana, o viés algorítmico e a trapaça dos bots
e das fazendas de cliques nas redes sociais.”
“Temos que atuar no campo das emoções, dos
afetos e da razão. O fascismo histórico e o neofascismo atuam fundamentalmente
com a irracionalidade, mas uma pessoa que ganha a vida com seu próprio trabalho
sabe que o ódio não coloca comida na mesa. É preciso combinar propostas com
gentileza.”

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