Editora: Expressão Popular
ISBN: 978-85-7743-074-1
Tradução: Cláudia Schilling, Magda Lopes e Maria
Carbajal
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 728
Sinopse: Há mais de
40 anos de sua morte – e 80 anos de seu nascimento – seu compromisso com a história
permanece um símbolo de rebelião, esperança e justiça. Ernesto Guevara, também
conhecido como Che é uma biografia minuciosa e detalhada, que revela na sua
plenitude um homem sempre pronto para a luta. Paco Ignácio Taibo II, a partir de
um vasto material e recorrendo a textos do Che – fragmentos de cartas pessoais e
públicas, diários, notas manuscritas, artigos, poemas, livros, discursos, conferências,
declarações em atas, entrevistas, frases e testemunhos de companheiros –, faz do
próprio Che o segundo narrador desta história.
“Os textos em itálico pertencem a Che. São fragmentos
de cartas pessoais, públicas, diários, notas manuscritas, artigos, poemas, livros,
discursos, conferências, declarações públicas ou semipúblicas que constaram em atas,
respostas a entrevistas, e até frases suas registradas por testemunhas confiáveis.
Ele é o segundo narrador desta história – é ele que importa.”
“Tita Infante recorda que Ernesto lhe contou que
“lembrava os vinte dias passados em Miami como os mais duros e amargos da sua vida.
E não foi apenas pelas dificuldades econômicas que teve de suportar!”
Finalmente, o avião é consertado e Ernesto retorna.
A família estará esperando por ele no aeroporto de Ezeiza e o verá desembarcar em
meio aos cavalos. De novo em casa o filho aventureiro. Está mais magro e, sem dúvida,
com um rosto mais maduro, embora jamais venha a perder o eterno ar de adolescente.
Só isso? Pouco tempo depois, ao reiniciar o seu diário, escreverá: O personagem
que escreveu estas notas morreu ao pisar novamente em solo argentino (...) este
vagar por nossa “Maiúscula América” me fez mudar muito mais do que eu imaginava.
José Aguillar o confirma, e indica um dos sentidos da mudança: “O que observei,
depois de sua primeira viagem, foi que ele se interessava muito mais pela questão
política”.
Quanto mais? Que política, que projeto? O diário
truncado que escreveu nestes oito meses termina com uma tomada de partido muito
veemente e exagerada: Lutarei pelo povo e sei disso porque vejo impresso na noite
que eu, o eclético dissecador de doutrinas e da psicanálise dos dogmas, uivando
como um possesso, assaltarei as barricadas e as trincheiras, tingirei de sangue
as minhas armas e, louco de fúria, degolarei quantos vencidos caírem em minhas mãos.
Por enquanto, parecem apenas palavras.”
“Sua primeira mensagem de San José será destinada
à tia Beatriz, em Buenos Aires, e com o tom de cortador de cabeças que usa às vezes
para assustar seus parentes mais conservadores, conta-lhe que teve a oportunidade
de passar pelos domínios da United Fruit, convencendo-me mais uma vez de como
são terríveis estes polvos capitalistas. Jurei diante de uma foto do velho e pranteado
camarada Stalin não descansar até ver estes polvos aniquilados...”.
“No início de janeiro, um primeiro balanço em
uma carta dirigida a sua tia Beatriz: Este é um país onde se pode dilatar
os pulmões e enchê-los de democracia. A United Fruits mantém cada jornal que eu,
se fosse Arbenz, fecharia em cinco minutos, porque são uma vergonha. Entretanto,
dizem o que querem e contribuem para criar o ambiente que interessa aos Estados
Unidos, mostrando este lugar como um covil de comunistas, ladrões, traidores etc.
Não lhe direi que é um país que respira abundância ou coisa parecida, mas há possibilidade
de se trabalhar honradamente e se eu conseguir vencer uma burocracia um tanto incômoda,
fico um tempo por aqui.
E para poder ficar, prossegue à procura de emprego.
Um médico exilado venezuelano consegue-lhe uma entrevista com o ministro da Saúde
Pública (Pedi-lhe um posto, mas exigi dele uma resposta categórica – sim ou não.
O homem me recebeu com muita amabilidade, tomou nota de todos os dados e me disse
que voltasse daí a dois ou três dias. Ontem terminou o prazo e o ministro não me
decepcionou, porque me deu uma resposta categórica: NÃO). O ministro lhe diz
que se quiser conseguir emprego como médico na Guatemala será obrigado a cursar
durante um ano uma revalidação de seus estudos na universidade local.”
“Em uma carta a sua mãe, fala com paixão das ruínas
maias que visitou, mas no entanto renega a sua vocação de arqueólogo: Parece-me
um pouco paradoxal ter como o norte da minha vida investigar algo que está irremediavelmente
morto. Reconhece que seu sonho prático é se dedicar a algo assim como a genética,
e a única coisa que para ele está claro é que a América será o grande palco das
minhas aventuras, com um caráter muito mais importante do que havia imaginado; realmente,
creio haver chegado a compreendê-la e me sinto americano com um caráter que me distingue
de qualquer outro povo da terra”.
“Em 4 de julho, Ernesto escreve a sua mãe: Velha,
tudo se passou como um sonho lindo (...) a traição continua sendo patrimônio do
exército (...) Arbenz não soube estar à altura das circunstâncias, e os militares
se cagaram de medo. Informa-lhe, com uma certa vergonha, que não pagou suas
dívidas na pensão e que, por razões de força maior, decide dá-las por canceladas
e termina com uma confissão íntima, que se torna sem querer um retrato do aventureiro-observador
que era: Com um pouco de vergonha, comunico-lhe que me diverti incrivelmente
durante esses dias. Essa sensação mágica de invulnerabilidade (...) fazia-me vibrar
de satisfação quando via as pessoas correndo como loucas quando mal chegavam os
aviões, ou, à noite, durante os cortes de luz elétrica e a cidade se enchia de disparos.
Diga-se de passagem que os bombardeios leves têm sua imponência.
Em uma dessas cartas, deixa um breve retrato do
novo regime: Se quiser ter uma ideia da orientação deste governo, vou lhe dar
alguns dados: um dos primeiros povoados que os invasores tomaram foi uma propriedade
da companhia de frutas, em que os empregados estavam de greve. Ao chegar, declararam
imediatamente terminada a greve, levaram os líderes para o cemitério e os mataram
lançando-lhes granadas no peito.”
“Os meios-termos não podem significar outra
coisa senão a antessala da traição.”
“Estes cubanos os novos personagens da vida do
doutor Guevara, e serão qualquer coisa, menos culpados de inocência. Fazem parte
de uma geração, e em particular de um grupo, que tem dívidas de sangue com a ditadura,
um sentido trágico da vida, uma relação muito peculiar com a história.”
“Ao seu lado, escutam-se pedidos de rendição (dos
guerrilheiros cubanos). Na memória do Che ficará gravada a fogo a resposta de um
dos combatentes: “Aqui ninguém se rende, caralho!”, que mais tarde será atribuída
a Camilo Cienfuegos.”
“Em toda minha vida eu nunca havia visto um argentino,
nem no cinema, e de repente toda aquela coisa de che pra cá, che pra lá...”, lembrará
anos depois Sérgio Pérez, um dos filhos de Crescencio, explicando porque Ernesto
Guevara estava condenado a ser Che para os Guajiros* de Sierra Maestra.
E Che andava por ali que dava pena vê-lo. Até
que alguém lhe consegue roupa e sapatos, e até um atomizador que havia em uma lojinha
serrana e, ao que parece, não consegue minorar os terríveis ataques de asma que
sofre. Para o grupo mítico dos 12 começa a recuperação após as amargas jornadas
que se seguiram aos incidentes em Alegría de Pío. Embora os 12 nunca tenham sido
12. Éramos aproximadamente 17 homens, contando os primeiros camponeses que
se incorporaram. Dezessete no total, contando os agregados. Foi tudo o que sobrou
dos expedicionários do Granma. A contagem das vítimas era dolorosa e extensa:
o próprio Juan Manuel Márquez, Ñico López, Juan Smith – capitão da vanguarda, Cándido
González – ajudante de Fidel e revolucionário ferrenho. A maior parte deles
capturados e assassinados pelas costas, torturados e jogados em uma caverna, atirados
já mortos nos arredores de um cemitério...
E era surpreendente que o otimismo de Fidel já
começasse a influenciá-los, que sua antiga magia já mostrada no México começasse
a se infiltrar entre os sobreviventes daquele pequeno grupo que ainda não se
conhecia bem, mas que já falava em triunfo, em atacar.
Fidel era um personagem único. No dia 18, quando
se encontrou com o primeiro grupo de sobreviventes, além dos dois que o acompanhavam,
perguntou ao seu irmão, Raúl:
– Quantos fuzis vocês têm?
– Cinco.
– Com dois que eu tenho, sete. Agora, sim, vamos
ganhar a guerra.
E seu otimismo era contagiante, porque já naquelas
noites, naquelas longas noites (porque a nossa inatividade começava ao pôr-do-sol)
sob as copas das árvores de qualquer bosque, começávamos a fazer planos e mais planos:
para agora, para um pouco mais tarde, para quando triunfássemos. Eram horas felizes,
quando saboreei os primeiros charutos (que aprendi a fumar para espantar alguns
mosquitos demasiado agressivos) até me invadir a fragrância do tabaco cubano, enquanto
as projeções para o futuro iam se sucedendo vertiginosamente.”
* Guajiro: camponês.
“Com o passar do tempo, um combate gera tantas
versões quanto o número de homens que dele participa, e, apesar da precisão de suas
narrações, em todas elas Ernesto Guevara tenderá minimizar seus atos de bravura.
Homem que está sempre testando seus limites, segundo Crespo parece que foi Che que,
em meio à troca de tiros, arriscou sua vida lançando-se sobre o soldado ferido,
fazendo-o girar e arrancando-lhe o rifle. O soldado pede-lhe que não o mate, e Che
responde alguma coisa assim como agora o médico fala mais alto.
Há lutas em outros locais. Almeida enfrenta com
seu pelotão os marinheiros que estão em outra cabana. Fidel dá a ordem de avançar;
tem de repeti-la duas vezes, e na segunda os rebeldes avançam sobre os soldados.
Camilo Cienfuegos, protegendo-se atrás de uma árvore, disparou contra o sargento
que fugia e esgotou os poucos cartuchos que ainda tinha. Os soldados, quase sem
defesa, caíam sem misericórdia sob nossas balas. Camilo Cienfuegos foi quem entrou
primeiro na casa onde se ouviam gritos de rendição. Os rebeldes, antes de verificarem
se há feridos, antes de verificarem se ainda estão vivos ou se é só a inércia que
os mantém de pé, têm uma obsessão: balas e armas. Conseguimos oito Springfield,
uma metralhadora Thompson e aproximadamente mil balas; tínhamos gasto mais ou menos
quinhentas (...). Além disso, conseguimos cartucheiras, combustível, facas, roupas
e um pouco de comida (...). Do lado deles havia dois mortos e cinco feridos, além
de três prisioneiros. Alguns tinham fugido. Do nosso lado, nem um arranhão.
O golpe de Alegría de Pío fora revidado. Os homens do Granma estão começando a revolução.”
“No dia 19 de janeiro, Ameijeiras conta que Che
saiu do acampamento em uma exploração e regressou por uma clareira do bosque na
frente do posto onde estava Camilo, e que usava um capacete de soldado, troféu da
luta em La Plata, um capacete completo de cabo do exército batistiano, que eu usava
todo orgulhoso, e Camilo atira sem mais delongas, com um rifle emprestado porque
estava limpando o seu, pensando se tratar do exército. Che tem que tirar um lenço
branco e gritar que não disparem. Camilo, rindo, diz:
– Cornudo, você me fez prisioneiro, mas obriguei
você a se render. Este fato demonstra o estado de tensão em que todos estávamos,
esperando o combate como se fosse uma libertação. São esses momentos em que até
as pessoas de maior sangue frio sentem um leve tremor nos joelhos e todo mundo deseja
que chegue de uma vez esse momento culminante da guerra, que é o combate.”
“Mais tarde, os que ficaram e resistiram às
primeiras provas, acabariam se acostumando com a sujeira, a falta d’água, de comida,
de teto, de segurança, e a viver continuamente confiando apenas no fuzil e amparados
na coesão e na resistência do pequeno núcleo guerrilheiro.”
“Ao terminar a reunião e a entrevista, a guerrilha
volta à sua necessária mobilidade. Quando se dispõe a partir, a notícia de que Eutimio
Guerra está na região faz com que se mobilize. Capturado por Ciro Frias, é conduzido
ao acampamento e ao ser revistado encontram sua pistola, as granadas e um salvo-conduto
do exército, assinado por Casillas. Ele grita: “Podem me dar um tiro, mas pelo amor
de Deus não leiam isso!”. Caiu de joelhos diante de Fidel, e simplesmente pediu
que o matassem. Disse que sabia que merecia a morte. Naquele momento, parecia ter
envelhecido. Em suas têmporas, via-se um grande número de cabelos brancos, coisa
que nunca havia notado antes. O momento foi de uma tensão extraordinária. Fidel
recriminou-lhe duramente a traição, e Eutimio só queria que o matassem, admitindo
a sua culpa. Para todos nós que estávamos lá, foi inesquecível o momento em que
Ciro Frias, seu compadre, começou a falar com ele: quando lhe lembrou tudo que havia
feito por ele; os pequenos favores que ele e seu irmão haviam feito à família de
Eutimio, e como este os havia traído, primeiro denunciando e fazendo com que os
guardas capturassem e assassinassem o irmão de Frias, e depois tentando exterminar
todo o grupo. Foi um discurso longo e patético, que Eutimio escutou em silêncio,
com a cabeça baixa. Perguntamos se ele queria alguma coisa, e ele respondeu que
sim – que queria que a revolução, ou melhor, nós, cuidássemos de seus filhos.
Fidel ordenou que Universo o fuzilasse. Este contaria
mais tarde: “Eu o teria matado dez vezes. Che aproximou-se e nós dois o carregamos
e o tiramos dali, para não matá-lo diante de todo mundo. Eu o levei para longe,
ofereci-lhe uma garrafa de rum, que ele foi tomando pelo caminho, enquanto dizia:
‘Matem-me’.”. Nesse momento, teve início uma forte tempestade e o céu escureceu
totalmente. Caiu um aguaceiro descomunal, o céu se iluminou com os relâmpagos e
o barulho do trovão era ensurdecedor. Universo conta: “Eu carregava um rifle
e, de repente, Che saca uma pistola 22 e dá um tiro nele aqui. Porra, Che, você
o matou! Ele caiu de costas, agonizando. E os relâmpagos iluminavam tudo. Aquilo
era diabólico. Foi uma coisa horrível.”
“O reforço era composto de uns 50 homens, dos
quais apenas 30 estavam armados; traziam dois fuzis metralhadoras, um Madzen e um
Johnson. Nos poucos meses vividos na Sierra, tínhamos nos transformado em veteranos,
e víamos na nova tropa todos os defeitos que havia naquela coluna original do Granma
(...). Notava-se uma diferença imensa entre os dois grupos: o nosso, disciplinado,
compacto e curtido; o dos garotos, padecendo ainda da doença dos primeiros tempos;
não estavam acostumados a fazer apenas uma refeição por dia e se não gostassem da
ração, não comiam. Traziam mochilas carregadas de coisas inúteis, e quando lhes
pesava muito, preferiam, por exemplo, entregar uma lata de leite condensado a se
desfazer de uma toalha (crime de lesa guerrilha), e então aproveitávamos para pegar
as latas e todos os alimentos que eles iam deixando pelo caminho.”
“Nessa época, Che anda de bom humor, porque finalmente
consegue uma rede de lona. Arede é um bem precioso que não tinha conseguido antes
porque a rigorosa lei da guerrilha estabelecia que só se daria rede de lona àqueles
que já tivessem feito sua rede de tecido, para combater a ociosidade. Todo mundo
podia fazer para si uma rede de pano, e o fato de tê-la dava o direito de receber
a próxima rede de lona que chegasse. Entretanto, eu não podia usar a rede de pano
devido a minha alergia; as fibras me afetavam muito e por isso era obrigado a dormir
no chão. Estes pequenos atos cotidianos compõem a parte da tragédia individual de
cada guerrilha. Mas Fidel percebeu e fez uma exceção à regra para me conseguir uma
rede de lona.”
“No início de maio, os rebeldes fazem marchas
e contramarchas em direção ao leste de Sierra Maestra para recuperar um carregamento
de armas que deveria chegar de Santiago. Também continuava o contato com os camponeses.
Naquela época, eu tinha que cumprir os meus deveres de médico e, em cada pequeno
povoado ou lugar onde chegávamos, dava minhas consultas. Era uma coisa monótona,
pois não tinha muitos medicamentos para oferecer e os casos não eram muito diferentes
dos casos clínicos da serra: mulheres prematuramente envelhecidas, sem dentes, crianças
com barrigas enormes, parasitismo, raquitismo, avitaminoses em geral, eram os símbolos
de Sierra Maestra. Lembro-me de uma menina que estava assistindo às consultas que
eu dava às mulheres da região, que iam com mentalidade quase religiosa conhecer
o motivo de seus padecimentos; a menininha, quando chegou a vez da sua mãe, depois
de ter presenciado atentamente várias consultas anteriores no único quarto da cabana
que me servia de consultório, mexericou: “Mamãe, este médico diz a mesma coisa pra
todo mundo”.
A guerrilha e os camponeses iam se fundindo em
uma coisa só, sem que ninguém pudesse dizer em que momento do longo caminho isso
aconteceu, e em que momento passou a ser realmente verdade o que nós proclamávamos
e que passamos a fazer parte da massa camponesa. No que me diz respeito, só sei
que aquelas consultas aos guajiros da serra transformaram a decisão espontânea e
um pouco poética em uma força de um valor diferente e mais sereno. Aqueles sofridos
e leais habitantes de Sierra Maestra nunca imaginariam o papel que desempenharam
como forjadores da nossa ideologia revolucionária.”
“Durante a ausência de Che, Fidel esteve trabalhando
na Sierra, com a colaboração de duas figuras da oposição liberal: Felipe Pazos e
Raúl Chibás, na formulação de um programa político que propõe uma frente cívica
revolucionária, a marginalização do exército da vida pública, a negativa de que
os Estados Unidos participem de qualquer forma de mediação, e, sem dúvida, a imediata
libertação dos presos políticos, a liberdade de informação, a restituição dos direitos
constitucionais suprimidos, eleições municipais, luta contra a corrupção administrativa,
democratização sindical, luta contra o analfabetismo e uma tímida proposta de reforma
agrária, utilizando como base as terras improdutivas e oferecendo indenização aos
latifundiários. O documento insiste na nomeação de um presidente provisório. Fidel
oferece a Chibás o cargo, mas este o recusa. O documento, com data de 12 de julho,
torna-se público e abre as portas para negociações mais amplas no exterior.
Che seria muito crítico em relação à limitação
do programa, e inclusive, de uma forma paranoica, atribuiria em documentos posteriores
a intenção de Pazos e de Chibás de estabelecer este compromisso anterior como antessala
de uma traição política ao movimento armado. Na verdade, o documento significava
um retrocesso diante das teses mais radicais enunciadas pelo 26 de julho (Não
estávamos satisfeitos com o compromisso, mas ele era necessário; naquele momento
era progressista), mas também sabíamos que de Sierra Maestra não era possível estabelecer
a nossa vontade, e que durante um longo período de tempo precisaríamos contar com
toda uma série de “amigos”.
Qual é a vontade política, o projeto de país que
se define na Sierra nesse momento? Qual é o de Fidel? Qual é o de Che? Provavelmente,
nenhum. Ideias vagas sobre a necessidade de uma reforma agrária radical, desejo
de mudanças sociais profundas, elementos socialistas meio formulados na cabeça de
Che. Talvez a única coisa que os homens da Sierra tenham claro em sua mente seja
a necessidade de se acabar com a ditadura de Batista da única forma possível – militarmente.”
“No dia 5 de julho, Fidel escreve a Celia Sánchez:
“Nossa tropa está cada dia mais selecionada e eficiente. Depois de muito escolher,
disciplinar e pôr pra fora o que não serve, estamos construindo um verdadeiro exército”.
Esta valorização é, sem dúvida, o que está por trás da decisão de formar uma nova
coluna. Quem irá dirigi-la? Fidel deve ter considerado as qualidades militares de
Almeida e a sobriedade de Raúl, e terminará decidindo-se em favor de Che. Por quê?
Che não se destacou militarmente nestes primeiros meses da guerrilha, a não ser
como um combatente que se arriscava muito; não é cubano, e até pouco tempo era o
médico da guerrilha e sua patente, nessa altura, é de simples soldado. O que Fidel
enxerga em Che? Seu rigor, sua obstinação, sua dedicação às causas impossíveis,
sua atitude igualitária que faz dele um exemplo, ou a capacidade de comando em situações
difíceis que demonstrou ao ficar isolado com os feridos? Seja o que for, Fidel,
cujas intuições costumam ser muito certas em matéria de guerra, acertará novamente.”
“Os dias seguintes passam-se em treinamentos e
marchas, interrompidos pela captura de um desertor chamado Cuervo, que tinha estado
extorquindo camponeses da região e participado de um estupro. Ao chegar ao acampamento,
o homem tentou cumprimentar Che, estendendo-lhe a mão, mas ele lhe respondeu secamente
que havia mandado chamá-lo para fuzilá-lo, não para cumprimentá-lo.”
“O jornalista argentino Jorge Ricardo Masetti
registraria alguns meses mais tarde: “Os guajiros nunca tinham ido a uma igreja,
porque não havia igreja nas montanhas. Nunca haviam comido pão. Nem carne de vaca
(...) Eram analfabetos, mas dotados de uma inteligência notável. As primeiras escolas
só foram instaladas na serra depois da chegada do exército rebelde. De vez em quando
comiam algum biscoito, mas não tinham ideia do que era pão, até que as tropas de
Guevara instalaram as primeiras padarias camponesas. Viam as reses e sabiam que
sua carne era deliciosa, mas só quando os membros do movimento começaram a distribuição
de gado e a matança organizada das reses, vieram a experimentar os bifes. E isso
por que eles – 90% deles – haviam nascido na zona mais rica da riquíssima Cuba.”
“Em 29 de novembro, enquanto os rebeldes limitam-se
a cercar e provocar a coluna de Sánchez Mosquera, Ciro Redondo morre ao tentar penetrar
nas posições inimigas, e os reforços conseguem romper o cerco dos rebeldes, obrigando-os
a se retirarem. A pena pela perda do nosso querido companheiro Ciro Redondo foi
muito grande, e a ela uniu-se o sentimento por não havermos podido aproveitar a
vitória contra Sánchez Mosquera. Dias depois, Che escreve a Fidel: Era um
bom companheiro, e, principalmente, um dos seus maiores suportes no que se refere
à obsessão pela luta. Acho que seria justo que recebesse o título de comandante,
embora isso agora só sirva para fins históricos, que é a única coisa à qual muitos
de nós podemos aspirar.”
“Passaram-se quatro meses e meio desde que foi
nomeado comandante, e Che sente-se fracassado. Dirigiu algumas escaramuças de sucesso,
cujos resultados iniciais não conseguiu explorar, teve que se retirar diversas vezes,
teve que abrir mão de sua querida base de El Hombrito, entra em choque continuamente
com a direção do movimento na planície e desconsiderou os conselhos de Fidel, arriscando-se
muito, e agora está ferido. Esta sensação explica porque fica a cargo de um destacamento
e devolve a Fidel o comando direto da parte mais importante da sua coluna, dirigida
por Ramiro Valdés. E talvez ainda seja muito cedo para ele poder avaliar os dois
grandes sucessos que obteve nesses meses: criou uma rede camponesa muito ampla,
que tem por ele verdadeira adoração e respeito, e conseguiu criar a sua volta uma
aura mágica – o Che é justo, igualitário, aquele tipo de homem que não pede para
ninguém fazer o que ele próprio não faça.
Estes dois elementos valem muito mais do que parece.
E Fidel, em vez de tirá-lo do comando da Coluna 4, perceberá o valor disso.”
“A intervenção de Fidel no segundo combate
de Pino del Agua fez com que, dias depois, um grupo de oficiais, inclusive eu, lhe
enviasse um documento (...) pedindo-lhe, em nome da Revolução, que não arriscasse
sua vida inutilmente. Este documento, um tanto infantil, que fizemos impelidos pelos
desejos mais altruístas, acreditamos não ter merecido nem uma leitura de sua parte.
E nem é preciso dizer que não lhe deu a mínima importância. Era um pouco chocante
que comandantes, capitães e chefes de pelotão, que dirigiam o combate na base do
exemplo, da lei dos mau-mau, pedissem a Fidel que fizesse o contrário. Ameijeiras
conta: “Dava gosto ver alguns daqueles combatentes novatos, às vezes quase adolescentes,
levantar-se no meio do combate, quando todo mundo estava grudado no chão com as
balas silvando nos ouvidos: Fulano, olhe pra mim. A lei dos Mau! Então, levantava-se
galhardamente no meio das balas e disparava sua arma contra o inimigo. Em seguida,
o aludido também o imitava (...) Para resumir, esta era a lei dos mau. Lutar de
pé e avançar no meio das balas ou atirar de frente contra os aviões. Coisas de homens
que hoje parecem coisas de loucos.”
“A melhor defesa contra as bombas era um palito
apertado entre os dentes. Outra defesa eram as cavernas. Mas a melhor defesa era
perder o medo delas”, costumavam dizer os camponeses dessa região de Sierra Maestra,
seguindo ao pé da letra os ensinamentos de Che, que, sob bombardeio tinha um comportamento
insólito – às vezes ficava olhando para os aviões sem se proteger em um refúgio,
como se quisesse provar algo, demonstrar algo para si mesmo.”
“Em Minas del Frío, Che admite em seu grupo outro
adolescente, Jesús Parra, de 16 anos, que havia conhecido com impaludismo no posto
de comando de Fidel. Parra, além de ter sido engraxate e ajudante de cozinha, também
havia feito um curso de datilografia durante três meses, e escrevia 25 palavras
por minuto; isso foi mais que suficiente para Che levá-lo em consideração e na coluna
dizerem que ele era um “intelectual”. Para Parra, Che dará uma explicação da razão
de ele se cercar de jovens: “dizia que os jovens eram mais loucos, arriscavam-se
mais e não pensavam muito”. Era seu próprio retrato?
E esses jovens loucos estudam história de Cuba,
treinam com paus à guisa de fuzis e passam fome, e até chegam a organizar uma greve
de fome, que Che termina com sete palavras e dez insultos, além da ameaça de fuzilá-los
a todos, e como castigo deixa-os cinco dias sem comer, em “greve de fome”. Castellanos,
que desta vez tinha sido apenas observador, diz: “Che percebeu que a situação era
grave, mas não se podia fazer nada, porque não havia comida”.”
“Chega o dia 9 de abril. Anos mais tarde, Ameijeiras
recapitulava o caminho percorrido: “O Moncada, o 30 de novembro, o Granma, Alegría
del Pío, La Plata, a entrevista de Herbert Matthews, o Corinthia, o Uvero, a morte
de Frank País e a greve que ela provocou em quase todo o país, os dois combates
de Pino del Agua, San Lorenzo, Mota y El Hombrito, a II Frente e a III Frente Frank
Muñoz, a guerrilha do Diretório Revolucionário em Escambray, a noite das cem bombas,
o sequestro de Fangio, Camilo na planície; além dos levantes no leste, Camaguey
e Lãs Villas, deixaram claro a seriedade do movimento revolucionário.”
“Nos dias seguintes à greve de abril, Che, em
uma de suas visitas ao posto de comando de Fidel, chega acompanhado por um guia
a uma cabana onde o exército acaba de destruir um comboio de abastecimento para
os rebeldes. O abandono da região, os cadáveres de homens e animais, assustam o
guia, que se negou a me acompanhar, alegou desconhecimento do terreno e simplesmente
subiu em seu cavalo e nos separamos de forma amigável. Eu tinha uma Beretta e, com
ela engatilhada e levando o cavalo pelas rédeas, entrei nos primeiros cafezais.
Ao chegar a uma casa abandonada, um barulho enorme me assustou a tal ponto que quase
me fez disparar, mas era apenas um porco, também assustado pela minha presença.
Lentamente, e com muito cuidado, percorri as poucas centenas de metros que me separavam
da nossa posição, que encontrei totalmente abandonada (...) Toda aquela cena não
tem para mim outro significado senão o da satisfação que experimentei por ter vencido
o medo durante um trajeto que me pareceu eterno até chegar, finalmente – e sozinho
– ao posto de comando. Esta noite, me senti valente.
Dias mais tarde, em um choque com as tropas de
Sánchez Mosquera, Che fica isolado. O inimigo lançou, de início, alguns tiros
de morteiro, sem maior pontaria. Por um momento, aumentou o tiroteio a minha direita,
e fui inspecionar as posições, mas no meio do caminho começou também pela esquerda.
Mandei meu ajudante a algum lugar e fiquei só entre os dois extremos dos disparos.
A minha esquerda, as forças de Sánchez Mosquera, depois de disparar alguns obuses
de morteiro, subiram a colina em meio a uma gritaria descomunal. Nosso pessoal,
com pouca experiência, não conseguiu disparar, a não ser um ou outro tiro isolado,
e saiu correndo colina abaixo. Sozinho, em um curral desguarnecido, vi aparecerem
diversos capacetes de soldados. Um deles começou a correr colina abaixo, perseguindo
nossos combatentes, que entravam nos cafezais. Disparei contra ele com a Beretta,
sem atingi-lo, e imediatamente diversos fuzis me localizaram e começaram a atirar.
Empreendi uma corrida em ziguezague, levando sobre os ombros mil balas em uma enorme
cartucheira de couro, e seguido pelos gritos de desprezo de alguns soldados inimigos.
Ao chegar perto do abrigo das árvores, minha pistola caiu. Meu único gesto altivo
dessa manhã triste foi me deter, voltar sobre os meus passos, recolher a pistola
e sair correndo, cumprimentado, desta vez, pela pequena nuvem de pó que as balas
dos fuzis levantavam à minha volta. Quando me considerei a salvo, sem saber dos
meus companheiros nem do resultado da ofensiva, fiquei descansando, entrincheirado
atrás de uma grande pedra no meio da montanha. A asma, que piedosamente me havia
deixado correr alguns metros, agora se vingava de mim e meu coração pulava dentro
do peito. Ouvi o ruído de galhos se quebrando pelos passos de pessoas que se aproximavam.
Já não podia mais continuar fugindo (que era na verdade o que eu tinha vontade de
fazer), mas desta vez era outro companheiro nosso extraviado, um recruta recém-incorporado
à tropa. Sua frase de consolo foi mais ou menos a seguinte: “Não se preocupe,
comandante, eu morro aqui com o senhor”. Eu não tinha vontade de morrer, e tive
a tentação de xingar a mãe dele, mas acho que não o fiz. Nesse dia, me senti covarde.”
“Em 10 de agosto, no último episódio da ofensiva,
discute-se em Las Mercedes a última entrega de prisioneiros. Fidel novamente mostra
seu talento, fazendo com que um prisioneiro libertado seja mais útil, por ferir
profundamente o moral do inimigo, do que um prisioneiro que deve ser alimentado
e vigiado.”
“Um informe emitido pelo SIM em 27 de dezembro
sobre o estado das tropas de batista em Santa Clara mostra, de forma bastante objetiva,
as dificuldades que o coronel Casillas iria encontrar: “Em geral, as tropas daquela
província estão invadidas pelo pessimismo e se queixam de nunca terem sido ouvidas
em nenhuma das oportunidades em que tiveram que enfrentar os rebeldes – sempre em
maior número – e solicitam reforços de homens e munição”. O informe não diz a verdade;
em todos os combates, as tropas de Batista tinham enfrentado forças inimigas iguais
ou inferiores em número, e não superiores; os rebeldes também eram inferiores em
armamento, mas se colocavam sempre na ofensiva e as suas carências eram compensadas
por seu elevado moral e uma excelente direção, tanto no plano geral quanto em relação
aos destacamentos e pelotões.
Em dez dias, as tropas de Che e do diretório arrebataram
à ditadura um território de mais de 8 mil quilômetros quadrados, com uma população
de quase 250 mil habitantes; tomam 12 quartéis do exército, assim como da guarda
rural, da polícia e da marinha em oito povoados e pequenas cidades; forçam a retirada
das guarnições de outra meia dúzia de povoados e pequenas cidades; capturam quase
800 prisioneiros e obtêm aproximadamente 600 armas longas e muita munição. Operando
com grande flexibilidade e acelerando o ritmo da ofensiva – conforme vão descobrindo
os pontos fracos do inimigo – os rebeldes têm um custo muito baixo em mortos e feridos
(apenas 11 mortos em toda a campanha). Mas, certamente, a grande diferença é o extraordinário
comando da guerra de guerrilhas desenvolvida por Che: a velocidade da ofensiva e
seu ritmo desconcertante. Entre o combate de Fomento e o de Guayos e Cabaiguán transcorrem
61 horas, mas entre a conquista destas cidades e o ataque a Placetas transcorrem
apenas duas horas, e entre a ocupação de Placetas e o início do ataque a Remedios
e Caibarien, somente 12 horas. Ele aproveita todas as fraquezas do inimigo e a tremenda
força dos invasores – aqueles jovens camponeses aparentemente incansáveis, valentes
até as raias da loucura, irônicos, risonhos, fortemente motivados, solidários entre
si, orgulhosos, mimados pela admiração popular e dirigidos por capitães e tenentes
que também não ficavam nada a dever, e que tinham pago com seu sangue a ofensiva.
Nenhum dos capitães rebeldes sai ileso, e vários tenentes rebeldes são feridos antes
de serem promovidos a capitães...”
“A organização clandestina e até a UPI – por meio
de um telegrama que informa que Batista enviaria outros 2 mil homens para Santa
Clara – tinha lhes proporcionado abundante informação sobre as tropas que tinham
à sua frente: o trem blindado com seus 380 soldados, morteiros, um canhão, bazucas
e metralhadoras; a guarnição de Leoncio Vidal, o principal quartel da província,
com 1.300 homens, tanques e carros de combate; a delegacia de polícia, com 400 homens
entre policiais, informantes e soldados, além de dois tanques-cometa, dois tanques
de menor tamanho e uma série de pequenos destacamentos reunindo mais de 200 soldados.
No total, são quase 3.200 homens de Batista, aos quais é necessário acrescentar
o apoio ativo da aviação. Che está especialmente preocupado porque tínhamos uma
bazuca sem munição e teríamos de enfrentar uma dúzia de tanques, mas também sabíamos
que, para fazer isso de forma efetiva, precisaríamos chegar aos bairros mais povoados
da cidade, onde a eficiência dos tanques diminui muito.
Para o ataque, Che conta com sete pelotões reunindo
214 homens, a centena de homens que forma a coluna do diretório e outros 50 recrutas
de Caballete de Casa, comandados por Pablo Ribalta e que tinham acabado de receber
suas armas, entre os quais há alguns ex-combatentes da II Frente que passaram para
suas fileiras. São quase nove soldados para cada rebelde e as forças de Che partem
para o ataque. Todos os manuais militares concordariam que a ação que o comandante
Guevara está planejando realizar é uma loucura. Pretende tomar a iniciativa e enfrentar
uma guarnição superior em uma proporção de nove para um em números, e que conta
com um poder de fogo infinitamente superior ao seu; renuncia a concentrar uma parte
importante de seus guerrilheiros para realizar a operação, avança com tropas que
quase não tinham descansado ou dormido nos últimos dez dias (alguns homens do pelotão-suicida
estão há três noites sem dormir, da mesma forma que os combatentes do pelotão Alfonso
Zayas) e a munição é escassa. Mas a guerra do povo não segue manuais. Che sabe que
a velocidade da sua ofensiva impede que a ditadura possa enviar reforços a Santa
Clara; luta contra forças desmoralizadas e conta com apoio popular. Mas, principalmente,
conta com o surpreendente poder de combate de seus homens, curtidos nos combates
dos últimos 11 dias, convencidos da justiça da sua causa e também da proximidade
da vitória. Sabe que o exército ficaria preso na cidade que pensava defender e que
pode ir isolando os redutos das forças militares para lutar contra eles separadamente.
Também acredita que a batalha será longa.
Che só erra no último ponto.”
“À frente da coluna, rumo a Santa Clara, cavalgava
a fama dos rebeldes conhecidos como mau-mau. Os boatos asseguram que eram cavaleiros
magnânimos que libertavam seus prisioneiros depois de lhes explicar as razões da
revolução, assistiam seus próprios feridos e também os do inimigo, nunca abandonavam
um companheiro em combate, advertiam previamente dos seus ataques, recusavam-se
a derramar sangue inutilmente, vingavam as ofensas ao povo e nunca eram derrotados.”
“Vaquerito (comandante do pelotão-suicida) arrisca-se
muito. Seus companheiros recriminam-no, mas ele responde como sempre: “Nunca ouvimos
a bala que vai nos matar”. Instala-se em um terraço da rua Garófalo, a 50 metros
da delegacia, com Orlando Beltrán e Leonardo Tamayo – que se recuperou de seus ferimentos
no hospital de Cabaiguán e voltou à linha de combate. Orlando conta: “Tínhamos acabado
de chegar quando vimos um grupo de seis guardas correndo pelo meio do parque. Atacamos,
mas dois tanques que estavam por perto, na rua, começaram a disparar com as ‘30’.
Tamayo continua: “Eu gritei: Vaquerito, jogue-se no chão que vão te matar! Não obedeceu.
Pouco depois, da minha posição gritei: O que está acontecendo? Por que não está
atirando? Ele não respondeu. Olhei e vi que estava coberto de sangue. Imediatamente,
o levamos até o médico. O disparo foi mortal. Um tiro de M-1 na cabeça”.
Che, que está indo ao encontro dos atacantes pelo
túnel que tinha sido feito derrubando as paredes, cruza com os homens que levam
o corpo do Vaquerito. As crônicas recolhem a frase desolada do comandante diante
do mais agressivo de seus capitães, o mais pitoresco e o mais temerário: Perdi cem
homens. (...) Alguns soldados lutavam chorando. (...) Pouco depois, Orestes Colina
encontra-se com Che, que está acompanhando por um tenente do exército que tinha
sido feito prisioneiro, e em um ataque de raiva diz: “O que devíamos fazer era matar
este aqui”. Che responde suavemente: Você acha que somos iguais a eles?”
“Era sempre um contraste nossa atitude para
com os feridos e aquela do exército, que não apenas assassinava nossos feridos,
como abandonava os seus. Esta diferença foi surtindo efeito no decorrer do tempo
e constitui um dos fatores do triunfo. Lá, com muita dor da minha parte, que sentia
como médico a necessidade de manter reservas para nossas tropas, Fidel ordenou que
se entregassem aos prisioneiros todos os remédios disponíveis para o cuidado dos
soldados feridos. E foi isso que fizemos.”
“Enquanto em Santa Clara os combatentes de Che
e o diretório mantêm um controle férreo sobre as armas e a situação nas ruas, em
Havana a multidão está fazendo a justiça há tanto tempo esperada; uma espécie de
vandalismo racional e seletivo que dirige as multidões que atacam as estações da
Shell, que apoiava Batista e lhe proporcionava os tanques; destroem os cassinos,
propriedade da máfia estadunidense e do submundo de Batista; arrebentam os parquímetros,
um dos negócios escusos do sistema; assaltam as casas das personalidades do regime
(na de Mujal jogam o aparelho de ar condicionado pela janela). O descontrole do
aparelho repressor, que se desagrega cada vez mais a cada minuto que passa, devido
à fuga em massa dos dirigentes de Batista, gera um vazio de poder que nem Cantillo
nem Barquín são capazes de preencher. As forças revolucionárias recusam-se a negociar.
Os estúdios de televisão são tomados por populares que denunciam os horrores da
repressão levada a cabo por Batista.”
“O combatente Mustelier pede a Che que lhe permita
ir a Oriente para visitar sua família, mas o comandante da coluna responde rispidamente
que não.
– Che, mas a revolução já ganhou.
– Não, ganhamos a guerra. A revolução começa
agora.”
“Diante da campanha estadunidense, Fidel contra-ataca
em um discurso proferido em 21 de janeiro na frente do palácio, comparando os crimes
da ditadura com os de Nuremberg e ratificando o direito da justiça popular e dos
fuzilamentos. Submete a referendo – pelo método de levantar as mãos – a justiça
que está sendo aplicada aos torturadores para saber se é considerada correta. Segundo
Carlos Franqui – diretor do jornal Revolución nessa época: Um sim unânime
e descomunal respondeu à pergunta de Fidel. Uma pesquisa nacional privada determina
que 93% da população está de acordo com os julgamentos e fuzilamentos” (...).
O tema é explosivo. A pressão popular entre os
setores sociais favoráveis à revolução é enorme e Fidel sente que ceder nesta primeira
fase às pressões estadunidenses é renunciar à soberania. O diário dirigido por Franqui
conta que os fuzilamentos eram a resposta aos “bárbaros que arrancaram olhos, castraram,
queimaram a carne ou arrancaram testículos, destroçaram unhas, introduziram ferro
nas vaginas das mulheres, queimaram pés, cortaram dedos, enfim, criaram em Cuba
uma paisagem espantosa” e declara: “Ontem ouvimos o Che responder a um grupo de
milicianos que queria dar uma lição a uns delatores que ainda estavam soltos”.
– Nem vocês nem ninguém pode atuar por conta
própria. Existem tribunais revolucionários. Se algum de vocês atuar por contra própria,
ordenarei que seja preso e julgado por um tribunal revolucionário.
Sem dúvida, Che é favorável aos julgamentos sumários,
mas são totalmente irreais as versões geradas entre os exilados cubanos que o transformaram
em “O açougueiro de La Cabaña”, responsável pela maior parte dos fuzilamentos que
tiveram lugar em Havana. Em La Cabaña funcionam os Tribunais Revolucionários 1 e
2; o primeiro julga policiais e militares e o segundo (que não aplicou a pena de
morte), civis. O TRI, dirigido por Miguel Ángel Duque de Estrada, aplica a pena
de morte em diversos casos; pelo menos durante o mês de janeiro há duas dúzias de
sentenças de morte. Che não participa em nenhum dos tribunais, mas na sua condição
de comandante da guarnição, revisa as apelações. Não deve ter tido dúvidas ao ratificar
as condenações, acreditava na justiça e nos últimos anos tinha ficado muito duro
e capaz de enfrentar situações deste tipo.”
“Em 7 de fevereiro (de 1960), o Diário Oficial
publica um curioso decreto mediante o qual adquirem a nacionalidade cubana “por
nascimento” os comandantes rebeldes de origem estrangeira que tenham ocupado este
cargo durante, pelo menos, um ano de processo revolucionário. Trata-se claramente
de uma lei de exceção e que tem apenas um beneficiário – o comandante Ernesto Guevara.
Homenagem e reconhecimento.
No dia seguinte, Che estreia sua nova nacionalidade
fazendo um discurso muito radical em favor da reforma agrária, no qual expressa,
mais uma vez, sua identidade com os camponeses. Já sou bastante guajiro, o ar
da cidade não foi feito para mim. Em El Pedrero, onde passou algum tempo em
um dos acampamentos durante a campanha de Las Villas, lançará um chamado à revolta
agrária radical: Hoje, estamos decididos a chegar até o latifúndio, a atacá-lo
e a destruí-lo (...) O exército rebelde está disposto a levar a reforma agrária
às últimas consequências (...) A reforma agrária deve ser feita em ordem, para que
não se cometam abusos (...) mas na terra que pertence ao povo, que a ocupou ou tomou
pela revolução, não haverá um só comandante das nossas forças, nem um só soldado
deste exército, que seja capaz de atirar contra os camponeses, que sempre foram
nossos amigos... Se alguém pretende tirá-los dela, têm todo o direito de pegar uma
arma e impedir que o façam. Incita à formação de associações de camponeses,
constituídas de baixo para cima pelo voto popular.”
“Uma mulher pergunta-lhe se, por acaso, as casas
dos camponeses queimadas pela ditadura aparecerão nos livros de história.
– Não, não aparecerão nos livros de história...
serão reconstruídas imediatamente.”
“Agora estamos em uma posição em que somos
muito mais do que simples fatores de uma nação; constituímos neste momento a esperança
da América ainda não redimida. Os olhos de todos os grandes opressores e também
daqueles que não perderam a esperança estão voltados para nós. Da nossa atitude
futura, da nossa capacidade para resolver os múltiplos problemas, depende em grande
parte o desenvolvimento dos movimentos populares na América e cada passo que damos
é vigiado pelos olhos onipresentes do grande credor e pelos olhos otimistas dos
nossos irmãos da América.”
“O panorama industrial no começo da revolução,
analisado por Che em um artigo escrito um ano e meio depois, é terrível: Um exército
de desempregados composto por 600 mil pessoas (...), uma série de indústrias que
fabricavam seus produtos com matérias-primas importadas, em máquinas importadas
e utilizando peças de reposição importadas; uma agricultura sem nenhum desenvolvimento,
estrangulada pela concorrência do mercado imperialista e pelo latifúndio, que utilizava
as terras para reservas de cana-de-açúcar ou para criação de gado, preferindo importar
alimentos dos Estados Unidos.”
(em 23 de outubro de 1959) “em uma concentração
nacional contra as agressões aéreas diante do Palácio Nacional, o Che pergunta à
multidão: este governo revolucionário e este povo cederão diante das pressões
estrangeiras? Cederão? A multidão responde com os gritos de Não! Não! No discurso,
há uma frase reveladora: Aqui não é a Guatemala!”
“Em 29 de outubro, é publicada em um jornal argentino
uma entrevista concedida por Che, na qual ele propõe uma revisão radical das relações
com os Estados unidos... Sem dúvida, a América está precisando de alguns barbudos.
Nessa mesma tarde, quando voava em um Cessna 310
de Camagüey em direção a Santa Clara em uma viagem de inspeção, Camilo Cienfuegos
desaparece no ar. No amanhecer do dia 30, começa uma enorme operação de busca. Che
sobe em um Cessna e começa a procurar Camilo; a marinha é mobilizada e os camponeses
realizam uma operação pente-fino em Camagüey. O país inteiro está tenso. Camilo
é, sem dúvida, uma das figuras mais populares e queridas da revolução. Seu avião
desaparece sem ter dado nenhum tipo de sinal. Na reconstrução dos fatos, descobre-se
que, provavelmente, mudou de rumo para se afastar de alguma tempestade e que talvez
tenha se dirigido ao mar. A procura continua, durante uma semana, animada, às vezes,
por informações falsas. Depois, nada. Há alguma raiva nas palavras de Che, que acaba
de perder um de seus poucos amigos: Foi morto pelo inimigo, foi morto porque
o inimigo queria a sua morte. Foi morto porque não há aviões seguros, porque os
pilotos não podem adquirir a experiência necessária, porque Camilo, sobrecarregado
de trabalho, queria chegar em poucas horas a Havana... e também foi morto por seu
próprio temperamento. Camilo não media o perigo; para ele, brincar com o perigo
era um divertimento, atraía-o e utilizava-o; na sua mentalidade de guerrilheiro,
uma nuvem não podia detê-lo ou desviar uma linha já traçada.
A revolução perde assim um de seus escassos dirigentes,
como antes já havia perdido Juan Manuel Márquez, José Antonio Echevarria, Frank
País e Ramos Latour.”
“Em
26 de novembro de 1959, Ernesto Che Guevara recebe sua certidão de nacionalidade
cubana, direito que lhe foi outorgado pela lei de fevereiro. Nesse mesmo dia, a
nação é informada de que o governo acaba de nomeá-lo presidente do Banco Nacional
de Cuba. Muitos anos depois, ainda se contaria a piada (o próprio Fidel a confirma)
de que em uma reunião da direção revolucionária cubana, o primeiro-ministro havia
perguntado se havia algum economista presente e Che, que estava meio dormindo, entendeu
“algum comunista” e levantou a mão.”
“Aproveitando uma visita de Mikoyan ao México,
a direção da revolução cubana envia Héctor Rodríguez Llompart com um convite. Foi
assim que os primeiros soviéticos desembarcaram em Cuba. Em fevereiro de 1960, tem
lugar a visita de Anastas Mikoyan, uma das principais figuras da burocracia soviética
e membro do Politburo do Partido Comunista da URSS.
Che está presente quando Fidel e os outros ministros
do governo o recebem e ouvem a primeira declaração de Mikoyan: “Estamos prontos
para ajudar Cuba” e estará presente durante toda a visita, tanto em conversas privadas
quanto em atos públicos. É, certamente, o primeiro a aplaudir quando Mikoyan entra
em uma sala de concertos. E será, sem dúvida, um dos mais fortes partidários, dentro
do governo cubano, da aproximação dos soviéticos. O que significa a URSS para Che?
Quantos romances sobre a guerra antifascista e a revolução de outubro, a herdeira
da mitologia socialista, a pátria de Lênin, o berço do humanismo marxista, a pátria
do igualitarismo, a alternativa em um mundo bipolar para o tão conhecido imperialismo
estadunidense. Nem os processos de Moscou, nem o autoritarismo policial, nem os
“gulags”, nem a perseguição dos dissidentes, nem o antiigualitarismo burocrático,
nem a economia mal-planejada, nem o marxismo de papelão e o faz-de-conta dos russos
fazem parte da cultura política de Che em 1960.”
“Em 4 de março, quando Guevara está se dirigindo
para o banco, acontece a explosão de La Coubre, um navio francês de 70 toneladas
carregado de armas belgas. Che, avisado da terrível explosão, dirige-se às docas
do arsenal. O desastre é terrível: 75 mortos e quase 200 feridos. Colabora nas tarefas
do resgate. Todos estão em dúvida: acidente ou sabotagem?
O fotógrafo Gilberto Ante, do Verde Olivo,
encontra Che tratando dos feridos, mas está furioso e lhe proíbe que tire fotos.
Acha imoral ser objeto de curiosidade em um acidente. No dia seguinte, tem lugar
o funeral das vítimas. A um quarteirão do cemitério de Colón, na rua 23, há um palanque
coberto com a bandeira cubana e uma faixa de luto. É nesse palco que Fidel pronunciará
pela primeira vez o grito de guerra de “Pátria ou morte”. O fotógrafo Alberto Díaz,
o Korda do Revolución, está focalizando em sua Leika dotada de uma lente
de 90 mm todos os personagens do palanque e, na segunda passagem, encontra-se com
Che, que avança por um dos lados, fica surpreso com o gesto do argentino e dispara
a câmara duas vezes. “Quando o enquadrei, ele tinha uma expressão tão impactante
que quase me causou um sobressalto. Intuitivamente, apertei o disparador”. Alberto
Granado diria a Korda, pouco tempo depois, que nesse dia Che estava com cara de
comer vivo qualquer ianque que encontrasse pela frente; mas não é isso que aparece
na foto.
No negativo aparece um homem não-identificado
do lado direito e umas folhas de palmeira à esquerda; habilmente, Korda suprime
os elementos que distraem e se concentra no rosto: uma imagem peculiar, a cara fechada,
a sobrancelha esquerda levemente arqueada, a boina com a estrela, uma jaqueta fechada
no pescoço, o vento despenteando o seu cabelo. Anos mais tarde, o editor italiano
Feltrinelli encontrará a foto na casa de Korda e fará um pôster. Dezenas de milhares
de cópias, depois milhões de exemplares, percorrem o mundo. É a imagem mais conhecida
do Che, a simbólica, que inundará muros, capas de livros, revistas, mantas, cartazes
e camisetas. É com ela que se confrontará a foto distribuída pelos militares bolivianos
do Che morto na mesa do hospital de Malta, em um duelo simbólico, mas nem por isso
menos impactante. Curiosamente, o editor fotográfico do Revolución não selecionará
a foto naquela oportunidade.
Em 20 de março, Che participa do programa de televisão
Universidade Popular. Está usando um tom grave, com uma segurança muito maior e
com uma atitude diferente daquela que tinha em 1959 e também com uma proposta de
direção: Temos o privilégio de ser o país e o governo mais atacado, não só nestes
momentos mas talvez em todos os momentos da história da América. Muito mais do que
foi a Guatemala e talvez muito mais que o México (...) quando Cárdenas ordenou a
expropriação. E deixa claro que uma sociedade mais justa deve redistribuir a
riqueza: para conquistar algo, temos que tirá-lo de alguém e acho bom deixar
as coisas claras e não se esconder por trás de conceitos que possam ser mal-interpretados.”
“E um mês depois, em um afã de produtividade,
começará outra série que o obriga a escrever semanalmente artigos de reflexão militar
que se intitulam “Consejos al combatiente” e que durará sete meses, com temas como
“o aproveitamento das metralhadoras no combate defensivo”, a disciplina de fogo
no combate”, “a defesa contra os tanques”, ou “a artilharia de bolso”.
Parece que nestes meses de longas horas noturnas
que passa sem dormir no escritório do banco, quer recuperar todo o jornalismo que
quis fazer na vida e não conseguiu.
(...) E se o jornalismo é íntimo, escrever é fundamental,
e a coisa mais sagrada do mundo é o título de escritor, dirá em uma carta
a Sábato.
Por esses dias é publicado Guerra de guerrilhas,
o livro em que Che trabalha desde meados de 1959 e que obviamente é dedicado a Camilo:
Este trabalho pretende se colocar sob a tutela de Camilo Cienfuegos, que deveria
tê-lo lido e corrigido, mas cujo destino o impediu de fazê-lo. Todas estas linhas
e as que se seguem podem ser consideradas uma homenagem (...) ao revolucionário
sem mácula e ao amigo do peito. O livro é um manual, um compêndio da sua aprendizagem
guerrilheira durante a revolução cubana. As três ideias principais estão na primeira
página do primeiro capítulo e parece que há pressa em expressá-las: As forças
populares podem ganhar uma guerra contra o exército; não é necessário esperar que
existam condições para a revolução, o foco insurrecional pode criá-las, e na América
Latina o território da luta armada deve ser fundamentalmente o campo.”
“A espiral de confronto entre os Estados Unidos
e a revolução cubana remonta aos primeiros meses da revolução e estabelece uma série
de medidas e contramedidas cada vez mais agressivas de ambas as partes. Quando o
governo desapropria as plantações de açúcar, os estadunidenses exigem que se cumpra
uma condição impossível: que o pagamento seja feito à vista. Além disso, negam-se
a aceitar como pagamento pela desapropriação o valor que os proprietários das terras
lhes haviam atribuído para o Ministério da Fazenda. Sob ameaças de corte da cota
açucareira e permissões do congresso estadunidense para que Eisenhower pudesse tomar
tal medida, o choque foi transferido para o petróleo. Os russos haviam oferecido
300 mil toneladas de petróleo a preço referencial e créditos para equipamento industrial.
As empresas estadunidenses Standard, Texaco e Shell negam-se a refiná-lo e, de passagem,
também se recusam a fornecer petróleo a Cuba. Em 29 de maio, os cubanos levam navios
de petróleo cru russo para a Shell e os estadunidenses abandonam as refinarias que
são nacionalizadas em 10 de junho. Veio rapidamente a lei de minas, a lei do
petróleo, e depois veio o bloqueio petrolífero, a desapropriação das companhias
de petróleo. Uma vez nacionalizadas as refinarias de petróleo, a empresa de
eletricidade nega-se a aceitar os descontos de 30% e a funcionar com petróleo soviético;
o cerco continua aumentando, cortaram a cota açucareira, nacionalizamos as centrais
açucareiras e nacionalizamos a companhia de eletricidade. Com a cota açucareira
reduzida, em 9 de julho as empresas estadunidenses recebem ordens de fazer inventários
dos seus bens e registrá-los em cartório. Foram umas mudanças com golpes muito
rápidos e espetaculares. Um mês mais tarde, no dia 6 de agosto, Fidel nacionaliza
36 centrais açucareiras estadunidenses e suas plantações, e acrescenta tudo isso
à lista de nacionalização das refinarias, das empresas de petróleo e das companhias
de eletricidade.”
“– Não estão trocando o domínio americano pelo
soviético?
– É ingênuo pensar que homens que fizeram uma
revolução libertadora como a nossa, agora vão se ajoelhar diante de algum dominador.
Se a União Soviética tivesse exigido dependência política como condição para a sua
ajuda, não a teríamos aceito.
A entrevista continua com alguns elogios e Che
ri quando o chamam de cérebro da revolução e responde, sorrindo, que a tática de
colocá-lo contra Fidel não funcionará; entretanto, fica indignado ao lembrar que
na imprensa estadunidense foi publicado um artigo no qual difamavam sua esposa e
sua ex-esposa, e aceita com gosto a denominação que você me dá de revolucionário
pragmático (...) especulo pouco e não me caracterizo por ser um teórico.
Termina a entrevista de forma cautelosa:
E o que acontecerá agora? – pergunta Bergquist.
– Isso depende dos Estados Unidos. Com exceção
da reforma agrária, todas as outras medidas que tomamos foram reações, respostas
diretas às agressões recebidas.”
“Em 13 de outubro, o governo estadunidense declara
o embargo de todas as mercadorias destinadas a Cuba, um bloqueio econômico. A resposta
é imediata: nos dias 13 e 14 são nacionalizados 400 bancos, engenhos de açúcar e
fábricas e, imediatamente depois, é promulgada uma lei de reforma urbana que entrega
as moradias aos seus habitantes ou congela os aluguéis. Como resultado dessas medidas,
o Departamento de Industrialização recebe 277 novas empresas, que se somam às 390
que já vinham administrando, além de quase todas as minas da ilha.”
“A burocracia não nasce com a sociedade socialista
nem é componente obrigatório dela, e atribui três causas ao fenômeno: falta
de consciência, falta de organização e falta de conhecimentos técnicos.
Não tem papas na língua para criticar a direção
econômica da revolução, na qual ele está envolvido pessoalmente, em particular com
a Junta Central de Planejamento (Juceplan), por centralizar sem dirigir, e propõe
uma série de soluções que nunca atingem a raiz do problema: motivação, educação,
consciência, maior conhecimento técnico, organização, liberação de energias.
Che acredita que o grande remédio para a irracionalidade
burocrática, produto da centralização e da hierarquização, é a reação social e a
consciência. E confirmava sua tese com o registro de um fenômeno: quando o país
colocava em tensão suas forças para resistir ao ataque inimigo, a produção industrial
não diminuía, o absenteísmo desaparecia, os problemas resolviam-se com uma velocidade
nunca vista antes, e resumia: O impulso ideológico era conseguido com o estímulo
da agressão estrangeira.”
“Às seis da manhã, do dia 15 de abril, aviões
B-26 estadunidenses, pilotados por cubanos treinados pela CIA, bombardeiam as bases
aéreas de Santiago, San Antonio de los Baños e Ciudad Libertad. Era o prólogo da
já esperada invasão.
(...) É reconfortante saber com total certeza
que pelo menos um dos aviões inimigos foi derrubado e caiu envolto em chamas...
ainda pela manhã vimos o comandante Universo Sánchez – que se encontrava ferido
por um resíduo de metralha, tomando as medidas necessárias caso se repetisse o ataque...
estes novos nazistas, covardes, traidores, assassinos e mentirosos...
E termina: Não sabemos se este novo ataque
será o prelúdio da tão anunciada invasão dos 5 mil vermes... Mas lutaremos sobre
os cadáveres dos nossos companheiros, sobre os escombros das nossas fábricas, cada
vez com maior determinação. Pátria ou morte!
No dia seguinte, Che está em Havana para participar
do enterro dos mortos causados pelo ataque aéreo. O cortejo fúnebre avança pela
rua 23, cercado de milhares de milicianos armados, enquanto as baterias antiaéreas,
colocadas nos prédios mais altos, protegem a manifestação.
Na sua intervenção, Fidel nega que o ataque tenha
sido realizado por aviões cubanos, como afirma a propaganda da CIA e declara que
o objetivo da operação era destruir em terra a aviação cubana, para facilitar o
ataque anfíbio. E é dentro desta lógica de confronto final, de tudo ou nada, de
pátria ou morte, que Fidel determina o caráter socialista da revolução cubana.”
(Em 8 de agosto, no Uruguai) “Che participa da
sessão plenária do Conselho Inter-americano Econômico e Social.
Começa fazendo uma citação de Martí: “O povo que
quer ser livre, deve ser livre nos seus negócios” e estabelece o seu direito de
falar de política deixando de lado os disfarces técnicos da reunião e destacando
que um dos objetivos da conferência é julgar Cuba. Existe uma longa corrente
que nos traz até aqui: aviões-piratas saindo de aeroportos estadunidenses, bombardeios
nos canaviais, a explosão de La Coubre, as empresas de petróleo que em 1960 se negaram
a refinar o petróleo soviético, a suspensão definitiva da cota açucareira em dezembro
de 1960, a tentativa de atentado contra Raúl Castro que partiu de Guantánamo. Por
tudo isso que acabo de dizer, considero que a revolução cubana não pode vir a esta
assembleia de ilustres técnicos para falar de assuntos técnicos.
Define a revolução cubana como agrária, antifeudal
e antiimperialista, que foi se transformando em uma revolução socialista devido
a sua evolução. Fala das realizações: reforma agrária, igualdade para mulheres,
não-discriminação da população negra, sucesso da campanha de alfabetização... E
ataca a Aliança para o Progresso, o grande projeto de desenvolvimento criado por
Kennedy para a América Latina e que, na sua opinião, trata-se de uma armação contra
Cuba e o aumento da onda revolucionária. Não têm um pouco a impressão de que
estão zombando da sua cara? Oferecem dólares para fazer estradas, oferecem dólares
para abrir caminhos, oferecem dólares para fazer esgotos (...) Por que não dão dólares
para equipamentos, dólares para maquinaria, dólares para que nossos países subdesenvolvidos
possam se transformar, de uma vez por todas, em países agroindustriais? Realmente
é triste. Em tom de brincadeira, estabelece a explicação para a Aliança para
o Progresso: Cuba é a galinha dos ovos de ouro; enquanto existir Cuba, eles darão
dinheiro.
(...) E resume: Não temos problema nenhum em
ser excluídos da divisão de créditos, mas somos contrários a ser deixados de lado
na intervenção na vida cultural e espiritual dos povos americanos (...) O que nunca
admitiremos é que seja coagida a nossa liberdade de comercializar e de nos relacionar
com todos os povos do mundo.
A força da mensagem é enorme. Talvez não consiga
comover os representantes profissionais das ditaduras, das democracias de faz-de-conta,
das oligarquias nativas, mas Che não fala para o público presente; Che quer ser
ouvido pelos ausentes, por aqueles que formam a nova esquerda latino-americana que
acha que a revolução cubana inaugurou uma era de profundas mudanças em um continente
castigado pela desigualdade.
Em 9 de agosto, dá em Montevidéu uma entrevista
coletiva, e entre brincadeiras, sorrisos e até aplausos, depois de ter falado aos
jornalistas Perguntem o que quiserem, mas depois escrevam o que eu responder,
Guevara passa duas horas respondendo a um bombardeio de perguntas, respondendo –
com sorte alternada – a um variado questionário que inclui temas muito diversos.
Os presos de Girón e seu destino: Oferecemos
trocá-los por Albizu Campos ou por tratores.
A pirataria aérea: Os estadunidenses estão
ficando com os aviões desviados de Cuba.
Seus trabalhos voluntários como cortador de cana
e carregador de bananas nas docas: O que estou lhe dizendo é verdade, não me
olhe com esta cara de dúvida.
As eleições: Assim que o povo pedi-las em uma
assembleia popular.
(pergunta feita por um jornalista peruano): –
Nos últimos tempos, comenta-se que o racionamento de setecentos gramas por semana
é um dos golpes mais baixos recebidos pelo povo cubano.
– Eu não conheço esse racionamento. Tivemos
que tomar algumas medidas em relação ao consumo de carne, que é muito maior do que
o consumo per capita no Peru, para poder distribuir equitativamente a quantidade
de que dispomos. Nos países como o Peru, o racionamento é feito de uma forma diferente:
os que têm dinheiro compram carne e o pobre índio morre de fome. Você não acha que
é assim?
– Acho que sim, mas há uma coisa que...
– Que ninguém escute você dizer isso!
A nacionalização das escolas católicas. Agora
são simplesmente escolas.
Os trotskistas: Resolvemos que não era prudente
que o trotskismo continuasse incitando à subversão.
A igreja: um governo que não é religioso e
que permite a liberdade de culto.
Listen Yankee, de Wright Mills: Em nossa opinião,
é um livro que contém alguns erros, mas foi feito com toda sinceridade.
A possibilidade de novas revoluções socialistas
na América Latina: Aumentarão, simplesmente porque são o produto das contradições
entre um regime social que chegou ao fim da sua
e do povo que chegou ao fim da sua paciência.
O que
ele come, bebe, se fuma e se gosta de mulheres: Se não gostasse de mulheres não
seria um homem. No entanto, deixaria de ser revolucionário se deixasse de cumprir
nem que fosse uma só das minhas obrigações e dos meus deveres conjugais só porque
gosto das mulheres (...) Eu trabalho entre 16 e 18 horas diárias, durmo seis horas
quando consigo (...) Não bebo, mas fumo. Não tenho tempo para diversões e estou
convencido de que tenho uma missão no mundo, e que devido a essa missão devo sacrificar
a vida doméstica (...) e todos os prazeres da vida diária.
A sua argentinidade: Tenho o substrato cultural
argentino, mas me sinto tão cubano como qualquer um nascido em Cuba.
Somente uma vez perde as estribeiras, quando um
jornalista argentino (Luis Pedro Bonavista) fala sobre sua “ex-pátria” e Che, indignado,
responde: Meu senhor, eu tenho uma pátria muito maior e muito mais digna que
a sua, porque a minha pátria é toda a América, mas o senhor não conhece esse tipo
de pátria.”
“Em 3 de janeiro volta à sua rotina de ministro
e inaugura uma fábrica de bolachas construída com restos de equipamentos descartados
e materiais conseguidos em diversos lugares. Por partes e com muito esforço.
E fica contente por ser uma fábrica de bens de consumo, porque não pode haver
socialismo sem se dar mais produtos às pessoas.”
“É nesta época que Che recebe uma má notícia.
Seu amigo, o Patojo, foi morto em combate na Guatemala. Pouco depois chega às suas
mãos, procedente do México, uma mala que contém roupa e um caderno de poemas. Che
escreve: Alguns dias atrás, ao se referir aos acontecimentos da Guatemala, o
telegrama dava notícia da morte de alguns patriotas e entre eles estava Julio Roberto
Cáceres Valle.
Neste trabalhoso ofício de revolucionário, em
meio às lutas de classe que agitam todo o continente, a morte é um acidente frequente.
Mas a morte de um amigo, companheiro de horas difíceis e dos sonhos das melhores
horas, é sempre muito sofrida para quem recebe a notícia, e Julio Roberto era um
grande amigo.
Depois de chegar a Cuba moramos quase sempre na
mesma casa, como correspondia a uma antiga amizade. Mas a antiga confiança mútua
não podia ser mantida nesta nova vida e só suspeitei do que Patojo queria quando
às vezes o via estudando com interesse alguma língua indígena da sua pátria. Um
dia ele me disse que ia embora, que tinha chegado a hora e que precisava cumprir
o seu dever. Patojo não tinha instrução militar; simplesmente, sentia que o dever
o chamava e ia tentar lutar na sua terra com armas na mão para repetir de algum
modo a nossa luta guerrilheira. Tivemos umas poucas conversas longas desta época
cubana; eu me limitei a lhe recomendar encarecidamente três coisas: mobilidade constante,
desconfiança constante, vigilância constante (...) Era uma síntese da nossa experiência
guerrilheira: a única coisa, além de um aperto de mãos, que eu podia dar ao meu
amigo. Devia ter-lhe aconselhado a não fazer isso? Com que direito, quando tínhamos
tentado algo que todos consideravam impossível, e ele, naquele momento, sabia que
tínhamos conseguido?
Mais uma vez fica o gosto amargo do fracasso.
E esse gosto permaneceria com Che – essa sensação
de que a América Latina era uma tarefa que deveria ser cumprida.”
“(em 26 de outubro de 1960) Fidel envia uma nota
urgente a Kruschev: “A agressão é iminente e deve acontecer nas próximas 24-72 horas.
O mais provável é que seja um ataque aéreo limitado aos alvos que se quer destruir;
em segundo lugar vem a invasão. Resistiremos ao ataque, seja ele qual for”. Sugere
que, no segundo caso, se houver um ataque nuclear, a resposta também seja nuclear.
Nesse mesmo dia, Kennedy manda aumentar a frequência dos voos de observação.
No dia seguinte, Fidel ordena que se dispare contra
os voos piratas. Ao meio dia, um avião U-2 estadunidense que sobrevoa território
cubano é derrubado por um projétil SAM, disparado por iniciativa dos comandantes
russos de uma das bases.
A tensão chega ao ponto máximo. E, então, sem
advertir nem levar em consideração os cubanos, Kruschev propõe a Kennedy o desmantelamento
em troca de uma proposta de não-invasão a Cuba e de uma negociação sobre a retirada
dos mísseis estadunidenses da Turquia, que estão dirigidos contra a Rússia. Em princípio,
Kennedy aceita a proposta e novamente os cubanos ficam no meio do jogo político
da guerra fria.
Em 28 de outubro, na redação do jornal Revolución,
o diretor Carlos Franqui recebe um telegrama da AP dizendo que Nikita vai retirar
os mísseis. O diretor do diário entra em contato com Fidel. Para o dirigente cubano,
é a primeira notícia sobre o assunto. Fidel solta uma ladainha de insultos: “Moleque,
como, filho-da-puta”. No dia seguinte, o jornal Revolución anuncia: “Os soviéticos
retiram os mísseis”. O povo nas ruas canta: “Nikita, mariquita, lo que se da no
se quita*”
No dia seguinte, Fidel recebe um boletim informativo
de Kruschev. O dirigente soviético esclarece que negociou com base em uma promessa
de Kennedy de não intervenção em Cuba. Fidel declara publicamente que se opõe a
uma inspeção de Cuba, justifica a derrubada do avião e responde a Kruschev: “O perigo
não nos assusta, porque já ficou tanto tempo pairando sobre nós, que acabamos nos
acostumando a ele”.
(...) Em um artigo escrito nesses dias e que só
seria publicado depois da sua morte, talvez pela denúncia da atitude dos soviéticos,
“Tática e estratégia da revolução latino-americana”, Che faz um balanço muito duro
da crise. É o exemplo arrepiante de um povo disposto a se imolar atomicamente
para que suas cinzas sirvam de base para as novas sociedades. E quando – sem o povo
ser consultado – é firmado um pacto que determina a retirada dos mísseis atômicos,
não suspira de alívio nem agradece a trégua; declara com voz própria e única a sua
posição de combatente, própria e única, e, mais ainda, sua decisão de lutar nem
que seja sozinho.”
*Nikita, seu viado, o que é dado não pode ser
tirado.
“Novamente Che se retira para cumprir suas tarefas
de industrialização, constatando que a produtividade tinha aumentado durante a crise...
apesar das mobilizações das milícias, dos alertas, das prioridades militares nos
transportes... Só há uma forma de entender isso: a consciência dos trabalhadores
nos momentos de crise eleva-se acima dos problemas; é a tensão política, o fator
de consciência que faz a diferença que nenhuma norma, compulsão ou grande prêmio
podem conseguir. Era a própria lição da sua vida: o grande dínamo era a consciência
social, a vontade”.
“Che continua sendo o personagem difícil e querido,
que pressionava brutalmente seus colaboradores e mantinha uma eterna reserva, muito
difícil de se romper. Otulski conta: “Fomos ficando mais próximos em diversos encontros,
mas sem intimidade nem amizade, e nos primeiros meses tivemos alguns confrontos.
Um dia, coloquei a mão sobre seu ombro em sinal de afeto e ele me disse:
– Por que essa confiança?
Eu tirei a mão. Os dias foram passando e uma vez
ele me disse:
– Sabe que você não é tão filho-da-puta como tinham
me contado?
Rimos muito e ficamos amigos”.”
“As anedotas sobre o peculiar estilo de Che continuam
se multiplicando: em 21 de janeiro, o conselho diretor do Ministério da Indústria
estuda as empresas farmacêuticas. Che tinha a seu lado uma garrafa térmica cheia
de café e Gravalosa lhe pede para abri-la e servir o café. Mas a garrafa permanece
fechada durante toda a reunião. Ao terminar, Gravalosa reclama: “Reuniões sem café...”
e Che responde: Não havia café suficiente para todos, por isso não há café para
ninguém.”
“Em 23 de fevereiro, o comandante Guevara está
cortando cana na Central Orlando Nodarse, juntamente com uma brigada do ministério;
o motorista fica na sombra, no caminhão, e Che, contendo a raiva, chega perto dele
e diz:
– Companheiro, onde está o seu facão?
– Eu não vim cortar cana, eu sou motorista.
– Escute,
motorista qualquer um pode ser. Pode procurar um facão e começar a trabalhar como
todos nós ou pode ir embora neste instante. E não se preocupe com o caminhão, que
eu mesmo posso dirigir na volta. Como acontece sempre com as vidas dos santos,
a versão já chegou até nós suavizada; o leitor pode colocar alguns “porra” e “puta
que o pariu” e terá uma versão mais próxima da realidade, segundo o depoimento de
um dos colaboradores de Che ao autor.”
“Em 20 de fevereiro, Che responde a uma carta
de María Rosário Guevara de Casablanca, dizendo que não tem ideia de que lugar da
Espanha procede a sua família. Mas já faz muito tempo que os meus antepassados
saíram de lá, com uma mão na frente e outra atrás, e se não conservo as minhas assim
é devido ao incômodo da posição. Não acredito que sejamos parentes próximos, mas
se você é capaz de tremer de indignação cada vez que se comete uma injustiça no
mundo, então, somos companheiros e isso é muito mais importante.”
“Nesse momento (setembro de 1963), a guerrilha
de Masetti está em uma fase prévia ao início dos combates, realizando trabalho político
com os camponeses da região e em processo de treinamento. Masetti escreve à sua
esposa: já percorremos mais de uma centena de quilômetros no mapa, mas na realidade
são muitos mais. Nosso contato com o povo é positivo, sob todos os pontos de vista.
Dos coyas aprendemos muitas coisas e ajudamos em tudo que é possível. Mas, o mais
importante, é que querem lutar... Esta é uma região em que a miséria e as doenças
chegam ao seu nível máximo e até o superam. Há uma economia feudal... A pessoa que
vier aqui e não se indignar, quem chegar aqui e não pensar em pegar em armas, quem
puder ajudar de qualquer forma e não o fizer, é um canalha...”
“Leonardo Tamayo: Che sempre tinha a Argentina
na cabeça, embora falasse um monte de barbaridades sobre sua terra natal e seus
patrícios. Che dizia: O último país a se libertar na América Latina será a Argentina.
Na Argentina, apesar de haver pobres, o camponês come bons bifes e a luta só começa
quando a pobreza é extrema. E para tirar de casa os argentinos, é preciso um guindaste.”
“Em 11 de dezembro (de 1964), fala na ONU. O discurso
significa um verdadeiro ajuste de contas da revolução cubana com os Estados Unidos
e com as ditaduras latino-americanas. Talvez seja seu melhor discurso e uma das
melhores expressões da política internacional da esquerda revolucionária da década
de 1960.
Depois de declarar que os ventos da mudança avançam
por toda parte, queixa-se de que o imperialismo estadunidense, principalmente,
pretende fazer acreditar que a coexistência pacífica pertence exclusivamente às
grandes potências da Terra. E registra: agressões contra o reino do Camboja,
bombardeios no Vietnã, pressões turcas sobre o Chipre, agressões no Panamá, prisão
de Albizu em Puerto Rico, manobras para adiar a independência da Guiana, apartheid
na África do Sul e a intervenção neocolonial no Congo, à qual dedica boa parte do
discurso e uma frase significativa (todos os homens livres do mundo devem estar
dispostos a vingar os crimes cometidos no Congo), e depois de subscrever a petição
de desarmamento nuclear, um dos motivos principais da conferência, passa a fazer
um ajuste de contas, informando sobre as agressões recentes contra Cuba e a recente
proibição estadunidense de lhe vender remédios. Propõe um plano de paz no Caribe,
incluindo a desativação da base de Guantánamo, o término dos voos, dos ataques e
das infiltrações de sabotadores e de lanchas piratas procedentes dos Estados Unidos,
assim como o fim do bloqueio econômico. Para ilustrar a magnitude do problema, registra
1.323 provocações de todo tipo durante o ano em curso, todas originadas da base
de Guantánamo.
Resume o apoio dos Estados Unidos às ditaduras
latino-americanas e sua intervenção direta na Venezuela, na Colômbia e na Guatemala
na luta contra as guerrilhas. Muito longe da linguagem habitual da coexistência
pacífica, está o desafio de Che e a sua ameaça: O nosso exemplo dará frutos no
continente.
Sua intervenção, além da resposta professoral
de Adlai Stevenson, provoca a fúria dos delegados de Costa Rica, Nicarágua, Panamá,
Venezuela e Colômbia.
Algumas horas depois, volta ao palco, solicitando
o direito de resposta.
Agora, Che está no seu elemento – como polemizador
– e enfrenta os delegados: o de Costa Rica, por ignorar a existência de uma base
de contrarrevolucionários cubanos dirigidos por Artime, onde se faz contrabando
de whisky; o da Nicarágua: não entendi bem a sua argumentação em relação ao sotaque
(acho que não se referiu a Cuba, Argentina, talvez à União Soviética), mas espero
que em todo caso o representante da Nicarágua não tenha encontrado sotaque estadunidense
no meu discurso, porque isto sim, seria perigoso. Realmente pode ser que durante
o meu discurso tenha escapado algum sotaque da Argentina. Eu nasci na Argentina;
isso não é segredo para ninguém. Sou cubano e também sou argentino e, sem querer
ofender às ilustríssimas senhorias da América Latina, sinto-me tão patriota da América
Latina, de qualquer país latino-americano, quanto qualquer um de vocês, e no momento
em que seja necessário, estou disposto a dar a vida pela libertação de qualquer
um desses países, sem pedir nada a ninguém, sem exigir nada e sem explorar quem
quer que seja. E este é o ânimo, não só deste representante transitório diante desta
Assembleia, mas de todo o povo de Cuba.
A seguir, chega a vez de criticar Stevenson, que
já havia se retirado da Assembleia, e lhe demonstra que está mentindo ao negar o
embargo de remédios; que faz demagogia com a questão de oferecer asilo aos invasores
da Baía dos Porcos (dariam asilo ao pessoal que eles mesmos tinham armados).
Lembra da sua afirmação que os aviões que tinham atacado Cuba durante a batalha
de Girón tinham saído de Cuba, quando na verdade tratava-se de uma operação da CIA
e lhe joga na cara este argumento: aconteça o que acontecer, continuaremos sendo
uma pequena dor de cabeça sempre que cheguemos até esta Assembleia ou a qualquer
outra, porque estamos dispostos a chamar as coisas pelos seus devidos nomes e a
dizer que os representantes dos Estados Unidos são os agentes da repressão no mundo
inteiro.”
“Deve ser dito com toda sinceridade que em
uma verdadeira revolução, na qual se entrega tudo, sem esperar nenhuma retribuição
material, a tarefa do revolucionário de vanguarda é ao mesmo tempo magnífica e angustiante
(...) Nestas condições é necessário ter uma grande dose de humanidade, uma grande
dose de senso de justiça e de verdade, para não cair em extremos dogmáticos, em
escolasticismos frios, no isolamento das massas. É necessário lutar todos os dias
para que este amor pela humanidade se transforme em fatos concretos, que sirvam
de exemplo, de mobilização...”
“Dessa longa conversa, só conhecemos os breves
comentários feitos por Fidel ao longo dos anos. Em um deles, afirma que “eu mesmo
sugeri a Che que era necessário ganhar tempo, esperar” (para se lançar numa tarefa
dessas na América Latina); mas Che queria ir embora.
Sentia Che o peso dos anos? Teria medo de não
estar em condições físicas para uma nova experiência guerrilheira? O próprio Fidel
sugere isso durante sua conversa com Gianni Mina: “Acredito que influiu o fato do
tempo estar passando. Ele sabia que para tudo isso era necessário ter condições
físicas”; também devemos levar em consideração as palavras de Che, lembradas por
Manresa, seu secretário particular: “Em 1961, quando chegamos ao escritório do Departamento
de Indústria, Che encostou-se em um arquivo e disse:
– Vamos passar cinco anos aqui e depois vamos
embora. Com cincos anos mais, ainda podemos fazer uma guerrilha...”
Tinham passado apenas quatro anos.
E Fidel não podia, nunca pôde, detê-lo, segurá-lo.
Sem dúvida, Che nesse momento apela a uma antiga dívida que Fidel tinha contraído
com ele, assumida nos já longínquos dias do exílio: “Quando ele se juntou a nós,
no México, pediu somente uma coisa:
– A única coisa que eu quero é que, depois
de a revolução ter triunfado, se eu quiser ir lutar na Argentina, que isso não seja
impedido, que não exista nenhuma razão de Estado que não me permita fazer isso.
E eu prometi. Em primeiro lugar, ninguém sabia
se iríamos ganhar a guerra nem se iríamos ficar vivos para contar a história”.”
“Fidel e Che saem para conversar. Che entrega
à Fidel os papéis que vinha escrevendo – é a sua carta de despedida.
Fidel, nesse momento, lembro-me de muitas coisas.
Lembro-me de quando conheci você na casa de María Antonia, de quando você me propôs
ir junto, de toda a tensão dos preparativos. Um dia, passaram perguntando a quem
deveriam avisar em caso de morte e a possibilidade real do fato foi um golpe para
todos. Depois soubemos que isso era verdade, que em uma revolução ou se vence ou
se morre (se ela for verdadeira). Muitos companheiros caíram no caminho para a vitória.
Hoje tudo tem um tom menos dramático, porque estamos
mais amadurecidos, mas o fato se repete. Sinto que cumpri a parte do meu dever que
me ligava à Revolução Cubana neste território e quero me despedir de você, dos companheiros
e do seu povo, que já é meu também.
E continua, declarando que tem uma dívida com
Fidel – o fato de ter pensado em algum momento que não poderia chegar até o fim.
Vivi dias magníficos ao seu lado e senti orgulho de pertencer ao nosso povo,
naqueles dias luminosos e tristes da crise do Caribe. Poucas vezes brilhou tão alto
um estadista como nesses dias, e me orgulho de ter seguido você sem vacilar, de
ter me identificado com a sua maneira de ver e de sentir os perigos e os princípios.
Outras terras do mundo reclamam a contribuição dos meus modestos esforços. Posso
fazer o que é negado a você, devido à sua responsabilidade com Cuba, e chegou a
hora de nos separarmos.
A carta não está isenta de certo dramatismo e
nela não aparece o habitual tom irônico de Che. Parece sentir que a despedida é
para sempre. Deixo aqui o que há de mais puro em minhas esperanças de construtor
e os mais queridos dos meus seres queridos (...) e deixo um povo que me acolheu
como a um filho: isso dilacera uma parte do meu espírito.
E o tom se repete: Declaro mais uma vez que
libero Cuba de qualquer responsabilidade, salvo a que brota do seu exemplo. E que
se a minha hora chegar sob outros céus, meu derradeiro pensamento será para este
povo e especialmente para você.
Há na carta um tom de testamento: Não deixo
a meus filhos nem a minha mulher nada material e não o lamento; fico contente que
seja assim. Não peço nada para eles, porque o Estado lhes proporcionará o suficiente
para viverem e se educarem.
São muitas as coisas que gostaria de dizer a você
e ao nosso povo, mas sinto que são desnecessárias. As palavras não podem expressar
o que eu quero e não vale a pena gastar papel. Até a vitória, sempre. Pátria ou
morte!
Recebe o meu abraço com todo fervor revolucionário.
Che.”
(Luta no Congo) “Não, tudo havia ido muito mal.
Às cinco horas da madrugada, os cubanos tinham aberto fogo com um pequeno canhão
e com metralhadora, surpreendendo os defensores do quartel; entretanto, logo depois,
começam as deserções dos ruandeses, assustados com os morteiros e metralhadoras
dos mercenários. Desesperado, Dreke resume: “Naquele momento só os cubanos continuaram
atirando. Não tínhamos muitos projéteis. Os ruandeses, que não sabiam atirar rajadas
curtas, metiam o dedo e gastavam os 30 tiros de uma vez só. Estávamos combatendo
contra um batalhão de 500, 600 homens. Não se tratava de tomar o quartel, mas de
provocá-los para que caíssem nas emboscadas. Com o tempo, percebemos que havia muitos
covardes. Diziam que a Dawa* era muito fraca. Todo mundo sente medo na guerra, mas
temos de superá-lo para viver. O barulho de um calibre 50 ou 30 em uma selva escura,
com neblina, animais apavorados em fuga, é impressionante. Não era muito fácil para
ninguém, nem para os nossos, que se comportaram muito dignamente, que aguentaram.
Dois ou três ruandeses aguentaram conosco. Depois de um ato de covardia, pode nascer
um herói. Sabemos disso. Mas nossa gente não entendeu; esperávamos muito mais deles”.
Essa foi a tônica da operação: começamos com brio, mas antes do início do combate,
já tínhamos perdido homens em muitas posições e depois houve uma debandada completa.”
* Suposta magia que protegeria os combatentes
de tiros.
“A presença do inimigo, que até então tinha estado
muito passivo, começa a se fazer sentir. Aumentam os bombardeios, as aldeias camponesas
são metralhadas. Lançam-se panfletos nos quais o governo de Mobutu oferece recompensas
aos camponeses pelos assessores cubanos e tratamento justo para aqueles que abandonarem
as armas. Jogavam os panfletos depois de bombardear e semear o terror. Parece
que este é um método-padrão dos exércitos repressivos. Esta presença aérea corresponde
à chegada de 200 milhões de dólares de financiamento estadunidense ao governo e
à chegada de assessores da CIA; entre eles havia estadunidenses, cubanos veteranos
da Baía dos Porcos, soldados da Rodésia e da África do Sul, uma operação descrita
por um dos membros da CIA como “levamos nossos próprios animais”.”
“De onde Che tira energia para este retorno depois
da terrível experiência congolesa? Após sua morte, o jornalista americano I.F. Stone
reflete: “Com a assunção do poder temporal, tanto a revolução quanto a igreja entram
em um estado de pecado. Podemos imaginar facilmente como esta lenta erosão da virtude
original deve ter incomodado Che. Não era cubano e não podia se sentir satisfeito
se libertasse apenas um país latino-americano. Pensava em termos continentais. Em
certo sentido, estava como os santos primitivos, procurando refúgio no deserto.
Só lá a pureza da fé poderia ser salvaguarda do irregenerável revisionismo da natureza
humana”. Mas há algo mais que Stone não percebeu. A América Latina não era apenas
um território salgariano*, onde podia ser praticada a estocada secreta que despacharia
os miseráveis de maneira honrosa, ou a zona de sonhos juvenis associada à vingança
vemiana** do capitão Nemo, utilizando imagens literárias da infância guevarista.
A América Latina também era um continente absolutamente real. E suas imagens, as
misérias profundas dos bairros de Caracas, o horror da desigualdade social peruana,
a demagogia boliviana, a prepotência dos militares colombianos, o abuso imperial
mafioso na América Central, os ditadores de faz-de-conta que ordenavam torturas,
a desnutrição, a fome, a ignorância, o medo, eram imagens reais que Che havia gravado
em sua retina durante as viagens da juventude. Daí a tenacidade de Che, a clara
consciência de que a necessidade da revolução latino-americana – não só sua necessidade
moral –, era inadiável. E se isto fosse pouco, em 1966 esta revolução parecia possível,
não só no sentido de algo realizável, atingível, mas no mais terrível e urgente
sentido de próxima.”
* Relativo à Emólio Salgari (1863-1911).
** Relativo à Jules Verne (1828-1905), escritor
francês.
(Durante a guerrilha na Bolívia) “Estava esquecendo
de ressaltar um fato: hoje, depois de um pouco mais de seis meses, tomei um banho.
Constitui um recorde que vários já estão alcançando.”
“Simón Cuba (do qual uma semana antes Che dissera
que talvez aproveite alguma confusão para tentar escapulir sozinho), estava
chegando ao ponto mais alto da subida de uns 60 metros de uma escarpa muito íngreme,
suportando praticamente todo o peso do comandante Guevara que, ferido na perna direita
e com um terrível ataque de asma, mal podia se mexer. Che ainda segurava sua carabina
M-2 inutilizada no último confronto (um tiro que ia em sua direção acertou a arma).
O cabo Balboa e os soldados Encinas e Choque deixam-nos
avançar e depois Balboa grita-lhes que se rendam. Simón não tem tempo de levantar
seu fuzil porque os três soldados estavam mirando para ele. Então, dizem que gritou:
“Este é o comandante Guevara e vocês vão respeitá-lo, caralho!”
Os soldados, desconcertados, se encolhem; conta-se
inclusive que um deles disse: “Sente-se, senhor”. Depois, recuperados do espanto,
tiram as armas dos prisioneiros: o fuzil de Simón, o M-2 quebrado de Che, sua pistola
e um punhal Solingen.”
“Mais ou menos nesse mesmo momento, um dos três
grupos de guerrilheiros que estavam combatendo na parte alta da quebrada (Inti Peredo,
Harry Villegas, Alarcón, Ñato Méndez, Leonardo Tamayo, Adriazola) consegue chegar
ao ponto de encontro previamente combinado com Che, depois de evitar astutamente
mais soldados bolivianos. No caminho, encontram farinha jogada no chão; os combatentes
se preocupam, Che nunca teria permitido isto. Mais tarde, aparece o prato de Che
pisoteado. Inti Peredo narra: “Eu o reconheci, porque era uma vasilha funda, de
alumínio. Não encontramos ninguém no lugar da reunião, embora tenhamos reconhecido
rastros e as abarcas do Che, que deixavam uma marca diferente dos outros calçados
e por isso mesmo, eram facilmente identificáveis. Mas este rastro perdia-se mais
para a frente”. Alarcón completa: “Vimos o Che sair e escapar do cerco e por isso
acreditamos que ele já estivesse fora de perigo. Deviam ser três da tarde quando
vimos o Che iniciar a retirada; então dissemos: já está fora de perigo. Mas é que
não vimos que ele tinha voltado para socorrer Simón e o Chino (...). O combate terminaria
por volta das cinco da tarde.”
“Depois da uma da tarde, Terán, de baixa estatura
– não devia medir mais de 1,60m, atarracado, 65 quilos –, entrou no quartinho da
escola onde o Che estava. Trazia nas mãos um M-2 que pedira emprestado ao suboficial
Pérez. No quarto ao lado, Huanca acabava com Chino e Simón.
Che estava sentado em um banco, com os pulsos
amarrados, encostado na parede. Terán vacila, diz alguma coisa, Che responde:
– Nem se incomode. Você veio me matar.
Terán faz um movimento como se fosse ir embora
e dispara a primeira rajada, respondendo à frase, que quase 30 anos depois, dizem
que Che proferiu: – Atire, covarde, que vai matar um homem!
“Quando entrei na sala, o Che estava sentado num
banco. Quando me viu, disse: Você veio me matar. Eu não tinha coragem de disparar,
e então o homem me disse: Fique calmo, você vai matar um homem. Então, dei
um passo para trás, rumo à soleira da porta, fechei os olhos e disparei a primeira
rajada. Che caiu no chão com as pernas destroçadas, contorceu-se e começou a perder
muito sangue. Recuperei o ânimo e disparei a segunda rajada, que o atingiu no braço,
em um ombro e no coração”.
Pouco depois, o suboficial Carlos Pérez entra
no quarto e dispara contra o corpo. Não será o único: o soldado Cabero, para vingar
a morte de seu amigo Manuel Morales, também dispara contra Che.
As diferentes testemunhas parecem concordar sobre
a hora da morte de Ernesto Che Guevara: uma e dez da tarde do domingo, 9 de outubro
de 1967.”
“A morte de Ernesto Guevara provocou estupor,
desconcerto, assombro, perturbação, raiva, impotência, em milhares de homens e mulheres.
Em apenas 11 anos de vida política e sem querer, Che tornou-se material simbólico
da tantas vezes adiada e traída revolução latino-americana. Nossa única certeza,
naqueles anos, era que o material dos sonhos não morre nunca.”
“Há uma lembrança. Desde milhares de fotos, pôsteres,
camisetas, fitas, discos, vídeos, postais, retratos, livros, frases, testemunhos,
todos os fantasmas da sociedade industrial que não sabe depositar seus mitos na
sobriedade da memória, Che nos vigia. Para além de toda parafernália, ele retorna.
Em era de naufrágios, é nosso santo leigo. Décadas depois de sua morte, sua imagem
cruza as gerações, seu mito passa deslizando em meio aos delírios de grandeza do
neoliberalismo. Irreverente, irônico, obstinado, moralmente obstinado. Inesquecível.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário